quinta-feira, 29 de junho de 2017

Colaborações premiadas precisam ser acordos honestos!

Por que acordos de colaboração premiada (*) conduzidos pela PGR e homologados por um juiz relator do STF não devem ser alterados posteriormente pelo plenário do STF?

(1) se o investigado achar que o plenário do STF irá "endurecer" os termos do acordo, imputando-lhe menos benefícios, ou anulando-os, não se mostrará motivado a colaborar durante a fase investigatória;

(2) se o investigado julgar que o plenário do STF irá "amolecer" os termos do acordo, imputando-lhe mais benefícios, por mais razão ainda estará pouco disposto a colaborar durante a fase investigatória.

(3) se o investigado não puder resolver essas incertezas durante as negociações da colaboração premiada, ele poderá preferir não fazer qualquer acordo.

A base do acordo é uma negociação confiável da PGR com o investigado, em que este entregará o máximo de informação factual (provas) de interesse da justiça em troca de benefícios.

Em síntese, se não houver confiança de que o acordo será cumprido, onde cada parte consegue o seu melhor, a sociedade deixa de beneficiar-se ao máximo com a colaboração premiada.

Finalmente, o instituto da colaboração premiada tem como premissas que o seu beneficiário não descumpra os termos do acordo, que será honrado pela justiça, e que não tenham sido cometidas ilegalidades (**) no processo mesmo de obtenção do acordo. Caso contrário, o plenário do STF deverá reexaminar os termos do acordo, podendo até anula-lo.


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(*) o artigo do professor Rodrigo Chemim, "JBS: Elementos para Entender a Complexidade do Acordo de Colaboração",  é uma excelente referência. Você poderá encontrá-lo no blog "Decisões Interativas": http://www.decisoesinterativas.com.br/2017/06/a-delacao-premiada-da-jbs.html.

(**) a hipótese de que o acordo de colaboração premiada contenha ilegalidades, para reexaminar os termos do acordo já homologados,  foi o elemento novo decidido pelo STF na tarde de 29/06/17.


domingo, 25 de junho de 2017

Valei-me foro privilegiado!

A crise política brasileira revelou-se como novela e, agora, como tragédia.  

César Benjamin, Secretário de Educação do município da cidade do Rio de Janeiro, em meio às suas lides, lança o seu olhar acurado como reporter de nossa conjuntura política.

Por César Benjamin
Domingo, 25/06/17

Leio os jornais deste domingo e concluo que a política brasileira gira hoje em torno de três personagens principais.

Um presidente da República que não consegue mais governar, mas não sai do cargo por medo de ser preso.

Um importante senador que não pode mais retomar o mandato, mas não se afasta dele por medo de ser preso.

Um líder da oposição que não tem mais nada a propor ao país, mas insiste em ser candidato a presidente por medo de ser preso.

Pano rápido.


domingo, 18 de junho de 2017

As 5 capitanias hereditárias da corrupção (*)

A divulgação da gravação clandestina da conversa com o presidente Michel Temer, na calada da noite, feita por Joesley Batista, e a sua entrevista na revista Época, tiveram como objetivo derrubar o presidente da república. Joesley, ao arrogar-se este objetivo, mostrou mais uma faceta da nossa crise ética, agora como uma verdadeira briga de quadrilhas. Claro, não existem santos nessa briga!

Nos dois episódios estiveram envolvidos o jornalismo das organizações Globo. Lauro Jardim divulgou a gravação clandestina; a revista Época a entrevista. Eficiência jornalística, vontade de informar, ou uma intencionalidade política articulada? Erick Bretas, diretor de mídias digitais da Globo, neste texto, mostra o seu olhar sobre esta terrível e degradante realidade, em que "o Brasil foi dividido entre cinco grandes quadrilhas nas últimas duas décadas". Simplista? Talvez!


Na foto, a reunião convocada por Dom Vito Corleone, no filme "O Poderoso Chefão", para negociar a paz com os Tattaglia, os Barzini, os Falcone e os Forlenza, depois de seguidos banhos de sangue que erodiram o poder político e econômico das famiglias mafiosas de Nova York. Dom Vito abre o encontro ainda sob o impacto do assassinato de seu filho, Sonny Corleone, com uma pergunta que os cappi da política brasileira devem se fazer todos os dias: "Como é que pudemos chegar a esse ponto?


Facebook 17/06/17 às 14:35

Se você analisa as delações da JBS, as da Odebrecht e as das demais empreiteiras, a conclusão é mais ou menos a seguinte:

O Brasil foi dividido entre cinco grandes quadrilhas nas últimas duas décadas. 

