quinta-feira, 28 de maio de 2020

Bolsonaro: delírio ou irresponsabilidade?

Lá vai Bolsonaro descendo a ladeira em aprovação e credibilidade. As pesquisas DataFolha publicadas nos dias 27, 28, 29, 30, 31 de maio e 1 de junho de 2020 mostram isto com clareza. Você poderá encontra-las no pé da página deste texto.

A menos de um ano e meio de exercício do mandato presidencial, não são as críticas da oposição a razão de suas dificuldades, mas as suas decisões, ações e palavras; esse comportamento, fartamente documentado, passou a suscitar até sérias dúvidas quanto à sua inabilitação para o cargo. 


O vídeo da reunião ministerial do dia 22/04/20 foi um divisor de águas, pois mostrou um presidente sem compostura, o que foi repudiado por 76% (*) da sociedade. Nele, com toda a clareza, Bolsonaro sintetizou a sua filosofia:

“Armar o povo - em nome da liberdade - contra o comunismo”.

Proclamou - e nos ameaçou -, assim, com a fina-flor do seu pensamento, com o objetivo de implantar um Estado totalitário e miliciano, de tipo venezuelano, contra um inimigo fantasmagórico.

Não importa que esse inimigo não seja real, pois já acabou a guerra fria; afinal, ainda não existem alguns partidos no Brasil que têm o nome "comunista" em sua sigla? Pouco importa que se saiba que sua existência seja uma homenagem à democracia e à liberdade de organização e pensamento consagrada pela Constituição de 1988; ou, mesmo, que não sejam aspirantes ao poder.  Bolsonaro, se vive no mundo real, sabe disso, mas o elevou ao grau de perigo iminente! Seria esse inimigo fantasmagórico necessário para unir e justificar as suas "tropas" de milicianos armados contra o mal? Esta história mal contada, entretanto, bate inteiramente com as suas posições mais do que conhecidas e documentadas de defensor da ditadura militar, da tortura e da eliminação de comunistas; e os "bolsonaristas de raiz" (**) pensam como ele. Mas são poucos e barulhentos.

Se Bolsonaro pretende lutar contra o risco de uma ditadura "comunista" por que não chama os democratas? Mas não, ele chama o apoio de correntes políticas radicais que têm como objetivo fechar o Congresso e o STF. Alguma coisa não bate, pois estas instituições são os símbolos maiores das liberdades democráticas; e, sem esses poderes rompem-se todas as premissas do Estado Democrático de Direito. E note-se, o que é muito importante, jamais abriu um debate democrático com a sociedade visando explicitar propostas em que críticas legítimas aos poderes legislativo e judiciário pudessem consubstanciar um conjunto de reformas para aperfeiçoa-los.

Dado que o seu pensamento contém uma lógica arrevesada, mais uma vez é lícito perguntar-se se a obscuridade de sua formulação é fruto de dissimulação estratégica ou de delírio. Cresce, portanto, o temor por sua inabilitação. Mas como não o levar a sério se suas decisões afetam a vida de milhões de brasileiros? Delírio ou racionalidade?

A maioria dos eleitores de Bolsonaro, os democratas que nele votaram para promover a alternância no poder e impedir que o PT voltasse ao governo, decepcionados, vêm que o presidente começou a trair os compromissos éticos de sua campanha. Este desvio de comportamento, e de discurso, já teve como consequência a saída do juiz Sergio Moro do governo porque não concordou com a intervenção na PF para proteger o seu clã, o que levou um imenso contingente de seus apoiadores a passar para a oposição. Agora o seu objetivo é transforma-la em polícia política na sua concepção miliciana de Estado. Conseguirá? Sabe-se que haverá muita resistência, porque a PF é uma instituição do Estado com elevado grau de autonomia, o que é essencial para o combate à corrupção.

Tudo isso já estava antecipado quando Bolsonaro fez um "acordão" com Maia e Toffoli para retirar o COAF do ministério da justiça, fragilizar o pacote anticrime apresentado por Moro, acabar com a prisão em 2ª instancia e criar o juiz de garantias. Mal sabiam os presidentes da Câmara e do STF que estavam ajudando a chocar o ovo da serpente! Este desvio da pauta ética exaustivamente proclamada culminou, agora, com a incorporação do Centrão ao governo e com a adesão ao toma-lá-dá-cá; claro, o Centrão cobra por antecipação; por isso o presidente já lhes entregou fundos públicos bilionários.

