quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Íntegra da carta bomba de Palocci ao PT

No dia 26/09/17, terça-feira, Palocci enviou à Gleisi Hoffmann, Presidente Nacional do PT, uma carta bomba.

Na condição de fundador do PT, o currículo de serviços prestados por Palocci é incontestável: um dos membros mais influentes de sua direção; um dos estrategistas do núcleo mais próximo a Lula no momento em que este foi eleito Presidente da República em 2002; um dos artífices da "Carta ao povo brasileiro", assinada por Lula às vésperas da eleição vitoriosa para acalmar o mercado; primeiro ministro da fazenda de Lula; coordenador da campanha vitoriosa de Dilma à presidente da república em 2010; primeiro ministro da casa civil de Dilma; e, finalmente, até ser preso, o homem de confiança do PT e de Lula para gerir o fundo milionário do partido, mantido com recursos das empreiteiras beneficiadas com contratos superfaturados com as empresas estatais e grandes obras no exterior.


As consequências dos depoimentos de Palocci à justiça já são muito graves para o PT e para Lula, pelas informações, detalhes e provas que apresenta. Mas a sua carta está destinada a falar para um público que o conhece, respeita e sempre o teve na conta de um dos seus mais virtuosos e capazes dirigentes. Por mais que venham a tentar desqualificá-lo, como recurso de auto-proteção e salvação, o PT não conseguirá mais manter-se como força política competitiva em 2018.

Entretanto, é necessário que se diga: não é apenas o PT que está em crise. A crise atinge aos principais partidos: o PT, o PMDB e o PSDB, além de uma nuvem de partidos médios cujas principais lideranças estão denunciadas e processadas. Se já não bastasse, o Presidente Temer enfrenta processo por formação de quadrilha e obstrução da justiça; quanto ao PSDB, o STF no dia de hoje, 27/09/17, determinou o afastamento do seu mandato de senador, por ações criminosas, a Aécio Neves, que é o seu presidente. Vivemos uma crise de todo o sistema político, partidário e eleitoral, em que a conquista e a manutenção do poder político, como foi desnudado pela Lava-Jato, é sustentada pela corrupção e tem como premissa a impunidade dos crimes de colarinho branco.

Por onde se olhe, todos os que desejamos viver em um Estado Democrático de Direito sabemos que é necessário mudar. Por mais que essa crise seja dolorosa para todos nós, é hora de mudar. Sobretudo porque, se não o fizermos agora, aumentará a desesperança e a descrença da qual se alimentam os projetos políticos populistas e autoritários com os olhos no retrovisor da história!

O caminho completo para desbloquear o desenvolvimento de nossa democracia talvez ainda não esteja totalmente claro, mas comecemos dando um golpe de morte na impunidade. E isto é possível!

Comecemos com o que está diante dos nossos olhos, sinalizando para os nossos filhos, e para os jovens, que o Presidente da República do nosso país não pode estar respondendo por crimes! É muito simples, mostremos, nos próximos dias, com o nosso clamor, que a nação deseja que os deputados federais votem pela admissibilidade para que Temer seja julgado no STF!

A íntegra da carta(*):

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quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Do estado patrimonialista ao estado republicano

Não precisamos ser incendiários. Basta que nos orientemos por um projeto de valores que tenha como centro a democracia e a firme convicção de que fora do Estado de Direito advém a barbárie. Se o que nos orienta é uma humanidade generosa, não tenhamos dúvidas, são as ditaduras os regimes que mais fazem sofrer as grandes maiorias de cidadãos, mormente os mais simples e sem poder político ou econômico.


Por isso, há que se abominar as ditaduras, sejam elas de direita ou de esquerda. Mas, exatamente por isso, nos indigna ver que a nossa democracia está bloqueada no seu desenvolvimento por um arcabouço jurídico projetado sob medida pelos poderosos, e anti-constitucional, para impedir a realização, já, de partida, do valor ético expresso no Art. 5o. da Constituição, de que "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ...".

Parece que abandonamos, em definitivo, a idéia originária da política, como a da arte de zelar pelo bem comum. A política foi reduzida à sua versão "científica", "maquiavélica", como a arte, apenas, de conquistar e preservar o poder. Óbvio, se é assim, valem quaisquer meios para atingir os fins, e não surpreende que pensar fora desta "caixa" envergonha até a muitos acadêmicos erigidos ao reino da "sua" racionalidade! E claro, se é assim, valores morais e ética, sucumbem como referências necessárias e indispensáveis.

Seria inteiramente válido que nos dividíssemos na discussão de propostas democráticas para tirar o país da crise, diante da complexa realidade de um mundo em vertiginosa transformação conduzido por radicais mudanças tecnológicas. Lamentavelmente, entretanto, nos dividimos na defesa de bandidos de estimação. E o fazemos não ingenuamente, mas para defender interesses fisiológicos.

