segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Luciano Huck: No rumo

Íntegra da carta de desistência de
Luciano Huck (*) à candidatura
de Presidente da República

Folha de S.Paulo, Opinião, 27/11/2017 (**)


Como Ulisses em "A Odisseia", nos últimos meses estive amarrado ao mastro, tentando escapar da sedução das sereias, cantando a pulmões plenos e por todos os lados, inclusive dentro de mim.

A tripulação, com seus ouvidos devidamente tapados com cera, esforçando-se em não deixar que eu me deixasse levar pelos sons dos chamados quase irresistíveis. São meus amores incondicionais. Meus pais, minha mulher, meus filhos, meus familiares e os amigos próximos que me querem bem.

Eles são unânimes: é fundamental o movimento de sair da proteção e do conforto das selfies no Instagram para somar forças na necessária renovação política brasileira. Mas daí a postular a candidatura a presidente da República há uma distância maior que os oceanos da jornada de Ulisses.

Há algum tempo me vejo diante desta pergunta: qual foi exatamente a trajetória, o fato e até mesmo o momento em que meu nome foi lançado entre os possíveis candidatos à Presidência do Brasil?

Eu mesmo demorei um pouco para encontrar a resposta. Mas depois de alguma reflexão, ela veio e me pareceu muito clara: minha exposição pública e, espero, meu jeito, minhas características, minha personalidade e a forma como vejo o mundo. As mesmas forças que me movem desde sempre me levaram a esse lugar.

Explicando em outras palavras, entre as centenas de defeitos que carrego, talvez eu tenha uma única virtude: carrego desde sempre, genuinamente, enorme paixão e curiosidade pelo outro.


Gosto muito de gente. Sempre gostei. De todo tipo, origem, tamanho, cor, posição na pirâmide. É só olhar para o que faço profissionalmente há mais de duas décadas. Não paro de procurar pelo diferente. E não falo de um olhar distante, acadêmico, teórico. Falo de andanças intermináveis por todos os quadrantes do Brasil e por vários do mundo atrás daquilo que não conheço. Ando há anos e anos por lugares ricos, paupérrimos, super ou subdesenvolvidos, em guerra, centros moderníssimos de saber, cantos absolutamente esquecidos pelo desenvolvimento. Sempre atrás da mesma coisa: gente boa.

E a sensação de "intimidade" que meus mais de 20 anos de televisão provocam nas pessoas possibilita conversas instantaneamente francas e verdadeiras.

Esse dia a dia me permitiu construir uma visão muito própria e ampla dos recortes, curvas e reentrâncias do país. Sinto na pele o pulso das ruas.

E foi essa permanente "bateção de perna", sempre " in loco", que me tirou definitivamente da zona de conforto e me fez ver: O Brasil está sofrendo demais —especialmente os mais pobres, mas não apenas eles— para ficarmos passivos e reféns deste sistema político velho e corrupto. O que está aí jamais será empático, perceberá e muito menos traduzirá as reais necessidades da gente. Da nossa gente.

Vendo meu nome apontado, é muito importante frisar sempre, sem ter levantado a mão ou me oferecido para concorrer ao cargo mais importante na governança do país, minha reação natural foi tentar entender melhor do que se tratava. Gosto de aprender, de saber o que não sei e penso que cultivo um bom hábito desde muito cedo: tentar descobrir e encontrar quem sabe.

De forma intuitiva e quase caseira, fui procurando referências em pessoas que se dedicam de forma mais intensa a entender o Brasil; o sofrimento, as dificuldades e, principalmente, as soluções.

Acho também que sou meio obsessivo por fazer as coisas direito. Por isso, saí buscando e principalmente ouvindo dezenas de pessoas que admiro, que considero inteligentes, sensíveis, maduras e capacitadas, para que elas compartilhassem comigo suas visões. Foram meses que produziram em mim uma pequena revolução, um aprendizado enorme.

Tantas ideias, tanta gente interessada, brilhante e altamente capacitada, disposta a colocar energia a favor de uma transformação definitiva: De um país à deriva em uma nação de verdade, que possa de uma vez por todas refletir a qualidade indiscutível do seu povo.

Aqui é importante pontuar uma constatação que logo apontou no meu radar e que há tempos ecoa nele de maneira incômoda. Minha geração está trabalhando e inovando com vigor em muitas frentes. Há milhares de notáveis empreendedores, profissionais liberais, atletas, executivos, artistas, intelectuais, pensadores e por aí vai. Mas pela política, ela tem feito pouco.

Tenho dito sempre algo que me parece muito evidente, quase óbvio, mas assim mesmo um alerta necessário: se não nos aproximarmos de fato da política, se seguirmos negando esse universo e refratários ao seu ambiente, ele definitivamente não se reinventará por um passe de mágica.

Dito isso, sigo acreditando que o melhor caminho passa obrigatoriamente pelos movimentos cívicos, pela abertura de espaço na mídia para novas lideranças, por uma escuta dos anseios das pessoas, por reformas estruturais, muitas delas doloridas, por políticas públicas afetivas e efetivas, por políticas econômicas modernas e eficazes, pela educação levada a sério, pela saúde tratada com respeito, por tecnologia que alavanque as boas ideias e pela total transparência dos gastos públicos. Por menos politicagem e por mais e melhor representatividade. A lista é grande.

O momento de total frustração com a classe política e com as opções que se apresentam no panorama sucessório levou o meu nome a um lugar central na discussão sobre a cadeira mais importante na condução do país.

É claro que isso me trouxe a sensação boa de que uma parte razoável da população entende o que sou e faço como algo positivo. Evidente também que junto vieram uma pressão muito pesada e questionamentos de todos os tipos.

Já disse e escrevi antes, aqui neste mesmo espaço, mas tenho hoje uma convicção ainda mais vívida e forte de que serei muito mais útil e potente para ajudar meu país e o nosso povo a se mover para um lugar mais digno, ocupando outras posições no front nacional, não só fazendo aquilo que já faço mas ampliando meu raio de ação ainda mais.

Com a mesma certeza de que neste momento não vou pleitear espaço nesta eleição para a Presidência da República, quero registrar que vou continuar, modesta e firmemente, tentando contribuir de maneira ativa para melhorar o país. Vou bem além da voz amplificada enormemente pela televisão que amo fazer, do eco monumental das redes sociais que aprendi a tecer, do instituto que fundei há quase 15 anos e de todos os meios que o carinho das pessoas me proporcionou.

Vou também direcionar toda a energia de que disponho para outra coisa que acredito saber fazer: agregar.

Agregar as mentes sábias que fui encontrando em diferentes camadas da sociedade, dentro e fora do Brasil, pessoas extremamente capazes e dispostas de fato a conjugar o verbo servir no tempo e no sentido corretos. Vou trabalhar efetivamente para estruturar e me juntar a grupos que assumam a missão de ir fundo na elaboração de um pensamento e principalmente de um projeto de país para o Brasil.

E, para isso, não são necessários partidos, cargos, nem eleições.

Essa intenção já esta viva através dos movimentos cívicos dos quais me aproximei com bastante interesse e intensidade. E de outras iniciativas que estão por vir.

Quero registrar de novo que entre as percepções que confirmei nesses últimos meses está a convicção de que não há nada mais importante do que tomarmos consciência da importância da política e de que precisamos nos mover concretamente na direção da atuação incisiva, para que não sejamos mais vítimas passivas e manobráveis de gente desonesta, sem caráter, despreparada e incapaz de entender o conceito básico da interdependência ou de pensar no coletivo.

A hora é de trabalhar por soluções coletivas inteligentes e inovadoras para o país, e não de focar o próprio umbigo ou de alimentar polêmicas pueris e gritas sem sentido.

Quem se interessa pelo que sou e faço pode acreditar: vou atuar cada vez mais, sempre de acordo com minhas crenças, em especial com a fé enorme que tenho neste país.

Contem comigo. Mas não como candidato a presidente.

__________
(*) Luciano Huck é apresentador de TV e empresário

sábado, 25 de novembro de 2017

Huck, um predador ambiental?

Huck tem sido apontado como possível candidato a presidente da república. Não se sabe ainda o que ele proporá, em termos programáticos, para enfrentar os mais candentes problemas brasileiros. Os que o incentivam, e que o conhecem melhor, talvez saibam. Mas essas propostas ainda não foram explicitadas para a nação.

As razões mais visíveis e analisadas para considerar a candidatura de Huck estão essencialmente relacionadas ao fato de que ele teria o potencial de ser bom de voto no primeiro turno. E é isto, a questão eleitoral, o que mais interessa aos candidatos a mandatos parlamentares em 2018. Para estes, e particularmente para um certo tipo de políticos, isso é mais importante do que as suas propostas para o Brasil. O resto é especulação.


Portanto, pela impossibilidade, no momento, de considerar as suas idéias para governar o país, a sua candidatura, politicamente de centro, está sendo apresentada como uma nova alternativa para salvar o país dos riscos populista e autoritário representados pelas candidaturas polares Lula e Bolsonaro. 