Todos estes fatos demonstram que Bolsonaro abandonou a pauta ética; o próprio juiz Sergio Moro declarou nestes dias que jamais o presidente esteve empenhado na luta contra a corrupção. O presidente comporta-se, agora, como um fugitivo da polícia e passou a dormir aterrorizado com o medo do seu afastamento por interdição (inabilitação) ou por impeachment (crime de responsabilidade). Tudo isso é lamentável! Inabilitação ou irresponsabilidade?

A pandemia se agrava! O presidente, somando-se ao coronavírus, maximiza o número de mortes. E coloca-se contra a ciência, ao influir junto aos seus eleitores para que descumpram o isolamento social; e obrigou o ministro interino da saúde Pazuello - após a demissão de Mandetta e Teich - a recomendar um medicamento condenado pelas autoridades de saúde. Por isso, a agonia será mais prolongada e se agravará a tragédia!

Além de ter perdido a oportunidade de unir o país em nome do valor da vida, como fizeram os demais chefes de Estado, divide o país e não demonstra qualquer empatia para com os doentes infectados e com as famílias dos já mais de 26.000 mortos. Psicopatia?

Em consequência, dificilmente se reelegerá em 2022, pois a maioria democrática - civis e militares - se unirá contra ele, tal como ocorreu com o PT em 2018. Bolsonaro, sabe disso; por isso, porque sabe contar votos, quer dar o golpe antes para estender o seu mandato.

Mas os militares conhecem a Bolsonaro melhor do que os civis. Não o seguirão em qualquer aventura contra a democracia, muito menos em seus delírios e irresponsabilidades.


Bolsonaro busca todos os pretextos para criar uma crise institucional, como está fazendo agora, ao mobilizar os seus radicais contra a investigação das Fake News pela PF, o que atinge em cheio tanto o “ministério do ódio” quanto a alguns dos seus mais íntimos seguidores e financiadores. Mas, quanto mais radicalizar, mais oposição e resistência despertará e mais estará próximo do seu limite e do seu fim. Provavelmente fracassará, por duas razões: porque não conseguirá dar o golpe; e porque todos esses erros, inclusive sua inabilitação, mais cedo ou mais tarde, lhe cairão no colo.

Em síntese, Bolsonaro não conseguirá o seu intento de promover um retrocesso democrático porque não contará com apoio. Quem o parará? A maioria dos brasileiros, que são democratas: os civis e militares que repudiam todo tipo de ditadura e só querem viver em um Estado Democrático de Direito!

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(*) Pesquisa DataFolha publicada em 27/05/2020:

Observe que a soma dos que consideraram as palavras do presidente Bolsonaro "Muito inadequadas" (61%) com os que consideraram "Um pouco inadequadas" (15%) é igual a 76%.




(**) Bolsonaro tem dois tipos de eleitores:
(1) os bolsonaristas de raiz, de extrema-direita, como ele, e que são nostálgicos da ditadura militar; estão entre 10 e 20 milhões de brasileiros; 
(2) os democratas que nele votaram para promover a alternância do poder e impedir que o PT voltasse ao governo. São a grande maioria dos seus eleitores, e estão entre 30 e 40 milhões de brasileiros.

Muitos que não votaram em Bolsonaro costumam recusar o fato de que milhões de eleitores de Bolsonaro sejam democratas; mas estão errados.

Por isso, para os fins dessa análise, democratas são os cidadãos que:
1. repudiam todo tipo de ditaduras, sejam elas de direita ou de esquerda; 
2. somente querem viver em um Estado Democrático de Direito.
Ser democrata não é monopólio dos que se situam à direita ou à esquerda do espectro político, e não são democratas os que desprezem as condições acima.

Como corolário, define-se como não-democratas, e de extrema-direita ou de extrema-esquerda, os que defendam regimes ditatoriais e que desprezem viver fora das premissas do Estado Democrático de Direito.