Por isso nos digladiamos na defesa do Lula, ou do Temer, p.ex., não para defender projetos de uma sociedade mais justa e democrática para sair da crise, mas para defender interesses patrimonialistas, pois estes são objetivos e concretos, rendem empregos, poder político e acesso aos orçamentos do Estado!

A mais perversa consequência disso é que esse sistema, para funcionar, precisa estar erigido sobre a impunidade dos poderosos. E é exatamente isto o que mais agride a consciência democrática dos brasileiros! A sociedade, com sua intuição, sabe que, para desbloquear o desenvolvimento de nossa democracia, precisamos ultrapassar o Estado Patrimonialista, baseado na impunidade dos poderosos, e transforma-lo em um Estado Republicano (*). Precisamente por isto a sociedade não se cansa de proclamar, a plenos pulmões, o seu apoio à Lava-Jato!

Infelizmente, podemos perder a oportunidade que esta crise nos oferece, para fazer avançar a democracia. Basta que deixemos impunes os nossos bandidos de estimação. Basta que a CPI do deputado Marum atinja o seu objetivo. Basta que deixemos passar a reforma política fajuta, com a qual pretendem inundar de recursos dos nossos bolsos as campanhas eleitorais dos caciques partidários. Basta que façamos a opção, nesta imediata conjuntura, por "salvar Temer", contra todas as evidências!


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(*) O título deste post inspira-se em uma expressão usada por Jefferson Boechat, no comentário abaixo que ele fizera a um post de minha autoria no grupo Roda Democrática, do Facebook, 13/09/17. Íntegra do comentário:
"Jefferson Boechat Puxa, então tal provocação foi completamente involuntária! A qualificação foi feita apenas pra mostrar que o tal movimento não surgiu agora, denunciando a "arte degenerada", mas, sim, em 2013, clamando por mais democracia. E, ao que parece, temos tanta democracia a ponto de um grupo de jovens reacionários conseguir interditar uma exposição - de gosto duvidoso, vá lá! O ângulo que queria iluminar é exatamente este: parece que, para uns, ganhamos, sim, "mais democracia". A ponto de uma "minoria barulhenta" calar a "maioria silenciosa" que, aparentemente, não se incomodava com a "arte engajada" de "minoria silenciosa". Enfim, a Babel de livres expressões parece ir bem, obrigado, nesta casa que falta pão...
Mas, então, a disfunção apontada estaria na nossa arquitetura democrática, e não na engenharia republicana? Este é o meu incômodo pessoal: formalmente, a Democracia parece estar resistindo, sem nenhum arranhão - até porque os milicos foram escaldados no mesmo óleo fervente que agora despela a oligarquia corrupta da Nova República. Macacos velhos, não meterão a mão na mesma cumbuca duas vezes!
Mas, e a República? A "prerrogativa de foro" para crimes comuns te parece atender aos ditames do art. 5º da CF/88? Bem, só se formal e obliquamente. Porque, direta e faticamente, a nossa "teoria republicana", na prática, é outra. Assim, acho que seríamos mais efetivos se vislumbrássemos meios de transformar o nosso estado patrimonialista em republicano. E os há!"

terça-feira, 5 de setembro de 2017

O nome da trégua

Íntegra da entrevista de Joaquim Barbosa, concedida à jornalista Maria Cristina Fernandes, do Jornal Valor, Brasília no dia 01/09/17.

Joaquim Barbosa (*) foi um grande ministro do STF. Todos os brasileiros sabem  que os rumos do julgamento do mensalão (a ação penal 470) teriam sido outros - no sentido de que o processo e as próprias sentenças não teriam ido tão longe -, se ele não tivesse sido o seu relator. Réus, condenados e advogados criminalistas não o perdoam por isso.

Esse julgamento, paradigmático, dos chamados crimes de colarinho branco, finalizado com a condenação de poderosas personalidades da vida política da república, foi uma das premissas para que a Operação Lava-Jato pudesse ter chegado tão longe. Hoje, os dados, provas e evidências, coletados desde então, desnudaram perante a nação o papel da corrupção na conquista e na manutenção do poder político. 

Ele foi um orgulho para todos os brasileiros, particularmente os mais humildes e os da classe média. Preto, seu pai foi pedreiro em sua primeira infância, depois um microempresário; de inteligência invulgar, formado em Direito pela Universidade de Brasília, ele afirmou-se pelo caminho do estudo e do trabalho árduo. Cumprida a sua missão aposentou-se, aos 60 anos no STF, quando poderia ter permanecido até os 75. Uma atitude incomum, comparada a de seus pares que não largam o osso. Está agora trilhando outros caminhos. Uma figura de ímpar personalidade que ainda tem muito a contribuir com o Brasil.

Joaquim Barbosa reconhece que os petistas o odeiam, mas é um acerbo crítico do governo Temer. Suas opiniões sobre o quadro político não são as de um escolado político, por isso causam alguma estranheza, mas sua voz, queiramos ou não, está fadada a ser ouvida e considerada!


"Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro... Vossa Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com seus capangas do Mato Grosso." Por premonitório, o libelo dirigido contra o ministro Gilmar Mendes ecoa hoje ainda mais do que ao ser proferido, em 2009. Por isso, a condição imposta por Joaquim Barbosa para a entrevista soou como a ir a Roma sem ver o papa. O ex-ministro, finalmente, tinha resolvido falar, mas o roteiro teria que se desviar de três temas: Judiciário, Supremo e Lava-Jato. A espera de seis meses pela entrevista desmobilizou a resistência, e as condições foram aceitas pelo valor de face. A ausência das eleições de 2018 do índex acabaria por abrir uma avenida à estreita margem de manobra.

Faz três anos que Joaquim Barbosa deixou o STF, período que coincidiu com a escalada de poderes do ministro que havia se tornado seu principal antagonista no tribunal. A Corte não voltaria a protagonizar cenas como aquela. Arregimentado por Gilmar a apoiá-lo em nota, o colegiado começaria ali a alargar a avenida, sem lombada ou pedágio, para o desmesurado poder exercido por aquele que hoje lidera o ranking dos ministros com o maior número de pedidos de impeachment e suspeição e é alvo de abaixo-assinado que contabilizava 866 mil assinaturas até a quarta-feira.

Barbosa foi o primeiro ministro a deixar o Supremo no exercício de sua presidência. Quando se aposentou, em julho de 2014, faltavam quatro meses para entregar o comando de uma das cortes mais poderosas do mundo e 15 anos para findar seu mandato. O desapego fez bem à saúde. Não se livrou completamente das dores na coluna que haviam levado o ministro orgulhoso de uma condição física de atleta a um andar arrastado, em busca de anteparos, e a despachos em pé. As dores começaram no quarto dos seus 11 anos de tribunal. Ignoradas, tomaram conta. Hoje faz fisioterapia três vezes por semana e foi capaz de, em duas horas e meia de conversa, não mostrar desconforto.

Joaquim Barbosa recebeu o Valor na sala de seu escritório brasiliense, uma casa no Lago Sul, cujo aluguel é partilhado com outro advogado e onde se dedica a pareceres na área do direito público, principalmente em temas regulatórios e tributários. Tem mais um escritório e apartamento nos Jardins, em São Paulo. É de lá a foto em preto e branco no fundo da página (desatualizada) na internet, em que divulga sua empresa de cursos e palestras. Quando está em Brasília, fica com a mãe. Mas é no Leblon que está em casa. Também mora no Rio seu filho, um jornalista de 32 anos que trabalha no Museu da Imagem e do Som (MIS). Separado de sua mãe, uma ex-funcionária do Banco do Brasil, quando Felipe ainda era criança, Barbosa hoje mantém relação estável com uma pesquisadora brasileira que vive no exterior e de quem não declina o nome.

Não foram as dores que o levaram a deixar o colegiado. Como margeia terreno minado, abrevia as razões: "Já tinha feito muita coisa ali, chegado à presidência e vivido talvez os anos mais fecundos do tribunal". Quando deixou o STF, estava prestes a completar 60 anos. Saiu depois do prazo de desincompatibilização para a disputa presidencial, frustrando a aposta de que trocaria a toga pelas urnas.

A Lava-Jato, que explodiria menos de um ano depois, faria da ação penal 470 um libelo do garantismo. Não apenas na primeira instância, com a multiplicação de prisões preventivas, ausentes do mensalão, como na própria Corte, com a detenção de senador no exercício do cargo (Delcídio do Amaral) e a destituição do cargo daquele que era o primeiro na linha sucessória da Presidência da República (Eduardo Cunha).

Sem fulanizar, Joaquim Barbosa pinça o tema da conjuntura encabeçado por Gilmar Mendes e pelo presidente Michel Temer como alvo do seu primeiro petardo: "Essa gente é tão sem escrúpulo que vai tentar impor o parlamentarismo para angariar a perpetuação no poder e se proteger das investigações. Esse é o plano. Seria mais um golpe brutal nas instituições".

Teme que os parlamentares, de olho na renovação de seus mandatos, chancelem a mudança: "O Brasil já fez, nos últimos 50 anos, dois plebiscitos. Em ambos, a votação contrária foi avassaladora. Em 1993, o parlamentarismo não obteve, se não estou enganado, mais de 25% dos votos [foram 30,8%]. É uma ideia absolutamente exótica à organização institucional brasileira. O país vive há quase 130 anos sob um regime presidencialista. Seria uma irresponsabilidade absurda testar um experimento exótico desse, como se fosse um brinquedinho, um ioiô".

Barbosa não mantém as costas, nem a contundência, no espaldar da cadeira. Faz movimentos pendulares, debruça-se com as mãos apoiadas no joelho, gesticula e volta a se recostar. Uma hora depois, a conversa se mantinha regada a água. O café chegaria junto com o fotógrafo Ruy Baron para compor a cena. A agenda do ministro imporia um "À Mesa com o Valor" minimalista.