A maior e mais perigosa, diferentemente do que diz o Joesley, era a do PT: mais estruturada, mais agressiva, mais eficiente e com os planos mais sólidos de perpetuação no poder. Comandava a Petrobras, os maiores fundos de pensão e dividia o poder com as quadrilhas do PMDB nos bancos públicos. Sua maior aliada econômica (mas não a única) foi a Odebrecht. O chefão supremo, o capo di tutti cappi, era o Lula. Palocci e Mantega, os operadores econômicos. José Dirceu, até ser defenestrado, o consigliere. Politicamente equivalia ao Comando Vermelho: pra se manter na presidência era capaz de fazer o Diabo.

A segunda maior era a do PMDB da Câmara. Seus principais chefões eram Temer e Eduardo Cunha. Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima, Moreira Franco e Henrique Eduardo Alves eram os subchefes. Lúcio Funaro era o operador financeiro. Mandava no FI-FGTS, em diretorias da Caixa Econômica, em fundos de pensão e no ministério da Agricultura. Por causa do controle desse último órgão, tinha tanta influência na JBS. Era o ADA (**) dos políticos - ou seja, mais entranhada nos esquemas do poder tradicional e mais disposta a acordos e partilhas.

A terceira era o PMDB do Senado. Seu chefão era Renan Calheiros. Seu guru e presidente honorário, José Sarney. Edison Lobão, Jader Barbalho e Eunício Oliveira eram outras figuras de proa. Mandava nas empresas da área de energia e tinha influência nos fundos de pensão e empreiteiras que atuavam no setor. Por divergências sobre o rateio da propina, vivia às turras com a quadrilha do PMDB na Câmara, que era maior e mais organizada. Esta facção tem ainda a simbólica figura de Romero Jucá, que circula entre todos os grupos listados nesse texto como uma espécie de cimento que os une e protege ("delimita tudo como está, estanca a sangria.").

A quarta era o PSDB paulista, cuja figura de maior expressão era o Serra. Tinha grande independência das quadrilhas de PT e PMDB porque o governo de São Paulo era terreno fértil em licitações e obras. A empresa mais próxima do grupo era a Andrade Gutierrez, mas também foi financiada por esquemas com Alstom e Odebrecht.

A quinta e última era o PSDB de Minas - ou, para ser mas preciso, o PSDB do Aécio. Era uma quadrilha paroquial, com raio de ação mais restrito, mas ainda assim mandava em Furnas e usava a Cemig como operadora de esquemas nacionais, como o consórcio da hidrelétrica do Rio Madeira.

Em torno dessas "big five" flutuavam bandos menores, mas nem por isso menos agressivos em sua rapinagem - como o PR, que dava as cartas no setor de Transportes, o PSD do Kassab, que controlou o ministério das Cidades no governo Dilma, o PP, que compartilhava a Petrobras com o PT, e o consórcio PRB-Igreja Universal, que tinha interesses na área de Esportes.

Havia também os bandos regionais, que atuavam com maior ou menor grau de independência. O PMDB do Rio e seu inacreditável comandante Sérgio Cabral, por exemplo, chegaram a ser mais poderosos que os grupos nacionais. Fernando Pimentel liderava uma subquadrilha petista em Minas. O PT baiano também tinha voo próprio, embora muito conectado ao esquema nacional. Os grupos locais se diferenciavam das quadrilhas tucanas pelas aspirações e influência mais restritas aos territórios que governavam.

Por fim, vinham parlamentares e outros políticos do Centrão, negociados de maneira transacional no varejo: uma emenda aqui, um caixa 2 ali, uma secretaria acolá. Esses grupos se acoplavam ao poderoso de turno e a suas ideologias: de FHC a Lula, de Dilma a Temer. O neoliberal de anteontem era o nacionalista de ontem, o reformista de hoje e o que estiver na moda amanhã.

Digo tudo isso não para reduzir a importância do PT e o protagonismo do Lula nos crimes que foram cometidos contra o Brasil. Lula tem de ser preso e o PT tem que ser reduzido ao tamanho de um PSTU.

Mas ninguém pode dizer que é contra a corrupção se tolerar as quadrilhas do PMDB ou do PSDB em nome da "estabilidade", "das reformas" ou de qualquer outra tábua de salvação que esses bandidos jogam para si mesmos.

E que ninguém superestime as rivalidades existentes entre esses cinco grupos. Em nome da própria sobrevivência eles são capazes de qualquer tipo de acordo ou acomodação e farão de tudo para obstruir a Lava Jato.