Da mesma pesquisa DataFolha, que corresponde a uma coleta telefônica de dados nos dias 25 e 26 de maio de 2020. O resultado dessa pesquisa foi publicado nos dias 27, 28, 29, 30 e 31 de maio e 1 de junho de 2020. Abaixo são apresentados alguns gráficos relevantes à argumentação desenvolvida no texto:

Pesquisa DataFolha publicada em 27/05/20 - lockdown e isolamento social

Pesquisa DataFolha publicada em 28/05/20 - avaliação do governo Bolsonaro

Pesquisa DataFolha publicada em 28/05/2020


Pesquisa DataFolha dia 29/05/20 - Avaliação do governo na pandemia

Pesquisa DataFolha publicada em 29/05/2020





Pesquisa Datafolha publicada em 30/05/20 - Negociação de cargos




Pesquisa DataFolha publicada em 31/05/2020 - Armamento da população

“Armar o povo - em nome da liberdade - contra o comunismo”. Declaração de Bolsonaro em 22/04/20.  O povo concorda? Vejamos o que diz a pesquisa:




domingo, 24 de maio de 2020

O valor fundamental da vida

O ser humano desenvolveu ao longo de milênios a ideia de que vive num ambiente que está separado dele e à sua volta; e de que, como centro do universo, a natureza estivesse apenas a seu serviço.

Na verdade, os humanos fazem parte do ambiente; dele surgem, o integram, nele interagem e o modificam. Como todos os demais seres vivos, animais ou plantas, surgiram da mesma natureza, e estão submetidos às mesmas leis naturais.


Em todo processo ocorrido na natureza ou na sociedade as forças naturais e as forças sociais interagem, exatamente porque pertencem ao mesmo ambiente.

As consequências das interações entre as forças sociais e naturais, podem ser positivas e benéficas, como, p.ex., quando construímos pontes, hospitais, aviões, celulares, computadores, etc. 

Mas essas consequências nem sempre são na direção desejada; por isso, precisamos sempre estar atentos aos impactos ambientais ao usarmos o gênio humano para compreender e usar as forças da natureza.

Pois podemos construir, também, armas de destruição em massa ou provocar o aquecimento global.

No caso da pandemia, que é um acontecimento natural de natureza biológica, podemos mitigar a ação letal do vírus, com o isolamento/afastamento social; ou podemos, como Bolsonaro e os que o seguem, nos somar à essa força natural e ajudar a aumentar o número de mortes.

Quem age assim está cometendo crime contra a humanidade, pois está se opondo ao valor fundamental da vida.

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Com quem ficarão os militares? Com a democracia ou com a barbárie?

As FFAA ficaram com uma batata quente nas mãos com a eleição de Bolsonaro.

Eles já o conheciam e, agora, no exercício da presidência, o conhecem melhor ainda, e mais do que todos nós civis.

Bolsonaro está sendo muito pior do que as suas piores expectativas! É o que estão dizendo os democratas que votaram nele para promover uma alternância no poder e impedir que o PT voltasse ao governo!


Os militares têm compreensão e amor pela ciência e tecnologia, pois foram, desde a antiguidade, os primeiros a usar os avanços do conhecimento para obter vantagens estratégicas na guerra. Os pacifistas, civis ou militares, ficam de cabelo em pé com este fato, mas é a realidade histórica.

Não surpreende que os militares republicanos, no século XIX, tenham sido influenciados pelo positivismo, filho do Iluminismo, que marcou, na Europa, o encantamento com a descoberta das leis da natureza e com a ciência. Esta influência permanece até hoje em sua formação. Napoleão, p.ex., começou a destacar-se, desde a academia militar, por seu talento na matemática, essencial para calcular trajetórias balísticas; embora não fosse um francês de raiz, pois era corso, foi, em sua época, o oficial que chegou mais jovem ao posto de general.

O positivismo acreditou, neste ambiente, que se poderia, também, com o seu método, compreender melhor as relações sociais e, quem sabe, deduzir as próprias leis do desenvolvimento histórico. Neste sentido o positivismo é primo-irmão do marxismo.

Pois bem, voltemos a Bolsonaro. No segundo turno, a maioria dos militares votou em Bolsonaro. Este passara 28 anos de deputado federal como uma espécie de “sindicalista”, panfletando nas portas dos quartéis em defesa dos seus soldos e demais interesses corporativos. Era um tipo meio folclórico, por seu comportamento radical, e porque fora “expulso” do exército por indisciplina e por suas posições políticas de extrema-direita. O cenário dessa atuação se dá entre o período em que ainda vivíamos sob a ditadura militar até sua eleição em 2018. 