Apesar disso, o seu nome não pode mais deixar de ser considerado e discutido, até mesmo porque as pesquisas já destacam o seu nome. Apresento neste texto um testemunho pessoal sobre Huck, que não é favorável a ele. Mas faço-o com a intenção de abrir o debate sobre se essa candidatura passaria pelo filtro ético indispensável, e se, posta nestes termos, ao contrário do que se pensa, ela não seria mais do que uma ilusão salvacionista, e baseada no desespero de políticos que buscam apenas a sua sobrevivência eleitoral.

A questão: relato experiência pessoal da qual me ficou a impressão de que Huck não zela pelo cumprimento das normas ambientais quando na condução dos seus empreendimentos empresariais e pessoais.

Parto da premissa de que não podemos ser condescendentes com ilicitudes; em particular, se praticadas por um cidadão que se proponha a ser presidente da república. Não podemos ficar afastando presidentes depois que a sua máscara cai, pois o custo para o país é imenso, como está sendo o custo Dilma-Temer. Todos sabemos ser imprescindível acabar com a impunidade dos poderosos para que o Brasil possa superar a sua crise. E julgo que é exatamente antes das eleições que as explicações devem ser dadas. E isso devemos exigir de todos os candidatos.

Fernando de Noronha

A possível candidatura de Huck me trouxe à lembrança um primeiro momento em que sua ação pública me incomodou de fato. Foi em novembro de 2004.

Eu e minha mulher cultivamos o hábito de andar e caminhar, de estar ao ar livre e na natureza. Já estivemos em todos os estados de nosso país à excessão do Amapá, que visitaremos brevemente. Pois bem, estávamos em Fernando de Noronha, em viajem de sonhos, e caminhamos a pé, de praia em praia, sendo que algumas são consideradas as mais belas do mundo.

A legislação ambiental e as regras de manejo e circulação na ilha são rígidas e você para chegar lá tem que inscrever-se para que o número de visitantes não ultrapasse o limite. Você se hospeda em pequenas pousadas, a principal fonte de renda interna dos habitantes da ilha. Quando você chega lá, é praticamente alocado em uma dessas pousadas, sem que tenha muita opção de escolha.

Pois bem, estávamos em uma dada praia onde se podia observar as tartarugas do Projeto Tamar e nos deparemos com um hotel cinco estrelas, o único que existia na ilha, neste padrão, naquele ano. Logo o guia nos informou que o seu proprietário era o Huck. Nesta ocasião eu pouco mais sabia sobre ele de que era o marido da Angélica, e de que tinha um programa de auditório na TV que eu só vira ocasionalmente.

Mas eu e minha mulher, adeptos da causa ambiental, ficamos indignados. As razões: aquele empreendimento destoava de todas as regras que valiam, com rigidez, para todos os demais habitantes da ilha e que eram informadas em entusiásticas aulas temáticas, que são proferidas para todos os visitantes logo ao chegar (e existe uma incrivelmente bem programada série de documentários temáticos, com debates, conduzidas por jovens e preparados ambientalistas); logo nos perguntamos, pois foi inevitável, como fora possível transgredir o código de posturas da ilha, como fora aprovado o projeto do prédio de vários andares e do hotel, como obtivera a concessão do imenso terreno, como obtivera o alvará de construção, como obtivera o habite-se? Teriam sido respeitadas todas as normas ambientais? Como ele obtivera todos esses privilégios?

Essa foi a primeira vez que tive desconforto com a ação pública de Huck. Agora, esse desconforto continua, ao saber que, em mais um empreendimento de interesse pessoal, em Angra dos Reis, ele  estaria, novamente, desrespeitando as normas ambientais. 

Certamente os que o defendem se apressarão em trazer as explicações necessárias para esses fatos. Espero que sejam convincentes, não apenas convenientes, pois partirão de quem está disposto a torná-lo presidente da república.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Em 2018 eleja Lula, Bolsonaro ou Huck, ou...

Marilene de Freitas (*)


Em 2018, eleja o Lula ou algum poste que ele indicar e ganhe um Maduro como presidente, com um exército de progressistas de butique cheios de sangue nos olhos, cifrões no lugar de cérebro, rancorosos, antidemocráticos e com uma fome centuplicada de poder.

Em 2018, eleja o Bolsonaro e ganhe um Trump tupiniquim como presidente, com um exército de conservadores cheios de sangue nos olhos, visão de mundo boçal, antidemocráticos, cifrões no lugar de cérebro e gula de poder.

Em 2018, eleja o Huck e ganhe um animador de auditório como presidente, que vai te iludir com uns Programas Lata Velha e Caldeirão de descultura enquanto multiplica os cofres de ricos e poderosos, libera os amigos para construírem em áreas de preservação ambiental e se apropriarem de praias públicas, como ele faz. Um cara que tem vaidade de poder...

Ou...

Preste bastante atenção em todas as opções que surgirem, tire os olhos do próprio umbigo, pense em todo o lamaçal em que o Brasil está atolado, no quanto de contribuição você (e cada um de nós) deu para isso acontecer, pense no que é bom não só para você e a sua turma, mas para todos; pense que se você não se sente seguro na sua bela casa, no seu carrão, na sua rua, na sua cidade, isso tem a ver com um país extremamente desigual, péssima qualidade na educação (básica, principalmente), falta de saneamento básico, assistência de saúde precária, falta de perspectivas de futuro, falta de esperança, e que nossos políticos, até hoje, nunca buscaram soluções efetivas para isso tudo, pelo contrário, aprofundam nossas mazelas.

Se quiser, pense na Suécia, só não esqueça que o Brasil é imensamente maior e mais complexo do que aquele país e que, portanto, aqui as soluções não são tão fáceis, requerem muita boa vontade política e do povo, determinação e participação cidadã de todos.

Pense nisso tudo e muito mais e, em 2018, tente votar com todos os neurônios do seu cérebro. E deixe o coração, o estômago, o umbigo e o bolso em casa, bem trancados.

____________
(*) Jornalista

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Nadando contra a corrente da história

Segovia foi escolhido para liquidar com a Lava-Jato e confrontar com o MPF. Perderá as duas batalhas! Ele nada contra a corrente da história!


Respeito aos amigos que acham que os acontecimentos políticos já estejam escritos nas estrelas. Respeito, mas discordo!

Alimento-me da ideia elementar, com a qual construímos nossas vidas, e o conforto e a segurança de nossas famílias. Esta ideia é simples: sabemos que com organização, trabalho e luta, muita luta, podemos construir um futuro melhor. Claro, sabemos, também, que não podemos fazer tudo o que gostaríamos, mas acreditamos na persistência e lutamos contra os azares da vida!

O agricultor nasce sabendo que para colher ele tem que plantar. Nem sempre ele obtém a safra desejada, mas prossegue, trabalhando e lutando. É a chamada lei da fazenda, que vale para todos os setores da vida social!

Por isso, defino-me como um esperançoso de luta. Acho que todos somos, pois viver é isso!

Pois bem, acho que estamos vivendo em uma corrente histórica virtuosa! O patrimonialismo e o assalto ao Estado feito pelos donos do poder sempre existiu em nosso país! Mas vivemos outros tempos.

O quadro mudou, talvez porque a roubalheira tenha se exacerbado nos últimos 15 anos. Mas acho que a melhor explicação é que as novas gerações de PF’s, procuradores e juízes, concursados, filhos da Constituição de 1988, e os novos recursos tecnológicos e eficácia no combate à corrupção, inclusive internacionalmente, fez com que esses jovens assumissem combater a impunidade como a missão profissional central de suas vidas.

Segovia perderá a primeira batalha para os seus próprios pares; a segunda, para os procuradores. Ambas as instituições, a PF e o MPF, orgulham-se do papel histórico que têm tido, com a Lava-Jato, e na luta contra a impunidade!

Finalmente, a opinião pública e a sociedade não aceitarão que um aventureiro qualquer, de ocasião, bloqueie com meros golpes administrativos a indispensável luta contra a corrupção e para acabar com a impunidade dos crimes de colarinho branco!

A corrupção e os seus efeitos destrutivos em termos sociais, econômicos e da moralidade pública tornou-se o inimigo público número um do Brasil.

Nem Temer e os seus ministros bandidos, nem os Renans, Aécios e Gleisis, e Lulas, conseguirão inverter o sentido dessa corrente!

domingo, 19 de novembro de 2017

Renan Calheiros condenado

Juiz de 1ª instância condena Renan Calheiros a perder o mandato e direitos políticos (*)
Matéria:  Eduardo Militão,  UOL notícias Política, em 17/11/2017

Reproduzo aqui, pela relevância, matéria sobre a condenação de Renan Calheiros, a sua primeira. Foi uma condenação por um juiz de 1ª instância. Seu nome é Waldemar Carvalho, titular da 14a Vara Federal de Brasília. Aparentemente, apenas estes têm coragem de enfrentar os bandidos de colarinho branco, tal como Sergio Moro o faz em Curitiba.