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(*) Este Título foi sugestão de Márcia Zoé Ramos
(**) Amigos dos Amigos (A.D.A.). https://pt.wikipedia.org/wiki/Amigos_dos_Amigos

quinta-feira, 15 de junho de 2017

A delação premiada da JBS

O polêmico acordo de delação premiada negociado pela PGR com a JBS, homologado em decisão unilateral pelo ministro Fachin, do STF, causou grande perplexidade. Existe um sentimento de que a sociedade saiu lesada, permanecendo um sabor de que os irmãos Joesley e Wesley Batista podem ter sido beneficiados.



No artigo abaixo, de Rodrigo Chemim, procurador do Ministério Público do Paraná, o instituto da delação premiada é examinado, e comenta "...no acordo firmado com o MPF, a dupla escapou de sofrer sanção penal, devendo apenas pagar multa pessoal de 110 milhões de reais, com carência de um ano, em dez vezes.".

Os brasileiros, desejosos de viver em uma sociedade livre da impunidade dos crimes de colarinho branco, passamos a acreditar na eficácia dos acordos de delação premiada conduzidos no âmbito da Operação Lava-Jato, particularmente o da Odebrecht, conduzido pelo juiz Sergio Moro e pelos procuradores federais da república de Curitiba. Mas, para que sejam eficazes, começa a ficar cada vez mais clara a importância fundamental da credibilidade dos agentes públicos que representam a sociedade nessas negociações.

Chemim recentemente lançou o livro "Mãos Limpas e Lava Jato - A corrupção se olha no espelho" (*). Vale a pena lê-lo, pois existe um debate acirrado sobre o instituto da delação premiada; talvez somente agora ele esteja saindo do círculo dos juristas e atingindo a sociedade. Os que temem a Lava-Jato a combatem, e querem invalidar suas provas, como ocorreu recentemente no TSE, quando, para absolver a chapa Dilma-Temer precisaram, exatamente, desconhecer as provas e fatos obtidos após a delação premiada da Odebrecht.


JBS: ELEMENTOS PARA ENTENDER A COMPLEXIDADE DO ACORDO DE COLABORAÇÃO (**)

14/06/2017


O país acompanha perplexo as revelações dos acordos de colaboração premiada da dupla Joesley e Wesley Batista do grupo JBS. Para além das discussões em torno das filmagens de políticos recebendo malas de dinheiro e envoltos em conversas não republicanas, a indignação também se voltou para as benesses concedidas pelo Procurador-Geral da República aos irmãos Batista, em troca das informações e documentos delatados. Mesmo diante do lucro de cifras astronômicas em negociatas com o poder público e do que se possa considerar um “recorde mundial” de corrupção de políticos (1.829, no total), no acordo firmado com o MPF, a dupla escapou de sofrer sanção penal, devendo apenas pagar multa pessoal de 110 milhões de reais, com carência de um ano, em dez vezes.

Para tentar compreender como se chegou a um acordo assim vantajoso é preciso levar em conta o que é, como funciona e porque a colaboração premiada ganhou este destaque ambivalente.

A colaboração premiada é um instrumento de dupla funcionalidade: serve tanto para ampliar o quadro probatório em investigações de delitos complexos, quanto como instrumento de defesa. Não obstante esteja regrada desde 1990, ganhou fôlego e nova dimensão a partir da Lava Jato, tanto em razão de sua melhor regulamentação dada pela lei 12.850/13, quanto pelo fato de que as teses de prescrição e nulidade deixaram de ser opções defensivas concretas. Depois da Lei 12.234, de 2010, não há mais a chamada “prescrição retroativa” na fase de investigação o que, somado à mudança de interpretação do STF, em fevereiro de 2016, quanto ao início de execução da pena, agora possível depois da condenação em segundo grau, ainda pendentes recursos para os tribunais superiores, torna a opção pela colaboração uma última cartada defensiva.

Instalou-se, então, com potência inédita, uma nova dualidade no processo penal brasileiro: ao lado do modelo “tradicional”, originário da Europa continental e orientado por uma lógica de princípios, se apresenta o instituto da colaboração premiada, inspirado no modelo de plea bargain norte-americano e orientado por uma lógica utilitarista, de custo/benefício.

No modelo “tradicional” são observadas as garantias de presunção de inocência, de contraditório, de não autoincriminação, do direito ao silêncio e da carga probatória ser toda da acusação. Aqui as partes produzem provas perante o juiz a fim de convencê-lo a seguir suas teses, com liberdade na valoração probatória, exigindo apenas uma fundamentação adequada. Ao final, em caso de condenação, o juiz aplica a pena prevista em lei, sem negociações e sem descontos premiais. A chance de condenação em casos do colarinho branco, nos termos deste modelo tradicional é mais rara.

