quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

A Universidade Necessária

Lamentavelmente, a disciplina "O golpe de 2016 e o futuro da democracia do Brasil" será oferecida pelo Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília neste semestre. As aulas serão ministradas pelo professor titular Luis Felipe Miguel.

Esta é uma triste demonstração de que docentes sem compromissos com os valores da Academia passam a apoiar a criação de disciplinas panfletárias para defenderem suas posições políticas. 

É um erro criá-las, pois tais disciplinas surgem com objetivos políticos, são fechadas à livre investigação científica, ao contraditório, e desaparecerão tão logo não mais exista a conjuntura que as motivou. No caso da UnB são totalmente desnecessárias, pois a universidade sempre esteve aberta ao livre debate de ideias por meio de múltiplos mecanismos criados exatamente para este fim. 

O que restará será o descrédito da instituição, caso ela se submeta a esse equívoco autoritário; pior, os que apoiam essa iniciativa, estarão sendo responsáveis por transformar o campus universitário em espaço de enfrentamento sectário, o que atentará contra os próprios princípios e valores da academia.

Darcy Ribeiro, um dos criadores da Universidade de Brasília, junto com Anísio Teixeira, escreveu em 1969 um dos seus mais importantes livros, "A Universidade Necessária", onde expõe o seu sonho da universidade necessária ao Brasil, que fora interrompido pelo golpe militar de 1964.


Ele sonhara com uma universidade radicalmente comprometida com os mais altos padrões do conhecimento científico e dedicada à solução dos problemas nacionais. Sua perspectiva sempre fora o olhar generoso de uma esquerda democrática e não populista comprometida com a construção de um país socialmente mais justo.

Mas, após a redemocratização, e antes de morrer, já demonstrava o seu inconformismo por ver a UnB, que sobrevivera ao golpe, não como a universidade que retomara o caminho virtuoso sonhado, mas como sendo vitima de um outro tipo de inimigo imprevisto. Ele mal suportava, nos seus anos finais, em que lutava contra o câncer, vê-la transformada em palco de disputas políticas sectárias e corporativistas que a afastavam do seu projeto original de fundação.

Cientista social, antropólogo, apaixonado pelo povo brasileiro real, ele sonhou com um modelo de universidade inovador e corajoso para a produção científica, em particular para a ciência social,  e que fosse enraizada em nossa realidade de forma ativa e crítica. Uma universidade comprometida com o Brasil.

Recolho de John Kenneth Galbraith (1908-2006) uma frase bem humorada, que lhe foi atribuída, referindo-se aos economistas: “...os economistas discordam tanto para que pelo menos um esteja certo!”. Ela mostra que a ciência social não é exata. Mas estão errados os que não a tratam, na academia, como se não fora ciência, sendo apenas o espaço de disputas políticas ou ideológicas.

A ciência social é complexa, pois lida com os homo sapiens em ação, e com os seus coletivos, que decidem e mudam de rumos, tornando a previsão mais difícil. Não sendo determinística, lida com o passado e o futuro incertos; e os que atuam neste campo têm que estar habilitados a trabalhar com as chances, as probabilidades e as distribuições de probabilidades. Estas são as medidas objetivas ou subjetivas do conhecimento imperfeito; em suma, das incertezas! 

Mas, na sua busca por seriedade e status científico a ciência social ganhou, em toda parte, espaço respeitável na academia. E se submete, com muita honra, aos mais rigorosos critérios metodológicos. 

Estar na academia significa um compromisso respeitável com o conhecimento que os estudantes irão levar para a vida, para viverem melhor e para ajudarem a construir um mundo melhor! E é isto o que faz a academia: dá um aval de respeitabilidade e validade ao conhecimento que ela propicia aos que a ela acorrem para capacitar-se. 

A academia não é, não pode ser, nem quer ser, o espaço dos palpiteiros, desonestos e despreparados!

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Da pauta da Previdência à da Segurança

Temer talvez precisasse lembrar, não importa qual seja a sua esperteza, que os homens decidem e agem dentro de um contexto determinado por todas as forças sociais e interesses políticos que o cercam. Eles não são donos das suas circunstâncias, por isso não podem e não conseguem fazer tudo o que querem! Sobretudo, não conseguem nadar contra a corrente da história!

General Walter Souza Braga Netto

A Intervenção Federal (*) no estado do Rio de Janeiro, em que Temer substituiu a pauta da Previdência pela da Segurança Pública, terá como consequência, embora esta não fosse a sua intenção, a priorização do combate à corrupção. Inadvertidamente, esfregou a lâmpada e libertou um gênio não servil!

