Marco Aurélio Nogueira(*)
Estadão - 24 Dezembro 2016
Lamento, mas não será 2017. Talvez seja 2018, se por acaso algumas precondições forem cumpridas. O País está sem fôlego para dar saltos audaciosos e a cada momento se vê diante do risco de só alcançar mais do mesmo. O mundo também não ajuda, há problemas e mal-estar por onde quer que se olhe.
É impossível ter ano novo se o quadro atual se prolongar. Se liberais e parte da esquerda continuarem a culpar o PT e se os petistas e outra parte da esquerda continuarem a detonar Temer, o PMDB e os tucanos. Que futuro poderá haver com deputados e senadores hostilizando o Supremo Tribunal Federal (STF) e com ministros do Supremo fazendo carreira-solo e pressionando o Congresso como mal maior da Nação? Com diversos brasileiros entronizando juízes, promotores e procuradores como se fossem anjos redentores, justiceiros de políticos acanalhados, purificadores da sociedade, e outros tantos brasileiros vendo-os como arbitrários e parciais, personagens de um romance noir repleto de perseguições políticas seletivas?
Impossível ter ano novo com as ruas excitadas, mas sem rumo, iludidas ou com a “caça aos corruptos” ou com a denúncia dos males do “governo usurpador”. Um ano novo não virá com a generalização do denuncismo contra os políticos, contra a grande imprensa, contra o neoliberalismo, contra o PT e contra o que quer que seja. Precisamos virar a chave, sair do negativo, superar a raiva e o ressentimento. Temos de recompor muita coisa, refrear apetites corporativos, conter cálculos eleitorais e aparar a crista dos que se veem imbuídos da missão de refundar o País, como se tudo deles dependesse, homens providenciais, à esquerda e à direita.
O País precisa desesperadamente de uma bandeira para seguir, uma trilha que lhe permita sair da confusão e encontrar um eixo razoável.
Não será fácil. Primeiro, porque o quadro é grave e está congelado. Segundo, porque não há muitas lideranças políticas qualificadas nem organizações confiáveis (partidos, movimentos, associações, sindicatos), que juntem lé com cré e se disponham a articular Estado e sociedade, somando interesses e promovendo convergências de visões e valores a serem compartilhados por todos. Terceiro, porque faltam centros de coordenação e animação do coletivo.
Um cenário otimista apontaria para a melhoria da economia, que irradiaria melhorias para a política, esfriando ao mesmo tempo a exasperação social. Mas a própria economia é em boa medida uma instância determinada, reflexa. Há variáveis que não dependem dela e há coisas que não se alterarão repentinamente, assim como certos processos seguirão seu curso, indiferentes à retomada do crescimento. Ou alguém acredita que o mundo político vai se recuperar de repente, depois de ter chegado ao osso e ido além?
A Lava Jato tende a prosseguir lançando seus petardos sobre políticos e partidos. Para o bem e para o mal. Também o STF é uma variável independente, ainda que menos voluntariosa. Sua lentidão, sua maior ou menor disposição de funcionar como poder moderador e guardião da Constituição, seu maior ou menor ativismo são fatores difíceis de serem controlados. As divisões internas da Corte, o protagonismo de seus integrantes, a degradação das relações entre eles fazem com que o próprio Judiciário fique com menos poder, atritam seu relacionamento com os demais poderes e alimentam a crise institucional.
Olhemos para o governo. É vacilante, frágil, parece desorientado, não dispõe de apoio popular. Tenta construir um atalho na economia e nas contas públicas, mas a política o faz sangrar em praça pública. É um governo que não se coordena, não coordena suas políticas nem coordena suas relações com a sociedade. Funciona aos trancos, no vai-da-valsa, sem motorista. Foi assim que chegou ao final do ano. E é fácil de prever que, se não se reformular de forma abrangente e rápida, irá para o caos e levará o País consigo.
Olhemos para as oposições. Estão envoltas numa fase de histrionismo extremo, ressentimento e ausência de ideias, sem nenhum plano de voo a não ser “Fora Temer” e “Diretas Já”. Nem sequer se perguntam o que acontecerá se por acaso vierem eleições antecipadas, o que será oferecido à população, por quais candidatos.
A sociedade precisa se reencontrar com a política e o Estado. Agir como comunidade política. Ter uma plataforma de convergências. Somente assim será possível interromper o ciclo nefasto em que nos encontramos e sair do circuito de crises que se remetem umas às outras. É ingenuidade achar que haverá ano novo sem desprendimento, humildade e coragem para largar ao mar certos destroços e enterrar alguns mortos queridos. O norte tem de ser o futuro, o novo, não o passado, o velho.
Todas as partes políticas deveriam se dedicar a isto: definir o que desejam e com quem podem avançar, olhar para dentro de si mesmas, extirpar os pedaços podres que carregam no ventre, reduzir a animosidade em favor da paciência e da tolerância. Parar de amplificar artificialmente o poder dos Poderes. Trocar o conflito pela cooperação, ceder os anéis para não perder os dedos, fazer cálculos mais estratégicos do que táticos. Substituir a crítica das armas pela arma da crítica. Construir pontes para o presente, não só para o futuro.
A repactuação política se mostra como caminho virtuoso. Mas não se sabe quem poderá coordená-la e promovê-la, que passos terão de ser dados para viabilizá-la, se ela passará por eleições antecipadas, por uma Constituinte exclusiva ou por uma frente política de união nacional.
Sabe-se, porém, que aos democratas – liberais, socialistas, esquerda democrática – estará reservado o papel principal. Sem eles, sem seu ativismo e sem seu desprendimento, não surgirá alternativa viável, que trace um mapa para o País e dê referências às ruas, ao conjunto da sociedade. Esse o molde do ano novo de que necessitamos.
Difícil, mas não impossível.
Bom 2017 para todos.
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(*) Professor titular de Teoria Política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp. http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-ano-novo-de-que-necessitamos,10000096363.