segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

O ano novo de que necessitamos

Marco Aurélio Nogueira(*)
Estadão - 24 Dezembro 2016


Lamento, mas não será 2017. Talvez seja 2018, se por acaso algumas precondições forem cumpridas. O País está sem fôlego para dar saltos audaciosos e a cada momento se vê diante do risco de só alcançar mais do mesmo. O mundo também não ajuda, há problemas e mal-estar por onde quer que se olhe. 

É impossível ter ano novo se o quadro atual se prolongar. Se liberais e parte da esquerda continuarem a culpar o PT e se os petistas e outra parte da esquerda continuarem a detonar Temer, o PMDB e os tucanos. Que futuro poderá haver com deputados e senadores hostilizando o Supremo Tribunal Federal (STF) e com ministros do Supremo fazendo carreira-solo e pressionando o Congresso como mal maior da Nação? Com diversos brasileiros entronizando juízes, promotores e procuradores como se fossem anjos redentores, justiceiros de políticos acanalhados, purificadores da sociedade, e outros tantos brasileiros vendo-os como arbitrários e parciais, personagens de um romance noir repleto de perseguições políticas seletivas? 

Impossível ter ano novo com as ruas excitadas, mas sem rumo, iludidas ou com a “caça aos corruptos” ou com a denúncia dos males do “governo usurpador”. Um ano novo não virá com a generalização do denuncismo contra os políticos, contra a grande imprensa, contra o neoliberalismo, contra o PT e contra o que quer que seja. Precisamos virar a chave, sair do negativo, superar a raiva e o ressentimento. Temos de recompor muita coisa, refrear apetites corporativos, conter cálculos eleitorais e aparar a crista dos que se veem imbuídos da missão de refundar o País, como se tudo deles dependesse, homens providenciais, à esquerda e à direita.

O País precisa desesperadamente de uma bandeira para seguir, uma trilha que lhe permita sair da confusão e encontrar um eixo razoável.

Não será fácil. Primeiro, porque o quadro é grave e está congelado. Segundo, porque não há muitas lideranças políticas qualificadas nem organizações confiáveis (partidos, movimentos, associações, sindicatos), que juntem lé com cré e se disponham a articular Estado e sociedade, somando interesses e promovendo convergências de visões e valores a serem compartilhados por todos. Terceiro, porque faltam centros de coordenação e animação do coletivo. 

Um cenário otimista apontaria para a melhoria da economia, que irradiaria melhorias para a política, esfriando ao mesmo tempo a exasperação social. Mas a própria economia é em boa medida uma instância determinada, reflexa. Há variáveis que não dependem dela e há coisas que não se alterarão repentinamente, assim como certos processos seguirão seu curso, indiferentes à retomada do crescimento. Ou alguém acredita que o mundo político vai se recuperar de repente, depois de ter chegado ao osso e ido além? 

A Lava Jato tende a prosseguir lançando seus petardos sobre políticos e partidos. Para o bem e para o mal. Também o STF é uma variável independente, ainda que menos voluntariosa. Sua lentidão, sua maior ou menor disposição de funcionar como poder moderador e guardião da Constituição, seu maior ou menor ativismo são fatores difíceis de serem controlados. As divisões internas da Corte, o protagonismo de seus integrantes, a degradação das relações entre eles fazem com que o próprio Judiciário fique com menos poder, atritam seu relacionamento com os demais poderes e alimentam a crise institucional.

Olhemos para o governo. É vacilante, frágil, parece desorientado, não dispõe de apoio popular. Tenta construir um atalho na economia e nas contas públicas, mas a política o faz sangrar em praça pública. É um governo que não se coordena, não coordena suas políticas nem coordena suas relações com a sociedade. Funciona aos trancos, no vai-da-valsa, sem motorista. Foi assim que chegou ao final do ano. E é fácil de prever que, se não se reformular de forma abrangente e rápida, irá para o caos e levará o País consigo.