Mas a marca politica do seu discurso, e de sua atuação, no exercício dos mandatos parlamentares, ideologicamente, sempre foi o da defesa da ditadura, da tortura, da eliminação de comunistas, da defesa das armas e da intimidade que desenvolveu com as milícias paramilitares do Rio de Janeiro. Nesta visão de mundo formou seus filhos, e moldou a forma como agem e pensam, e pelas consequências, para o bem ou para o mal, do que lhes irá acontecer na justiça.

Este Bolsonaro não tem qualquer apreço pela democracia e pelo Estado Democrático de Direito. Ultimamente, porque não quer assumir o risco de disputar, e perder, as eleições de 2022, decidiu dar o golpe para estender o seu mandato. E é aí que a coisa começou a “pegar” na sua relação com os militares.

Naturalmente, a vitória de Bolsonaro foi saudada com júbilo pelos militares. Muitos foram chamados para assumir responsabilidades de governo e para assumir cargos estratégicos como ministros. Como profissionais capacitados e treinados estão orgulhosos. E óbvio, seus rendimentos aumentaram. Quem, honestamente, não gosta disso, particularmente se consideram lícito e merecido?

Mas uma coisa é o que Bolsonaro quer, sob a influência de figuras saídas das trevas, como Olavo de Carvalho, Steve Bannon, e do seu “gabinete do ódio”. Outra coisa são os compromissos e os valores dos militares com a democracia e com o Estado de Direito Democrático.

O que Bolsonaro tenta conformar? Um Estado miliciano apoiado em forças paramilitares, no envolvimento das PMs, da inteligência das forças armadas, da institucional - o GSI - e, por último, da PF, fechando o círculo de um aparato repressor institucional. Não é muito inovador, reproduz o que já existiu durante a ditadura; a novidade seria a cooptação das milícias urbanas envolvidas com o crime.

Este é o plano da extrema-direita, mas não é o dos democratas civis ou militares. Para este plano dar certo, há, entretanto, uma condição. A de que a sociedade, majoritariamente, concorde em “fechar” o Congresso e o STF! Por isso o estímulo e o apoio que o presidente dá às manifestações em praça pública e em Brasília. Sem isso, o plano perde a sua viabilidade e ele não pode usar o seu poder institucional para dar o golpe. Mas ele já começou, insistentemente, a chocar o ovo da serpente!

O seu plano está perdendo viabilidade e as suas manifestações começaram a ficar pífias, como a de ontem, 17/05/20, em Brasília. Porque?

Surgiu uma estranha ocorrência da natureza, a pandemia do coronavírus. Ela tornou evidente a inabilitação de Bolsonaro para o papel de presidente a que circunstâncias únicas de nossa história o conduziram. Isso os cidadãos esclarecidos já sabiam, mas, na torcida por um Brasil melhor, por um momento, até se esforçaram para esquecer em respeito à institucionalidade democrática.

À pandemia, simultaneamente, se soma a grave recessão econômica, a quebra das empresas e o desemprego.

Mais do que nunca precisamos de união e da liderança de um estadista. Isto é tudo o que Bolsonaro não é. Pior, por sua ação, virou ele mesmo um grave problema sanitário, aumentando o número de mortes.

Volto ao tema inicial. Com quem ficarão os militares? Do lado do conhecimento, da ciência e da democracia? E porquê não dizer, da tolerância, do diálogo, do respeito, da moral, da ética, e da elegância? Ou escolherão a barbárie?

domingo, 17 de maio de 2020

À sombra da Saúde e da Justiça

Até agora Bolsonaro não nomeou o novo ministro da saúde. O ministério está acéfalo; é como estarmos em uma guerra sem um general comandante.

Não está sendo fácil para Bolsonaro nomear um novo ministro que siga seus dois princípios: (1) adotar o isolamento vertical, com a volta imediata de TODAS as atividades econômicas, deixando confinados apenas os idosos com comorbidades; (2) adotar a hidroxicloroquina (ou a cloroquina) desde as fases iniciais do tratamento.


