segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Usos e abusos da bandeira de Israel

Na contramão dos pensadores e intelectuais progressistas judeus, e comprometidos com a democracia, por que a extrema-direita atual gosta de desfraldar a bandeira de Israel?


A resposta rápida e clara, sem subterfúgios, é que a extrema-direita israelense, liderada por Netanyahu, tem hegemonia no governo de Israel. Não por menos Netanyahu é adjetivado de nazisionista por muitos de seus compatriotas israelenses.

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Não se trata de pessimismo. Trata-se de lógica!

Não se trata de pessimismo. Trata-se de lógica!


Não por menos a extrema-direita começou, até no Brasil, a desfraldar as bandeiras dos EUA e de Israel nas manifestações de Bolsonaro. Até na intentona golpista do 8/01/23 um desses imbecis portou a bandeira de Israel.

Para os que não têm memória, ou gostam de usá-la seletiva e convenientemente, Trump deu pleno apoio à extrema-direita israelense, liderada por Netanyahu, à negação aos palestinos de terem reconhecido o seu Estado e para a instalação de novas colônias judaicas no território palestino da Cisjordânia. 

Netanyahu, em jogo estratégico bem conhecido, fortaleceu o Hamas em detrimento da Autoridade Palestina, para alcançar o seu objetivo principal de não deixar que se criasse o Estado Palestino. Colheu, já desmoralizado, as trágicas consequências!

O Hamas e a extrema-direita israelense no poder são simétricos em suas responsabilidades pela guerra. O Hamas não aceita a existência do Estado de Israel. Netanyahu e os seus liderados não aceitam que o Estado Palestino exista!

A grande virada geopolítica que se seguirá, traz risco maior de guerras e de fragilização das democracias em todo o mundo.

Quem apoia o massacre de palestinos?

Definitivamente, os judeus e, consequentemente, Israel, não são contra os palestinos.


Quem o é é a sua extrema-direita ultranacionalista, fundamentalista e racista.

O que está havendo em Gaza não é uma guerra contra o Hamas, muito menos ações operacionais e de inteligência para resgatar prisioneiros!

O que está havendo é a continuidade da política de Netanyahu para inviabilizar a criação do Estado Palestino. A extrema-direita está se valendo da comoção criada com a violência do Hamas e com a captura de prisioneiros para colocar a população israelense e as suas forças armadas prisioneiras dos seus desígnios.

E, como toda extrema-direita, adoram “soluções finais e definitivas”. Adoram limpezas étnicas e genocídios!

A inteligência tem que voltar a prevalecer!

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… e, ao final, após toda a barbarie, não há qualquer garantia de que o Hamas, um grupo naziterrorista, será exterminado e de que os prisioneiros sejam resgatados com vida!

sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Massacres e Genocídios

Afinal, ao longo de toda a história da humanidade exércitos vencedores não praticaram massacres e genocidios?


Muitos estudiosos desses eventos poderiam até dizer que isto sempre foi absolutamente normal, para concluir que isso também seria normal nos nossos dias.

Mas não é mais possível nos nossos dias! Antes não havia internet e redes sociais planetárias; agora crimes contra a humanidade são reportados em tempo real e o valor fundamental da vida e os direitos humanos têm que ser respeitados!

Esta é a razão pela qual os extremistas de direita e de esquerda se importunam tanto com o jornalismo livre a serviço da democracia!

Esta é a razão pela qual a atual liderança nazisionista de Israel, mesmo com todo o poder econômico e influência que possuem, não consegue fazer com que a consciência democrática majoritária existente em todo o planeta engula o argumento de que os palestinos estejam sendo massacrados em Gaza em nome do direito de defesa e de existência do Estado de Israel.

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

A ironia de tornar-se o que você uma vez odiou

Seria impensável uma crítica aos judeus como a traduzida na imagem abaixo antes do atual momento.


O mundo pós II Guerra mundial apoiou o surgimento de Israel como um símbolo de compromisso com a democracia, a liberdade e os direitos humanos.

Era necessário que não se esquecesse o Holocausto, que levara ao extermínio de 6 milhões de judeus nas mãos dos carrascos nazistas, para que jamais uma doutrina política fascista e racista defensora de limpezas étnicas pudesse se afirmar em qualquer parte do mundo.

Mas a liderança de Netanyahu em Israel marcou a ascensão ao poder do Estado judaico de uma extrema-direita fundamentalista e nacionalista empenhada em impedir a criação do Estado Palestino. Alguns de seus compatriotas já lhe cravaram o adjetivo de nazisionista.

A violência que está sendo empregada em Gaza, com a matança de milhares de palestinos indefesos, entretanto, vem despertando um crescente sentimento de indignação e preocupação, a iniciar-se na própria comunidade judaica, de que o atual grupo dirigente de Israel está em contraposição aos ideais que orientaram a fundação do Estado de Israel.

O mais importante a ser dito é que as tradições democráticas do povo judeu em toda parte do mundo, e a contribuição de seus grandes intelectuais, têm sido alicerce para o pensamento mais progressista da humanidade. E que isso não pode ser traído!

É a isso que devemos nos apegar para construir uma nova convivência na qual judeus e palestinos possam viver em paz.

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

O que Israel conseguirá com a sua violência em Gaza?

E não conseguirá destruir o Hamas; este, provavelmente, não acabará porque não é formado apenas de militantes, embora, devido ao seu ideário e métodos naziterroristas, vá sair enfraquecido, quase dizimado e capenga, além de isolado politicamente junto aos palestinos e nas comunidades dos países árabes e internacional.


Sim, haverá vários derrotados: o ideário nazisionista da extrema-direita israelense, que não aceita a existência do Estado Palestino; o ideário naziterrorista do Hamas que não aceita a existência do Estado de Israel; e uma certa ideia de ocidente como a de “mundo civilizado”, herdeira de uma certa nostalgia com os impérios baseados na força bélica adquirida por terem feito antes a revolução industrial e as revoluções científica e tecnológica.

Estamos iniciando uma nova era: a de um mundo multipolar!

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Netanyahu, o líder de extrema-direita

Os que mais o conhecem são os próprios judeus israelenses. Um belo currículo: extrema-direita, ultranacionalista, fundamentalista e corrupto (condenado); mereceu de um de seus próprios compatriotas o adjetivo que lhe cabe como uma luva, o de nazisionista; quer diminuir os poderes da Suprema Corte Israelence, restringir as liberdades civis e comprometer a democracia; vem sendo alvo, em protesto, das maiores manifestações de massa da história de israel.


Transformou o argumento moral dos israelenses de que sua guerra se justifica para garantir o direito de defesa e de existência de Israel em guerra de agressão genocida contra os palestinos.

Sua liderança conduzirá o seu país a mais uma vitória militar contra o Hamas e os palestinos, sem dúvida, mas também à derrota moral e ao isolamento político e internacional sem precedentes de Israel.

Em consequência, tornou-se um problema, em primeiro lugar para os próprios judeus; em segundo lugar para o próprio Ocidente, que, ao apoia-lo, terá que assumir a responsabilidade por seus crimes humanitários e pela crise geopolítica que sua liderança está provocando.

Biden, ao bancá-lo de forma unilateral, torna-se uma liderança em ocaso e ridícula no seu próprio país, colocando em risco a própria democracia americana.

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

SER JUDEU NO BRASIL

Por Peter Pál Pelbart *

Sou judeu, húngaro, amante da filosofia, dos loucos, dos indígenas, simpatizante doas zapatistas, das feministas, dos movimentos sociais e suas ocupações, dos dissidentes de toda ordem, e ferrenhamente antifascista. Por sorte não vivo na Hungria nem em Israel, embora já tenha obtido – e renunciado – ao passaporte de ambos, países cuja escalada xenófoba e fundamentalista (cristã ou judaica) é para mim motivo de madrugadas de perturbação e insônia – assim como a recente virada política no Brasil é motivo de cotidiano alívio e regozijo. 


Nada me parece mais abjeto do que o fascismo, em suas formas diversas, históricas ou atuais. No passado, dele foram vítimas judias e judeus, ciganas e ciganos, homossexuais, esquerdistas, loucas e loucos, artistas, cientistas, intelectuais, desviantes. Pensávamos, nós do campo da esquerda, que era um capítulo já sepultado de nossa história, e qual não foi nossa surpresa ao vê-lo reaparecer sob novas formas em pleno século 21.