Porém, no modelo de colaboração premiada, a situação é diversa, pois, fruto de negociação entre as partes, o acusado abre mão da presunção de inocência (deve confessar), da não auto-incriminação (deve apresentar as provas que têm contra si); do direito ao silêncio (deve falar toda vez que for convocado); do contraditório em juízo (adere à tese acusatória); e de promover a “captura psíquica” do juiz (concorda com a condenação e entrega provas contra terceiros). Em troca recebe um prêmio, que pode ser a diminuição da pena ou, até mesmo, pena alguma. O juiz, por sua vez, apenas homologa o acordo realizado entre as partes, servindo o processo mais para julgar os corréus, delatados pelo colaborador.

Portanto, na colaboração premiada, impera uma lógica de mercado e não uma visão garantista de princípios. E talvez esteja aí a dificuldade de boa parte da população brasileira compreender o resultado da negociação entabulada com os irmãos Joesley e Wesley. A sociedade não está acostumada com esse modelo no qual o criminoso leva tantas vantagens que pode até sair impune com a conivência do Estado. Aliás, nem mesmo os atores processuais estão acostumados. Aprende-se na prática como funciona essa lógica de mercado: os investigados têm informações e documentos que podem alcançar coautores da organização criminosa e querem “vendê-los” ao Estado. Interessa a “compra”? Quanto vale a “mercadoria”? Que “preço” o Estado está disposto a “pagar”? Não há fórmula única. Ainda que a Lei 12.850/13 estabeleça alguns critérios de fixação de “preços” ela dá margem para negociar, podendo chegar à “pena zero”. A relevância das informações, a urgência em fechar um acordo, a pressão interna e externa, a possibilidade de perder de um “bom negócio”, o emocional, tudo influencia os termos do contrato a ser firmado e, dependendo do caso, como explica a Psicologia Cognitiva, é possível um encurtamento do processo decisório na hora de “fechar a compra”. Ganha mais quem negocia melhor e quem tem o tempo a seu favor.

No caso concreto, parte dos crimes estavam para acontecer dali a cinco dias do fechamento de um pré-contrato de colaboração com o PGR e medidas de produção de provas que necessitam de autorização do STF eram exigidas. Analisar as provas apresentadas pelos colaboradores, ouvir as gravações, atestar, precariamente, suas autenticidades, elaborar as petições com fundamentações adequadas, protocolizá-las, aguardar suas formalizações e as respectivas decisões do Ministro Fachin, operacionalizar as interceptações de comunicação telefônica, as ações controladas e as escutas ambientais, são providências naturalmente morosas. O tempo, portanto, jogava a favor dos irmãos. Na mesma senda, as informações relevantíssimas para o país não poderiam ser ignoradas e, sabia-se, jamais seriam obtidas pelos meios de investigação tradicionais. No fechamento do acordo, ponto para os irmãos Batista que se beneficiaram da lei.

Muitos se perguntam: mas não dá para rever esse acordo? A primeira resposta é não. Nos termos da lei, uma vez homologado pelo Judiciário, somente em caso de quebra do contrato pelos investigados é que seria possível reverter o cenário pactuado. No entanto, em se tratando do STF, não seria surpresa se o colegiado revisse a decisão de homologação singular do Ministro Relator. Uma única brecha para tanto seria questionar a aplicação do §4º do art.4º da Lei 12.850/13 que permite o não oferecimento da denúncia apenas quando se conjugam os critérios de não ser o líder da organização criminosa e ser o primeiro a fechar o acordo de colaboração. Estes pontos não estão muito claros no caso concreto e, aqui, abre-se uma possibilidade, remota, diga-se.

De resto, é relevante aprender com o caso, tomando-se consciência de que esse jogo de compra e venda não é próprio da formação acadêmica de promotores e advogados. Talvez tenha chegado a hora de se criar uma disciplina de técnicas de negociação nas Faculdades de Direito. Do contrário, nesse novo universo do processo penal, sentar à mesa para tratar com investigados que têm ampla vivência em processos de negociação, calejados e acostumados com o mundo empresarial, pode ser arriscado. Vale o aprendizado oportunizado a cada novo acordo na Lava Jato. Novos tempos e novas ferramentas exigem novas expertises.

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(**) O conteúdo do presente texto reflete a opinião do autor, não constituindo, em seus termos, necessariamente, a posição dos demais membros da Escola Superior de Direito Público.

terça-feira, 13 de junho de 2017

A nova revolução francesa

Marcos Cavalcanti (*)
postado no Facebook 12/06/17 às 06:37

Durante mais de dois séculos os franceses fizeram a direita e a esquerda se revezar no poder. 