Olhemos para as oposições. Estão envoltas numa fase de histrionismo extremo, ressentimento e ausência de ideias, sem nenhum plano de voo a não ser “Fora Temer” e “Diretas Já”. Nem sequer se perguntam o que acontecerá se por acaso vierem eleições antecipadas, o que será oferecido à população, por quais candidatos.

A sociedade precisa se reencontrar com a política e o Estado. Agir como comunidade política. Ter uma plataforma de convergências. Somente assim será possível interromper o ciclo nefasto em que nos encontramos e sair do circuito de crises que se remetem umas às outras. É ingenuidade achar que haverá ano novo sem desprendimento, humildade e coragem para largar ao mar certos destroços e enterrar alguns mortos queridos. O norte tem de ser o futuro, o novo, não o passado, o velho.

Todas as partes políticas deveriam se dedicar a isto: definir o que desejam e com quem podem avançar, olhar para dentro de si mesmas, extirpar os pedaços podres que carregam no ventre, reduzir a animosidade em favor da paciência e da tolerância. Parar de amplificar artificialmente o poder dos Poderes. Trocar o conflito pela cooperação, ceder os anéis para não perder os dedos, fazer cálculos mais estratégicos do que táticos. Substituir a crítica das armas pela arma da crítica. Construir pontes para o presente, não só para o futuro.

A repactuação política se mostra como caminho virtuoso. Mas não se sabe quem poderá coordená-la e promovê-la, que passos terão de ser dados para viabilizá-la, se ela passará por eleições antecipadas, por uma Constituinte exclusiva ou por uma frente política de união nacional.

Sabe-se, porém, que aos democratas – liberais, socialistas, esquerda democrática – estará reservado o papel principal. Sem eles, sem seu ativismo e sem seu desprendimento, não surgirá alternativa viável, que trace um mapa para o País e dê referências às ruas, ao conjunto da sociedade. Esse o molde do ano novo de que necessitamos.

Difícil, mas não impossível.

Bom 2017 para todos.


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(*) Professor titular de Teoria Política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp. http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-ano-novo-de-que-necessitamos,10000096363.




quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O abuso do Renan

O senador Renan não conseguiu votar a "sua" lei de abuso de autoridade na noite do dia 14/12/16. Ela foi retirada de pauta, voltará à Comissão de Constituição e Justiça e somente será votada em 2017.


Foi uma derrota pessoal, mostrando o ocaso do seu poder e uma inflexão na direção da crise. O projeto foi retirado de pauta pela resistência em plenário de alguns de seus pares que colaram-se ao sentimento, pressão, vigilância e opinião da cidadania, que expressou-se sobretudo nas redes sociais.

Não podemos deixar que se confundam o legítimo anseio de combater o abuso de autoridade com os interesses escusos que essa iniciativa representava neste momento.

Sob a liderança de Renan, que quis votar esse projeto nos extertores do seu poder como presidente do Senado, ele expressa a reação da "santa aliança" dos que temem e combatem a Lava-Jato! Os principais interessados nisso são o PT e o PMDB, junto com outros partidos e políticos coadjuvantes neste intento.

O que querem é paralisa-la o quanto possam, confundindo a óbvia revolta e indignação dos cidadãos diante do abuso de autoridade, venha ele de um político, de um policial, de um juiz, de um procurador, ou mesmo de um professor!

Mas, esse projeto não quer punir um juiz corrupto que venda sentenças para livrar um bandido, um policial que saca a sua arma e atira em um inocente, ou um procurador que desconhece provas comprometedoras contra um criminoso! Ao contrário, trata-se de paralisar esses jovens e íntegros policiais federais, procuradores e juízes, simbolizados pela Lava-Jato, que atuam contra os políticos corruptos para dar um fim à impunidade dos crimes de colarinho branco!

No contexto em que esse projeto foi retirado da pauta, podemos saldar como uma vitória da democracia, pois ele somente voltará à votação no tempo certo e sem a tutela do Renan!

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

O que fazer?