Houve um tempo em que ser judia ou judeu era, em parte, uma condição existencial minoritária. Ao lado das perseguições, pipocavam os sonhos revolucionários. Diante da violência seletiva, a salvação do mundo. Pertencer à comunidade significava ir além da comunidade, abarcar o mundo. Algum messianismo transparecia em utopias nada religiosas. Mesmo quando não era este o caso, uma imensa generosidade ética caracterizava essa constelação: Espinosa, Marx, Freud, Rosa Luxemburgo, Kafka, Benjamin, Hannah Arendt, Paul Celan, Gertrude Stein, Lévi-Strauss, e mais recentemente Judith Butler e tantos outros.

É célebre a imagem do judeu errante. A conotação dessa figura é majoritariamente negativa. Para o antissemita, o judeu errante é o eterno estrangeiro, infiltrado, parasita, traidor, cujo objetivo é corromper a cultura e degenerar a raça. Sempre é suspeito de um complô, ora como agente do comunismo internacional, ora maquinando os destinos do mundo, já que é parte da plutocracia financeira. Onipresente e insidioso, o judeu representa o perigo maior para a civilização ocidental, desde os Protocolos dos Sábios de Sião até Mein Kampf. No polo oposto está a imagem do judeu como um nômade, que não carece de uma terra, já que faz do deslocamento incessante sua própria morada. Por definição, ele vive nas margens do Império, no deserto, na dispersão, no exílio, exposto a todos os ventos e acontecimentos. Alheio ao Estado e seus poderes, é um trânsfuga, subverte os códigos, embaralha as pertinências, traça uma linha transversal ou de fuga. Daí a ideia de um “pensamento nômade”, como o designou Deleuze, que transpõe fronteiras, que faz do movimento seu território existencial – Nietzsche ou Kafka seriam disso exemplos expressivos.

Nesse último sentido, uma definição possível de judeu seria: aquele capaz de devir-outra-coisa-que-não-judeu. Não é Zelig, de Woody Allen, que apenas imita. Nem o judeu não-judeu, de Isaac Deutscher, com sua vida dupla. Trata-se de algo mais sutil: certa potência de metamorfose, de reinvenção de si na vizinhança com a alteridade. Em seu estupendo Nossa Música, de Jean-Luc Godard, uma jornalista israelense entrevista o poeta palestino Darwish, que, privado de sua terra, fez das palavras a sua pátria. E ela comenta: “você começa a soar como judeu!” O devir-judeu do palestino, o devir-palestino do judeu.

Mas voltemos ao Brasil. Sabemos que nossa história foi marcada pela presença judaica desde o seu início, com os cristãos novos e todo o jogo de esconde-esconde frente às perseguições da Inquisição. Curiosamente, a primeira sinagoga das Américas foi construída no Recife durante a ocupação holandesa (1630-1654), por iniciativa dos judeus sefaraditas de origem portuguesa refugiados nos Países Baixos. Quem fuçar um pouco acaba encontrando um tataravô descendente de algum criptojudeu. Mas é no século 20 que se forma uma grande comunidade judaica, com as levas maciças de imigrantes do Leste europeu fugidos dos pogroms primeiro, do nazismo depois. No geral encontraram aqui acolhida favorável. Afora o alinhamento passageiro do Estado Novo com os países do Eixo, e a consequente subordinação relativa a alguns ditames discriminatórios, como a restrição temporária à imigração judaica e a infame deportação de Olga Benário, não se tem registro de um antissemitismo sistemático por parte do Estado ou da população em geral - salvo aquele cultivado pelo integralismo - diferentemente do caso argentino.

O fato é que a comunidade judaica gozou no Brasil, em geral, de oportunidades econômicas, sociais, acadêmicas, culturais extraordinárias – além da absoluta liberdade de culto, associativa, comunitária. Um judeu não pode se queixar de um país que lhe franqueou tanto. Mas a História prega peças. Tome-se o exemplo do bairro do Bom Retiro, em São Paulo. Já foi o centro da vida judaica brasileira, ou ao menos paulista: sinagogas, centros culturais, entidades assistenciais, comércio ambulante, centralidade da confecção, filhos na universidade, escolas com visão aberta (Scholem Aleichem), movimentos juvenis ligados a correntes diversas de pensamento, ora mais comunistas, ora mais sionistas, ora mais tradicionais. Além disso, era ativo o Teatro de Arte Israelita Brasileiro (Taib), a imprensa em ídish, o Instituto Cultural Israelita Brasileiro (Icib – atual Casa do Povo), sem falar da Ezra, da Ofidas, da Policlínica, da Cooperativa de Crédito do Bom Retiro, da Chevra Kadisha, e das entidades em outros bairros, como o Lar dos Velhos, a Federação Israelita, a Confederação Israelita do Brasil.

Com a ascensão social de seus membros, a maioria da comunidade se deslocou para Higienópolis, Jardins ou arredores. A nova geração, majoritariamente composta de profissionais liberais, médicos, engenheiros, professores, psicólogos, jornalistas, editores, ou pessoas ligadas aos ramos do comércio ou das finanças, quando não empresários ou banqueiros, deixou de viver a vida de shteitl que ainda vigorava no Bom Retiro. Ainda assim, foram preservadas as redes de apoio, como o Lar das Crianças, fundado pelos judeus alemães, ou a Unibes, desde muito dedicada à assistência a pessoas em estado de vulnerabilidade, ou os clubes (Hebraica, Macabi). No entanto, afora alguns núcleos mais religiosos, com suas sinagogas por vezes escandalosamente ostensivas e protegidas por muralhas fortificadas ou rodeadas de seguranças, no geral os laços comunitários tenderam a se afrouxar. Em contrapartida se fortaleceu a identificação com o Estado judeu. Entende-se tal atitude vinda dos sobreviventes da Shoá espalhados pelo mundo no imediato pós-guerra, que ansiavam por uma referência protetora. Mas com o paulatino aburguesamento da comunidade podemos arriscar a hipótese de que o Estado de Israel – e não mais uma terra prometida de paz e justiça - acabou ganhando prevalência na vida judaica. Em vez do horizonte espiritual, a adaptação à concretude geopolítica. Ora, como desde 1977, com a eleição de Menachem Beguin, a política israelense sofreu uma guinada direitista, a diáspora não poderia ficar indiferente a tal inflexão. 

Quão longe estamos hoje do perfil que desenhávamos sobre o judeu errante ou nômade. A fundação do Estado de Israel como o Lar nacional dos judeus, ao lhes oferecer um território, também os reterritorializou subjetivamente. O israelense devia ser duro, forte, vencedor, e se descolar ao máximo da imagem do judeu diaspórico, frágil, vulnerável, apátrida. Não faltaram intelectuais israelenses para colocar em questão tal imagem arrogante: os escritores Amós Oz e David Grossman, a poeta Léa Goldberg, o cineasta Amós Gitai, o filósofo e biólogo religioso Yeshayau Leibovics (que, ao se referir à ocupação da Cisjordânia, cunhou a expressão intolerável para um israelense: o nazi-sionismo!), o ativista e jornalista Uri Avenry – são alguns de uma lista imensa. Não obstante, a Guerra dos Seis Dias, a conquista de territórios palestinos, os mecanismos cada vez mais perversos na gestão da população submetida, a crescente veneração do Estado, a supremacia do Exército, a miragem de uma Terra Santa, e do direito bíblico do “povo eleito” a ela, assim como o alinhamento incondicional com os Estados Unidos desembocaram no que vemos hoje – a mais sinistra aliança entre a extrema direita nacionalista e colonialista e o fundamentalismo religioso. O pior, se arriscássemos uma reflexão mais ampla, é que o Estado de Israel reivindica o direito exclusivo de representar o judaísmo mundial e herdar o seu legado. Dita-lhe, assim, a forma nacional e a coloração política. É um sequestro da multiplicidade que antes compunha a memória histórica da diáspora.

Sabe-se que um importante conselheiro de marketing político americano, Arthur Finkelstein, convidado por Bibi Nethanyau para auxiliar em uma campanha especialmente difícil, após o assassinato de Rabin, teve uma leitura aguda do cenário israelense e uma sugestão diabólica. Seu diagnóstico era que a direita se identificava mais como “judia”, a esquerda mais como “israelense”. Para infletir a direção política do país era preciso contaminar o ambiente com um discurso “judaico” – estranho paradoxo para uma nação que quis desfazer-se de sua imagem diaspórica. Foi o que aconteceu. Dispensável lembrar que este mesmo consultor, também judeu, foi quem sugeriu ao primeiro ministro Orbán fazer do megainvestidor milionário judeu e húngaro, residente no Reino Unido, George Soros, fundador da Open Society, o inimigo público número um do país, ampliando a força da direita húngara e sua dimensão antissemita! 