O Exército não será eficaz subindo morro pra enfrentar traficante! Tampouco, como já ficou demonstrado, os bandidos o enfrentarão com os seus fuzis. Quando o exército entra, eles fogem ou se escondem. Esta tarefa continuará sendo missão institucional da PM.

Entretanto, o que se faz necessário é estancar a violência onde ela se origina: na corrupção da polícia, nas milícias e nos palácios, não apenas os do legislativo e executivo, mas em muitos que se espalham pela orla do Rio de Janeiro. Não há como se escamotear, para sanear o aparato da segurança pública, será necessário acabar com a chaga da impunidade de forma ampla, a começar pela que protege os criminosos de colarinho branco!

O mesmo pacto de convivência com a banda podre da polícia e com os políticos corruptos, que permite aos bandidos circularem livremente e exibirem os seus fuzis nas favelas, permite aos grandes chefes de quadrilha, enriquecidos com o tráfico e com outros crimes, circularem, também, livremente, e exibirem os seus palacetes, mansões e outros símbolos de poder.

Essa operação exigirá procedimentos de inteligência, planejamento e comando centralizado. E isto será mais importante do que o confronto direto, que poderão converter-se em meras ações cinematográficas.

Mas colocar a casa em ordem poderá não ser tão difícil quanto parece, pois alguns desses bandidos, “donos” de palácios, são, também, os principais responsáveis pela insolvência financeira do Estado, pela roubalheira e pela violência, e já são plenamente conhecidos e identificados. Se assim não for pensada, a Intervenção Federal fracassará e será meramente paliativa!

É indispensável que esta operação seja articulada com todos os órgãos de controle do estado, a PF, o MPF, os juízes e a SRF, pois o cerco ao crime, se quiser ser bem sucedido, terá que jogar pesado e usar todos os meios legais, não apenas as forças armadas, pois não estamos em uma guerra. É necessário inviabilizar economicamente o negócio do crime tornando o seu custo muito alto.

E este processo levará mais do que alguns meses, envolverá aspectos do próprio comportamento do carioca na sua relação com o serviço público - sendo necessário criar uma cultura cidadã anti-propina -, e deverá prolongar-se, em plena normalidade, com verdadeira campanha educativa, fora e além do período de intervenção. Os cidadãos terão que estar engajados de forma ativa, crítica e autocriticamente!

Temer, ao livrar-se da pauta da Previdência e adotar a da Segurança, que lhe dá mais IBOP, se sente mais aliviado; entretanto, tudo o que tem é o que já tinha: a honrosa tarefa de conduzir a estabilidade institucional até o seu sucessor. Porém, cada vez menos dono de suas circunstâncias, verá prosseguirem, em plena vigência do Estado Democrático de Direito, as investigações e processos judiciais contra ele e os seus mais próximos auxiliares.

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(*) Na madrugada do dia 20/02/2018, por 340 votos sim, 72 não e uma abstenção, a Câmara dos Deputados aprovou a Intervenção Federal no Estado do Rio de Janeiro. Veja como votaram os senhores deputados e os seus respectivos partidos:

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Um bom sabujo tem que ser discreto

Não é por ser sabujo que Segóvia está causando desconforto no palácio do Planalto, mas por ser indiscreto e vaidoso. Atual Diretor Geral da Polícia Federal, Segóvia se recusa a ter o comportamento indispensável à função, como bem lhe foi ensinado pelos seus antecessores, que fizeram um trabalho eficiente e respeitável, e contribuíram com o Brasil.


Mas parece que Temer, também, não entendeu bem as condições que Segóvia estabeleceu para aceitar servir em seu governo tão desmoralizado por questões éticas; sua contrapartida era, exatamente, usar o cargo para obter a projeção de mídia para os seus outros objetivos políticos pessoais, e parece que muito mais importantes para ele.

Ambos, Temer e Segóvia, analisaram mal a situação. Temer queria que Segóvia fizesse o trabalho de sabujo com discrição. Se o demitir, não será pela sabujice, mas porque piorou a sua situação ao expô-lo indevidamente. Segóvia, por sua vez, não avaliou que a sua corporação, uma das instituições públicas mais respeitadas do Brasil, não estaria disposta a aceitar a sua sabujice (*).