Ontem eles viraram esta página da sua história. Pela primeira vez na história da República Francesa a esquerda E a direita foram fragorosamente derrotadas nas urnas. 

Foi uma tsunami. 

A direita sofreu a maior derrota eleitoral da sua história e deverá ter apenas 70 deputados. A extrema direita (Front Nacional, de Marine Le Pen) deverá ter apenas 10 deputados. 

Já a esquerda foi dizimada. O PS (partido que estava no poder) teve menos de 10% dos votos e não deverá fazer nem 40 deputados. A "nova esquerda", a France Insoumise teve menos votos que o Front Nacional e mesmo aliada ao PCF (Partido Comunista Francês) fará menos de 15 deputados...

O grupo político vencedor foi France en Marche, do presidente Macron, que rejeita explicitamente qualquer enquadramento de "direita" ou "esquerda". Ele deverá ter maioria absoluta no parlamento, com mais de 400 deputados, sendo que a maioria deles nunca tinha participado antes da política.


É uma revolução que deixa o status quo político, mediático e intelectual de cabelo em pé. 

Foi ridículo ver os políticos dos partidos de direita e de esquerda (inclusive os da "nova" esquerda, como a France Insoumise - o PSOL francês) tentando justificar sua derrota acachapante. Só conseguiram repetir os chavões e blá-blá-blá de sempre, que cansou os eleitores.

Já os jornalistas e comentaristas políticos estão completamente desorientados. Sem saber como explicar esta enorme demonstração de insatisfação com a política tradicional, se limitam a repetir o óbvio: os franceses estão de saco cheio dos políticos e da política. E justificam esta afirmação com a taxa recorde de abstenção desta eleição: 51,2% dos franceses simplesmente não apareceram para votar!

Por fim, os acadêmicos. Apesar de estarem desorientados, como os jornalistas, eles não podem dar o braço a torcer e dizer, simplesmente, que não estão entendendo nada. Preferem, do alto da sua arrogância, dizer que o povo francês está "flertando com o caos", "que esta rejeição da política está abrindo as portas para a extrema direita" ou ainda, "que a França en Marche é um projeto neo liberal sem dizer o nome". Em resumo, continuam tentando explicar a realidade com as suas velhas categorias e conceitos baseados numa visão de mundo que só consegue enxergar dois posições: a direita e a esquerda.

Minha percepção é completamente diferente. Os franceses não estão "cansados da política". Eles estão cansados DESTA política, velha, tradicional e ultrapassada. E acham que o parlamento não representa mais a sociedade. Daí esta taxa de abstenção recorde (na França a eleição não é obrigatória). Não estamos vivendo "o fim do mundo", mas o fim de UM determinado mundo...

O resultado das eleições francesas é mais um sinal evidente de uma revolução em curso: o advento da sociedade do conhecimento, em rede e o fim da hegemonia do pensamento cartesiano e dual. 

Do meu ponto de vista, o pensamento binário não consegue mais dar conta da diversidade e complexidade da vida política, econômica e social. Basta pensar em conceitos diversos como família, sexualidade ou economia e política para se dar conta de que a era do pensamento binário acabou.

Uma família dos séculos XIX e XX tinha uma estrutura bem conhecida: pai, mãe, tios, avós... Olhe à sua volta hoje. Pessoas que se casam várias vezes, que não se casam e moram juntas, ou vivem separados, ou nunca se casam... Dentro da lógica cartesiana isto é uma verdadeira "zona". Dentro do pensamento complexo isto é só a expressão da variedade humana.

A sexualidade do século XXI não tem absolutamente NADA a ver com a sexualidade dos séculos XIX e XX. A mulher do século XXI é outra mulher. O homem também. E apareceram várias outras categorias que não se sentem representadas por esta classificação (homem-mulher). Mais uma vez, dentro do pensamento binário isto parece uma "bagunça" ou o "fim do mundo". Dentro da lógica complexa é apenas uma expressão da diversidade humana. 

Na economia e na política, que mudam menos rápido que os costumes e práticas humanas, o esgotamento do pensamento binário é cada vez mais evidente. Existe uma nova economia, intensiva em tecnologia e conhecimento, que está superando a velha economia baseada em mão de obra e combustíveis fósseis. E na política é cada vez mais claro que as pessoas estão cansadas desta velha divisão direita X esquerda e desejam uma nova política, mesmo que ainda não saibam exatamente qual. 