Não é pequeno o preço que um país paga por 55 anos de dominação sobre milhões de palestinos. Falamos dos israelenses mortos em combate para perpetuar a ocupação, mas sobretudo da insensibilidade que acompanha a inversão histórica de lugares. O atual governo que se considera herdeiro das vítimas do nazismo não enxerga a que ponto exerce, hoje, o papel de carrasco. Uma blindagem sensorial no discurso e na prática, na mídia e na gestão da população, fez com que a violência micropolítica e macropolítica se naturalizassem. Estado de exceção, diz Agamben, necropolítica, diz Mbembe. A ameaça iraniana, que é real, só encobre e reforça a denegação da ocupação dos territórios - tema tabu, sempre relegado a segundo plano, embora ocupe os noticiários diariamente. É a lei do mais forte redesenhando a geopolítica e suas prioridades.

E qual o efeito disso entre os judeus brasileiros? Foi o que vimos: a aproximação de parte da comunidade com o candidato à presidência que jamais escondeu suas simpatias para com regimes autoritários. Seu governo ressuscitou o que parecia superado: laivos de suprematismo branco, desprezo pelas populações originárias ou precarizadas, propaganda inspirada em Goebbels, a valorização da força militar ou miliciana, o belicismo assumido, o ataque sistemático às instituições e à cultura, o genocídio. Em suma, uma agenda de extrema direita alinhada com o que de mais regressivo se possa imaginar. Ademais, a adesão irrestrita da extrema direita brasileira à política israelense era visível: a bandeira de Israel passou a fazer parte da campanha bolsonarista, e apareceu até na invasão golpista dos palácios na Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023! Ou seja, para muitos judeus não havia contradição alguma entre posturas fascistas ou protonazistas e o alinhamento incondicional a Israel. Tudo se encaixava.

O bolsonarismo conseguiu a adesão de parte dos judeus brasileiros não apesar de sua faceta fascista, porém justamente devido a ela. Por conseguinte, é preciso se perguntar o que ocorreu com parte dessa comunidade, do ponto de vista ético ou político, que de minoria perseguida ou refugiada passou a ocupar um estamento de classe média alta e aderiu a ideologias totalitárias. O riso e aplausos que o humor racista de Bolsonaro extraiu do público durante palestra na Hebraica do Rio de Janeiro, durante sua campanha presidencial de 2018, foi disso apenas um dos indícios. A participação de um Weintraub no Ministério da Educação foi outro – eis onde fomos parar: um iletrado que cita com orgulho o célebre escritor judeu de nome Kafta.

É difícil não colocar na balança esses aspectos quando se questiona qual deve ou pode ser o grau de pertinência, de participação, de implicação de um judeu ou uma judia no contexto brasileiro. É óbvia a repugnância que provocou em muita gente a cumplicidade ativa de parte da comunidade com uma pauta que décadas antes fora, para os judeus europeus, a causa de sua desgraça. Que o alvo agora sejam negros ou indígenas, gays ou pobres, encarcerados e indefesos de toda sorte, apenas testemunha a profunda mudança de inclinação e sensibilidade de parte da comunidade judaica, dada sua recomposição de classe, sua identificação com as elites de um país tão desigual, com o consequente conformismo diante do racismo atávico (estrutural) do qual, aliás, também ela, como parte da parcela branca da população, se locupletou.

As elites brancas desse país têm a maior dificuldade em reconhecer a “branquitude” sobre a qual repousam seus privilégios. O mesmo vale para os judeus, por mais que se escudem no histórico de perseguições de que foram vítimas. A falta de empatia com descendentes de tragédias horrendas como a dos afrodescendentes ou dos povos indígenas levanta perguntas cáusticas sobre a dialética da dominação, a identificação com o agressor, a denegação, a dificuldade na elaboração do trauma, a repetição histórica.

Ora, como mudar isto? Não há, a meu ver, solução rápida, assim como não o há para o fascismo. A luta é a mesma, o desafio é o mesmo. Ainda que iniciativas específicas pudessem ser levadas a cabo nos espaços da comunidade, cada vez mais escassos, não creio que tenham qualquer eficácia caso se mantenham desvinculadas do entorno mais amplo. 

A Casa do Povo, mencionada acima, é um bom exemplo nessa direção, com sua linha de atuação ao mesmo tempo local e global, singular e universal, histórica e atual. Abrigo de perseguidos durante a ditadura militar, hoje convivem lado a lado o coral ídiche, festejos judaicos, ensaios e apresentações de grupos artísticos guaranis, bolivianos, transexuais, discussões sobre Junho de 2013, ensaios da Cia Teatral Ueinzz. É nessa confluência entre diferentes mundos que se vislumbra alguma saída. 

Uma outra via que me ocorre, nessa mesma toada, é a dos livros. Jacó Guinsburg nos ensinou o que pode uma editora em um país como o Brasil. Ao lado de Scholem, Buber, Agnon e os maiores nomes da literatura judaica mundial, o mais arrojado catálogo do pensamento universal, de Platão a Nietzsche, das obras completas de Espinosa a Hannah Arendt, sem falar nos ensaios clássicos e modernos de estética, de teatro, de semiótica – a lista é infinita. O que deve o Brasil a esse projeto editorial ainda está por ser escrito. 

A pequena editora que fundamos há dez anos atrás vem no rastro de um tal espírito. Títulos como Crítica da razão negra (Mbembe), Corpos que importam (Butler), Metafísicas canibais (Viveiros de Castro), Cosmopolítica dos animais (J. Fausto), Manifesto contrassexual (Preciado), O reino e o jardim (Agamben), O enigma da revolta (Foucault) são uma pequena amostragem dos vários mundos convocados pela n-1 edições. Esparsas, livro de memórias de família de Georges Didi-Huberman sobre o Levante do Gueto de Varsóvia, a ser lançado na semana de celebração da efeméride na Casa do Povo, faz a ponte mais diretamente com o universo judaico.

Mas é preciso dizer uma última palavra sobre expoentes da cultura de origem judaica que se entregaram de corpo e alma ao contexto brasileiro. Clarice Lispector, Paulo Rónai, Maurício Tragtemberg, Mira Schendel, Vladimir Herzog, Jorge Mautner, Boris Schnaiderman, também aqui a lista é imensa. 

Contudo, eu ressaltaria uma das figuras mais tocantes do ponto de vista do encontro com a alteridade. Claudia Andujar nasceu na Suíça e passou a infância na Transilvânia, na época sob dominação húngara. Com a invasão nazista, toda sua família paterna foi deportada para Auschwitz. Já adulta, veio parar no Brasil, onde exerceu o ofício de fotógrafa e se interessou especialmente pelos Yanomami. Toda sua obra artística, que é a vida, foi dedicada à defesa dessa etnia. Em 1977 fundou a Comissão Pró-Yanomami (CCPY). Aliada ao xamã Davi Kopenawa e ao missionário Carlo Zacquini, empreendeu campanha internacional de grande envergadura em favor da demarcação, cujo resultado foi a homologação, em 1992, da Terra Indígena Yanomami. Recentemente, em meio à revelação do genocídio naquela área, que coincidiu com uma grande exposição de suas obras em Nova York, Claudia reiterou em rede de comunicação nacional a conexão entre as duas pontas de sua vida: tendo perdido a família no Holocausto, abraçou a causa yanomami como sua, evitando que também eles fossem exterminados. Haveria exemplo mais digno de encontro e entrelaçamento de mundos diferentes? Não há algo de profundamente judaico nessa ética da aliança e da solidariedade?

Talvez é o que mais nos falte, no Brasil, entre as ditas minorias – que seja feito o que no universo indígena é incumbência do xamã – a negociação entre mundos. Um xamã se oferece como um diplomata “cosmopolítico”, entre vivos e mortos, animais e humanos, passado e presente. Guardadas todas as proporções, na imensa diversidade que compõe este país, talvez o mais importante seja favorecer a coexistência entre a pluralidade de mundos, sem que nenhum deles pretenda à exclusividade – diferentemente do que tentou o governo anterior, com seu projeto de refundação do Brasil em bases evangélicas e suprematistas. Uma coexistência não significa cada um fechado no seu gueto, cultivando sua identidade essencialista, num raso multiculturalismo. É preciso que tais mundos possam afetar-se uns aos outros, contagiarem-se, sensibilizarem-se mutuamente. Por vezes, disso até podem nascer novos povos e outros modos de povoar o planeta.

Mas como estar à altura de um tal desafio? Não poderíamos sonhar com uma “internacional cosmopolítica”? Será tal aspiração uma alternativa ao messianismo judaico eurocêntrico, outrora tão pregnante e frutífero, porém cada vez mais esmaecido e inoperante?


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Publicado em Cadernos Conib, em agosto de 2023.