Renan Calheiros (PMDB-AL) é um dos mais perniciosos bandidos que habitam o legislativo brasileiro, sendo um dos que usa com mais habilidade das imunidades parlamentares para cometer seus crimes comuns. Foi o líder do blefe da crise institucional, no qual caiu o STF, matizando a imagem pública de sua presidente, a ministra Cármen Lúcia. Com isso, agora, os bandidos, que fizeram das Casas Legislativas a sua morada principal, obtiveram uma ampliação de suas prerrogativas. Agora, os parlamentares flagrados no cometimento de crimes comuns não precisam mais cumprir as decisões judiciais cautelares emanadas dos tribunais. Ou seja, só cumprem se as casas legislativas às quais pertencem assim quiserem.

Os casos Aécio Neves e Jorge Picciani são apenas os mais relevantes e graves, mas o mesmo já começou a acontecer em outras Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais espalhadas pelo país. E acontecerão em grande número, pois são muitos os bandidos-parlamentares. E como os bandidos de todos os tipos sabem que é sendo eleito que poderão roubar em paz, é de se supor que aumentará o número dos que disputarão mandatos em 2018.

____________

domingo, 12 de novembro de 2017

A fortuna do príncipe

Luiz Carlos Azedo
Publicado em 12/11/2017, coluna Entrelinhas do jornal Correio Braziliense (*)

Se a maré não está boa para o PSDB, diga-se, por suas próprias fragilidades, e não pelo infortúnio (o lado mau das possibilidades incertas, ou azar), ele ainda tem uma chance.

Virá, diga-se, pelo lado tradicional da política estruturada em torno do velho sistema partidário que saiu fortalecido pelas últimas reformas. Esse velho sistema conquistou, para todos os partidos, pela primeira vez na história, um fundo eleitoral alimentado por R$ bilhões.

Não se deve ter a ilusão de que os candidatos-bandidos deixarão de lançar mão de recursos de caixa dois, ou tampouco que deixarão de lançar mão de dinheiro da corrupção já entesourado (como o do Geddel), que aparecerá por todos os lados.

Quanto ao PSDB, o mais provável é que a lei da sobrevivência pesará mais, e no dia 08/12/17, em sua reunião nacional, daqui a menos de um mês, o partido, embora ainda com disputas internas, sairá suficientemente unido para a disputa de 2018. Se isso acontecer, a probabilidade maior é de que Geraldo Alckmim saia como o seu candidato a presidente.

O seu trunfo maior - de Alckmim/PSDB - é o fato de que é o polo alternativo aparentemente mais viável  para unificar na sociedade uma candidatura para se opor aos extremos populista e autoritário Lula e Bolsonaro.

O brilhante artigo de Azedo, abaixo, entretanto, identifica o risco de "cristianização" dessa candidatura.


Prudente por natureza, Alckmin pode repetir a performance de Orestes Quércia (PMDB), governador paulista “cristianizado” nas eleições de 1994

Um dos últimos capítulos do clássico O príncipe, de Nicolau Maquiavel, obra seminal da teoria política, parece escrito sob medida para as movimentações de bastidor dos líderes principais do PSDB na tentativa de construção de candidatura capaz de unificar forças de centro e derrotar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o deputado Jair Bolsonaro (PSC), que hoje polarizam as pesquisas eleitorais. Intitulado “De quanto pode a fortuna nas coisas humanas e de que modo se lhe deva resistir” (Quantum foruna in rebus humanis possit, et quomodo illis sit occurren dum), trata da relação entre as virtudes dos governantes e a sua fortuna (que tem mais a ver com as contingências do que propriamente com a sorte ou o acaso).

Para Maquiavel, o governante prudente se prepara para as adversidades. “Não ignoro que muitos têm tido e têm a opinião de que as coisas do mundo sejam governadas pela fortuna e por Deus, de forma que os homens, com sua prudência, não podem modificar nem evitar de forma alguma (…) Esta opinião se tornou mais aceita nos nossos tempos pela grande modificação das coisas que foi vista e que se observa todos os dias, independentemente de qualquer conjectura humana. Pensando nisso algumas vezes, em parte, inclinei-me em favor dessa opinião. Contudo, para que o nosso livre arbítrio não seja extinto, julgo poder ser verdade que a sorte seja o árbitro da metade das nossas ações, mas que ainda nos deixe governar a outra metade, ou quase.”

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, parece não seguir essa receita e não se cansa de dizer que a política é destino. De certa forma, as três eleições que perdeu — duas para a prefeitura de São Paulo (2000 e 2008) e uma à Presidência da República (2006) —parecem corroborar esse ponto de vista, pois as derrotas não o impediram de governar São Paulo por quatro mandatos, a primeira vez em razão da morte do governador Mario Covas (era o vice), e as outras três, porque foi eleito para o cargo (2002, 2010 e 2014).

Alckmin é o candidato do PSDB por ocupar a posição estrategicamente mais importante nas esferas de poder da legenda na administração do estado mais populoso e desenvolvido do país. Ao lado de Fernando Henrique Cardoso e Tasso Jereissati, está entre os líderes tucanos menos afetados pela Operação Lava-Jato, o que parecia transformá-lo em mono-opção partidária às eleições presidenciais de 2018. O candidato natural seria o senador Aécio Neves (MG), presidente licenciado do partido (obteve 51 milhões de votos em 2014, na disputa de segundo turno contra a então presidente Dilma Rousseff), mas acabou fora da disputa, em razão da delação premiada do empresário Joesley Batista. Entretanto, o destino prega mais uma peça ao governador paulista. Alckmin parece aquele príncipe retratado por Maquiavel que estava em franco e feliz progresso, mas corre o risco de ser arruinado.

Discordância

Maquiavel nos ensina que, variando a sorte e permanecendo os homens obstinados nos seus modos de agir, “serão felizes enquanto aquela e estes sejam concordes e infelizes quando surgir a discordância”. É mais ou menos o que está acontecendo com Alckmin, com o PSDB à beira da implosão em razão da disputa pelo controle da legenda com Aécio Neves, que apoia a candidatura do governador goiano Marconi Perillo, a presidente do PSDB, contra o senador Tasso Jereissati, candidato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do governador paulista.

Alckmin corre o risco de ser “cristianizado” nas eleições, porque outros caciques do PSDB paulista estão aliados a Aécio, principalmente o chanceler Aloysio Nunes Ferreira e o senador José Serra (SP), que já se articula para a sucessão paulista. Há um plano B em curso para as eleições: o apresentador de tevê Luciano Hulk, que negocia sua filiação ao PPS, com forte apoio de grupos empresariais liderados por jovens investidores formados nos Estados Unidos.


Prudente por natureza, Alckmin pode repetir a performance de Orestes Quércia (PMDB), governador paulista “cristianizado” nas eleições de 1994, quando provou do mesmo veneno que usou contra Ulysses Guimarães, em 1989. Como dizia o bruxo florentino, “a sorte sempre é amiga dos jovens, porque são menos cautelosos, mais afoitos e com maior audácia a dominam”. Com Hulk, a grande novidade desse processo, porém, pode ser o surgimento de um certo “americanismo” na política brasileira, tradicionalmente prisioneira do velho iberismo fisiológico e patrimonialista.

terça-feira, 10 de outubro de 2017

A cara da crise institucional

O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para o próximo dia 11/10, quarta-feira, o julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que pede que o tribunal considere a possibilidade de o Congresso rever a decisão que o STF tomara, no dia 26/09/17, de afastar o senador Aécio Neves de seu mandato, bem como de mantê-lo em recolhimento domiciliar noturno.


Alguns senadores atuam contra essa medida como em uma questão de vida ou morte, porque temem também por seus próprios mandatos. Afrontam o STF e estão pouco se lixando se provocarão uma crise institucional. De que lado ficarão os brasileiros?

Vamos combinar, estes senadores não têm autoridade, nem credibilidade, para criar, em nosso nome, uma crise institucional!

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Íntegra da carta bomba de Palocci ao PT

No dia 26/09/17, terça-feira, Palocci enviou à Gleisi Hoffmann, Presidente Nacional do PT, uma carta bomba.

Na condição de fundador do PT, o currículo de serviços prestados por Palocci é incontestável: um dos membros mais influentes de sua direção; um dos estrategistas do núcleo mais próximo a Lula no momento em que este foi eleito Presidente da República em 2002; um dos artífices da "Carta ao povo brasileiro", assinada por Lula às vésperas da eleição vitoriosa para acalmar o mercado; primeiro ministro da fazenda de Lula; coordenador da campanha vitoriosa de Dilma à presidente da república em 2010; primeiro ministro da casa civil de Dilma; e, finalmente, até ser preso, o homem de confiança do PT e de Lula para gerir o fundo milionário do partido, mantido com recursos das empreiteiras beneficiadas com contratos superfaturados com as empresas estatais e grandes obras no exterior.