Por que não está sendo fácil indicar o novo ministro? 1. Porque essas políticas contrariam a ciência e não são aceitas pelas comunidades nacional e internacional de saúde; 2. Porque não encontra qualquer profissional médico respeitável disposto a adotar essas políticas; 3. Porque a esmagadora maioria da população apoia as medidas que vinham sendo adotadas por Mandetta e por Teich; 4. Porque as FFAA não estão dispostas a endossar estas medidas, pois nomear um general para o MS significaria dar esse endosso que não querem dar; 5. Finalmente, porque não une o seu próprio ministério, pois, além de Mandetta e Teich, lembremo-nos que Moro também não apoiava o presidente nisso; e existem, ainda, outros ministros que não apoiam.

O presidente está no mato sem cachorro com sua ação criminosa, irresponsável e voluntarista. Está isolado na comunidade nacional e internacional porque, diante da tragédia do coronavírus, tornou-se, também, um problema sanitário causador de mais mortes. Cria, com isso, uma crise política, podendo transformá-la em crise institucional.

Se não bastasse, agora atua como um fugitivo da polícia, com medo da justiça, da PF e do STF.

sábado, 16 de maio de 2020

O que o General Mourão não disse?

O artigo do Gal Mourão, vice-presidente da república, “Limites e Responsabilidades”, publicado no último dia 14/05/20 no Estadão, está merecendo a atenção devida.

Bem escrito, continuará sendo objeto de análise, pois, certamente, Mourão quis dar o seu recado. Foi em boa hora e oportuno. Tenhamos, a partir de cada uma de nossas óticas particulares, gostado, ou não, do seu posicionamento, ele nos traz informações sobre como pensa.

O vice-presidente Hamilton Mourão Foto: Dida Sampaio/Estadão 

Entretanto, ele não disse tudo o que pensa; e não disse, também, o que não pensa, pois não é um puxa-sacos. Portanto, tomarei a liberdade de especular sobre o que ele realmente pensa sobre Bolsonaro, mas que não pode dizê-lo por sua posição e responsabilidade.

Pois bem, temos sido testemunhas das dezenas de vezes em que já foi obrigado a sair em campo para “explicar” falações atrapalhadas de Bolsonaro para livra-lo de situações aflitivas. Ele sabe, pensa e acha, que o presidente é um trapalhão!

Vivemos a tragédia da pandemia. Quase a totalidade dos chefes de Estado, diante da guerra contra o vírus, no melhor ensinamento de Churtill, apenas prometendo a verdade, “sangue, suor e lágrimas”, vêm liderando suas nações, e unindo-as, em defesa da vida. Suas popularidades, em geral, ascenderam a níveis superiores às que tinham antes da pandemia! Bolsonaro, ao contrário, coloca-se contra a ciência, a comunidade de saúde, os governadores e prefeitos e substituiu, em plena guerra contra o coronavírus, pela 2ª vez, os seus “generais comandantes” - Mandetta e Teich - em pleno teatro de batalha. E tornou-se, tanto quanto o vírus, um grave problema sanitário. Perdoem-me, há quem discorde, mas tenho certeza que Mourão e os demais generais que estão na tropa, não têm mais qualquer respeito pelo tirocínio do presidente.

Sairemos, sabe-se quando, desta crise, chorando os nossos mortos e, junto com todos os países do mundo, no que poderá ser a maior recessão econômica de nossa história. Precisamos de estadistas, união e liderança!

Enquanto isso, Bolsonaro só pensa em ser um ditador, fechar o Congresso, o STF, armar o povo; e estimular grupos paramilitares a ocuparem, armados, a Explanada dos Ministérios, que propõem, sem eufemismos, que dê um golpe militar.

Mourão concorda com isso? Será que o seu pensamento é uma visão totalitária, militarista e corporativista? E que menospreza os 35 anos de democracia que já vivemos e o Estado Democrático de Direito?

Espero que não! Espero que essa seja a essência do que Mourão não disse!

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Íntegra do artigo "Limites e Responsabilidades"

Antonio Hamilton Martins Mourão* - O Estado de S.Paulo
14 de maio de 2020 | 03h00

A esta altura está claro que a pandemia de covid-19 não é só uma questão de saúde: por seu alcance, sempre foi social; pelos seus efeitos, já se tornou econômica; e por suas consequências pode vir a ser de segurança. A crise que ela causou nunca foi, nem poderia ser, questão afeta exclusivamente a um ministério, a um Poder, a um nível de administração ou a uma classe profissional. É política na medida em que afeta toda a sociedade e esta, enquanto politicamente organizada, só pode enfrentá-la pela ação do Estado. 