Barbosa decretou a moratória de entrevistas, mas não deixou de opinar sobre a conjuntura. O veículo escolhido foi o Twitter, rede em que tem 561 mil seguidores e acumula 504 manifestações desde julho de 2014, quando, ao deixar o Supremo, postou: "Alívio, finalmente". De lá para cá, migrou, paulatinamente, de comentários sobre futebol, cinema e teatro para postagens sobre Judiciário e política, nacional e internacional. A lista de personagens por quem declina admiração vai do historiador José Murilo de Carvalho ao ex-presidente do Uruguai José Mujica, passando pelo ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro e pelo ex-chanceler Celso Amorim ("o melhor em cem anos de Itamaraty").

Ocupou-se ainda em defender seu mandato como ministro. Acusado de não receber advogados, disse que o fazia, sim, desde que a outra parte, se assim o desejasse, pudesse comparecer. Mas nenhum tema mobilizou tanto o novo tuiteiro quanto o impeachment de Dilma Rousseff. Focou na banalização do instrumento pela guerra de facções. Valeu-se do parâmetro do presidente americano Andrew Johnson (1868), cujo impeachment foi recusado pelo Congresso americano pelo risco de "mexicanização" do país, para advertir sobre os riscos da aventura.

A partir de maio, limitou-se a retuitar textos da imprensa. De viva voz, intensifica a acidez contra o atual governo, a começar pela política externa: "O Brasil passa por um retrocesso institucional que se reflete em sua imagem externa. É um país incontornável, mas que está impedido de exercer seu papel internacional por força da conjuntura triste pela qual passamos. É triste ver os grandes líderes mundiais evitarem o Brasil".

Desde a posse de Michel Temer, de fato, o país foi ignorado por líderes que passaram pela região, como os primeiros-ministros alemão, canadense e israelense, Angela Merkel, Justin Trudeau e Benjamin Netanyahu. Este último, que fazia sua primeira visita à região, desviou-se do país de maior comunidade judaica do continente.

- A que atribui o desvio de rota?

- A essa balbúrdia institucional que se instalou no Brasil. Nosso país foi sequestrado por um bando de políticos inescrupulosos que reduziram nossas instituições a frangalhos. Em nenhum país do mundo um chefe de governo permaneceria um dia sequer no cargo depois de acusações tão graves quanto aquelas que foram feitas contra Temer. O Brasil entrou numa fase de instabilidade crônica, da qual talvez só saia em 2018.

Na semana seguinte, o ministro Alexandre de Moraes, o único da Corte indicado pelo atual presidente, negaria o prosseguimento de dois mandados de segurança, da oposição e da OAB, para que Rodrigo Maia (DEM-RJ) pusesse em votação os pedidos de impeachment de Temer. Sem mencionar nenhum de seus colegas, o ministro antecipou o engavetamento das ações e soltou o verbo contra os pesos e medidas da Câmara dos Deputados: "Eles instauraram no Brasil a ordem jurídica deles, e não a das nossas instituições. O Brasil teve um processo de impeachment controverso e patético e o mundo inteiro assistiu. A sequência daquele impeachment é o que estamos vendo hoje. Não há parâmetro de comparação entre a gravidade dos fatos. Michel Temer deveria ter tido a honradez de deixar a Presidência".

- Por que as pessoas se mobilizaram para derrubar Dilma e não se mexem para tirar Temer?

- Acho que os brasileiros estão cansados de tudo isso, da instabilidade e dessas manipulações indecentes que são feitas. As pessoas estão na luta pela sobrevivência. Afinal de contas, são 13 milhões de desempregados. A prioridade é sobreviver.

O homem tem discurso de candidato, intenção de voto de candidato e biografia de candidato.

- O senhor é candidato?

- Não, não sou.

A negativa, curta e sem demora, era previsível. Se Joaquim Barbosa vier a ser candidato, não tem motivos para se antecipar ao calendário. Graças à janela partidária de abril, sobre a qual mostra pleno conhecimento, o quadro de candidaturas apenas será conhecido a seis meses da disputa presidencial, a começar da mais definidora de todas elas, a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em pesquisas de intenção de voto, Joaquim Barbosa chega a se equiparar à pontuação de Marina Silva, frequentemente apontada como sua referência mais próxima na política. Ele diz ter tido, no ano passado, dois encontros com a ex-candidata à Presidência. Foi ainda procurado por um emissário de Lula e por dirigentes do PSB, que tentaram convencê-lo, sem sucesso, a ir aos festejos dos 70 anos do partido. É ainda acossado por lideranças evangélicas com mandato político, que se fiam na filiação religiosa de dona Benedita, mãe do ex-ministro, para tentar atraí-lo para a política.