As consequências dos depoimentos de Palocci à justiça já são muito graves para o PT e para Lula, pelas informações, detalhes e provas que apresenta. Mas a sua carta está destinada a falar para um público que o conhece, respeita e sempre o teve na conta de um dos seus mais virtuosos e capazes dirigentes. Por mais que venham a tentar desqualificá-lo, como recurso de auto-proteção e salvação, o PT não conseguirá mais manter-se como força política competitiva em 2018.

Entretanto, é necessário que se diga: não é apenas o PT que está em crise. A crise atinge aos principais partidos: o PT, o PMDB e o PSDB, além de uma nuvem de partidos médios cujas principais lideranças estão denunciadas e processadas. Se já não bastasse, o Presidente Temer enfrenta processo por formação de quadrilha e obstrução da justiça; quanto ao PSDB, o STF no dia de hoje, 27/09/17, determinou o afastamento do seu mandato de senador, por ações criminosas, a Aécio Neves, que é o seu presidente. Vivemos uma crise de todo o sistema político, partidário e eleitoral, em que a conquista e a manutenção do poder político, como foi desnudado pela Lava-Jato, é sustentada pela corrupção e tem como premissa a impunidade dos crimes de colarinho branco.

Por onde se olhe, todos os que desejamos viver em um Estado Democrático de Direito sabemos que é necessário mudar. Por mais que essa crise seja dolorosa para todos nós, é hora de mudar. Sobretudo porque, se não o fizermos agora, aumentará a desesperança e a descrença da qual se alimentam os projetos políticos populistas e autoritários com os olhos no retrovisor da história!

O caminho completo para desbloquear o desenvolvimento de nossa democracia talvez ainda não esteja totalmente claro, mas comecemos dando um golpe de morte na impunidade. E isto é possível!

Comecemos com o que está diante dos nossos olhos, sinalizando para os nossos filhos, e para os jovens, que o Presidente da República do nosso país não pode estar respondendo por crimes! É muito simples, mostremos, nos próximos dias, com o nosso clamor, que a nação deseja que os deputados federais votem pela admissibilidade para que Temer seja julgado no STF!

A íntegra da carta(*):

__________

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Do estado patrimonialista ao estado republicano

Não precisamos ser incendiários. Basta que nos orientemos por um projeto de valores que tenha como centro a democracia e a firme convicção de que fora do Estado de Direito advém a barbárie. Se o que nos orienta é uma humanidade generosa, não tenhamos dúvidas, são as ditaduras os regimes que mais fazem sofrer as grandes maiorias de cidadãos, mormente os mais simples e sem poder político ou econômico.


Por isso, há que se abominar as ditaduras, sejam elas de direita ou de esquerda. Mas, exatamente por isso, nos indigna ver que a nossa democracia está bloqueada no seu desenvolvimento por um arcabouço jurídico projetado sob medida pelos poderosos, e anti-constitucional, para impedir a realização, já, de partida, do valor ético expresso no Art. 5o. da Constituição, de que "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ...".

Parece que abandonamos, em definitivo, a idéia originária da política, como a da arte de zelar pelo bem comum. A política foi reduzida à sua versão "científica", "maquiavélica", como a arte, apenas, de conquistar e preservar o poder. Óbvio, se é assim, valem quaisquer meios para atingir os fins, e não surpreende que pensar fora desta "caixa" envergonha até a muitos acadêmicos erigidos ao reino da "sua" racionalidade! E claro, se é assim, valores morais e ética, sucumbem como referências necessárias e indispensáveis.

Seria inteiramente válido que nos dividíssemos na discussão de propostas democráticas para tirar o país da crise, diante da complexa realidade de um mundo em vertiginosa transformação conduzido por radicais mudanças tecnológicas. Lamentavelmente, entretanto, nos dividimos na defesa de bandidos de estimação. E o fazemos não ingenuamente, mas para defender interesses fisiológicos.

Por isso nos digladiamos na defesa do Lula, ou do Temer, p.ex., não para defender projetos de uma sociedade mais justa e democrática para sair da crise, mas para defender interesses patrimonialistas, pois estes são objetivos e concretos, rendem empregos, poder político e acesso aos orçamentos do Estado!

A mais perversa consequência disso é que esse sistema, para funcionar, precisa estar erigido sobre a impunidade dos poderosos. E é exatamente isto o que mais agride a consciência democrática dos brasileiros! A sociedade, com sua intuição, sabe que, para desbloquear o desenvolvimento de nossa democracia, precisamos ultrapassar o Estado Patrimonialista, baseado na impunidade dos poderosos, e transforma-lo em um Estado Republicano (*). Precisamente por isto a sociedade não se cansa de proclamar, a plenos pulmões, o seu apoio à Lava-Jato!

Infelizmente, podemos perder a oportunidade que esta crise nos oferece, para fazer avançar a democracia. Basta que deixemos impunes os nossos bandidos de estimação. Basta que a CPI do deputado Marum atinja o seu objetivo. Basta que deixemos passar a reforma política fajuta, com a qual pretendem inundar de recursos dos nossos bolsos as campanhas eleitorais dos caciques partidários. Basta que façamos a opção, nesta imediata conjuntura, por "salvar Temer", contra todas as evidências!


_____________
(*) O título deste post inspira-se em uma expressão usada por Jefferson Boechat, no comentário abaixo que ele fizera a um post de minha autoria no grupo Roda Democrática, do Facebook, 13/09/17. Íntegra do comentário:
"Jefferson Boechat Puxa, então tal provocação foi completamente involuntária! A qualificação foi feita apenas pra mostrar que o tal movimento não surgiu agora, denunciando a "arte degenerada", mas, sim, em 2013, clamando por mais democracia. E, ao que parece, temos tanta democracia a ponto de um grupo de jovens reacionários conseguir interditar uma exposição - de gosto duvidoso, vá lá! O ângulo que queria iluminar é exatamente este: parece que, para uns, ganhamos, sim, "mais democracia". A ponto de uma "minoria barulhenta" calar a "maioria silenciosa" que, aparentemente, não se incomodava com a "arte engajada" de "minoria silenciosa". Enfim, a Babel de livres expressões parece ir bem, obrigado, nesta casa que falta pão...
Mas, então, a disfunção apontada estaria na nossa arquitetura democrática, e não na engenharia republicana? Este é o meu incômodo pessoal: formalmente, a Democracia parece estar resistindo, sem nenhum arranhão - até porque os milicos foram escaldados no mesmo óleo fervente que agora despela a oligarquia corrupta da Nova República. Macacos velhos, não meterão a mão na mesma cumbuca duas vezes!
Mas, e a República? A "prerrogativa de foro" para crimes comuns te parece atender aos ditames do art. 5º da CF/88? Bem, só se formal e obliquamente. Porque, direta e faticamente, a nossa "teoria republicana", na prática, é outra. Assim, acho que seríamos mais efetivos se vislumbrássemos meios de transformar o nosso estado patrimonialista em republicano. E os há!"

terça-feira, 5 de setembro de 2017

O nome da trégua

Íntegra da entrevista de Joaquim Barbosa, concedida à jornalista Maria Cristina Fernandes, do Jornal Valor, Brasília no dia 01/09/17.

Joaquim Barbosa (*) foi um grande ministro do STF. Todos os brasileiros sabem  que os rumos do julgamento do mensalão (a ação penal 470) teriam sido outros - no sentido de que o processo e as próprias sentenças não teriam ido tão longe -, se ele não tivesse sido o seu relator. Réus, condenados e advogados criminalistas não o perdoam por isso.

Esse julgamento, paradigmático, dos chamados crimes de colarinho branco, finalizado com a condenação de poderosas personalidades da vida política da república, foi uma das premissas para que a Operação Lava-Jato pudesse ter chegado tão longe. Hoje, os dados, provas e evidências, coletados desde então, desnudaram perante a nação o papel da corrupção na conquista e na manutenção do poder político. 

Ele foi um orgulho para todos os brasileiros, particularmente os mais humildes e os da classe média. Preto, seu pai foi pedreiro em sua primeira infância, depois um microempresário; de inteligência invulgar, formado em Direito pela Universidade de Brasília, ele afirmou-se pelo caminho do estudo e do trabalho árduo. Cumprida a sua missão aposentou-se, aos 60 anos no STF, quando poderia ter permanecido até os 75. Uma atitude incomum, comparada a de seus pares que não largam o osso. Está agora trilhando outros caminhos. Uma figura de ímpar personalidade que ainda tem muito a contribuir com o Brasil.

Joaquim Barbosa reconhece que os petistas o odeiam, mas é um acerbo crítico do governo Temer. Suas opiniões sobre o quadro político não são as de um escolado político, por isso causam alguma estranheza, mas sua voz, queiramos ou não, está fadada a ser ouvida e considerada!


"Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro... Vossa Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com seus capangas do Mato Grosso." Por premonitório, o libelo dirigido contra o ministro Gilmar Mendes ecoa hoje ainda mais do que ao ser proferido, em 2009. Por isso, a condição imposta por Joaquim Barbosa para a entrevista soou como a ir a Roma sem ver o papa. O ex-ministro, finalmente, tinha resolvido falar, mas o roteiro teria que se desviar de três temas: Judiciário, Supremo e Lava-Jato. A espera de seis meses pela entrevista desmobilizou a resistência, e as condições foram aceitas pelo valor de face. A ausência das eleições de 2018 do índex acabaria por abrir uma avenida à estreita margem de manobra.

Faz três anos que Joaquim Barbosa deixou o STF, período que coincidiu com a escalada de poderes do ministro que havia se tornado seu principal antagonista no tribunal. A Corte não voltaria a protagonizar cenas como aquela. Arregimentado por Gilmar a apoiá-lo em nota, o colegiado começaria ali a alargar a avenida, sem lombada ou pedágio, para o desmesurado poder exercido por aquele que hoje lidera o ranking dos ministros com o maior número de pedidos de impeachment e suspeição e é alvo de abaixo-assinado que contabilizava 866 mil assinaturas até a quarta-feira.

Barbosa foi o primeiro ministro a deixar o Supremo no exercício de sua presidência. Quando se aposentou, em julho de 2014, faltavam quatro meses para entregar o comando de uma das cortes mais poderosas do mundo e 15 anos para findar seu mandato. O desapego fez bem à saúde. Não se livrou completamente das dores na coluna que haviam levado o ministro orgulhoso de uma condição física de atleta a um andar arrastado, em busca de anteparos, e a despachos em pé. As dores começaram no quarto dos seus 11 anos de tribunal. Ignoradas, tomaram conta. Hoje faz fisioterapia três vezes por semana e foi capaz de, em duas horas e meia de conversa, não mostrar desconforto.

Joaquim Barbosa recebeu o Valor na sala de seu escritório brasiliense, uma casa no Lago Sul, cujo aluguel é partilhado com outro advogado e onde se dedica a pareceres na área do direito público, principalmente em temas regulatórios e tributários. Tem mais um escritório e apartamento nos Jardins, em São Paulo. É de lá a foto em preto e branco no fundo da página (desatualizada) na internet, em que divulga sua empresa de cursos e palestras. Quando está em Brasília, fica com a mãe. Mas é no Leblon que está em casa. Também mora no Rio seu filho, um jornalista de 32 anos que trabalha no Museu da Imagem e do Som (MIS). Separado de sua mãe, uma ex-funcionária do Banco do Brasil, quando Felipe ainda era criança, Barbosa hoje mantém relação estável com uma pesquisadora brasileira que vive no exterior e de quem não declina o nome.

Não foram as dores que o levaram a deixar o colegiado. Como margeia terreno minado, abrevia as razões: "Já tinha feito muita coisa ali, chegado à presidência e vivido talvez os anos mais fecundos do tribunal". Quando deixou o STF, estava prestes a completar 60 anos. Saiu depois do prazo de desincompatibilização para a disputa presidencial, frustrando a aposta de que trocaria a toga pelas urnas.

A Lava-Jato, que explodiria menos de um ano depois, faria da ação penal 470 um libelo do garantismo. Não apenas na primeira instância, com a multiplicação de prisões preventivas, ausentes do mensalão, como na própria Corte, com a detenção de senador no exercício do cargo (Delcídio do Amaral) e a destituição do cargo daquele que era o primeiro na linha sucessória da Presidência da República (Eduardo Cunha).

Sem fulanizar, Joaquim Barbosa pinça o tema da conjuntura encabeçado por Gilmar Mendes e pelo presidente Michel Temer como alvo do seu primeiro petardo: "Essa gente é tão sem escrúpulo que vai tentar impor o parlamentarismo para angariar a perpetuação no poder e se proteger das investigações. Esse é o plano. Seria mais um golpe brutal nas instituições".

Teme que os parlamentares, de olho na renovação de seus mandatos, chancelem a mudança: "O Brasil já fez, nos últimos 50 anos, dois plebiscitos. Em ambos, a votação contrária foi avassaladora. Em 1993, o parlamentarismo não obteve, se não estou enganado, mais de 25% dos votos [foram 30,8%]. É uma ideia absolutamente exótica à organização institucional brasileira. O país vive há quase 130 anos sob um regime presidencialista. Seria uma irresponsabilidade absurda testar um experimento exótico desse, como se fosse um brinquedinho, um ioiô".

Barbosa não mantém as costas, nem a contundência, no espaldar da cadeira. Faz movimentos pendulares, debruça-se com as mãos apoiadas no joelho, gesticula e volta a se recostar. Uma hora depois, a conversa se mantinha regada a água. O café chegaria junto com o fotógrafo Ruy Baron para compor a cena. A agenda do ministro imporia um "À Mesa com o Valor" minimalista.

Barbosa decretou a moratória de entrevistas, mas não deixou de opinar sobre a conjuntura. O veículo escolhido foi o Twitter, rede em que tem 561 mil seguidores e acumula 504 manifestações desde julho de 2014, quando, ao deixar o Supremo, postou: "Alívio, finalmente". De lá para cá, migrou, paulatinamente, de comentários sobre futebol, cinema e teatro para postagens sobre Judiciário e política, nacional e internacional. A lista de personagens por quem declina admiração vai do historiador José Murilo de Carvalho ao ex-presidente do Uruguai José Mujica, passando pelo ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro e pelo ex-chanceler Celso Amorim ("o melhor em cem anos de Itamaraty").

Ocupou-se ainda em defender seu mandato como ministro. Acusado de não receber advogados, disse que o fazia, sim, desde que a outra parte, se assim o desejasse, pudesse comparecer. Mas nenhum tema mobilizou tanto o novo tuiteiro quanto o impeachment de Dilma Rousseff. Focou na banalização do instrumento pela guerra de facções. Valeu-se do parâmetro do presidente americano Andrew Johnson (1868), cujo impeachment foi recusado pelo Congresso americano pelo risco de "mexicanização" do país, para advertir sobre os riscos da aventura.

A partir de maio, limitou-se a retuitar textos da imprensa. De viva voz, intensifica a acidez contra o atual governo, a começar pela política externa: "O Brasil passa por um retrocesso institucional que se reflete em sua imagem externa. É um país incontornável, mas que está impedido de exercer seu papel internacional por força da conjuntura triste pela qual passamos. É triste ver os grandes líderes mundiais evitarem o Brasil".

Desde a posse de Michel Temer, de fato, o país foi ignorado por líderes que passaram pela região, como os primeiros-ministros alemão, canadense e israelense, Angela Merkel, Justin Trudeau e Benjamin Netanyahu. Este último, que fazia sua primeira visita à região, desviou-se do país de maior comunidade judaica do continente.

- A que atribui o desvio de rota?

- A essa balbúrdia institucional que se instalou no Brasil. Nosso país foi sequestrado por um bando de políticos inescrupulosos que reduziram nossas instituições a frangalhos. Em nenhum país do mundo um chefe de governo permaneceria um dia sequer no cargo depois de acusações tão graves quanto aquelas que foram feitas contra Temer. O Brasil entrou numa fase de instabilidade crônica, da qual talvez só saia em 2018.

Na semana seguinte, o ministro Alexandre de Moraes, o único da Corte indicado pelo atual presidente, negaria o prosseguimento de dois mandados de segurança, da oposição e da OAB, para que Rodrigo Maia (DEM-RJ) pusesse em votação os pedidos de impeachment de Temer. Sem mencionar nenhum de seus colegas, o ministro antecipou o engavetamento das ações e soltou o verbo contra os pesos e medidas da Câmara dos Deputados: "Eles instauraram no Brasil a ordem jurídica deles, e não a das nossas instituições. O Brasil teve um processo de impeachment controverso e patético e o mundo inteiro assistiu. A sequência daquele impeachment é o que estamos vendo hoje. Não há parâmetro de comparação entre a gravidade dos fatos. Michel Temer deveria ter tido a honradez de deixar a Presidência".

- Por que as pessoas se mobilizaram para derrubar Dilma e não se mexem para tirar Temer?

- Acho que os brasileiros estão cansados de tudo isso, da instabilidade e dessas manipulações indecentes que são feitas. As pessoas estão na luta pela sobrevivência. Afinal de contas, são 13 milhões de desempregados. A prioridade é sobreviver.

O homem tem discurso de candidato, intenção de voto de candidato e biografia de candidato.

- O senhor é candidato?

- Não, não sou.