Nas entrelinhas - Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 13/12/16

O país vive a maior crise política de sua história republicana, com a diferença de que ainda não ocorreu uma revolução, como a de 1930, ou um golpe de Estado, como em 1964. Estamos enfrentando a situação num ambiente democrático, embora uma parcela dos protagonistas da crise insistam na narrativa do golpe parlamentar para fugir à própria responsabilidade sobre o que está acontecendo. Não foi de uma hora para outra, mas a delação premiada do executivo da Odebrecht Cláudio Mello Filho, cujo teor vazou no fim de semana, desnudou um modelo de acumulação de capital e reprodução política que atenta contra o Estado de direito democrático. Esse é o xis da questão.
Uma só das delações — de 77 que serão feitas, as mais importantes de Emílio e Marcelo Odebrecht, os donos da maior empreiteira do país, não vieram à luz — sistematizou o funcionamento do nosso “capitalismo de laços”, com apoio da elite política do país, para promover a maior transferência de renda possível do Estado para empresas que atuavam nos setores mais dinâmicos da nossa economia urbana — complexo petroquímico, energia, indústria automotiva e construção pesada. Deixa claro também o mecanismo utilizado para emendar a Constituição e modificar as leis com objetivo de favorecer e garantir privilégios a essas empresas: a propina para os políticos, que garantiria a reprodução dos mandatos e o enriquecimento pessoal. Outro mecanismo de transferência de renda do Estado para os interesses privados, no caso os representantes de velhas e novas oligarquias. Segundo o relato de Cláudio Mello, 52 políticos receberam cerca de R$ 90 milhões em pagamentos de propinas, caixa dois e doações legais entre 2006 e 2014. É muita grana.

No vértice desse sistema de poder estava o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que governou o país de 2003 a 2010, cujo partido foi protagonista de uma espécie de divisão de trabalho entre as empreiteiras e os políticos, estabelecendo as regras do jogo. R$ 17 milhões daquele montante foram pagos a parlamentares em troca da aprovação de matérias que favoreceram a Odebrecht, mas há que se considerar as outras empreiteiras, montadoras de automóveis e empresas periféricas que atuavam no processo, inclusive do agronegócio. Seria má-fé ou ingenuidade acreditar que tudo começou no governo Lula, mas com certeza foi nele que o esquema atingiu a quase “perfeição”, acabando com o cada um por si e Deus por todos no Congresso. Um grupo restrito de políticos aliados, com controle da pauta de votações e das maiores bancadas, comandava a farra.

Também somente a ingenuidade ou a má-fé exclui a ex-presidente Dilma Rousseff, com sua caneta cheia de tinta, do processo. O modus operandi político após a saída de Lula não funcionaria sem sua omissão; além disso, foi desse esquema que veio o dinheiro de suas campanhas milionárias de 2010 e 2014. Dilma não foi citada na delação do executivo, mas nas investigações sobre sua campanha eleitoral já há elementos que comprovam a vinculação do esquema com seu projeto político, haja vista as investigações sobre a atuação de João Santana e da mulher, Mônica Moura, nas eleições. As denúncias contra o presidente Michel Temer e integrantes de seu estado-maior, de parte de Cláudio Mello Filho, apenas corroboram que o esquema supostamente continuou funcionando, mesmo depois do governo Lula.

A propósito, vale destacar que a narrativa nacionalista da defesa do petróleo e da engenharia nacional, utilizada para tentar barrar a Operação Lava-Jato, era parte integrante de um projeto político que, ideologicamente, apostou no “capitalismo de Estado” como via de desenvolvimento e projeção política mundial. Um ambiente internacional favorável, do ponto de vista econômico, e as relações políticas do PT no plano internacional serviram para azeitar negócios no exterior, de onde parte da propina também saiu, graças a financiamentos do BNDES e relações políticas com regimes autoritários ou corruptos. Entre 2003 e 2015, Lula realizou 150 viagens pela América Latina, quase sempre acompanhado um diretor da Odebrecht, hoje um dos delatores do esquema: Alexandrino Alencar. Mantinha relações incestuosas com a Odebrecht e outras empreiteiras.