* Peter Pál Pelbart é professor titular de filosofia na PUC-SP. Publicou O avesso do niilismo: cartografias do esgotamento e Ensaios do assombro, entre outros. Traduziu várias obras de Gilles Deleuze. É coeditor da n-1 edições e membro da Cia Teatral Ueinzz.

terça-feira, 6 de junho de 2023

Sobre narrativas, fatos, mentiras e realidade

O amigo facebookiano Elson Rezende de Mello (*) coloca a seguinte questão: - “Narrativa é mentira?”.

Esta, sem dúvida, é uma questão relevante, pois o uso da palavra “narrativa” ganhou nos dias de hoje um significado voluntarista, que a coloca quase como sinônimo de explicação mentirosa ou fake conveniente, ao bel prazer dos que as constroem, para manipular ou influenciar a outrem, ou mesmo a um país inteiro.

Mas a expressão narrativa merece mais respeito, ou, no mínimo, precisamos restaurá-lo!

Minha resposta: 

Narrativas não são mentiras! Não, em princípio.

Todas as melhores ou piores obras literárias são narrativas. Embora influenciem aos leitores, às vezes muito; são obras de arte e, mesmo que ficcionais ou fantasiosas, não são mentiras construídas com a intenção deliberada de enganar.

Os melhores (e os piores) livros de História, enquanto ciência, são narrativas.

Toda pesquisa científica começa com uma “narrativa”, uma teoria ou hipótese. Estas são abandonadas se os testes empíricos e de validação científica ou experimental não a confirmarem. A estatística e a análise de dados se converteram em poderosos auxiliares nesta tarefa. Os bancos de dados são imensos e os algoritmos e a Inteligência Artificial hoje são poderosos instrumentos da pesquisa científica.

Nos doutorados, entretanto, se revelam os picaretas. Existe uma multidão de teses de doutorado em que os dados são “marretados” para comprovar as teses mais esdrúxulas. São teses fraudadas. 

Na verdade, como o mundo da imaginação criativa, da explicação racional e da lógica é poderoso, os verdadeiros cientistas são os que vivem em paz com os dados empíricos e com os fatos. 

Alguns entram em crise, se desesperam e, mesmo, se revoltam, quando não conseguem comprovar as teses de sua imaginação com os dados empíricos. 

Se picaretas, desonestos ou mentirosos, fraudam suas teses. Se existem muitos desses “doutores” por aí, entretanto, logo depois da titulação enfiam suas teses no fundo das gavetas porque não servem para nada.

Esse é o campo da epistemologia, que trata da forma de se adquirir conhecimento, que confronta as narrativas da imaginação racional com os dados empíricos e com os fatos reais.

Ora, e as narrativas fake? Essas sim, são narrativas intencionalmente mentirosas! Infelizmente entraram na moda. Creio que combatê-las é indispensável! É mesmo uma questão de saúde pública e mental, não apenas política, seja no plano individual como social.

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(*) Jornalista, artista, desenhista, chargista e cartunista; aposentado da Universidade Federal de Viçosa, MG.


segunda-feira, 24 de abril de 2023

Somente a multipolaridade poderá construir um mundo de paz!

Abro esta discussão. A China pratica como política oficial de Estado a multipolaridade.

Muitos logo lembrarão que não é um país democrático, e que é governada por um partido único, o Partido Comunista, que exerce o poder com mão de ferro. Verdade.


E logo, diante da quase inevitável ascensão da China à condição de maior potência econômica do planeta, muitos se apressarão a colocá-la na condição de país imperialista. 

Julgo ser um equívoco. Não o é hoje e dificilmente o será no futuro. E as razões estão em sua história como civilização milenar.

O tópico que pretendo discutir é a questão da multipolaridade como princípio geopolítico e concepção de política de Estado.

A China, embora tenha sido a maior potência econômica do planeta até meados do Séc. XIX, não possui um passado de potência colonial. Essa trajetória foi interrompida, pela força, por uma potência colonial, a Inglaterra, que, determinada a equilibrar a sua balança comercial deficitária com a China, a derrotou militarmente e lhe impôs a importação de ópio produzido em suas colônias do sudeste-asiático. Estas guerras ficaram conhecidas como as duas vergonhosas “guerras do ópio”. Deste poder inglês na China originou-se o enclave colonial de Hong Kong.

Na última década do Séc. XIX ainda foi derrotada militarmente pelo Japão que já iniciara a sua industrialização e convertia-se em moderna potência militar.

Anteriormente, a China já fora invadida pelos mongóis, no Séc. XIII, que estabeleceram a dinastia Yuan, e pelos Manchus, no Séc. XVII, que estabeleceram a dinastia Qing. Esta é uma das características singulares da força da civilização chinesa: historicamente, ela abduziu mesmo aos que por um momento se lhe impuseram pela força das armas. 

No Séc. XX, no cenário da 2ª Guerra Mundial, foram invadidos, novamente, pelos japoneses com inaudita violência e massacres.

A China é, portanto, um país com história de invasões ao seu território e sem jamais ter tido um passado de potência colonial.

A China é uma das mais antigas civilizações. Enquanto Estado unificado, sua história remonta há cerca de 2.300 anos, desde o Primeiro Imperador Qin Shi Huang DiÉ, também, a história do primeiro Estado Moderno, com Administracao centralizada, tendo instaurado nos anos 500 DC a prática de fazer concurso público para servidores do Estado. Exército unificado, moeda unificada e imenso território regado por dois grandes rios o Yang Tse e o Amarelo, o que garante a fertilidade de suas terras e explica o seu grande crescimento populacional. Dotada de imensa extensão territorial, sempre bastou-se a si mesma, por isso autodenominava-se de o “Império do Meio”; esta é a razão pela qual jamais vingou na China teses imperialistas em busca de expansão territorial e de “espaços vitais” como na Inglaterra, Alemanha, Itália, Japão, etc.. E esta realidade permanece!

Com a vitória da revolução chinesa (1949) encerrou-se o que os chineses chamam os “cem anos de humilhações” a que foram submetidos desde as duas guerras do ópio. Orgulham-se de sua civilização sofisticada e passaram a ser uma grande potência econômica, científica e tecnológica. A ONU reconhece que conseguiram, simplesmente, erradicar a miséria e a pobreza.

Tornou-se, também, uma grande potência militar. Qual país, responsavelmente, particularmente com sua história de ser invadida e agredida não montaria o devido aparato de defesa? Poderá se transformar em aparato de agressão a outros países? Poderá! Mas é pouco provável! Não existe isso como precedente em sua história!

Ao contrário, independentemente de seu regime político a China esmera-se pelo respeito à soberania das nações. Tornou-se uma grande potência capitalista, a que Deng Xiaoping denominou de “socialismo de mercado”, e sabe que o comércio, a competição e as inovações tecnológicas somente prosperam, como fatores de progresso, em um ambiente de interdependência e de interação cooperativa. Em síntese, em um clima de paz.

Muitos voltarão, ainda assim, a lembrar o seu regime político, e dirão: - “nós somos diferentes!”. É certo, mas isso não pode converter-se em um “medo ideológico” e em preconceito. Nós, brasileiros, em particular, já temos a China como o nosso principal parceiro comercial. E, respeitadas as nossas diferenças, precisaremos aprofundar essas relações.

Este é o mundo da multipolaridade! Ah…, em tempo, ele se opõe ao mundo da bipolaridade, que leva às guerras. Neste mundo, o da bipolaridade, se gasta bilhões ($) com a morte e a destruição, que poderiam ser usados para acabar imediatamente com a fome no mundo, e para erradicar, definitivamente, a miséria e a pobreza.

terça-feira, 18 de abril de 2023

COMBATENDO A MENTE BIPOLAR DO LULA

Os países se relacionam com outros países independentemente de seus regimes políticos.

Muitas vezes, o que prejudica a discussão desta questão é a dificuldade que temos de fazê-la sem nos aprisionarmos em posições bipolares e ideológicas.


Os EUA, p.ex., uma democracia liberal, ainda não se libertou da visão bipolar na sua política externa. Um dos seus aliados estratégicos é a Arábia Saudita, uma ditadura sanguinolenta. E conhecemos isso muito bem, pois nas décadas de 60, 70 e 80, por ex., apoiou golpes de estado em toda a AL, inclusive no Brasil, e ditaduras assassinas, quando julgou ser isso do seu interesse.

Não podemos esquecer destes fatos. Se Lula está recaindo nessas concepções bipolares do tempo da guerra fria precisa ser criticado e corrigido enquanto ainda é tempo. 