A negativa, curta e sem demora, era previsível. Se Joaquim Barbosa vier a ser candidato, não tem motivos para se antecipar ao calendário. Graças à janela partidária de abril, sobre a qual mostra pleno conhecimento, o quadro de candidaturas apenas será conhecido a seis meses da disputa presidencial, a começar da mais definidora de todas elas, a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em pesquisas de intenção de voto, Joaquim Barbosa chega a se equiparar à pontuação de Marina Silva, frequentemente apontada como sua referência mais próxima na política. Ele diz ter tido, no ano passado, dois encontros com a ex-candidata à Presidência. Foi ainda procurado por um emissário de Lula e por dirigentes do PSB, que tentaram convencê-lo, sem sucesso, a ir aos festejos dos 70 anos do partido. É ainda acossado por lideranças evangélicas com mandato político, que se fiam na filiação religiosa de dona Benedita, mãe do ex-ministro, para tentar atraí-lo para a política.

Educado no catolicismo por uma mãe posteriormente convertida à Assembleia de Deus, Joaquim Barbosa não professa religião. Orgulha-se, em sua passagem pelo CNJ, de ter feito prevalecer a união homoafetiva, que enfrentava a resistência de juízes e cartórios. Mas a campanha idealizada por quem sonha em vê-lo candidato colhe naqueles anos do Conselho uma prévia conceitual.

Um dia, quando visitava uma cadeia no Amazonas, ouviu um grito lá de dentro: "Negão, tu foi o primeiro que botou branco rico na cadeia". A cena dos presos estirando os braços para fora das grades para tocá-lo se repetiria em Porto Alegre, Guarulhos e nas unidades para jovens e adolescentes infratores em Salvador e Maceió.

Barbosa não reivindica holofotes para sua passagem pelo CNJ. Concede a primazia dos trabalhos lá conduzidos ao ministro Gilmar Mendes, que o antecedeu no cargo. E resiste à politização da trajetória: "É um problema estrutural, que tem a ver com a resistência da sociedade brasileira em aceitar que o preso não deve ser privado de seus direitos de cidadão. Apenas tentei fazer com que essa pauta avançassse".

A coletânea dos tempos da magistratura ainda abriga uma cena no Pelourinho quando, ao descer de um carro num sábado pela manhã, foi cercado pela mais fina flor do lumpesinato, de bêbados a mendigos, que, na descrição de uma testemunha da cena, o trataram como a um parente. No dia seguinte à decretação das prisões do mensalão, 16 de novembro de 2013, foi a Belém para uma reunião. O clima pesado justificava a presença de dois PMs, postados à porta do seu quarto no hotel. Na hora em que o ministro se dirigia para a base aérea, os dois policiais entraram com ele no elevador, se identificaram como evangélicos, tiraram uma Bíblia do paletó e pediram para fazer uma oração para si.

Barbosa não ignora a movimentação dos partidos, o assédio de populares e as pesquisas, mas se diz alheio aos seus objetivos. "Não sei como são feitas essas pesquisas em que colocam meu nome, mas não sou hipócrita. Ando nas ruas, nos aeroportos e por onde vou as pessoas me abordam. Percebo que há esse potencial, mas não incentivo nem tomo qualquer iniciativa para alimentar isso."

Pesquisas indicam que sua uma imagem está mais preservada do que a de Sérgio Moro, o juiz da Lava-Jato trincado pela condução coercitiva do ex-presidente Lula e pela quebra do sigilo telefônica da ex-presidente Dilma Rousseff. Gente que ganha a vida há décadas decifrando pesquisas atribui a ascensão do deputado Jair Bolsonaro à inexistência, na pré-disputa eleitoral, de um nome identificado à lei e à ordem.

Barbosa passou a ver alguma réstia de sentido nessa conversa quando, no fim do ano passado, um marqueteiro com acesso à campanha de Barack Obama lhe disse que ele, Joaquim, seria o único candidato no país em condição de arrecadar contribuição de pessoa física.

A origem social lhe permitiria ocupar o espaço que um dia foi de Lula, sem a rejeição que este enfrenta na classe média. A imagem projetada por quem quer vê-lo nas ruas em 2018 é a do candidato da trégua, aquele para quem a bandidagem vai colocar o fuzil no chão para recebê-lo no Complexo do Alemão. Barbosa nega candidatura, mas não a possibilidade, em tese, do seu nome ter potencial para ocupar o ethos lulista.

"Talvez sim, apesar do ódio que os petistas têm de mim, né?"

Não acredita que o ódio seja extensivo a Lula, mas de ouvir dizer porque, na verdade, nunca trocou com o ex-presidente mais do que cumprimentos protocolares. Sondado pelo então ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos, durante temporada em que foi professor visitante na Califórnia, Barbosa apenas encontraria o ex-presidente por ocasião de sua nomeação, em 2003, e, eventualmente, em jantares formais no Itamaraty. Juiz implacável do mensalão, o ex-ministro era considerado, até a ascensão de Moro, o principal algoz do PT.

Barbosa não acredita que o partido abriria mão de lançar um candidato. "O PT é bem isso, né? São eles e mais ninguém, então acho que vão ter um candidato." Na semana anterior, o presidente do Tribunal Regional Federal da 4º Região, Carlos Eduardo Lenz, havia dito ao jornalista Luiz Maklouf Carvalho ("O Estado de S.Paulo"), antes de ler os autos das provas, que a sentença do juiz Sérgio Moro condenando o ex-presidente era "irretocável". O ex-ministro estranhou os termos, mas não se surpreendeu. Diz que a sentença, em condições regulares de tramitação, não impediria o ex-presidente de disputar, porque não haveria tempo hábil para condená-lo, mas vê a turma de Curitiba motivada a adiantar o relógio para pegá-lo: "Acho que ele não deveria ser candidato. Vai rachar o país ainda mais. Já está em idade de usufruir da vida e do dinheiro que ganhou com suas palestras. Só que o estão empurrando para ser candidato, com essa cruzada que o coloca contra a parede. É um ódio irracional esse que apareceu no país".

Ao PT, Rede e PSB somam-se no assédio lideranças evangélicas de todos os credos. Pastores da política o procuram desde 2014, quando ainda estava no Supremo. Para todos eles, Barbosa repete a toada de que ficou 11 anos sob os holofotes e está satisfeito com a vida que lhe possibilita por em dia a leitura e a releitura de Francis Fukuyama, Machado de Assis, Philip Roth, Balzac, Lima Barreto e a recém-descoberta Svetlana Aleksiévitch.

Quando está para convencer de que, de fato, quer se manter na advocacia, surge, ao citar os únicos homens públicos da história brasileira a lhe despertar admiração (José Bonifácio e Getúlio Vargas), a menção a um terceiro, contemporâneo, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB): "Ele me chamou atenção no pouco contato que tivemos. Foram, no máximo, três encontros no Supremo. Era o único que me procurava para falar de temas que interessavam ao Estado dele, como a organização da defensoria pública. A maioria só ia em busca de aval para burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal".

Depois de se submeter a um longo tratamento de um agressivo câncer na bexiga, o governador foi dado como curado em abril. Joaquim Barbosa não voltaria a encontrá-lo, mas a menção sugere um interesse de parceria que o ex-ministro não desautoriza: "Se eu entrasse nisso, iria chamá-lo".

O perfil de gestor de seu pretenso companheiro de chapa sugere a via Joaquim Barbosa. O ex-ministro defende um Estado "desengajado" de atividades econômicas e de empresas. Menciona bancos públicos, como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, mas não avança sobre a Petrobras: "É uma empresa complexa, de um setor estratégico, com um imenso 'savoir-faire' que não pode ser desprezado nem tratado com ligeireza".

Essa gente é tão sem escrúpulo que vai tentar impor o parlamentarismo para se perpetuar no poder e se proteger das investigações. Seria mais um golpe

Defende ainda a saída do Estado da condição de sócio majoritário de empresas. E diz que o paulatino desengajamento deve se pautar pela existência de grupos econômicos que possam adquirir ativos com cacife próprio: "Adquirir ativos públicos com recursos do Estado é algo inaceitável hoje. O Brasil precisa de uma dose de capitalismo de verdade, não esse capitalismo de Estado, à base de subsídio. É uma deformação, um componente do nosso patrimonialismo do qual precisamos nos livrar para que o Estado possa se dedicar às questões sociais. O Brasil, como diz a Constituição, é um país capitalista com preocupação social".

Barbosa subscreve a necessidade de reformas trabalhista e previdenciária, ainda que questione a legitimidade do atual presidente para conduzi-las: "São reformas importantes, talvez não com essa visão ultraliberal que se quer implantar, que mexem no cerne do pacto social, mas é muito grave que estejam sendo conduzidas por um governo que não foi respaldado pelo voto".

É favorável, por exemplo, à extinção do imposto sindical obrigatório, mas se queixa de que a proposta aprovada não trata com isonomia a contribuição patronal, que passou incólume no texto aprovado: "Tem muita velharia na CLT, mas há um certo desequilíbrio na ordem gerada. A democracia está baseada na ideia, sugerida por [Jean-Jacques] Rousseau de pacto entre as forças do trabalho e do capital. Esses dois polos têm suas instituições representativas. Não pode acabar com uma só".