O colapso

O que fazer diante de tudo isso? Esse é o dilema que o país vive. A cassação do mandato de Dilma Rousseff pelo Congresso não arrefeceu a crise econômica, muito menos zerou a crise ética. Foi a saída encontrada pelo establishment e a oposição para salvar o país da completa bancarrota. As novas denúncias e as manobras para encerrar a Operação Lava-Jato, que fracassaram, desgastaram muito o Palácio do Planalto. Além disso, a crise econômica não arrefeceu, porque se trata do colapso de um modelo de acumulação perverso, tecido ao longo de décadas, sob o olhar cúmplice de uma alta burocracia federal acomodada em seus privilégios. Temer não está livre de ter o mandato cassado no julgamento da campanha de Dilma, mas isso não resolveria a crise, pois haveria uma eleição indireta por um Congresso desmoralizado. A Constituição não permite a antecipação das eleições nem a convocação de uma Constituinte.

A fleuma de Temer e sua base política é que garantem a sobrevivência do governo, tão impopular quanto o de Dilma. O país andará na corda bamba (a pinguela já era) até as eleições de 2018, com todos os grandes partidos sangrando, inclusive o PSDB. Que o seja, para garantir a democracia.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Os brasileiros estão com Renan?

Hoje, às 14:00, 07/12/16, está marcada seção do pleno do STF em cujo primeiro ponto da pauta está a decisão se afasta Renam da presidência do Senado. Não fosse essa uma matéria de estrito caráter constitucional, portanto de exclusiva competência do STF, entretanto, verifica-se nas redes uma divisão de opinião, devido aos riscos institucionais que revelou e às consequências políticas que ela determina.


O STF terá a sua decisão acatada e respeitada. Os brasileiros acostumaram-se a vê-lo como o poder morador da república, e será apoiado em sua decisão por todas as instituições, inclusive pelo próprio legislativo. Mesmo que o tenham que fazê-lo a contragosto.

Esta crise institucional é do Renan, e da "santa aliança" dos que temem e combatem a Lava-Jato. Ela não é dos brasileiros nem da república! Por que, então, tanto reboliço? Porque Renan e os seus cúmplices estão desesperados com as revelações públicas relacionadas aos seus processos judiciais, com a delação premiada da Odebrecht e com o andamento célere que eles passaram a ter, particularmente depois que se iniciou a Lava-Jato. Essa "santa aliança", como todos sabem, é formada por dezenas de parlamentares da Câmara e do Senado, é tácita e suprapartidária, do PMDB ao PT, varrendo os maiores partidos com representação nas duas casas. Renan é o seu maior líder.

A decisão do ministro Marco Aurélio de Mello pegou a todos de surpresa, não apenas ao Renan. Foi uma decisão temerária e não sábia, já que se tratou de uma decisão monocrática de destituir por liminar o presidente do Senado de suas funções sem consultar ao pleno do STF. Isto deixou a todos de cabelo em pé, e em dúvida quanto a sua legalidade. Mas, não foi ilegal, embora de uma "legalidade fraca", devido a sua intempestividade. A ilegalidade real, uma verdadeira afronta ao STF, residiu em Renan não ter acatado a decisão e em ter arrastado emocionalmente os seus pares da mesa do Senado a segui-lo em sua resistência irresponsável.

A decisão criou um clima de incerteza política. Muitos, que apoiam o governo Temer, de transição, temem que o senador Jorge Viana (PT-AC), o seu substituto legal, possa criar problemas à aprovação, em segundo turno, da PEC do teto, cuja votação está marcada para o dia 13 de dezembro próximo. Também temem pelo atraso na votação da Lei do Orçamento Anual (LOA), que deve ser aprovada até o final do ano, para não prejudicar a execução orçamentária de 2017.