Se fomos vítimas dessas trágicas concepções bipolares, e se estamos tentando e querendo construir uma democracia moderna no Brasil, não podemos ficar passivos diante desses erros.

Sobretudo, o despreparo de Lula para enfrentar essas questões geopolíticas complexas, e o seu boquirrotismo de palanque, não pode isolar o país da comunidade das nações democráticas.

segunda-feira, 17 de abril de 2023

O mundo bipolar do Lula

Na viagem à China Lula fez declarações polêmicas cutucando a onça com vara curta.


Os que apenas criticam, entretanto, têm que lembrar que essas questões geopolíticas não são tão simples. 

As falas destemperadas de Lula expressam, simultaneamente, duas coisas: a sua sensibilidade, como a de um bom velejador, para perceber a direção dos ventos; em segundo, o seu despreparo cultural para navegar diante das imensas e novas complexidades geopolíticas que se apresentam com a ascensão da China como potência global.

É sempre bom lembrar, para os que não têm isso como referência, que a China até meados do Séc. XIX, antes das duas “guerras do ópio” com a Inglaterra (em que foi derrotada), era a maior potência econômica global. Agora, ela provavelmente voltará em pouco tempo a essa posição. E tem isso como projeto consciente; ou seja, ela quer e acha isso inevitável!

Nós, os ocidentais, vemos tudo isso com um medo “ideológico”, mas o pragmatismo acabará por se impor. Temos que lembrar, se quisermos ser honestos com nós mesmos, que o colonialismo e o imperialismo são invenções nossas e surgidos na Europa. Que esses fenômenos fiquem no passado!

Quem gosta do mundo bipolar, e quer preservá-lo, somos nós; e quem orienta a sua política externa por um visão missionária, para impor “sagrados” valores, somos nós! Reviver isso significa reabrir as portas da tragédia!

A guerra fundamental que está sendo travada é pela hegemonia na produção dos chips. As armas, como as próprias bombas atômicas, no confronto entre as grandes potências, são instrumentos de dissuasão, não para serem utilizadas. 

As armas, infelizmente, continuam a ser usadas em conflitos regionais, quando uma superpotência militar quer impor os seus interesses geopolíticos e sua hegemonia “sagrada” a um outro povo, como o faz a Rússia com os ucranianos e Israel com os palestinos. 

O que preponderará, diante das inevitáveis respostas que virão a essas falas desinformadas de Lula? Espero que seja, pelo bem do Brasil, a sensibilidade de Lula! Caberá a todos os democratas promover e, se for o caso, impor, a Lula, os ajustes finos necessários para que o seu “boquirrotismo de palanque” não jogue tudo por água abaixo.

segunda-feira, 13 de março de 2023

Harari, um militante pela democracia

O discurso militante PELA DEMOCRACIA de Harari, o historiador israelense autor do livro “Sapiens - Uma breve história da humanidade” (*), contra o golpe que Benjamin Netanyahu ESTÁ TENTANDO DAR EM ISRAEL NESTE MOMENTO. Suas palavras de resistência expressam os pensamentos que tornam a democracia um valor universal; portanto, que devem ser defendidos por todos nós.

Tradução do discurso do professor Yuval Noah Harari durante a grande manifestação no sábado, 4 de março de 2023, em Tel Aviv (trazido de Marcelo Halberg).

Queridos amigos, estamos no centro de uma tempestade histórica, esta tempestade não desperta em nós nem raiva nem ódio, mas desperta medo. Estamos ansiosos, não dormimos à noite, simplesmente temos medo. E isso é completamente normal!

Há momentos na história em que o medo reflete uma realidade verdadeira, há momentos na história em que o medo é uma emoção útil porque nos leva à ação! Hoje, temos um excelente motivo para ter medo e um excelente motivo para agir.

O que este governo está fazendo não é uma reforma - é um golpe! É exatamente assim que um golpe se parece!

Golpes não necessariamente se materializam com tanques nas ruas. Muitos golpes na história foram feitos às escondidas, com canetas e papel, e quando as pessoas entenderam o significado dos textos ali consignados, já era tarde demais para resistir.

A história está repleta de ditaduras criadas por quem chegou legitimamente ao poder.

O significado do pacote de leis que o governo está tentando aprovar é simples - a partir de agora, o governo poderá abolir totalmente nossas liberdades!

- 61 membros do Knesset poderão aprovar qualquer lei racista, opressiva e sinistra que possam imaginar.

- 61 membros do Knesset também poderão modificar o sistema eleitoral como quiserem e, portanto, não poderemos mais removê-los do poder!

Quando se pergunta aos líderes que apoiam este golpe: “O que, apesar de tudo, constituirá um freio para o governo com este novo regime, e o que protegerá os direitos humanos? a única resposta que eles dão é: "Confie em nós".

Com todo o respeito - não confiamos em você! Você está derrubando a convenção que manteve nossa sociedade unida por 75 anos e espera que ainda confiemos em você?!

Netanyahu, Levin, Rothman, não confiamos em você, porque sabemos o que você quer - você quer poder ilimitado! Você quer nos impor silêncio e nos dizer como viver! Você quer nos dizer o que comer, o que vestir, o que pensar e quem amar.

Mas você não entende com quem está lidando. Os israelenses não são madeira para serem escravizados! Nós, israelenses, somos teimosos, somos livres e ninguém jamais conseguiu nos silenciar! Não permitiremos que você transforme Israel em uma ditadura!!

Então, o que vai acontecer nas próximas semanas? Eles continuarão a tentar aprovar leis tirânicas. Eles também continuarão a nos chamar de anarquistas e traidores, e irão explorar ou mesmo instigar um evento escandaloso para suprimir protestos. De nossa parte, continuaremos a demonstrar e faremos com que os ministros do Supremo Tribunal tenham o apoio do povo e sejam animados pela vontade de invalidar as leis da tirania.

E o que acontecerá se o governo não aceitar a decisão do Supremo Tribunal? Entraremos então no que se chama de “crise constitucional”.

Uma crise constitucional é uma terra desconhecida onde não há leis nem regras!

A quem a polícia obedecerá então - o governo ou o tribunal? A quem o Shin Bet e o Mossad obedecerão, a quem o Tsahal obedecerá? E a questão mais importante será - o que os cidadãos farão? As pesquisas são claras - uma grande maioria dos cidadãos israelenses se opõe às ações do governo. Mas as pesquisas não impedem a tirania.

A história mostra que os cidadãos são a última e principal linha de defesa em qualquer democracia. A democracia é uma convenção segundo a qual os cidadãos devem respeitar as decisões do governo - desde que o governo defenda as liberdades básicas dos cidadãos. Quando uma das partes violar este acordo, a outra parte não deve continuar a respeitá-lo!

Quando um governo tenta estabelecer uma ditadura - os cidadãos podem se opor a ela!!

Esta é uma hora histórica para os cidadãos de Israel, esperemos que não seja a nossa última hora também. Devemos erguer nossas cabeças agora - ou mantê-las abaixadas pelo resto de nossas vidas! Devemos falar agora - ou ficar em silêncio para sempre! É hora de demonstrar, é hora de gritar, e também é hora de não representar!

Por exemplo, como professor universitário, espero que, enquanto o golpe continuar, fechemos todas as instituições acadêmicas em Israel! Devemos, claro, continuar apoiando nossos alunos neste momento difícil, mas os pescoços (?) devem ser travados.

(…) pessoas comuns e falam apenas sobre democracia, direitos humanos e liberdade.

E se algum de nós achar difícil entrar oficialmente em greve, - estou convencido de que, como israelenses, encontraremos maneiras engenhosas de desacelerar e nos desviar das diretrizes. Cada um de nós pode colocar um pequeno raio (?) nas rodas do golpe. 

E, finalmente, como qualquer israelense que se preze, gostaria de aproveitar o fato de ter recebido um microfone para transmitir algumas mensagens pessoais:

- Esther Hayut e Gali Bahrav-Miara, vocês receberam um dos cargos mais difíceis e importantes da história do Estado de Israel. É uma responsabilidade enorme, e é um grande privilégio! Não leva mais de uma hora para alguns entrarem para a história. É o seu tempo! Não desista e não hesite - proteja nossa liberdade!

- Ao presidente Herzog e aos líderes dos partidos de oposição - protejam nossa liberdade, é inegociável! Quando um tigre vem nos devorar, é impossível transigir e deixar que ele nos devore no meio do caminho!

- E para reservistas relutantes - não sirvam a ditadores! Seu pacto é com a democracia israelense, não com seus coveiros!

- Ao Tsahal, ao Shin Bet, ao Mossad e à polícia israelense - se por infortúnio chegar o momento da verdade, faça a escolha certa! A história se lembrará de vocês como aqueles que protegeram os cidadãos, não os ditadores!