As manifestações de junho de 2013 e pelo impeachment de Dilma, no Brasil, e a eleição francesa são sinais deste novo tempo que surge. Claro que o novo ainda está sendo construído. Ele ainda é pouco claro, contém velhos traços do passado. O movimento de Macron não é o "novo que queremos". Ele é cheio de imperfeições e vícios, naturais em todo processo de transformação. Podemos nos envolver neste processo ou ficar de fora, observando ou criticando. Ficar de fora observando é lavar as mãos e deixar que o novo mundo seja construído pelos outros. Ficar de fora apontando seus defeitos é uma atitude arrogante e inútil. Arrogante porque pressupõe que quem critica sabe exatamente tudo o que deve ser feito. E inútil, porque o futuro não está escrito nas estrelas, mas é construído no dia a dia dos embates diários que temos na vida.

Bora construir o novo mundo e o Brasil do século XXI?

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(*) Professor na Coordenação dos Programas de Pós-graduação em Engenharia (COPPE-UFRJ).

As eleições legislativas francesas, neste momento, estão em curso, pois os seus dias vão de 11/06/17 até 18/06/17. Um texto muito útil para quem buscar entende-la melhor é o da Wikipédia. Nele você encontrará os resultados já alcançados no dia 11/06/17, mas também as projeções para o dia 18/06/17:
https://fr.wikipedia.org/wiki/%C3%89lections_l%C3%A9gislatives_fran%C3%A7aises_de_2017

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Nota de repudio dos procuradores da república a Gilmar Mendes

A ANPR lamenta as declarações do ministro Gilmar Mendes, em plena sessão do TSE, na tarde de 09/06/2017.


"A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) vem a público para registrar o caráter inadequado e infundado das críticas assacadas contra o MPF, feitas pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, na tarde desta sexta-feira, 12, durante sessão que trata sobre a cassação da chapa Dilma-Temer.


O Ministério Público Federal tem independência funcional garantida na Constituição e mesma estatura dos juízes exatamente para não estarem seus membros submetidos a ninguém que não à lei e suas consciências. O Brasil precisa de instituições que funcionem com serenidade, com impessoalidade, sem cores políticas e sem temor.

Assim tem sido o comportamento do Ministério Público Federal na Lava Jato e em toda sua atividade, por todos os seus membros, e assim foi a atuação escorreita do vice-procurador-Geral Eleitoral Nicolao Dino de Castro e Costa Neto, realizada na tarde de hoje, com todo o País de testemunha.

O MPF não recebe ordens de quem quer que seja e não exerce suas funções constitucionais pedindo permissão a outrem, ainda que a presidentes de tribunais.

A ANPR lamenta assim, as declarações desproporcionais e sem base do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, em plena sessão do TSE, na tarde de hoje. 

O Ministério Público Federal continuará cumprindo serenamente seu dever constitucional de zelar pelo regime democrático, sempre disposto a forjar a tempera das Instituições, com lealdade à lei e à Constituição.

José Robalinho Cavalcanti
Procurador Regional da República
Presidente da ANPR"

sexta-feira, 9 de junho de 2017

A justiça quebrada

O Tribunal Superior Eleitoral decidiu, hoje, dia 09/06/2017, pela absolvição da chapa Dilma-Temer dos crimes de abuso econômico e político. Votaram pela absolvição os ministros Gilmar Mendes, Napoleão Nunes Maia Filho, Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira de Carvalho Neto. Votaram pela cassação da chapa o ministro Herman Benjamin, relator do processo no TSE, e os ministros Luiz Fux e Rosa Weber.

Além da inequívoca articulação para absolver a chapa Dilma-Temer dos crimes de abuso econômico e político, que se verificou neste julgamento no STE, pode ter ocorrido algo mais grave.


Como uma verdadeira organização, essa articulação atuou para impedir a utilização dos fatos, provas e evidências inequívocos contidos em abundância nos autos do processo; se tivessem sido considerados, a cassação da chapa seria inevitável! Ao impedi-lo, e nega-los, criaram a situação de conforto para pronunciar os seus votos sofísticos.

Quem protegerá a nação, contra essa terrível decisão do STE? Se comprovado que um conjunto de juízes, valendo-se de uma maioria eventual, agiu e votou sem independência e criminosamente, desrespeitando todas as premissas éticas da magistratura, o que se pode fazer para defender a nação?

O que é mais grave, se isso ocorreu, a comprovar portanto, o STE, com essa decisão, desrespeitou a Constituição e o Estado Democrático de Direito e agravou a própria crise levando a justiça a um grau de descrédito sem precedentes! Esta foi a contribuição desse grupo lamentável de quatro juízes liderados por Gilmar Mendes!