Para esse mal nenhum país do mundo tem solução imediata, cada qual procura enfrentá-lo de acordo com a sua realidade. Mas nenhum vem causando tanto mal a si mesmo como o Brasil. Um estrago institucional que já vinha ocorrendo, mas agora atingiu as raias da insensatez, está levando o País ao caos e pode ser resumido em quatro pontos. 

"Com sensibilidade das mais altas autoridades é possível superar a grave situação que vive o País"

O primeiro é a polarização que tomou conta de nossa sociedade, outra praga destes dias que tem muitos lados, pois se radicaliza por tudo, a começar pela opinião, que no Brasil corre o risco de ser judicializada, sempre pelo mesmo viés. Tornamo-nos assim incapazes do essencial para enfrentar qualquer problema: sentar à mesa, conversar e debater. A imprensa, a grande instituição da opinião, precisa rever seus procedimentos nesta calamidade que vivemos. Opiniões distintas, contrárias e favoráveis ao governo, tanto sobre o isolamento como a retomada da economia, enfim, sobre o enfrentamento da crise, devem ter o mesmo espaço nos principais veículos de comunicação. Sem isso teremos descrédito e reação, deteriorando-se o ambiente de convivência e tolerância que deve vigorar numa democracia. 

O segundo ponto é a degradação do conhecimento político por quem deveria usá-lo de maneira responsável, governadores, magistrados e legisladores que esquecem que o Brasil não é uma confederação, mas uma federação, a forma de organização política criada pelos EUA em que o governo central não é um agente dos Estados que a constituem, é parte de um sistema federal que se estende por toda a União. 

Em O Federalista – a famosa coletânea de artigos que ajudou a convencer quase todos os delegados da convenção federal a assinarem a Constituição norte-americana em 17 de setembro de 1787 –, John Jay, um de seus autores, mostrou como a “administração, os conselhos políticos e as decisões judiciais do governo nacional serão mais sensatos, sistemáticos e judiciosos do que os Estados isoladamente”, simplesmente por que esse sistema permite somar esforços e concentrar os talentos de forma a solucionar os problemas de forma mais eficaz. 

O terceiro ponto é a usurpação das prerrogativas do Poder Executivo. A esse respeito, no mesmo Federalista outro de seus autores, James Madison, estabeleceu “como fundamentos básicos que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário devem ser separados e distintos, de tal modo que ninguém possa exercer os poderes de mais de um deles ao mesmo tempo”, uma regra estilhaçada no Brasil de hoje pela profusão de decisões de presidentes de outros Poderes, de juízes de todas as instâncias e de procuradores, que, sem deterem mandatos de autoridade executiva, intentam exercê-la. 

Na obra brasileira que pode ser considerada equivalente ao Federalista, Amaro Cavalcanti (Regime Federativo e a República Brasileira, 1899), que foi ministro de Interior e ministro do Supremo Tribunal Federal, afirmou, apenas dez anos depois da Proclamação da República, que “muitos Estados da Federação, ou não compreenderam bem o seu papel neste regime político, ou, então, têm procedido sem bastante boa fé”, algo que vem custando caro ao País. 

O quarto ponto é o prejuízo à imagem do Brasil no exterior decorrente das manifestações de personalidades que, tendo exercido funções de relevância em administrações anteriores, por se sentirem desprestigiados ou simplesmente inconformados com o governo democraticamente eleito em outubro de 2018, usam seu prestígio para fazer apressadas ilações e apontar o País “como ameaça a si mesmo e aos demais na destruição da Amazônia e no agravamento do aquecimento global”, uma acusação leviana que, neste momento crítico, prejudica ainda mais o esforço do governo para enfrentar o desafio que se coloca ao Brasil naquela imensa região, que desconhecem e pela qual jamais fizeram algo de palpável.  

Esses pontos resumem uma situação grave, mas não insuperável, desde que haja um mínimo de sensibilidade das mais altas autoridades do País. 

Pela maneira desordenada como foram decretadas as medidas de isolamento social, a economia do País está paralisada, a ameaça de desorganização do sistema produtivo é real e as maiores quedas nas exportações brasileiras de janeiro a abril deste ano foram as da indústria de transformação, automobilística e aeronáutica, as que mais geram riqueza. Sem falar na catástrofe do desemprego que está no horizonte. 