- A todos os manifestantes que vieram aqui esta noite e a todos os que estão participando das dezenas de manifestações por todo Israel – vocês são a esperança da democracia israelense! Se perseverarmos na luta, juntos venceremos!!

- E, finalmente, em nome de todos nós, quero enviar uma mensagem clara a Netanyahu, Levin, Rothman e seus amigos - é verdade, você tem 64 assentos, mas isso não significa que você pode sentar em Todos! Mãos fora de nossa liberdade! Pare o golpe - ou pararemos o país!!

Obrigado!

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(*) https://www.companhiadasletras.com.br/livro/9788535933925/sapiens-nova-edicao?idtag=7ec82fe8-e709-4f1a-9969-7d018c0785e5&gclid=Cj0KCQjwk7ugBhDIARIsAGuvgPYW1omwneYP_OWDBBuMhl2NxDjJg8b8gG9YjvKINMteKEoZrlUq3UUaAik3EALw_wcB


Nota: nesta edição pessoal, cuja única liberdade que me dei foi colocá-lo em parágrafos, coloquei os sinais de (?) e (…) nas partes do texto que, por exceção, julguei pouco claras ou truncadas; mas foram mínimas, porque a marca do texto da tradução é demonstrar a clareza conceitual de um grande pensador (CAT).

sábado, 4 de fevereiro de 2023

Se Bolsonaro não conseguiu dar o golpe que tentou dar é porque jamais teve força para dar

Bolsonaro sonhou em governar como ditador com marcas fascistas. Os seus apoiadores extremistas compraram esta ideia, acamparam em frente aos quartéis e acreditaram que as Forças Armadas sairiam para assumir, pela força, um Poder Moderador inconstitucional. Neste ativismo totalitário consumiu todo o seu mandato; finalmente, ameaçou não reconhecer o resultado das urnas se este lhe fosse desfavorável, e deixou a comunidade democrática nacional e internacional de sobreaviso.

Este texto, baseado na lógica e nos fatos, é de otimismo e de esperança nas perspectivas de nossa democracia. Vejamos:
  1. Bolsonaro sempre quis dar o golpe; e tentou dá-lo; sua última tentativa foi em 8/01/23; não conseguiu, mas continuará querendo dá-lo;
  2. Os extremistas que o apoiam, frustrados e inconformados, ainda o apoiarão em outras aventuras;
  3. A chave para esta análise é separar o golpe que Bolsonaro tentou dar, e que ainda gostaria de dar, do golpe que não teve nem terá força para dar;
  4. Se Bolsonaro não conseguiu dar o golpe que tentou dar é porque jamais teve força para dar.
Os fatos demonstraram que Bolsonaro não conseguiu dar o golpe porque se impôs o poder e a vontade das forças democráticas: cidadãos, instituições democráticas do Estado e a cadeia de comando das Forças Armadas comprometida majoritariamente com a Constituição e com a legalidade (*). E foi de grande importância o peso da comunidade democrática internacional, vigilante, a apoiar a democracia brasileira.

Projeto de Oscar Niemayer

Mas porque tantos se recusam a aceitar essa realidade? Razões cognitivas, desinformação ou porque resistem emocional ou subjetivamente a aceitar os fatos. Contrários ou a favor do golpe, muitos veem a política como o império da esperteza e da dissimulação, como uma “guerra por outros meios”, e sentem-se justificados a defender e expressar suas posições por meio de opiniões e narrativas sabidamente fakes, desde que as vejam como convenientes para a fragilização de seus adversários. Os extremistas, além disso, chegam a ver os seus adversários como inimigos a serem destruídos.

O que nos diz a observação factual da política brasileira? Que existe um campo democrático majoritário na sociedade, e que este campo saiu fortalecido das eleições de 2022, em todos os cargos políticos, tanto nos poderes executivo e legislativo federal como nos estaduais.

Para os fins desta análise, o Campo Democrático é definido como o conjunto dos cidadãos que (1) repudiam todo tipo de ditadura e que (2) só querem viver em um Estado Democrático de Direito (**).

O campo democrático não é algo abstrato ou hipotético. Ele é concreto e formado, fundamentalmente, por cidadãos de dois tipos que, neste texto, são distinguidos por duas denominações: Democratas radicais e Democratas conservadores (***).

Os democratas estão em todos os setores da sociedade e ocupam majoritariamente o poder político em todas as instâncias. Sobretudo, o campo democrático demonstrou que possui a força institucional e política para derrotar todas as tramas antidemocráticas, tal como foi a tentativa de golpe do trágico 8/01/23, como a que agora está sendo protagonizada pelo senador Marcos do Val, e como às que ainda serão intentadas por irredutíveis extremistas.

Se faz necessário, sem dúvida, que sejam aperfeiçoados os mecanismos jurídicos e legais para defender a democracia.

Se impõe, por isso, que saibamos tirar todas as consequências desta compreensão de que os democratas venceram as eleições. Em primeiro lugar, que a grande maioria dos democratas, sejam eles radicais ou conservadores, votaram tanto em Lula quanto em Bolsonaro nos 1º e 2º turnos das eleições presidenciais de 2022, à exceção dos democratas que preferiram votar nulo ou branco ou se abster. Em segundo lugar, que nenhum cidadão ou partido do campo democrático possui o monopólio de “ser democrata” e, muito menos, de que pode arrogar-se ser mais democrata do que outro.

Muitos levarão algum tempo para aceitar essas conclusões. Mas esta compreensão nos permitirá derrotar os extremistas e dar vez, com generosidade, à pacificação indispensável para inaugurar uma nova e necessária convivência democrática. 

E será com essa compreensão, apoiados no conhecimento, na ciência e na cultura, que poderemos retomar o progresso, promover a prosperidade, erradicar as nossas misérias e superar, unidos, os nossos grandes problemas.

Os que, à esquerda ou à direita, defendem ditaduras e não têm apreço por viver em um Estado Democrático de Direito são Extremistas ou Não-Democratas. E são minoritários em toda parte, seja nos parlamentos, nos governos e na sociedade. 

E, definitivamente, não são democratas os bolsonaristas que acamparam em frente aos quartéis pedindo intervenção militar, e que invadiram e depredaram os palácios dos Três Poderes da República. E, também, não são democratas os que, mesmo à distância, aplaudiram e apoiaram essa conspurcação dos símbolos de nossa República.
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(****) 
No 2º turno os Votos Válidos, dados a Lula (38,57%) e a Bolsonaro (37,20%) somaram 75,77% dos Eleitores Apurados. Os Eleitores Apurados são a soma dos votos válidos, mais os votos nulos e brancos, mais as abstenções.

Observe que os Votos Nulos e os Votos Brancos, em conjunto, são um pequeno percentual do total de eleitores apurados; no 2º turno da eleição presidencial alcançou 3,64%. Por sua vez, as Abstenções, o número de eleitores que não compareceram para votar, foi de 20,58%. Estes votos, nulos e brancos, mais as abstenções, dados a “Ninguém”, somaram 24,23% dos eleitores apurados. 


Os golpistas à caça do “Xandão”

O senador Marcos do Val apresenta uma “delirante” narrativa de golpe envolvendo Bolsonaro (algo plausível que, óbvio, precisa ser investigado).

Mas toda narrativa, as melhores obras da literatura, inclusive as fakenews com objetivos políticos, alimentam-se de alguma plausibilidade para se situarem no mundo da vida dos homens.

Porque o senador não a trouxe à luz no momento em que, supostamente, os fatos relatados ocorreram? 

Porque só agora?


Toda a lógica demonstra ser para atacar, constranger e ter como alvo o ministro Alexandre de Moraes, o inimigo principal imediato, a quem mais odeiam, e consideram ser o elo mais fraco pelo protagonismo que as circunstâncias e a sua personalidade lhe impuseram. 

Isto demonstra que a extrema-direita o tem, neste momento, como o primeiro inimigo a ser abatido. Se lograrem sucesso nisso, prosseguirão para o próximo objetivo.

Por isso, o “Xandão”, pelo seu mérito e coragem, mas, sobretudo, por ter se transformado num símbolo da defesa da democracia, mais do que nunca, precisa ser apoiado por todos os democratas.

Não abandonaram o objetivo do golpe.

Lula que se cuide. A primeira coisa que tem a fazer é sair do palanque e parar de falar besteira.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

A República Democrática do Centro

Neste 1º de fevereiro, com o início dos trabalhos do Congresso e com as eleições dos Presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, ambos firmemente comprometidos com a democracia, inaugura-se uma nova fase da política brasileira.