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Pós-escrito (13/06/17). Capa do Correio Braziliense, do dia 10/06/17. Deixo-a, aqui, como um registro eloquente da irresponsabilidade de Gilmar Mendes, e de seus liderados, no julgamento em que, contrariamente ao sentimento da nação, o TSE absolveu a chapa Dilma-Temer dos crimes de abuso econômico e político, em que pese todas as evidências.


quarta-feira, 7 de junho de 2017

Um julgamento histórico no TSE.

Programado inicialmente para os dias 06 a 08 de junho, o Tribunal Superior Eleitoral vive um momento histórico no julgamento de quatro ações que pedem a cassação da chapa Dilma-Temer por abuso de poder político e econômico nas eleições de 2014.

(1) De um lado, juízes de um Brasil moderno, mais democrático, que tem pressa para nascer, que clama por uma justiça plena de credibilidade para ver-se livre da impunidade dos criminosos de colarinho branco. O seu símbolo neste julgamento é o seu relator ministro Herman Benjamin.


O critério contido no seu relatório brilhante condiz com um princípio fundamental da justiça, o de que as sentenças dos tribunais devem basear-se nos fatos, provas e evidências contidas nos autos do processo.

(2) De outro lado, juizes de um Brasil reacionário, que insiste em permanecer prisioneiro dos interesses dos poderosos de ocasião, que afundaram o país com o seu egoísmo e irresponsabilidade na corrupção e nas crises ética, política, econômica e social. O seu símbolo neste julgamento é o ministro do STF e presidente do TSE Gilmar Mendes.


O critério com o qual votam, é preciso que se diga, passa por desconhecer os fatos. Naturalmente, para justificar seus votos, usam de uma retórica jurídica vazia e plena de sofismas. Mas já não conseguem esconder que o seu voto é meramente político, alimentado, por vezes, por interesses inconfessáveis e não republicanos.

(3) Como ficam os cidadãos? Precisamos deixar nascer o Brasil necessário, desejado e possível! Não corremos risco de ruptura institucional, pois somos todos filhos de um movimento de democratização cujas energias não se esgotaram! E a Constituição Cidadã de 1988 contém os dispositivos para enfrentarmos os riscos da travessia!

domingo, 4 de junho de 2017

O TSE diante da História

As sentenças dos tribunais devem ater-se aos autos do processo, ou seja, aos fatos, provas e evidências, ou devem ser políticas, submetendo-se às pressões e contrapressões dos poderosos?


Devemos, os brasileiros, continuar prisioneiros de uma cultura reacionária, que tem permitido a existência de cidadãos acima da lei? Continuaremos a defender os nossos criminosos de estimação?

Entretanto, se o futuro dos nossos filhos e netos - e o bem comum - são mais importantes do que os nossos interesses egoístas, mesquinhos ou partidários, devemos reconhecer que estamos vivendo uma oportunidade histórica, que não pode ser perdida!

O editorial do jornal O Globo, do dia 04/06/2017, aponta, com clareza, este momento histórico. Este posicionamento contribui para a compreensão de que a cassação da chapa Dilma-Temer é um imperativo para que possamos sair dessa crise com esperanças renovadas de um Brasil mais organizado, produtivo, democrático e justo.


O Globo, Editorial (*):

O Tribunal Superior Eleitoral viverá na próxima terça-feira o que realmente se pode chamar de dia histórico: julgará quatro ações que pedem a cassação da chapa Dilma-Temer por abuso de poder político e econômico nas eleições de 2014. Depois de todos os fatos ilícitos que vieram a público, alguns nos últimos meses, depois de todas as provas, depois de todos os depoimentos, não resta dúvida de que a nossa democracia foi lesada, que a chapa, agora em julgamento, foi eleita graças a um esquema bilionário de financiamento oriundo de propina. O jogo democrático não foi limpo. Ganhou a eleição quem a disputou de forma ilegal, corroendo o que de fundamental há no processo democrático: igualdade de oportunidades. O dia será histórico porque a Justiça tem uma tripla função: garantir que a lei vale para todos, punir quem não respeita a lei e, assim, educar, garantindo que tamanha barbaridade não volte a ocorrer.

Entre os que estão mais preocupados com aqueles que apoiam do que com a democracia ou o Brasil, há defensores de toda sorte de teses que resultem na absolvição da chapa.

Há os que defendem que a ação sequer deve ser julgada, porque teria perdido o objeto quando a presidente Dilma foi afastada da Presidência por crime de responsabilidade. Essa tese não faz sentido: o abuso do poder político e econômico que a elegeu foi o mesmo que elegeu também o seu vice. Os 54 milhões de votos foram para os dois. Não faz sentido que, tendo sido afastada por outros motivos a presidente, o seu vice, que com ela foi eleito com os mesmos abusos, seja poupado.