Enquanto os países mais importantes do mundo se organizam para enfrentar a pandemia em todas as frentes, de saúde a produção e consumo, aqui, no Brasil, continuamos entregues a estatísticas seletivas, discórdia, corrupção e oportunismo. 

Há tempo para reverter o desastre. Basta que se respeitem os limites e as responsabilidades das autoridades legalmente constituídas. 


* ANTONIO HAMILTON MARTINS MOURÃO É VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA

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Abaixo, dois materiais com o pensamento de dois generais palacianos, um do Gal Braga Neto, ministro da Casa Civil; outro, do  Gal Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo. Eles apresentam o pensamento de dois militares palacianos, não necessariamente o das Forças Armadas.

(1) Gal Braga Neto

(2) Luiz Eduardo Ramos














quinta-feira, 14 de maio de 2020

Seremos o epicentro da pandemia?

Bolsonaro realmente ama Trump. Não vai deixá-lo na mão.

Observem a curva “United States” em vermelho. Trump lidera o país com o maior número de mortes por dia.

Mas, firmemente, em número de mortes, lá vai o Brasil subindo, na curva também em vermelho. Enquanto os EUA e os demais países já estão descendo, nós vamos subindo, com a ajuda decisiva - e criminosa - de Bolsonaro.

Mas parceria é parceria, Bolsonaro não vai deixar Trump mal! Em algum momento, nos próximos dias, a curva ”Brazil” poderá alcançar a curva “United States”.

Seria como a passagem do bastão numa corrida olímpica de revezamento? Só que o bastão significará que o Brasil substituirá os EUA, e passará a ter o maior número de mortes por dia no mundo! Ou seja, se tornará o epicentro da pandemia!


domingo, 10 de maio de 2020

Por que Bolsonaro quer uma ditadura?

É um dever dize-lo, Bolsonaro quer uma ditadura. Duas são as razões: (1) ele não é um democrata; (2) sabe que não se reelegerá em 2022.

A segunda razão, porque os democratas, inclusive os que nele votaram em 2018, se unirão contra ele em 2022.

Ninguém tem bola de cristal, mas a melhor maneira de enfrentar Bolsonaro é compreender exatamente como ele pensa e o que ele quer, e reagir, pois trata-se de defender a democracia sem desânimo ou pessimismo covarde.


Por que não é provável que Bolsonaro consiga o seu intento? (1) porque a maioria dos brasileiros não desejam uma ditadura; desde 1985, já são 35 anos de democracia, o mais prolongado período de nossa história republicana e, depois da promulgação da Constituição de 1988, foram criados os pesos e contrapesos para a defesa do Estado Democrático de Direito; (2) porque Bolsonaro não conseguiu cooptar as forças armadas para o seu projeto totalitário; mais provável que não o consiga; (3) porque lhe falta moral e respeito, mesmo na extrema direita, para conseguir liderar um golpe de estado.

Mas é necessário detalhar melhor a segunda razão de Bolsonaro para querer dar um golpe. Bolsonaro, que sabe contar votos, também sabe que não se reelegerá; se for ao 2º turno perderá para qualquer outro concorrente, como perderia Haddad contra qualquer outro adversário que o enfrentasse no 2º turno; embora não seja confortável para os apoiadores deste admiti-lo, em 2018 uniram-se contra ele todos os que desejavam a alternância do poder e impedir que o PT voltasse ao governo.

Como já aconteceu com Haddad, o mesmo acontecerá com Bolsonaro em 2022. A maioria dos eleitores democratas se unirá contra ele, incluídos a maioria dos seus eleitores de 2018.

Por isso, porque não é um democrata, quer dar o golpe antes para estender o seu mandato, pois não quer correr o risco de perder. Paradoxalmente, o seu modelo é o da Venezuela. Ele quer um Estado miliciano, autoritário, e sem liberdades civis. Condição para isso, é que, como na Venezuela, ele lhe tenha o Congresso e o STF servis. Por isso, apoia o fechamento desses poderes para depois reabri-los devidamente “formatados” ao seu projeto.

Conseguirá? Este é outro problema. Os democratas não o apoiarão, inclusive os seus eleitores democratas, que já o estão abandonando. Com a saída de Moro, perdeu a bandeira da ética e, doravante, se verá envolvido em processos judiciais. Mas Bolsonaro investe e deposita a esperança de que os seus generais palacianos, paraquedistas como ele, terão influência nas forças armadas suficiente para levá-las à aventura do golpe; até agora não obteve este apoio.