As suas características:
  1. A afirmação de um Campo Democrático majoritário, dos cidadãos que repudiam todo tipo de ditadura e que, ao mesmo tempo, querem viver em um Estado Democrático de Direito; ele une, em conjunto, duas posições políticas fundamentais, descritas, neste texto, como Democratas-Radicais e Democratas-Conservadores;
  2. O isolamento dos Extremistas, ou Não-Democratas, formado pelos que defendem ditaduras e não têm apreço por viver em um Estado Democrático de Direito;
  3. A afirmação de um Centro-Democrático, que é o subconjunto intercessão dos Democratas-Radicais e dos Democratas-Conservadores. 
As distinções propostas nos três pontos acima não deixam de reconhecer as diferenças político-ideológicas tradicionais, mas evidencia a existência do Centro-Democrático como a expressão de uma realidade política que dialoga, no campo das instituições democráticas, com os polos políticos.

Destaque-se que os Presidentes eleitos da Câmara e do Senado fazem parte do Centro-Democrático, e que ele está em crescimento.

O espectro das posições políticas, ou espectro político, simplesmente, no contexto desta análise, é formado, em seu conjunto, pelas forças do Campo Democrático, que são majoritárias, e pelos Extremistas ou não-democratas, que são minoritários embora barulhentos.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Lula deveria valorizar e agradecer o papel que as Forças Armadas tiveram na derrota do golpe

A entrevista que Lula deu à Natuza Nery da GloboNews (*), e divulgada no dia 18/01/23, revelou um Presidente surpreendido pelos fatos que cercaram a tentativa de golpe da extrema-direita bolsonarista no dia 8/01/23, sete dias após a sua magnífica posse.


Em que pese Bolsonaro tenha trabalhado a cada dia do seu mandato para envolver as Forças Armadas no seu projeto antidemocrático, a tentativa de golpe teve como consequência esclarecer e demonstrar o compromisso firme destas com a Constituição, com o Estado Democrático de Direito e com a legalidade.

Quem é contra os fatos? Os fatos listados, a seguir, são essenciais para a compreensão e superação da crise, e para a construção de um clima de estabilidade democrática:

1. A gravidade do atentado revelou um Presidente não informado pelos sistemas de informação do Estado sobre o que aconteceria, embora o que se soubesse por outros meios já fosse muito preocupante;

2. A desconfiança e a insegurança legítimas do Presidente tem base objetiva:
  • A tropa de elite institucional formada por militares das três Forças Armadas para proteger o Palácio do Planalto não agiu; pior, se omitiu; e fortes evidências mostram que foi conivente, simpática e complacente com os invasores;
  • O dispositivo de proteção da capital federal a cargo da PM/DF, sob o comando do Governador Ibaneis chegou, permissivamente, a dar escolta à massa de extremistas até a Praça dos Três Poderes; e ficou óbvio que quando lá chegaram passaram à execução do já planejado: tomar os palácios e proceder ao quebra-quebra dos símbolos da República e da democracia brasileira;
  • Não foram poucas as manifestações individuais de militares da ativa e da reserva de apoio aos insurretos.
3. Mas Lula, provavelmente, em virtude das fortes emoções que cercaram tais gravíssimos acontecimentos para derrubá-lo há poucos dias de sua posse, não conseguiu ter uma visão equilibrada do papel que as Forças Armadas tiveram para inviabilizar o golpe que Bolsonaro tentou dar apoiado por seus extremistas delirantes:
  • Fato I: as FFAA, incluídas as três forças, não saíram dos quartéis para apoiar o golpe;
  • Fato II: as FFAA já não apoiaram o golpe, quando Bolsonaro pretendera dá-lo nos 7 de setembro de 2021 e 2022; antes dos 1º e 2º turnos da eleição presidencial de 2022 e, entre 30/10/22 e 31/12/22, após a vitória de Lula, quando ainda estava no poder.
4. Foram importantíssimas as tempestivas e firmes atitudes de Lula, de Flavio Dino, dos ministros do STF, dos chefes do Poder Legislativo, dos Governadores, das Instituições civis e Personalidades do campo democrático, das principais Redes jornalísticas de Imprensa, Televisão e Rádio e, nas redes sociais, de milhões de brasileiros comprometidos com a democracia; elas demonstram a existência de uma união vigorosa das instâncias da República em defesa da democracia, e a opção esmagadora dos brasileiros pela democracia.

5. Mas essa resistência democrática não barraria o golpe se as FFAA usassem o seu poder armado para apoiá-lo. Não quiseram usá-lo, foram contra usá-lo e decidiram não o usar. Não cabe a nós ficarmos criando narrativas fantasiosas: se as Forças Armadas tivessem apoiado o golpe ele teria sido concretizado; somente por erro de análise ou por conveniência política alguns poderão dizer o contrário, mas esta é a simples realidade.

6. Reconhecer isto não significa leniência com os crimes contra a democracia que tenham sido cometidos por militares ou civis. Todos devem ser punidos, em respeito ao devido processo legal, a começar pelos principais responsáveis. 

Por que é fundamental trazer esta discussão? Porque, se Lula não compreender isso não conseguirá valorizar - e agradecer - o papel que as FFAA (diga-se, a sua cadeia de comando) tiveram na derrota do golpe e, consequentemente, não conseguirá fazer os gestos rápidos que se fazem necessários para pacificar o país, e evitar futuras crises que, infelizmente, ainda estão no horizonte das possibilidades.

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terça-feira, 17 de janeiro de 2023

O golpe que Bolsonaro quis dar, e tentou dar, mas que não teve apoio das F.A. para dar

Desde cedo temos tido dificuldade de analisar, e separar, duas questões factuais da relação de Bolsonaro com as Forças Armadas, em particular com o Exército:
  1. O fato de que Bolsonaro sempre quis dar o golpe que tentou dar. Talvez tenha estado iludido pelo fato de que muitos militares são bolsonaristas, de que votaram nele em 2018 e 2022, de que ele comprou adesões com altos salários e cargos no governo, e de que, individualmente, alguns militares extremistas estiveram até dispostos a apoiá-lo na aventura do golpe;
  2. O fato de que as Forças Armadas não saíram dos quartéis para apoiar o golpe que Bolsonaro quis dar. Na verdade, decidiram não sair. Já não o tinham apoiado nos golpes que quis dar nos 7 de setembro de 2021 e 2022, antes dos 1º e 2º turnos da eleição presidencial de 2022 e, entre 30/10/22 e 31/12/22, após a vitória de Lula, quando ainda estava no poder. Finalmente, não o apoiaram na “brancaleônica” e infame intentona de 8/01/23 após a posse de Lula.
Não cabe a nós ficarmos criando narrativas fantasiosas: se as Forças Armadas tivessem apoiado o golpe ele teria sido concretizado. E isto, apesar das tempestivas e firmes atitudes de Lula, de Flavio Dino, dos ministros do STF, dos chefes do Poder Legislativo, dos Governadores, das Instituições civis e Personalidades do campo democrático, das principais Redes jornalísticas de Imprensa, Televisão e Rádio e, nas redes sociais, de milhões de brasileiros comprometidos com a democracia.


Perduraria tal golpe tão isolado politicamente, nacional e internacionalmente? Provavelmente seria um “golpe voo de galinha”. Mas é sempre mais fácil dar um golpe do que retornar à democracia.

OS CAMINHOS DA DEMOCRACIA

A tentativa de insurreição promovida pela extrema-direita bolsonarista, para a tomada do poder, ocorrida no dia 8 de janeiro de 2023, entrará para a história da república, e será lembrada, com repugnância, como o “golpe que Bolsonaro prometeu dar e incentivou dar, que sabia que não tinha força para dar, mas que não teve coragem moral para impedir que os seus apoiadores extremistas tentassem dar”. 

A responsabilidade de Bolsonaro é clara. Será cobrado com a força da lei e das que regem o Estado Democrático de Direito. É o mesmo tenente que o Exército tivera que expulsar de suas fileiras no passado e que, por acidente, tornou-se Presidente da República!

Os seus “intervencionistas” tiveram o seu dia de glória. Invadiram e depredaram os palácios desprotegidos dos Três Poderes, o Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Foi um passeio, fizeram o que quiseram. Ao fazê-lo, por um momento, talvez tenham gozado o prazer, a catarse e a sensação vã de que estes símbolos estavam em suas mãos e sob o seu controle. 

Mas esse dia infame jamais será esquecido, pois foram criminosamente desrespeitados e conspurcados os símbolos maiores da República e da Democracia!

