segunda-feira, 18 de novembro de 2019

A segunda instância e a presunção de inocência

Neste artigo o ministro da justiça e ex juiz Sergio Moro traz a sua posição em defesa da prisão em 2ª instância.


Seu posicionamento é coerente com uma trajetória de intervir em momentos cruciais, onde, mais do que por dever de ofício, tem demonstrado a coragem cidadã de assumir atitudes claras e riscos. Elas já tiveram o condão de definir, no passado recente, os caminhos da justiça para punir criminosos de colarinho branco, bem como, por vezes, de influenciar os próprios acontecimentos políticos.

Isto lhe valeu o ódio de milhares de investigados, condenados e presos por corrupção. Mas, lhe valeu, sobretudo, o reconhecimento e o respeito de dezenas de milhões de cidadãos. Esse prestígio não se deve a uma mitificação de sua personalidade sóbria, pacífica e ponderada, mas devido ao legítimo tributo dos brasileiros que reconhecem a importância fundamental da luta contra a impunidade para construir um país mais democrático e justo.

Este artigo é muito oportuno, no início desta semana, segunda-feira, 18/11, exatamente quando o presidente do STF, Dias Toffoli, apoiado por Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, pratica uma escalada contra a Lava-Jato. Combater essas posições equivocadas de ministros do STF é fundamental para defender o STF enquanto instituição da democracia, a própria democracia e o Estado Democrático de Direito. 


Abaixo, íntegra do artigo de Sergio Fernando Moro *.
O Estado de S.Paulo, 18 de novembro de 2019 | 03h00

A presunção de inocência é um princípio cardeal dentro do processo penal. Proíbe condenações injustas e punições prematuras.

O núcleo essencial da presunção diz respeito às provas. Ninguém pode ser condenado criminalmente sem que existam provas categóricas, claras como a luz do dia. A essência do direito é cláusula pétrea, não pode ser alterada sequer por emenda constitucional e ninguém de bom senso defenderia a relativização dessa regra.

Como escudo contra punições prematuras, proíbe prisões – a sanção penal por excelência – antes do julgamento. A prisão preventiva deve ser excepcional, para proteger provas, evitar fuga, prevenir novos crimes ou proteger a ordem pública.

Outra questão completamente diferente diz respeito ao momento de início do cumprimento da pena e ao efeito de recursos no processo penal após o julgamento.

Se países como Estados Unidos e França, que constituem berços históricos não só das revoluções liberais, mas também da presunção de inocência, admitem a prisão após o julgamento de primeira ou segunda instância, é intuitivo que a presunção de inocência não é compreendida universalmente no sentido de exigir o julgamento do último recurso, o trânsito em julgado, para início da execução da pena.

A leitura literal do inciso LVII do artigo 5.º da Constituição talvez favoreça a interpretação de que se exige o trânsito em julgado para o início de execução da pena. Mas, sempre oportuno lembrar, é sobre uma Constituição que estamos expondo e ela precisa ser lida em consonância com outros princípios cardeais, entre eles que “a aplicação da lei deve ser igual para todos” e “não somos uma sociedade de castas”. Exigir o trânsito em julgado tem o efeito prático, dada a prodigalidade dos recursos, de gerar a impunidade dos poderosos, o que é inaceitável do ponto de vista constitucional ou moral.

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) demandando o trânsito em julgado e revendo precedente anterior deve ser respeitada. O STF é uma instituição essencial à democracia. Ao exercer o controle de constitucionalidade e proferir decisões de impacto na vida dos brasileiros, só fortalece o Estado de Direito. Mas a decisão foi dividida, seis a cinco.

A divergência apertada sobre o significado específico da presunção de inocência dá margem ao Congresso para alterá-lo, já que sobre ele inexiste consenso. Magistrados que compuseram a própria maioria vencedora, como o ministro Dias Toffoli, admitiram que o Congresso poderia alterar a legislação processual ou a Constituição para dar à presunção de inocência uma conformação diferente da interpretação que prevaleceu por estreita maioria.

Não há afronta à Corte. Juízes interpretam a Constituição e a lei. O Congresso tem o poder, observadas as condições e maiorias necessárias, de alterar o texto da norma. Cada um em sua competência, como Poderes independentes e harmônicos.

Não seria a primeira vez que uma Corte teria a decisão alterada pelo Parlamento, nem sequer no Brasil. A Suprema Corte norte-americana decidiu, em Dred Scott v. Sandford, de 1857, que escravos não poderiam tornar-se cidadãos dos Estados Unidos e que o Congresso não poderia proibir a escravidão nos novos territórios. A resposta do Congresso foi, após a guerra civil, a revogação da decisão pela 13.ª e pela 14.ª Emendas à Constituição.