Educado no catolicismo por uma mãe posteriormente convertida à Assembleia de Deus, Joaquim Barbosa não professa religião. Orgulha-se, em sua passagem pelo CNJ, de ter feito prevalecer a união homoafetiva, que enfrentava a resistência de juízes e cartórios. Mas a campanha idealizada por quem sonha em vê-lo candidato colhe naqueles anos do Conselho uma prévia conceitual.

Um dia, quando visitava uma cadeia no Amazonas, ouviu um grito lá de dentro: "Negão, tu foi o primeiro que botou branco rico na cadeia". A cena dos presos estirando os braços para fora das grades para tocá-lo se repetiria em Porto Alegre, Guarulhos e nas unidades para jovens e adolescentes infratores em Salvador e Maceió.

Barbosa não reivindica holofotes para sua passagem pelo CNJ. Concede a primazia dos trabalhos lá conduzidos ao ministro Gilmar Mendes, que o antecedeu no cargo. E resiste à politização da trajetória: "É um problema estrutural, que tem a ver com a resistência da sociedade brasileira em aceitar que o preso não deve ser privado de seus direitos de cidadão. Apenas tentei fazer com que essa pauta avançassse".

A coletânea dos tempos da magistratura ainda abriga uma cena no Pelourinho quando, ao descer de um carro num sábado pela manhã, foi cercado pela mais fina flor do lumpesinato, de bêbados a mendigos, que, na descrição de uma testemunha da cena, o trataram como a um parente. No dia seguinte à decretação das prisões do mensalão, 16 de novembro de 2013, foi a Belém para uma reunião. O clima pesado justificava a presença de dois PMs, postados à porta do seu quarto no hotel. Na hora em que o ministro se dirigia para a base aérea, os dois policiais entraram com ele no elevador, se identificaram como evangélicos, tiraram uma Bíblia do paletó e pediram para fazer uma oração para si.

Barbosa não ignora a movimentação dos partidos, o assédio de populares e as pesquisas, mas se diz alheio aos seus objetivos. "Não sei como são feitas essas pesquisas em que colocam meu nome, mas não sou hipócrita. Ando nas ruas, nos aeroportos e por onde vou as pessoas me abordam. Percebo que há esse potencial, mas não incentivo nem tomo qualquer iniciativa para alimentar isso."

Pesquisas indicam que sua uma imagem está mais preservada do que a de Sérgio Moro, o juiz da Lava-Jato trincado pela condução coercitiva do ex-presidente Lula e pela quebra do sigilo telefônica da ex-presidente Dilma Rousseff. Gente que ganha a vida há décadas decifrando pesquisas atribui a ascensão do deputado Jair Bolsonaro à inexistência, na pré-disputa eleitoral, de um nome identificado à lei e à ordem.

Barbosa passou a ver alguma réstia de sentido nessa conversa quando, no fim do ano passado, um marqueteiro com acesso à campanha de Barack Obama lhe disse que ele, Joaquim, seria o único candidato no país em condição de arrecadar contribuição de pessoa física.

A origem social lhe permitiria ocupar o espaço que um dia foi de Lula, sem a rejeição que este enfrenta na classe média. A imagem projetada por quem quer vê-lo nas ruas em 2018 é a do candidato da trégua, aquele para quem a bandidagem vai colocar o fuzil no chão para recebê-lo no Complexo do Alemão. Barbosa nega candidatura, mas não a possibilidade, em tese, do seu nome ter potencial para ocupar o ethos lulista.

"Talvez sim, apesar do ódio que os petistas têm de mim, né?"

Não acredita que o ódio seja extensivo a Lula, mas de ouvir dizer porque, na verdade, nunca trocou com o ex-presidente mais do que cumprimentos protocolares. Sondado pelo então ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos, durante temporada em que foi professor visitante na Califórnia, Barbosa apenas encontraria o ex-presidente por ocasião de sua nomeação, em 2003, e, eventualmente, em jantares formais no Itamaraty. Juiz implacável do mensalão, o ex-ministro era considerado, até a ascensão de Moro, o principal algoz do PT.

Barbosa não acredita que o partido abriria mão de lançar um candidato. "O PT é bem isso, né? São eles e mais ninguém, então acho que vão ter um candidato." Na semana anterior, o presidente do Tribunal Regional Federal da 4º Região, Carlos Eduardo Lenz, havia dito ao jornalista Luiz Maklouf Carvalho ("O Estado de S.Paulo"), antes de ler os autos das provas, que a sentença do juiz Sérgio Moro condenando o ex-presidente era "irretocável". O ex-ministro estranhou os termos, mas não se surpreendeu. Diz que a sentença, em condições regulares de tramitação, não impediria o ex-presidente de disputar, porque não haveria tempo hábil para condená-lo, mas vê a turma de Curitiba motivada a adiantar o relógio para pegá-lo: "Acho que ele não deveria ser candidato. Vai rachar o país ainda mais. Já está em idade de usufruir da vida e do dinheiro que ganhou com suas palestras. Só que o estão empurrando para ser candidato, com essa cruzada que o coloca contra a parede. É um ódio irracional esse que apareceu no país".

