Freire, e o seu partido, o PPS, representa no governo Temer uma vertente da esquerda para a qual a democracia é um valor fundamental. Isto implica afirmar ser impossível existir um sistema social justo sem democracia, que deve realizar-se nos planos político, econômico e social.
Freire é um político, não um artista ou um
acadêmico; mas é um intelectual orgânico do pensar e agir sobre como construir
um mundo melhor na perspectiva da esquerda democrática. Ele faz parte da
longa tradição dos intelectuais do PCB, como Astrojildo Pereira, Oscar
Niemayer, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Mário Schenberg, Caio Prado Júnior,
Mário Lago, Vianinha, Dias Gomes, Ferreira Gullar, e tantos outros. As tarefas
que enfrentará não serão nada fáceis nesta conjuntura conflituosa, mas, com
essa herança, ele se sentirá pleno de legitimidade no mundo da cultura. E não lhe
faltará quem o apoie para que tenha sucesso.
Freire é um conhecido de todos os que
participaram do enfrentamento à ditadura militar. Sabem que o seu partido, o
PCB - o velho "partidão" -, adotou a estratégia de apoiar uma ampla
frente democrática para unir todos os que se opunham ao autoritarismo. Esta política
o levou a apostar no fortalecimento das instituições de caráter democrático,
como o Legislativo e o processo eleitoral, as entidades sindicais e as
instituições representativas da sociedade civil. Isto resultou em um movimento
cívico, de massas, nos espaços institucionais, e nas ruas, que permitiu
acumular as forças necessárias para reconquistar a democracia, o que culminou
com a Assembleia Nacional Constituinte e na Constituição cidadã de 1988.
Quem for fiel à história reconhece a
importante contribuição do PCB, embora essa estratégia de enfrentamento à
ditadura tenha sido muito criticada à época - como "reformista" -
pelos partidos que adotaram a luta armada como estratégia. Os que a defendiam,
depois de terem sido derrotados, embora a contragosto, tiveram que aderir à
essa visão, caso contrário ficariam fora do processo de redemocratização. Mesmo
o PT, que votara contra a aprovação da Constituição no dia de sua promulgação,
integrou-se ao processo democrático e chegou, pelo voto, ao poder.
Mas, a correção dessa política custou caro ao PCB!
Em 1974, já desbaratadas e derrotadas as várias organizações de resistência
armada, os órgãos de repressão da ditadura voltaram-se exclusivamente contra o
PCB. Era necessário, então, liquidar o único partido de esquerda que
permanecera organizado e funcionando nacionalmente. Abateu-se, então, sobre as suas direção
central e estruturas estaduais a mais bárbara ação de repressão, e dentre os centenas de presos,
torturados e sequestrados, dez permanecem desaparecidos e insepultos!
Com o fim da União Soviética e da guerra fria,
o velho partidão, por decisão do seu X Congresso, em 1992, transformou-se em
PPS. Com isso, buscou proclamar com força duas características de sua
identidade singular, que já o distinguiam dos demais partidos de esquerda:
primeiro, desde 1958, quando rompeu com o estalinismo e apontou a democracia
como caminho para o socialismo; segundo, a política assumida em seu VI
Congresso, em 1966, após o golpe, quando adotou a estratégia da frente
democrática e da via pacífica para enfrentar a ditadura. Aos que acompanham
essa digna trajetória, entretanto, o PPS parece ter ficado aquém do que merecia
ter alcançado com sua nova perspectiva para ajudar a construir um Brasil mais
justo e democrático. Razões, certamente, existem, e devem ser buscadas em suas
deficiências e no momento de perplexidade porque passa a esquerda em todo o
mundo!
Mas, o mundo dá voltas. Embora o PPS não tenha
participado dos governos Lula e Dilma, por suas divergências, agora está no
governo Temer, com Freire na Cultura, e com Jungmann na Defesa.
Quanto a Freire, presidente nacional do
partido, os que o conhecem se lembram do brilhante e combativo deputado federal
constituinte, do candidato a presidente da república que qualificou o debate na
eleição de 1989, e do líder do governo Itamar na Câmara após o impeachment de
Collor. Sua marca é a combatividade, a capacidade de diálogo e negociação, e a
tolerância com as posições divergentes. É tudo, menos uma “Maria vai com as
outras”. Suas características, creio, justificam expectativas positivas para a Cultura,
e o próprio elogio de Temer ao lhe dar posse como ministro (*).
(*) http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,com-chegada-de-freire-vamos-salvar-o-brasil-diz-temer,10000090102?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=manchetes
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