Em um ofício enviado à diretoria de Combate à Corrupção, os delegados do Grupo de Inquéritos Especiais da Polícia Federal, mostrando sua inconformidade com o comportamento de Segóvia, afirmam que não vão permitir interferência nas investigações no inquérito cujo alvo é o presidente Michel Temer (4621) (**). Os delegados declaram na íntegra do ofício:
"Em face dos recentes acontecimentos amplamente divulgados pela imprensa, os delegados integrantes deste Grupo de Inquéritos junto ao STF vêm a Vossa Execelência dar conhecimento de que, no exercício das atividades de Polícia Judiciária naquela Suprema Corte, com fundamento no artigo 230-C do regimento interno do STF, e também no artigo 2 da lei 12.830, não admitirão, nos autos do inquérito 4621 ou em outro procedimento em trâmite nesta unidade, qualquer ato que atente contra a autonomia técnica e funcional de seus integrantes, assim como atos que descaracterizam a neutralidade político-partidária de nossas atuações
Nesse sentido, uma vez que sejam concretizadas ações que configurem tipos previstos no ordenamento penal, dentre eles prevaricação, advocacia administrativa, coação no processo, obstrução de investigação de organização criminosa, os fatos serão devidamente apresentados ao respectivo ministro relator, mediante a competente representação, pleiteando-se pela obtenção das medidas cautelares cabíveis, nos termos do artigo 319 do Código de Processo Penal. 
Outrossim, registre-se que tais providências poderão ser adotadas sem prejuízo de eventual análise sobre as práticas funcionais contidas no Código de Ética da Polícia Federal, com destaque para os incisos VI, XVII,XVIII,XXI, XXII e XXVI do artigo 7, conforme já fora manifestado pelo ministro relator, em decisão no curso do inquérito 4621 (em 10/2/2018)."

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(*) Nadando contra a corrente da história
(http://www.decisoesinterativas.com.br/2017/11/nadando-contra-corrente-da-historia.html).
(**) Matéria do Globo
(https://oglobo.globo.com/brasil/em-carta-dura-grupo-especial-da-pf-ameaca-ir-ao-stf-caso-diretor-interfira-em-acoes-que-miram-temer-22399395#ixzz57BOtnQy2).

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Pós-escrito (28/02/18). O ministro Raul Jungman, o ministro do novo Ministério da Segurança Pública, demitiu o sabujo Segóvia como um dos seus primeiros atos. Veja: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/27/politica/1519762085_574426.html?%3Fid_externo_rsoc=FB_BR_CM

sábado, 10 de fevereiro de 2018

Chutando o pau da barraca

Nada como falar claro, pois o nosso tempo está se escoando.

Não sou filiado a qualquer partido e, portanto, não pertenço a qualquer órgão de direção partidária, assim como a quase totalidade dos que habitam este espaço democrático. Mas isto não me faz sentir-me sem capacidade de influir politicamente.


Faço-o com respeito interpessoal invariável, e sem exceções, com os que diretamente interagem comigo nos debates propiciados no espaço das redes sociais. Como não sou dono da verdade, isto tem me permitido conviver até com opiniões diametralmente opostas às minhas. Penso ser este um ingrediente elementar da convivência democrática. O limite é e sempre será o respeito mútuo ao direito de opinar e pensar diferente.

Mas, como disse, o tempo está se escoando. Precisamos de alternativas aos polos populista e autoritário, como são os representados por Lula e Bolsonaro, que olham pelo retrovisor da história e, por isso, nada têm a oferecer ao país. Julgo que, com esperança e luta, e com vontade cívica e ética, precisamos fazer gestar um novo projeto democrático que aponte para o futuro.

Tenho, entretanto, com dor e pesar, verificado que lideranças nacionais do porte, história e responsabilidade de Fernando Henrique Cardoso e Roberto Freire engajaram-se com determinação na construção da alternativa Huck como candidato a presidente da república. Têm nele a única alternativa? Claro que não! Mas sem eles essa alternativa jamais passará da porteira!

Felizmente, os dias são outros e essas personalidades já não possuem a influência de outrora. Sim, porque estão erradas. O Brasil não quer mais, nem pode, viver de ilusões e auto-engano. Nem tampouco quer ser enganado.

Huck é solução salvacionista. Os que a apoiam o fazem por o julgarem com potencial de sucesso eleitoral. Mas é uma proposta vazia de ideias, de programa, de compromissos confiáveis com mudanças estruturais e, principalmente, com compromissos éticos.

Os que a apoiam não escondem o seu desespero com a mera busca de sobrevivência política, embora a tentem mimetizar como um projeto do novo, que está apenas em suas cabeças, e na dos que, iludidos, passivamente, os acompanham. Mas Huck é apenas uma expressão do que existe de mais velho na sociedade brasileira, e na velha politica, e da qual precisamos nos livrar!