Ao PT, Rede e PSB somam-se no assédio lideranças evangélicas de todos os credos. Pastores da política o procuram desde 2014, quando ainda estava no Supremo. Para todos eles, Barbosa repete a toada de que ficou 11 anos sob os holofotes e está satisfeito com a vida que lhe possibilita por em dia a leitura e a releitura de Francis Fukuyama, Machado de Assis, Philip Roth, Balzac, Lima Barreto e a recém-descoberta Svetlana Aleksiévitch.

Quando está para convencer de que, de fato, quer se manter na advocacia, surge, ao citar os únicos homens públicos da história brasileira a lhe despertar admiração (José Bonifácio e Getúlio Vargas), a menção a um terceiro, contemporâneo, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB): "Ele me chamou atenção no pouco contato que tivemos. Foram, no máximo, três encontros no Supremo. Era o único que me procurava para falar de temas que interessavam ao Estado dele, como a organização da defensoria pública. A maioria só ia em busca de aval para burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal".

Depois de se submeter a um longo tratamento de um agressivo câncer na bexiga, o governador foi dado como curado em abril. Joaquim Barbosa não voltaria a encontrá-lo, mas a menção sugere um interesse de parceria que o ex-ministro não desautoriza: "Se eu entrasse nisso, iria chamá-lo".

O perfil de gestor de seu pretenso companheiro de chapa sugere a via Joaquim Barbosa. O ex-ministro defende um Estado "desengajado" de atividades econômicas e de empresas. Menciona bancos públicos, como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, mas não avança sobre a Petrobras: "É uma empresa complexa, de um setor estratégico, com um imenso 'savoir-faire' que não pode ser desprezado nem tratado com ligeireza".

Essa gente é tão sem escrúpulo que vai tentar impor o parlamentarismo para se perpetuar no poder e se proteger das investigações. Seria mais um golpe

Defende ainda a saída do Estado da condição de sócio majoritário de empresas. E diz que o paulatino desengajamento deve se pautar pela existência de grupos econômicos que possam adquirir ativos com cacife próprio: "Adquirir ativos públicos com recursos do Estado é algo inaceitável hoje. O Brasil precisa de uma dose de capitalismo de verdade, não esse capitalismo de Estado, à base de subsídio. É uma deformação, um componente do nosso patrimonialismo do qual precisamos nos livrar para que o Estado possa se dedicar às questões sociais. O Brasil, como diz a Constituição, é um país capitalista com preocupação social".

Barbosa subscreve a necessidade de reformas trabalhista e previdenciária, ainda que questione a legitimidade do atual presidente para conduzi-las: "São reformas importantes, talvez não com essa visão ultraliberal que se quer implantar, que mexem no cerne do pacto social, mas é muito grave que estejam sendo conduzidas por um governo que não foi respaldado pelo voto".

É favorável, por exemplo, à extinção do imposto sindical obrigatório, mas se queixa de que a proposta aprovada não trata com isonomia a contribuição patronal, que passou incólume no texto aprovado: "Tem muita velharia na CLT, mas há um certo desequilíbrio na ordem gerada. A democracia está baseada na ideia, sugerida por [Jean-Jacques] Rousseau de pacto entre as forças do trabalho e do capital. Esses dois polos têm suas instituições representativas. Não pode acabar com uma só".

Foi convencido da necessidade de se reformar a Previdência ao longo dos 41 anos que passou no setor público. Teve colegas que trabalharam como advogados a vida inteira e, nos últimos anos de carreira, ingressaram no serviço público em busca de uma aposentadoria integral. Esse benefício já foi extinto, mas Joaquim Barbosa diz que a mentalidade dos servidores do Estado ainda precisa, em grande parte, ser mudada. É favorável também ao estabelecimento de uma idade mínima para os trabalhadores do INSS, desde que uma transição resguarde os benefícios daqueles que começaram a trabalhar na adolescência. Como enfrentar as corporações, a começar daquelas do Judiciário?

"Com liderança política, um presidente forte, legítimo, fortalecido pelo voto popular. O Judiciário é a bola da vez, mas é apenas uma pequena parcela disso. Seus gastos não têm comparação com os excessos de subsídios."

Não acredita que 2018 será uma disputa entre aqueles que querem retirar direitos dos brasileiros e aqueles que pretendem restabelecê-los. Vê maior centralidade no debate sobre o tamanho do Estado e o compromisso com o combate à corrupção.

Das reformas em curso, aquela que mais teme é a política, particularmente pela possibilidade de vir a ser restabelecido o financiamento privado de campanhas, cuja proibição é um dos principais motivos de orgulho de sua passagem pelo Supremo. O ministro que conduziu o primeiro grande julgamento por corrupção da história brasileira reconhece a sobrevida de seu alvo ao resumir as razões pelas quais vê o país à deriva: "A principal causa é a corrupção, é a motivação número um para as vocações políticas no Brasil. O que motiva boa parte dos líderes é o acesso ao dinheiro. Por isso estão sedentos para reinstituir o financiamento privado".