O risco maior, para ele, se continuar a tentar dar o golpe, é ser afastado - isolado da maioria democrática e das FFAA - pela aplicação das normas legais e constitucionais.

A pandemia e a grave recessão que lhe segue, exige a liderança de um estadista, tudo o que Bolsonaro não é.

É tão grave o comportamento de Bolsonaro, tendo ele mesmo se tornado um problema sanitário, maximizando o número de mortes, que corre o risco de ser afastado por “interdição”, sem impeachment sem nada!

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Os democratas estão de volta às ruas!

Sabemos que diante de ações de desrespeito que nos agridem, tanto pessoalmente, ou aquelas praticadas por agentes políticos contra as instituições democráticas e contra o bem comum, a pior estratégia é a de fingirmos que nada está acontecendo.

O agressor, se não lhe colocarmos limites, continuará a sua escalada. Alguns, se não forem parados com a devida resposta correta e equilibrada, e se deixados impunes, pensarão, mesmo, que lhes foi dado o direito divino de delinquir.

Podemos até perdoar os transgressores, às vezes é a primeira pena que lhes podemos atribuir; exatamente, o perdão, se houver arrependimento sincero. Mas, sempre, mesmo que tenhamos paciência e prudência, a melhor resposta e estratégia é lhes mostrar os devidos limites; sabem disso todos os que já foram alvo de violência ou arbítrio!

É o que está acontecendo com Bolsonaro em sua escalada. Pensa que tem o poder de nos calar, e se torna cada vez mais agressivo. O Congresso está fazendo o seu papel. O STF está fazendo o seu papel. Mas os cidadãos, corretamente, estão guardando o isolamento/distanciamento social em respeito ao valor maior da vida diante da pandemia do coronavirus. Estamos em casa; enquanto isso, ele está levando os seus radicais para a rua em apoio a um golpe militar, e ao fechamento do Congresso e do STF.

Continuaremos sem ir às ruas enquanto o mais elementar compromisso e respeito com o valor da vida nos aconselhar. Mas não estamos passivos nem acovardados. Está em ebulição, e presente, nas nossas consciências, e nas redes, a nossa indignação. Somos milhões, democratas, simplesmente, a maioria dos brasileiros!

Precisamos, entretanto, dar um passo à frente. Já estamos muito ativos nas redes sociais, mas é necessário abrir a discussão sobre o que podemos fazer a mais.

Transcrevo, abaixo, a proposta de Walmyr Buzatto para a volta dos democratas às ruas. Ela é criativa e responsável, e tem o mérito de poder ser implantada rapidamente usando o poder das redes. Eis sua formulação inicial, pensando em São Paulo, mas que vale para qualquer recanto do país: 

“Não podemos nos aglomerar nas ruas. Não podemos ir à Paulista, em Sampa, para protestar, mas podemos sair na frente de nossas casas, de nossos prédios, em horário combinado, mantendo distanciamento social, protegidos, mas deixando claro que não compactuamos com o que Bolsonaro faz na presidência e queremos que ele saia.” A experiência começou no dia 14/05/2020, como abaixo. Mas pode ser repetida sempre que for combinada. O grupo "Vamos pra Rua!", surgido em Brasília, já o adotou.


Não importa qual seja a sua posição pessoal a favor, ou não, do afastamento de Bolsonaro, o que nos une neste movimento é sermos democratas, repudiarmos todo tipo de ditaduras e somente querermos viver sob um Estado Democrático de Direito. E é dentre os que defendam estas premissas que se abre esta discussão.

No dia 14/05, às 20:30, começou esta experiência para os democratas voltarem às ruas e soltar o seu #ForaBolsonaro! represado no peito.

O importante é que as ruas, novamente, sejam recuperadas pelos democratas. Nada mais justo e correto, pois somos a maioria dos brasileiros; somos dezenas de milhões de cidadãos e patriotas!

Estamos em defesa da democracia e da vida! Por isso estamos respeitando o isolamento e o afastamento social. Pois bem, essa é uma proposta. Certamente, os cidadãos desenvolverão, criativamente, e de forma espontânea e responsável milhares de outras alternativas.

O importante é que os democratas voltem a ocupar as ruas!