Em exemplo mais prosaico, o Congresso brasileiro aprovou, em 2017, a Emenda Constitucional 96 para permitir práticas desportivas e culturais que utilizem animais, como a vaquejada, para se contrapor à prévia decisão do STF na ADI 4.983.

A decisão do STF, embora mereça ser respeitada, causou certa irresignação aos que vislumbravam a execução em segunda instância como medida necessária contra a impunidade e contra o avanço da criminalidade.

Embora a execução em segunda instância seja vista como essencial para os avanços anticorrupção, é ela igualmente importante para reduzir a impunidade de toda espécie de crime, incluídos os de sangue. Não deve ser esquecido que em 2009, quando o STF concedeu o Habeas Corpus 84.078, estabelecendo pela primeira vez a exigência do trânsito em julgado, regra depois revista em 2016, o beneficiado foi pessoa condenada por tentativa de homicídio qualificado, que havia disparado por diversas vezes arma de fogo contra a vítima. Como consequência, além da soltura, o caso acabou prescrevendo pela demora no julgamento dos recursos. Muitos outros casos, envolvendo crimes diversos, tiveram destino similar. Não é só a corrupção.

No pacote anticrime encaminhado pelo governo federal ao Congresso consta proposta de alteração do Código de Processo Penal para que seja admitida a execução em segunda instância, após o julgamento de uma Corte de apelação.

Não precisa ser esse o projeto votado. Há vários outros projetos de lei ou propostas de emenda à Constituição prontos para ser objeto de discussão e deliberação pelo Congresso que tratam do tema.

Cabe ao Legislativo o protagonismo numa democracia. Cabe a ele, respeitosamente, deliberar sobre a justa aspiração da sociedade de que o processo penal cumpra as suas funções. Sim, devemos proteger o acusado, mas também temos de responder às violações dos direitos das vítimas, o que exige a efetiva punição dos culpados num prazo razoável. Isso deve depender exclusivamente da existência ou não de provas, e não da capacidade do acusado de utilizar os infindáveis recursos da legislação brasileira. Exigir a punição dos culpados não é vingança, mas, sim, império da lei. Reduzir a impunidade é essencial não só para justiça, mas também para prevenir novos crimes, aumentando os riscos de violação da lei penal. A prisão em segunda instância representa um alento para os que confiam que o devido processo não pode servir como instrumento para a impunidade e para o avanço do mundo do crime.

* MINISTRO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Por que Bolsonaro não dará o golpe?

Obviamente, estão errados todos os que julgam estarmos à beira de um golpe de Estado!

Isto não significa que Bolsonaro e o seu clã não o queiram, diga-se logo de saída! Por isso, os democratas e as instituições do Estado de Direito, e o mundo civilizado, estão reagindo, unidos, contra o desejo expresso por Bolsonaro, pela boca de Eduardo, de governar com instrumentos de exceção.


Os que estão vendo o fantasma do golpe bater à porta não conseguem perceber que os eleitores de Bolsonaro não são um bloco homogêneo.

Pois não são! Por simplicidade, existem, basicamente, dois tipos de eleitores de Bolsonaro: os “bolsonaristas de raiz”, que se alinham com a sua pauta reacionária, autoritária e conservadora nos costumes; e os democratas que votaram nele para evitar que o PT voltasse ao governo, e votaram, no 2º turno, no candidato que consideraram o menos pior.

O segundo tipo, o dos democratas, que creio ser a maioria dos eleitores de Bolsonaro, está muito desconfortável com o seu governo. Jamais poderiam imaginar que ele pudesse ser pior do que as suas piores expectativas.

Por que, então, contra todas as evidências, muitos insistem nesta tese de que Bolsonaro mantém unidos os seus eleitores? Observe-se que mês a mês as pesquisas revelam que decresce o apoio a Bolsonaro; e, óbvio, ele somente pode estar caindo junto a quem antes o apoiava!

Dois são os grupos que defendem essa tese: o primeiro, os “bolsonaristas de raiz”, para demonstrar uma força que não têm mais; o segundo, todos os que ainda permanecem sob a influência do lulopetismo, para não admitir que democratas pudessem ter votado em Bolsonaro!

Pois bem, o isolamento de Bolsonaro é cada vez maior, e ele sabe disso (vide o vídeo do leão e das hienas)! Por isso ele está agindo desesperadamente para unir os seus radicais e chamar as forças armadas para apoiá-lo em um golpe!

Concluo. As forças armadas não o apoiarão nesta aventura! E adiciono, mesmo a extrema direita sabe que até para liderar um golpe tem que gozar de respeito! E este não é o caso de Bolsonaro e do seu clã!