É favorável a um financiamento público moderado e à redução do tempo de campanha a não mais que meia hora por dia de TV gratuita durante, no máximo, um mês. Diz que as redes sociais e a internet tornaram desnecessária a dispendiosa parafernália televisiva. Para um nome com o grau de conhecimento como o seu, a mudança parece inócua, mas não para novos atores que queiram ingressar na política. Na visão do ex-ministro, porém, a oxigenação da política não virá do dinheiro, mas do sistema eleitoral.

Se deixar, ele fala o resto do dia sobre virtudes e pecados de sistemas políticos além-mar. Manifesta-se favoravelmente ao voto distrital, puro ou misto, afeito à ideia de uma maior proximidade entre eleito e eleitor. Rechaça os argumentos contrários, um por um. Não haveria o risco de o desenho dos distritos ser manipulado para favorecer este ou aquele candidato? Cita, com intimidade, os casos judiciais nos Estados Unidos que contestam distritos, especialmente no Sul, cujo desenho teria sido feito para evitar uma concentração de eleitores negros suficiente para eleger representantes: "No Brasil, esta é uma falsa questão, um pretexto para deixar tudo como está. Era só botar o IBGE para trabalhar e montar esses distritos, mas eles não querem porque ameaça sua sobrevivência política".

Barbosa tem a convicção de que o experimento do voto majoritário no Brasil sacolejaria as oligarquias. Atribui ao voto proporcional a sub-representação urbana na Câmara dos Deputados e o poder excessivo de áreas menos dinâmicas do país sobre o conjunto da população. Aposta que as grandes metrópoles, divididas em distritos, aumentariam o multiculturalismo da representação.

Não parece desconhecer os riscos de se alterar uma cultura sedimentada de 70 anos de sistema proporcional, mas importa da França alternativas para mitigá-los, como o segundo turno que, naquele país, também vale para as eleições legislativas. A nova eleição é realizada entre tantos quantos obtiverem pelo menos 12,5% dos votos, o que, não raro, leva a uma segunda rodada triangular, que tende a fortalecer o eleito.

Joaquim Barbosa acompanhou de perto a eleição de Emmanuel Macron, a quem atribui a tentativa de mimetizar o primeiro dos presidentes socialistas da França: "François Mitterrand tinha um estilo extraordinário. Falava pouquíssimo, três vezes por ano: numa gruta, no interior do país, no 14 de julho [feriado da queda da Bastilha] e no fim do ano. Cumpria um ritual".

Rejeita a França como modelo do semi-presidencialismo que Temer e Gilmar propagam: "Foi um balão de ensaio que lançaram. Em 60 anos de 5ª República, a França só teve três experiências semi-presidencialistas. Lá é o presidente que manda mesmo". A despeito da admiração pelo feito eleitoral, tampouco vê chances, no Brasil, de se repetir o fenômeno que rendeu ao jejuno em campanhas não apenas a Presidência da República como também uma maioria na Assembleia: "A chave é a plasticidade do sistema, que não tem as mesmas camisas de força do Brasil. Lá se permite a candidatura avulsa e o presidente, que acabou de ser eleito, pode apresentar um candidato duas semanas antes da disputa legislativa para formar maioria".

Toda a plasticidade do sistema francês não evitou que o novo presidente derrapasse, na largada, ao tentar dar curso a um governo "de direita e de esquerda". Joaquim Barbosa ainda prevê mais recuos no governo Macron, a começar da proposta de se conferir um pouco mais de proporcionalidade ao sistema eleitoral, promessa de campanha: "Ele vai introduzir um elemento de instabilidade da qual o país está livre há 60 anos. De 1879 até 1958 a França trocava de gabinete a cada oito meses. Foi o voto majoritário que interrompeu isso".

A intimidade com a política francesa vem dos quatro anos e meio vividos no país durante os anos 90, quando doutorou-se na Universidade Panthéon-Assas. Foi o único período de sua vida em que pôde se dedicar inteiramente aos estudos. Mais velho dos homens de uma família de nove filhos, Joaquim Benedito Barbosa Gomes nasceu em Pacaratu, cidade na divisa de Minas com Goiás, em 7 de outubro de 1954. O pai, Joaquim, foi pedreiro ao longo de sua primeira infância. Quando o filho mais velho entrou na adolescência, já tinha um caminhão e depois, mais outro. Chegou a empregar umas dez pessoas, na lembrança do primogênito, um dos arregimentados para o serviço.