A provável decisão que será tomada pelo STF, nesta tarde, de afastar Renan da presidência do Senado, não abalará a Republica (*). Marcará o início de um novo momento político-institucional, de democracia mais avançada, vencendo, definitivamente, as resistências para a aprovação da legislação necessária para acabar com a impunidade dos crimes de colarinho branco.

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A título de pós-escrito (em 10/12/16):

A decisão final do STF, na tarde do dia 07/12/16, deu a Renan Calheiros o direito de continuar presidindo o Senado. Formou-se, entretanto, jurisprudência para excluir da linha sucessória do presidente da República: (1) quem for réu em processo criminal; e (2) ocupe os cargos de presidente da Câmara, do Senado, ou do próprio STF.

Evidentemente, os brasileiros não estão com Renan. Exatamente por isso estão tão indignados com sua permanência no cargo de presidente do Senado.

Enganam-se os que pensam que Renan venceu. Na verdade, ele foi protegido por uma convergência de circunstâncias. O STF, em que pese tenha errado juridicamente em sua decisão, que foi marcadamente política, não se submeteu ao Renan, mas ao que julgou ser melhor para superar a crise! Renan ainda pagará caro por seus crimes, agora com o agravante de ter levado o STF à humilhação de se ver obrigado, premido por essas circunstâncias, a ter que recuar de afastá-lo imediatamente da presidência do Senado, como era justo.

Isso teve um custo em credibilidade para o STF, porque se viu conduzido a errar ao vivo e a cores sob os olhos da nação; um erro intencional, pelo qual é responsável, sabendo que o estava cometendo. Portanto, mais adiante, terá que vir ao encontro da justa demanda da sociedade, de que réus não podem ocupar as presidências da Camara, do Senado e do STF, e refazer essa decisão!

Como se não bastasse, o STF, além de ter que suportar a afronta "institucional" de Renan,  entre os custos de sua decisão esteve o de reconhecer, com os cuidados de sua linguagem ritual, que o ministro Marco Aurélio de Mello errou ao proferir a sua decisão liminar monocrática, intempestiva, temerária e tão carente de sabedoria!

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(*) Errei em meu prognóstico ou desejo, talvez mais desejo, quanto à decisão do STF, de que Renan seria imediatamente afastado.

Considero, entretanto, que um parlamentar que seja réu em processo criminal é incompatível com o cargo de presidente da Câmara ou do Senado. Observo que Rodrigo Janot, o PGR, defendeu essa mesma tese.

Foi nítido, nos discursos dos ministros, inclusive da ministra Carmen Lúcia, o que soou quase que como uma desculpa pelo voto que proferiram, de que se deveria levar em consideração a conjuntura de crise, e os riscos e incertezas a ela inerentes.

O STF pagará um preço por essa decisão política, pois, nesta queda de braços, quem ganhou foi Renan (embora seja uma vitória de Pirro)! Os verdadeiros vencedores serão logo conhecidos. Resta perguntar se com esta decisão o supremo jogou água ou lenha na fogueira da crise, o que já saberemos nos próximos dias.

Enquanto isso, segue o ministro Marco Aurélio de Mello, em seu caminho de crescente descrédito, perante seus pares e a opinião pública, e por seus votos - em voz constipada - marcados pela vã vaidade de querer ser diferente!


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domingo, 4 de dezembro de 2016

Para que alguém necessita ter a sua disposição milhões de dólares?

Solidariedade - Ferreira Gullar (*)


Frequentemente me pergunto por que certas pessoas indiscutivelmente inteligentes insistem em manter atitudes políticas indefensáveis, já que, na realidade, não existem mais.

Estou evidentemente me referindo aos que adotaram a ideologia marxista, que, de uma maneira ou de outra, militaram em partidos de esquerda, fosse no Partido Comunista, fosse em organizações surgidas por inspiração da Revolução Cubana.


Não tenho dúvida alguma em afirmar que Karl Marx foi uma personalidade excepcional, tanto por sua inteligência como por sua generosidade, pois dedicou a sua vida à luta por um mundo menos injusto.