Numa variante dessa tese, está aquela que diz que o vice deve ser poupado porque é alheio ao que na campanha fez o cabeça da chapa, o PT e Dilma. Não é: o abuso de poder econômico e político que elegeu um elegeu igualmente o outro, tendo o vice participado ou não do esquema fraudulento graças ao qual os 54 milhões de votos de ambos foram conseguidos. Não é à toa que a jurisprudência do Tribunal consagre o princípio da indivisibilidade da chapa.

O abuso do poder político e econômico que elegeu Dilma Rousseff foi o mesmo que elegeu o vice, Michel Temer. Os 54 milhões de votos foram para os dois

Há ainda os que afirmam que a comprovação das ilicitudes cometidas na campanha só veio a público depois que as ações foram protocoladas e, por esse motivo, não pode ser levada em conta. O argumento, meramente processual, devia fazer corar de vergonha os seus proponentes. É como se eles dissessem que agora sabemos que a chapa se elegeu de forma ilegal, mas, como seus oponentes não apontaram essa ilegalidade no momento em que deram entrada nas ações, nada pode ser feito.

Não. Porque uma das ações impetradas leva o elucidativo nome de Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Ela se presta justamente a, no curso da ação, investigar quaisquer fatos novos que surjam. E a lei que a regulamenta é clara em seu artigo 23: “O Tribunal formará a sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral”. A lei é sempre sábia.

O próprio tribunal já deu sinais de que pensa assim quando a então relatora de uma das ações Maria Theresa de Assis Moura mandou arquivá-la porque considerou que o PSDB adicionou novos elementos fora do prazo legal. Com os votos sensatos dos ministros Gilmar Mendes e Luiz Fux, por 5 votos a 2, o Tribunal mandou seguir o processo. Se acreditasse que novos fatos não poderiam ser agregados, teria concordado com o arquivamento.

Depois disso, vieram as delações da Odebrecht, as delações do marqueteiro do PT João Santana e de sua mulher, Mônica Moura, que não somente confessaram o que de errado fizeram na campanha, como anexaram provas. O ministro relator, Herman Benjamin, com desassombro, inquiriu-os e anexou as provas, cumprindo o seu dever.

Muitos temem pelo solavanco econômico que uma cassação da chapa possa vir a provocar. Mas juízes, ansiamos todos, julgam com base nos fatos e aplicam a lei, não levando em conta nenhum efeito de suas ações senão a confirmação de que vivemos sob o Império da Lei. Não há do que ter medo. A Constituição Cidadã de 1988 dá todos os caminhos, e estes devem ser seguidos com serenidade para que os brasileiros possam viver com a certeza de que somos um país sério, em que erros trazem consequências, em que não há impunidade, em que a aplicação da lei resolve problemas, jamais os cria.

As reformas, tão essenciais aos brasileiros, têm mais chances de passar num Brasil adulto, que não empurra para debaixo do tapete os erros cometidos, mas os enfrenta, do que num país do jeitinho, dos atalhos, das teses que não se sustentam.

Este jornal está sendo coerente com o que pensa desde o início da crise. Quando a Câmara aprovou o impeachment da presidente Dilma, nosso editorial previa: “A votação final do impeachment, no Senado, independentemente do resultado, não será o desfecho da crise. Deve-se ser realista. Em qualquer hipótese, ela deverá persistir. Pode-se lamentar esse prognóstico, mas não temê-lo. Porque a Constituição continuará a indicar o caminho para a superação dos males que afligem os brasileiros.”

Não há nenhuma dúvida de que esse julgamento nada tem a ver com as acusações que agora pesam contra o presidente Michel Temer. Trata-se de julgar pecados anteriores. Mas, sabemos todos, na construção de suas convicções, os juízes podem e devem levar em conta as condutas impróprias continuadas dos implicados.

Desde que as ações ingressaram no tribunal, já lá se vão dois anos e meio. É tempo de julgar. Pedidos de vistas são normais, mas protelações em processo tão longo e urgente, não. O Brasil tem de ultrapassar essa etapa. Este jornal não tem dúvida de que todos os ministros do TSE, julgando a favor ou contra, agirão segundo as suas convicções, tendo em mente as leis, a nossa democracia. E cumprindo o dever que a nação lhes outorgou.

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(*) https://oglobo.globo.com/opiniao/o-tse-diante-da-historia-21431402#ixzz4j2J6BxAk