O primeiro emprego de carteira assinada do ex-ministro veio aos 17 anos, já em Brasília. Era uma empresa que prestava serviços terceirizados de limpeza ao Tribunal Regional do Trabalho. De lá foi para o "Correio Braziliense" e, depois, para o "Jornal de Brasília", onde trabalhou na composição. Pegou a transição do linotipo para o offset. A experiência serviu de passaporte para a gráfica do Senado: "Foi como ganhar na loteria. O salário era três vezes maior".

Não se importa que a biografia, corrigida, mitigue o apelo eleitoral do juiz que veio da pobreza. "É uma bobagem isso. Meu pai foi um microempresário que se ferrou na crise do milagre, mas eu entrei na classe média aos 19 anos, quando fui trabalhar no Senado." Trouxe toda a família para Brasília e dela virou arrimo. O pai morreu em 2010, mas os oito irmãos e a mãe ainda moram lá.

Trabalhava no Senado das 11 da noite às 6 da manhã. Saía direto para a UnB, onde cursou direito. Dormia à tarde e, no início da noite, ia para a biblioteca da universidade onde estudava enquanto aguardava a hora de entrar no serviço. Sua introdução à política foi a leitura dos discursos dos senadores Paulo Brossard, Franco Montoro e Itamar Franco.

Da gráfica do Senado, migrou para o Itamaraty, onde prestou concurso para oficial de chancelaria, emprego que lhe proporcionou a primeira temporada no exterior, Finlândia. A Escandinávia dos anos 70, para um rapaz do Brasil central que nunca tinha ido além do Rio de Janeiro, despertou a vontade de manter uma janela aberta para o exterior. Prestou concurso para diplomata, mas foi barrado na entrevista. Atribui a reprovação ao racismo, mas não se alonga nem volta ao tema ao longo da conversa.

O diploma de direito lhe trouxe o emprego de advogado do Serpro, empresa pública de informática, onde ficou quatro anos até o concurso para o Ministério Público Federal. Com a UnB, a chancelaria do Itamaraty e o MPF percorreria a mesma trajetória daquele que viria a se transformar no seu principal antagonista no Supremo. Além de Gilmar Mendes, sua turma ainda era formada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, hoje o maior rival do hiper-ministro.

De volta da França, estabeleceu-se no Rio. Passou a lecionar na UERJ, onde foi colega de Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. O primeiro é o ex-colega do Supremo de quem se manteve mais próximo. O segundo, com quem chegou a ter embates no julgamento dos embargos declaratórios do mensalão, chegou a chorar, meses atrás, ao pedir desculpas ao ex-ministro no plenário do Supremo quando a ele se referiu como "negro de primeira linha". A expressão, disse Barroso, tinha por objetivo "celebrar uma pessoa que havia rompido o cerco da subalternidade chegando ao topo da vida acadêmica", mas revelou um racismo que "se esconde no inconsciente".

O episódio, logo minimizado, mostrou o quanto muitas das arestas criadas em torno do ministro durante o julgamento da Ação Penal 470, se dissiparam. O mensalão produziu mais convergências entre Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa do que deste com Barroso. Longe da toga, o ex-ministro se manteve na militância anticorrupção, no que converge com Barroso, um dos ministros que mais tem se insurgido contra a operação-abafa Lava-Jato. Quem mudou de lado com o avanço da operação para além dos limites do PT foi Gilmar. Não por acaso ele e Barbosa ocupam o extremo na escala de popularidade de personalidades do mundo jurídico.

Ao deixar o Supremo precocemente, Joaquim Barbosa preservou-se do desgaste que o Judiciário hoje enfrenta pelos impasses da Lava-Jato e pelas vantagens extrateto acumuladas pela corporação. Como advogado, já não poderá mais ser acusado de jogar para a plateia se resolver arriscar a sorte nas urnas para completar com a primazia do negro a trilogia de um país que já passou pelos primeiros operário e mulher.

O implacável Antonio di Pietro, da operação Mãos Limpas, é o precedente mais próximo de magistrado que não foi capaz de levar para a política o romantismo da toga. Mas a hesitação de Joaquim Barbosa parece ter moto próprio. O filho, surpreendido há 14 anos quando o pai resolveu ir para o Supremo, já lhe pediu que não seja o último a saber se ele resolver entrar na parada. As pesquisas sugerem que Felipe não é o único a esperar pela definição.

No seu romance mais político ("Numa e a Ninfa"), o escritor brasileiro da predileção do ex-ministro, Lima Barreto, constrói no personagem de um deputado arrivista a síntese do que chama de "pavor nacional do dia de amanhã". É este o clima que invade a pré-campanha de 2018 num país bestializado pelo governo Michel Temer e pelo arregaço de suas instituições. Há mais de dez anos, a magistratura comanda o espetáculo com o qual a política tem um encontro marcado em 2018. Lima Barreto foi um dos melhores intérpretes de um país que transitou para a alforria e para a República, sem liberdade ou cidadania. Dizia que o Brasil não tem povo, tem público. É entre um e outro que Joaquim Barbosa parece hesitar.

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