Foi convencido da necessidade de se reformar a Previdência ao longo dos 41 anos que passou no setor público. Teve colegas que trabalharam como advogados a vida inteira e, nos últimos anos de carreira, ingressaram no serviço público em busca de uma aposentadoria integral. Esse benefício já foi extinto, mas Joaquim Barbosa diz que a mentalidade dos servidores do Estado ainda precisa, em grande parte, ser mudada. É favorável também ao estabelecimento de uma idade mínima para os trabalhadores do INSS, desde que uma transição resguarde os benefícios daqueles que começaram a trabalhar na adolescência. Como enfrentar as corporações, a começar daquelas do Judiciário?

"Com liderança política, um presidente forte, legítimo, fortalecido pelo voto popular. O Judiciário é a bola da vez, mas é apenas uma pequena parcela disso. Seus gastos não têm comparação com os excessos de subsídios."

Não acredita que 2018 será uma disputa entre aqueles que querem retirar direitos dos brasileiros e aqueles que pretendem restabelecê-los. Vê maior centralidade no debate sobre o tamanho do Estado e o compromisso com o combate à corrupção.

Das reformas em curso, aquela que mais teme é a política, particularmente pela possibilidade de vir a ser restabelecido o financiamento privado de campanhas, cuja proibição é um dos principais motivos de orgulho de sua passagem pelo Supremo. O ministro que conduziu o primeiro grande julgamento por corrupção da história brasileira reconhece a sobrevida de seu alvo ao resumir as razões pelas quais vê o país à deriva: "A principal causa é a corrupção, é a motivação número um para as vocações políticas no Brasil. O que motiva boa parte dos líderes é o acesso ao dinheiro. Por isso estão sedentos para reinstituir o financiamento privado".

É favorável a um financiamento público moderado e à redução do tempo de campanha a não mais que meia hora por dia de TV gratuita durante, no máximo, um mês. Diz que as redes sociais e a internet tornaram desnecessária a dispendiosa parafernália televisiva. Para um nome com o grau de conhecimento como o seu, a mudança parece inócua, mas não para novos atores que queiram ingressar na política. Na visão do ex-ministro, porém, a oxigenação da política não virá do dinheiro, mas do sistema eleitoral.

Se deixar, ele fala o resto do dia sobre virtudes e pecados de sistemas políticos além-mar. Manifesta-se favoravelmente ao voto distrital, puro ou misto, afeito à ideia de uma maior proximidade entre eleito e eleitor. Rechaça os argumentos contrários, um por um. Não haveria o risco de o desenho dos distritos ser manipulado para favorecer este ou aquele candidato? Cita, com intimidade, os casos judiciais nos Estados Unidos que contestam distritos, especialmente no Sul, cujo desenho teria sido feito para evitar uma concentração de eleitores negros suficiente para eleger representantes: "No Brasil, esta é uma falsa questão, um pretexto para deixar tudo como está. Era só botar o IBGE para trabalhar e montar esses distritos, mas eles não querem porque ameaça sua sobrevivência política".

Barbosa tem a convicção de que o experimento do voto majoritário no Brasil sacolejaria as oligarquias. Atribui ao voto proporcional a sub-representação urbana na Câmara dos Deputados e o poder excessivo de áreas menos dinâmicas do país sobre o conjunto da população. Aposta que as grandes metrópoles, divididas em distritos, aumentariam o multiculturalismo da representação.

Não parece desconhecer os riscos de se alterar uma cultura sedimentada de 70 anos de sistema proporcional, mas importa da França alternativas para mitigá-los, como o segundo turno que, naquele país, também vale para as eleições legislativas. A nova eleição é realizada entre tantos quantos obtiverem pelo menos 12,5% dos votos, o que, não raro, leva a uma segunda rodada triangular, que tende a fortalecer o eleito.

Joaquim Barbosa acompanhou de perto a eleição de Emmanuel Macron, a quem atribui a tentativa de mimetizar o primeiro dos presidentes socialistas da França: "François Mitterrand tinha um estilo extraordinário. Falava pouquíssimo, três vezes por ano: numa gruta, no interior do país, no 14 de julho [feriado da queda da Bastilha] e no fim do ano. Cumpria um ritual".

Rejeita a França como modelo do semi-presidencialismo que Temer e Gilmar propagam: "Foi um balão de ensaio que lançaram. Em 60 anos de 5ª República, a França só teve três experiências semi-presidencialistas. Lá é o presidente que manda mesmo". A despeito da admiração pelo feito eleitoral, tampouco vê chances, no Brasil, de se repetir o fenômeno que rendeu ao jejuno em campanhas não apenas a Presidência da República como também uma maioria na Assembleia: "A chave é a plasticidade do sistema, que não tem as mesmas camisas de força do Brasil. Lá se permite a candidatura avulsa e o presidente, que acabou de ser eleito, pode apresentar um candidato duas semanas antes da disputa legislativa para formar maioria".

Toda a plasticidade do sistema francês não evitou que o novo presidente derrapasse, na largada, ao tentar dar curso a um governo "de direita e de esquerda". Joaquim Barbosa ainda prevê mais recuos no governo Macron, a começar da proposta de se conferir um pouco mais de proporcionalidade ao sistema eleitoral, promessa de campanha: "Ele vai introduzir um elemento de instabilidade da qual o país está livre há 60 anos. De 1879 até 1958 a França trocava de gabinete a cada oito meses. Foi o voto majoritário que interrompeu isso".

A intimidade com a política francesa vem dos quatro anos e meio vividos no país durante os anos 90, quando doutorou-se na Universidade Panthéon-Assas. Foi o único período de sua vida em que pôde se dedicar inteiramente aos estudos. Mais velho dos homens de uma família de nove filhos, Joaquim Benedito Barbosa Gomes nasceu em Pacaratu, cidade na divisa de Minas com Goiás, em 7 de outubro de 1954. O pai, Joaquim, foi pedreiro ao longo de sua primeira infância. Quando o filho mais velho entrou na adolescência, já tinha um caminhão e depois, mais outro. Chegou a empregar umas dez pessoas, na lembrança do primogênito, um dos arregimentados para o serviço.

O primeiro emprego de carteira assinada do ex-ministro veio aos 17 anos, já em Brasília. Era uma empresa que prestava serviços terceirizados de limpeza ao Tribunal Regional do Trabalho. De lá foi para o "Correio Braziliense" e, depois, para o "Jornal de Brasília", onde trabalhou na composição. Pegou a transição do linotipo para o offset. A experiência serviu de passaporte para a gráfica do Senado: "Foi como ganhar na loteria. O salário era três vezes maior".

Não se importa que a biografia, corrigida, mitigue o apelo eleitoral do juiz que veio da pobreza. "É uma bobagem isso. Meu pai foi um microempresário que se ferrou na crise do milagre, mas eu entrei na classe média aos 19 anos, quando fui trabalhar no Senado." Trouxe toda a família para Brasília e dela virou arrimo. O pai morreu em 2010, mas os oito irmãos e a mãe ainda moram lá.

Trabalhava no Senado das 11 da noite às 6 da manhã. Saía direto para a UnB, onde cursou direito. Dormia à tarde e, no início da noite, ia para a biblioteca da universidade onde estudava enquanto aguardava a hora de entrar no serviço. Sua introdução à política foi a leitura dos discursos dos senadores Paulo Brossard, Franco Montoro e Itamar Franco.

Da gráfica do Senado, migrou para o Itamaraty, onde prestou concurso para oficial de chancelaria, emprego que lhe proporcionou a primeira temporada no exterior, Finlândia. A Escandinávia dos anos 70, para um rapaz do Brasil central que nunca tinha ido além do Rio de Janeiro, despertou a vontade de manter uma janela aberta para o exterior. Prestou concurso para diplomata, mas foi barrado na entrevista. Atribui a reprovação ao racismo, mas não se alonga nem volta ao tema ao longo da conversa.

O diploma de direito lhe trouxe o emprego de advogado do Serpro, empresa pública de informática, onde ficou quatro anos até o concurso para o Ministério Público Federal. Com a UnB, a chancelaria do Itamaraty e o MPF percorreria a mesma trajetória daquele que viria a se transformar no seu principal antagonista no Supremo. Além de Gilmar Mendes, sua turma ainda era formada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, hoje o maior rival do hiper-ministro.

De volta da França, estabeleceu-se no Rio. Passou a lecionar na UERJ, onde foi colega de Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. O primeiro é o ex-colega do Supremo de quem se manteve mais próximo. O segundo, com quem chegou a ter embates no julgamento dos embargos declaratórios do mensalão, chegou a chorar, meses atrás, ao pedir desculpas ao ex-ministro no plenário do Supremo quando a ele se referiu como "negro de primeira linha". A expressão, disse Barroso, tinha por objetivo "celebrar uma pessoa que havia rompido o cerco da subalternidade chegando ao topo da vida acadêmica", mas revelou um racismo que "se esconde no inconsciente".