Graças a homens como ele, as relações de capital e trabalho - que, na época, eram simplesmente selvagens - mudaram, alcançado as conquistas que as caracterizam hoje. Marx contribuiu para mudar a sociedade humana, muito embora o seu sonho da sociedade proletária se tenha frustrado.

Nisso ele errou, e nós, que acreditávamos em suas ideias, erramos com ele. Isso não significa, porém, que o sonho da sociedade igualitária tenha que ser sepultado. Continua vivo e o que importa é encontrar outros meios de torná-lo realidade. Já alguns países têm avançado nessa direção.

Mas, para que esse avanço prossiga é necessário reconhecer que o sonho marxista estava errado, ainda que bem-intencionado. Se insistirmos nos dogmas ditos revolucionários - como a luta de classes e a demonização da iniciativa privada -, não sairemos do impasse que inviabilizou o regime comunista onde ele se implantou.

Há que reconhecer que, se sem o trabalhador não se produz riqueza, sem o empreendedor também não. Entregar o destino da economia a meia dúzia de burocratas foi um dos equívocos que levaram ao fracasso os regimes comunistas onde ele se implantou.

Tampouco pode-se negar que o regime capitalista se move essencialmente pela exploração do trabalho e pela acumulação do lucro. A ambição desvairada pelo lucro é o mal do capitalismo que deve ser extirpado. E, creio eu, isso talvez possa ser feito sem violência, uma vez que, de fato, ninguém necessita de acumular fortunas fantásticas para ser feliz.

A sociedade também não necessita ser irretorquivelmente igualitária, mesmo porque as pessoas não são iguais. Um perna de pau não deve ganhar o mesmo que o Neymar, nem o Bill Gates o mesmo que ganha um chofer de táxi.

E, por falar nisso, para que alguém necessita ter a sua disposição milhões e milhões de dólares? Para jantar à tripa fora? Se ele investir esse dinheiro numa empresa, criando bem e dando emprego às pessoas, tudo bem. Mas ninguém necessita ter dez automóveis de luxo, vinte casas de campo nem dezenas de amantes.

Tais fortunas devem ser divididas com outras classes sociais, investidas na formação cultural e profissional das pessoas menos favorecidas, usadas para subvencionar hospitais e instituições para atender pessoas idosas e carentes.

Sucede que só avançaremos nessa direção se pusermos de lado os preconceitos esquerdistas e direitistas, que fomentam o ódio entre as pessoas.

Sabem por que Bill Gates deixou a presidência de sua empresa capitalista para dirigir a entidade beneficente que criou? Porque isso o faz mais feliz, dá sentido à sua vida.

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(*) Minha singela homenagem a este grande cidadão, o poeta Ferreira Gullar. Artigo publicado pela Folha de S.Paulo em 04/12/16, no dia do seu falecimento. http://m.folha.uol.com.br/colunas/ferreiragullar/2016/12/1838005-para-que-alguem-necessita-ter-a-sua-disposicao-milhoes-de-dolares.shtml?cmpid=comptw

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Desculpe, a Odebrecht errou

Por ocasião do acordo de leniência entre o ministério público e a Odebrecht, a empresa não apenas se comprometeu a devolver a vultosa soma de 6,8 bilhões de reais, mas assinou um compromisso ético, de sua lavra, que pode significar um novo momento na história econômica brasileira.

Um incrível resultado, que somente foi possível porque a Lava-Jato coletou provas irrefutáveis, concretas e objetivas sobre as operações ilícitas de um sistema de corrupção envolvendo:
(1) as maiores empreiteiras brasileiras;
(2) políticos ocupando posições estratégicas nos poderes executivo e legislativo federal;
(3) servidores públicos situados em posições estratégicas na Petrobras, nas maiores empresas estatais e nos seus respectivos fundos de pensão;
(4) operadores especializados em lavagem de grandes volumes de recursos, internamente, e externamente, com a utilização de paraísos fiscais;
(5) envolvimento das estruturas dos maiores partidos políticos, principalmente o PT, o PMDB e o PP, recebendo recursos de caixa dois e de lavagem de dinheiro para financiar suas respectivas campanhas eleitorais.