Ah…, sim, demonstrando o seu delírio insano, pensaram atrair o apoio das Forças Armadas para o seu projeto golpista. Com isso, ultrapassaram todos os limites da paciência. Existem males que vêm para o bem. Doravante, terão que se haver com a força da lei. E saiu fortalecida a nossa democracia!

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O jornalista Marcelo Godoy, do Estadão, foi extremamente feliz ao analizar a questão militar no seu artigo do dia 16/01/2023, cuja íntegra segue abaixo (*):

EXÉRCITO TERÁ DE RECONSTRUIR DISCIPLINA E CONTROLE DA RESERVA APÓS GOLPE BOLSONARISTA
“O golpe só não teve sucesso também porque, desde os coronéis até o Alto Comandos das Forças, os chefes militares não aceitaram a ruptura desejada pelos extremistas. Eles cumpriram com seu dever. Em tempos extremos, de polarização, a decisão desses homens deve ser reconhecida.”

Marcelo Godoy – O Estado de S.Paulo, 16/01/23

Um dos piores dias da história do Brasil. É assim que generais ouvidos pelo Estadão classificaram o que houve na Esplanada dos Ministérios, no dia 8, em Brasília. Uma semana antes, o Comando Militar do Planalto (CMP) havia mobilizado 6 mil homens para garantir a segurança da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, sem que estes pudessem ser vistos ou simplesmente aparecer. E tudo saiu como planejado. Nada estragou a festa do presidente eleito.

O que houve, então, para que a segurança falhasse e a chamada “tomada de poder” levada a cabo pelos extremistas pudesse ser concluída com a invasão e depredação das sedes do três Poderes? Houve um apagão na área de inteligência, e o cenário que o CMP tinha era o de mais uma manifestação, como tantas outras levadas a cabo pelo bolsonarismo nos últimos dois anos. Todas, apesar de muitas de suas palavras de ordem serem manifestamente golpistas – intervenção militar, fechar o STF e o Congresso, etc – não haviam passado da palavra para a ação.

Mas o cenário que a chefia da Segurança Pública do Distrito Federal e que os militares do Exército trabalhavam estava errado. Faltou aos responsáveis pela segurança e pelos órgãos de inteligência a correta leitura da tempestade que se avizinhava. E havia raios e trovoadas que a anunciavam nas últimas semanas. Episódios de violência haviam sido registrados em dezenas de atos e protestos dos que estavam inconformados com a eleição de Lula. Eles se repetiram nas estradas, com tentativas de assassinato de policiais rodoviários; nas cidades, com as agressões a estudantes e em outros atentados à ordem pública.

Até que, na véspera do Natal, bolsonaristas tentaram explodir uma bomba em um caminhão-tanque em Brasília. A tentativa frustrada podia causar caos e mortes no aeroporto de Brasília. Mas não foi suficiente para alertar as autoridades. Muitos dos que tinham responsabilidade institucional continuaram a escalar a crise, como o almirante Almir Garnier Santos, que se recusou a passar o comando da Marinha ao sucessor, o almirante Marcos Sampaio Olsen. Garnier empregara mulher e filho no governo Bolsonaro. E esqueceu que a continência se presta à Presidência e não ao presidente, adubando o extremismo.

Era evidente que a radicalização dos perdedores na eleição lentamente deixava o campo das palavras para passar ao das ações. Saía da arena política para “continuá-la” nos movimentos armados. Foi assim que se convocou a intentona do dia 8. Chamada pelos radicais de “tomada do poder”, seus organizadores pediam a participação de militares da reserva que tivessem experiência para enfrentar policiais na manifestação. Deixavam claro que a intenção era acampar na sede dos três Poderes para forçar a ação das Forças Armadas a fim de derrubar Lula. Seguiam o modelos dos golpes registrados recentemente na Bolívia e no Sri Lanka.

Para ter sucesso, a intentona bolsonarista contava com a simpatia que o movimento despertava nos quartéis. Assim também outros radicais no passado tentaram tomar o poder por meio de insurreições armadas nos anos 1920 e 1930. A última vez que um partido político tentara usar essa fórmula foi em 1938, quando o tenente Severo Fournier liderou os fascistas da Ação Integralista Brasileira no assalto ao Palácio da Guanabara, no Rio, então residência oficial da Presidência. Três anos antes, os comunistas, liderados por Luiz Carlos Prestes, haviam tentado tomar o poder, rebelando unidades militares no Rio e no Nordeste.

Fournier e Prestes apostavam no apoio que teriam no Exército e na Armada. E falharam. O mesmo se passou agora com a intentona bolsonarista. É possível que a simpatia pelos acampados na frente dos quartéis tenha levado muitos dos generais a subestimar a ameaça representada pelos extremistas, o que os impediu de analisar corretamente o processo de radicalização acelerada desse grupo. A ideia de que os episódios de fanatismo se reproduziam sem maiores consequências ajudou a criar a avaliação errada.

Agora, confrontados com o fracasso da estratégia para desmobilizar os acampamentos na frente dos quartéis, os generais se veem diante da desconfiança de que teriam sido lenientes com os extremistas. Trata-se de julgamento açodado. Se alguém queria dar um golpe – e a minuta apreendida na casa do ex-ministro Anderson Torres mostra que havia sim quem desejasse isso –, é necessário dizer que a ruptura constitucional só não ocorreu porque os criminosos não obtiveram o apoio que esperavam nas Forças Armadas.

Ainda assim é necessário estabelecer as responsabilidades sobre o que aconteceu em Brasília. E as Inteligências Policial e Militar são as principais responsáveis pelo que houve. Ou por incompetência de ver o que qualquer jornalista já sabia desde sexta-feira, dia 6 – os planos violentos do bolsonarismo –, ou por conivência criminosa. Em qualquer dos casos, o bom senso exige que seus chefes sejam mudados. É preciso apurar as responsabilidades e isolar os extremistas.

Mas também se deve fazer Justiça. O golpe só não teve sucesso também porque, desde os coronéis até o Alto Comandos das Forças, os chefes militares não aceitaram a ruptura desejada pelos extremistas. Eles cumpriram com seu dever. Em tempos extremos, de polarização, a decisão desses homens deve ser reconhecida. Por mais que a simpatia passada dos generais pelo que hoje é chamado de bolsonarismo exista e por mais que esse projeto de poder tenha se mostrado um desastre, é preciso dizer que, no dia 8, só os que se deram bem no governo ou que se fanatizaram aderiram ao plano de tomada de poder dos radicais.

Os militares têm, agora, a missão de reconstruir as relações com os civis e a disciplina entre os milhares de integrantes da reserva. O caso do coronel Adriano Testoni não é único. Após ofender o Exército e seus generais no dia 8, o coronel bolsonarista foi indiciado em Inquérito Policial Militar (IPM), concluído em 3 dias, depois de ter sido aberto por ordem do general Gustavo Henrique Dutra Menezes, comandante do CMP. Enfrentar o extremismo será uma das principais missões da atual geração de oficiais. Com o devido processo legal, mas sem passar a mão na cabeça ou anistiar os bandidos que envergonharam o País.

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segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

OS CAMINHOS DA DEMOCRACIA (*)

(Artigo revisitado após a tentativa infame de golpe em 8 de janeiro de 2023)

A tentativa de insurreição promovida pela extrema-direita bolsonarista, para a tomada do poder, ocorrida ontem, dia 8 de janeiro de 2023, entrará para a história da república, e será lembrada, com repugnância, como o “golpe que Bolsonaro prometeu dar e incentivou dar, que sabia que não tinha força para dar, mas que, em sua insanidade, não teve coragem moral nem responsabilidade para impedir que os seus apoiadores extremistas tentassem dar”.


A responsabilidade de Bolsonaro é clara. Será cobrado com a força da lei e das que regem o Estado Democrático de Direito. É o mesmo tenente que o Exército tivera que expulsar de suas fileiras no passado e que, por acidente, tornou-se Presidente da República!

Os seus “intervencionistas” tiveram o seu dia de glória. Invadiram e depredaram os palácios desprotegidos dos Três Poderes, o Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Foi um passeio, fizeram o que quiseram. Ao fazê-lo, por um momento, talvez tenham gozado o prazer, a catarse e a sensação vã de que estes símbolos estavam em suas mãos e sob o seu controle. 

Mas esse dia infame jamais será esquecido, pois foram criminosamente desrespeitados e conspurcados os símbolos maiores da República e da Democracia!

Ah…, sim, demonstrando o seu delírio insano, pensaram atrair o apoio das Forças Armadas para o seu projeto golpista. Com isso, ultrapassaram todos os limites da paciência. Existem males que vêm para o bem. Doravante, terão que se haver com a força da lei. E saiu fortalecida a nossa democracia!

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