O episódio, logo minimizado, mostrou o quanto muitas das arestas criadas em torno do ministro durante o julgamento da Ação Penal 470, se dissiparam. O mensalão produziu mais convergências entre Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa do que deste com Barroso. Longe da toga, o ex-ministro se manteve na militância anticorrupção, no que converge com Barroso, um dos ministros que mais tem se insurgido contra a operação-abafa Lava-Jato. Quem mudou de lado com o avanço da operação para além dos limites do PT foi Gilmar. Não por acaso ele e Barbosa ocupam o extremo na escala de popularidade de personalidades do mundo jurídico.

Ao deixar o Supremo precocemente, Joaquim Barbosa preservou-se do desgaste que o Judiciário hoje enfrenta pelos impasses da Lava-Jato e pelas vantagens extrateto acumuladas pela corporação. Como advogado, já não poderá mais ser acusado de jogar para a plateia se resolver arriscar a sorte nas urnas para completar com a primazia do negro a trilogia de um país que já passou pelos primeiros operário e mulher.

O implacável Antonio di Pietro, da operação Mãos Limpas, é o precedente mais próximo de magistrado que não foi capaz de levar para a política o romantismo da toga. Mas a hesitação de Joaquim Barbosa parece ter moto próprio. O filho, surpreendido há 14 anos quando o pai resolveu ir para o Supremo, já lhe pediu que não seja o último a saber se ele resolver entrar na parada. As pesquisas sugerem que Felipe não é o único a esperar pela definição.

No seu romance mais político ("Numa e a Ninfa"), o escritor brasileiro da predileção do ex-ministro, Lima Barreto, constrói no personagem de um deputado arrivista a síntese do que chama de "pavor nacional do dia de amanhã". É este o clima que invade a pré-campanha de 2018 num país bestializado pelo governo Michel Temer e pelo arregaço de suas instituições. Há mais de dez anos, a magistratura comanda o espetáculo com o qual a política tem um encontro marcado em 2018. Lima Barreto foi um dos melhores intérpretes de um país que transitou para a alforria e para a República, sem liberdade ou cidadania. Dizia que o Brasil não tem povo, tem público. É entre um e outro que Joaquim Barbosa parece hesitar.

______

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

O dilema fundamental da democracia bloqueada

O Existem duas formas de olhar para a atual conjuntura política; essas duas formas compõem dois aspectos de uma única realidade inseparável. Mas essas formas de olhar correspondem a interesses diferentes; logo, dependendo do seu ponto de vista, você pode chegar a conclusões e a posições políticas diferentes.

Esses dois olhares deveriam representar os mesmos interesses sociais, mas isso não está acontecendo neste momento da história brasileira. Esta a razão central do bloqueio do desenvolvimento de nossa democracia.


Esses dois olhares, entretanto, não estão escondidos nos subterrâneos de nossas consciências. Eles são conscientes, e cada um deles conhece, claramente, um ao outro. Eles formam o dilema fundamental da democracia bloqueada (1). 

O primeiro olhar corresponde ao interesse da sociedade. Naturalmente, a sociedade não está satisfeita com o seu sistema político-partidário-eleitoral, pois a representação política eleita, tanto para o poder executivo como para o legislativo, via de regra, não parece fazer da política a arte de zelar pelo bem comum. Algumas razões da insatisfação com este sistema: ao longo do tempo, ele foi sendo moldado para favorecer eleitoralmente aos que controlam as máquinas partidárias; as regras eleitorais dificultam ao máximo a eleição de lideranças políticas cujos atributos fundamentais sejam a sua representatividade social, compromissos públicos e padrões éticos; o poder legislativo ficou extremamente caro, nos níveis federal, estadual e municipal; as eleições ficaram extremamente caras, tanto para o poder legislativo quanto para o poder executivo; como foi desnudado pela Lava-Jato, a corrupção tornou-se o meio fundamental para financiar a conquista e a manutenção do poder político.

Em consequência, este sistema apresenta resultados pífios em termos de eficiência e eficácia sociais, pois os partidos, como em um botim, dividem entre si o orçamento público, os cargos públicos e as empresas estatais; frequentemente, agem como quadrilhas; por isso, a corrupção, hoje, está associada à falência, ineficiência e desmoralização dos serviços públicos, particularmente nas áreas de saúde, educação e segurança.

O segundo olhar corresponde ao interesse da maioria dos políticos com mandato nos poderes executivo e legislativo federal, e ao de suas respectivas máquinas partidárias. Este olhar deveria corresponder ao primeiro, pois os políticos nestes poderes foram eleitos como representantes do povo. Mas não é isso o que acontece: a maioria atua no exercício de seus mandatos como se fosse apenas para tentar viabilizar as suas reeleições. Surpreendidos pelas apurações da Lava-Jato, denunciados e tornados réus, os principais caciques partidários tentam, agora, da "reforma política", torná-la um instrumento de sua sobrevivência. Agem contra a sociedade. Conceberam, dentre outras coisas, tornar o sistema ainda mais caro com o "Fundo de Financiamento da Democracia", que, somado ao "Distritão", tem como objetivo favorecer eleitoralmente aos caciques e "donos" de partidos, às oligarquias regionais e aos candidatos sustentados por recursos ilícitos. O que intentam, simplesmente, é piorar em várias vezes um sistema político-partidário-eleitoral que já é muito ruim, e que já elegeu essa lamentável representação dos Dilma's, Temer's, Renan's e Cunha's! E, agora, dos Fufuca's. Uma triste representação, uma regressão inaceitável para um país que já teve políticos como Ulisses Guimarães!

Se esses olhares das partes são conscientes e compõem realidades que podem ser descritas com dados, fatos, provas e evidências, por que persistem e resistem? É que, a justificar esse segundo olhar, "rodam" por trás, como programas ou algoritmos (*) automáticos, arraigadas concepções e comportamentos sociais, e se propagam como "memes (**)", de caráter cultural, histórico, filosófico, político, sociológico, econômico, etc., sobre como funciona - ou devem funcionar - as instituições políticas da sociedade. Mas é preciso que se diga, a sociedade nesta disputa é a parte mais fraca, pois eles têm o poder de decisão, que lhes foi atribuído pela Constituição.

É no Congresso Nacional que se encontram e reproduzem essas práticas ao nível da República. Alguns justificam, embora por trás dos panos, a corrupção, o patrimonialismo, o fisiologismo e o corporativismo, porque "sempre foi assim", isentando-se; outros, porque a política perderia qualquer interesse se não fosse um "negócio" onde pudessem enriquecer com ela, alegando, pragmaticamente, que o "ser humano é assim mesmo - egoísta"; outros, ainda, implicitamente aceitando as concepções acima, a justificam como a expressão da "luta de classes", como defendida por uma certa esquerda autoritária e conservadora, alegando que, se os que defendem os interesses dos trabalhadores não roubarem, como o fazem os representantes das "elites" - ou das classes dominantes -, não conseguirão ter recursos para financiar as campanhas eleitorais, que estão cada vez mais caras.

Por isso, não importa o matiz ideológico e político que digam ter, neste momento histórico a maioria dos partidos atua, conservadoramente, contra o desenvolvimento da democracia. Querem vê-la estagnada nos limites dos seus interesses. Isto é bem ilustrado quando se constata que, por temerem a Lava-Jato, unem-se e agem, em "santa aliança", para combate-la e se manterem impunes; ou, ainda, na proposta da reforma política, cujo relator é o deputado federal Vicente Cândido (PT-SP), quando o PMDB, o PT e o PSDB, junto com os partidos do chamado "centrão", defendem a criação do acintoso fundo de financiamento da democracia para aumentarem os seus privilégios. Louve-se os parlamentares e partidos que, embora minoritários, travam uma verdadeira batalha contra a impunidade, e são contra essa reforma política regressiva.

Mas as reações sociais estão sendo imensas, pois existe um divórcio entre o interesse da sociedade e o do sistema político! Esta é uma contradição fundamental que precisa ser resolvida no interesse da sociedade. Ou melhor, no interesse da democracia. Em síntese, é uma tarefa para os democratas. Ela não é fácil, pois onde esteja um democrata indignado, seja como um simples cidadão, ou como um futuro candidato nas eleições de 2018, terá que discutir, propor e agir para realizar essa tarefa histórica: a de desbloquear o desenvolvimento da democracia brasileira.

Existe em meio à grave crise algo que nos consola! Podemos ousar resistir: primeiro, porque não estamos sozinhos, pois milhões de brasileiros estão tão indignados quanto nós; segundo, porque não se extinguiu a força do movimento democrático, que culminou com a Constituição de 1988; terceiro, porque a democracia conquistada nos conduziu a um Estado Democrático de Direito com estabilidade institucional. Isto nos favorece. Portanto, não devemos desanimar, pois a hora é agora. E é hora de luta!


_______