Se a operação Lava-Jato, enquanto operação da justiça, simboliza o anseio dos brasileiros de dar fim à impunidade dos crimes de colarinho branco, a nota da Odebrecht, tem por si só, um valor histórico. Ela fala não só por si, mas pelo empresariado! 

Ela pode estar demarcando, pelo ideário correto que apresenta, uma nova etapa no relacionamento entre as empresas e o poder público, dando chance ao surgimento de uma democracia moderna, republicana e de civilidade, que quer romper com o patrimonialismo, o que somente é possível se o empresariado e o cidadão forem co-partícipes desse compromisso.



A íntegra da nota:

"A Odebrecht reconhece que participou de práticas impróprias em sua atividade empresarial.


Não importa se cedemos a pressões externas. Tampouco se há vícios que precisam ser combatidos ou corrigidos no relacionamento entre empresas privadas e o setor público.
O que mais importa é que reconhecemos nosso envolvimento, fomos coniventes com tais práticas e não as combatemos como deveríamos.
Foi um grande erro, uma violação dos nossos próprios princípios, uma agressão a valores consagrados de honestidade e ética. 
Não admitiremos que isso se repita.
Por isso, a Odebrecht pede desculpas, inclusive por não ter tomado antes esta iniciativa.
Com a capacidade de gestão e entrega da Odebrecht, reconhecida pelos clientes, a competência e comprometimento dos nossos profissionais e a qualidade dos nossos produtos e serviços, definitivamente, não precisávamos ter cometido esses desvios.
A Odebrecht aprendeu várias lições com os seus erros. E está evoluindo. 
Estamos comprometidos, por convicção, a virar essa página.
COMPROMISSO COM O FUTURO
O Compromisso Odebrecht para uma atuação Ética, Íntegra e Transparente já está em vigor e será praticado de forma natural, convicta, responsável e irrestrita em todas as empresas da Odebrecht, sem exceções nem flexibilizações.
Não seremos complacentes.
Este Compromisso é uma demonstração da nossa determinação de mudança: 
1. Combater e não tolerar a corrupção em quaisquer de suas formas, inclusive extorsão e suborno.
2. Dizer não, com firmeza e determinação, a oportunidades de negócio que conflitem com este Compromisso.
3. Adotar princípios éticos, íntegros e transparentes no relacionamento com agentes públicos e privados.
4. Jamais invocar condições culturais ou usuais do mercado como justificativa para ações indevidas.
5. Assegurar transparência nas informações sobre a Odebrecht, que devem ser precisas, abrangentes e acessíveis, e divulgadas de forma regular.
6. Ter consciência de que desvios de conduta, sejam por ação, omissão ou complacência, agridem a sociedade, ferem as leis e destroem a imagem e a reputação de toda a Odebrecht.
7. Garantir na Odebrecht e em toda a cadeia de valor dos Negócios a prática do Sistema de Conformidade, sempre atualizado com as melhores referências.
8. Contribuir individual e coletivamente para mudanças necessárias nos mercados e nos ambientes onde possa haver indução a desvios de conduta.
9. Incorporar nos Programas de Ação dos Integrantes avaliação de desempenho no cumprimento do Sistema de Conformidade.
10. Ter convicção de que este Compromisso nos manterá no rumo da Sobrevivência, do Crescimento e da Perpetuidade.
A sociedade quer elevar a qualidade das relações entre o poder público e as empresas privadas.
Nós queremos participar dessa ação, junto com outros setores, e mudar as práticas até então vigentes na relação público-privada, que são de conhecimento generalizado.
Apoiamos os que defendem mudanças estruturantes que levem governos e empresas a seguir, rigorosamente, padrões éticos e democráticos.
É o nosso Compromisso com o futuro.
É o caminho que escolhemos para voltar a merecer a sua confiança.
Odebrecht S.A."