terça-feira, 2 de junho de 2020

O que é ser Democrata?

Como definir o que é ser democrata? (*) 

Para os fins dessa análise, democratas são os cidadãos:
  1. Que repudiam todo tipo de ditaduras, sejam elas de direita ou de esquerda;
  2. Que somente queiram viver em um Estado Democrático de Direito.
Ser democrata não é monopólio dos que se situem à direita ou à esquerda do espectro político, e não são democratas os que desprezem as condições acima.

Portanto, como corolário, define-se como não-democratas, de extrema direita ou de extrema esquerda, os cidadãos que defendam regimes ditatoriais para o seu país, e que desprezem viver fora das premissas do Estado Democrático de Direito.

Os cientistas políticos e sociais talvez prefiram definições mais acuradas e completas do que seja ser democrata e queiram relativizar, por país e por tradições histórico-político-culturais estas definições. Mas não tem jeito, se não satisfizerem às duas condições acima, não estarão definindo o que seja ser democrata. As pessoas, ao se pensarem como democratas, talvez não digam para si mesmas: “eu sou democrata porque repudio todo tipo de ditaduras e só quero viver em um estado democrático de direito”. Mas não tem jeito, se defenderem ditaduras e não tiverem apreço por viver em um Estado Democrático de Direito, não são democratas.

Vejamos outra distinção importante nos nossos dias para o debate sobre o que seja ser democrata: a do ser civil ou militar.

100% dos brasileiros são civis ou são militares. Quem é civil não é militar, e vice versa. Na figura abaixo, a área à direita da linha branca representa os militares; à esquerda, os civis. A percentagem de militares é bem menor do que a de civis; observe que na figura a área que representa a população de militares, para fins de melhor visualização, está superdimensionada.


Democratas são o subconjunto dos brasileiros, civis ou militares, representados em azul; são a maioria. Os não-democratas, civis ou militares, representados em cinza, completam os 100% dos brasileiros; são a minoria. Muito mais pode e deve ser dito sobre o assunto. Mas essa ilustração gráfica, por ser lógica e intuitiva, aqui está registrada para abrir o debate.

Naturalmente, outras distinções são importantes para levar adiante o entendimento sobre o que seja ser democrata. Acima, utilizamos a distinção esquerda/direita. Portanto, essa caracterização clássica exige, também, a consideração de um centro democrático.

Em uma outra vertente, alguns apontam a inadequação dos conceitos esquerda e direita políticas para pensar a realidade politica, econômica e social na atual etapa do desenvolvimento científico e tecnológico da humanidade. Provavelmente estejamos às vésperas de surgir uma nova ciência política, e sociologia, propiciada pela abundante existência de informações e de recursos computacionais para tratá-las. Isto daria surgimento a uma nova sociedade democrática organizada em redes e novas relações sociais, com a predominância do estudo e do trabalho à distância. Fique o registro respeitoso. Como isso mudará o nosso conceito de democracia?

Outras distinções, ainda, para caracterizar os democratas, podem e devem ser feitas por classes ou camadas sociais, por nível de renda, regionais, etc. Todas, desde que tenham base empírica, são necessárias para entender o que são, onde estão e como pensam os democratas no Brasil. Esta é uma tarefa para os nossos cientistas sociais.

Uma importante distinção nos dias de hoje volta-se para entender o eleitor de Bolsonaro. Para os fins desta análise eles são, basicamente, de dois tipos: 
  • os bolsonaristas de raiz, de extrema-direita, como ele, e que são nostálgicos da ditadura militar; estão entre 10 e 20 milhões de brasileiros;
  • os democratas que nele votaram para promover a alternância do poder e impedir que o PT voltasse ao governo. São a grande maioria dos seus eleitores, e estão entre 30 e 40 milhões de brasileiros. 
Muitos dos não eleitores de Bolsonaro, ou seja os que compareceram às urnas e votaram em outros candidatos, nulo ou branco, costumam recusar o fato de que milhões de seus eleitores sejam democratas; mas estão errados. Os extremos praticam na política o “nós contra eles”. Colocam-se como referência do mundo e atribuem-se a si mesmos o monopólio do que seja o bom, o bonito, o moral, o ético e as boas qualidades. Claro, para quem pense assim, o adversário só poderá ser a representação, mesmo que apenas imaginária, e fantasmagórica, do que julgam ser as piores qualidades.

Valho-me, para ilustrar, do pertinente comentário do ex procurador da Lava-Jato Dr. Carlos Fernando dos Santos Lima:
”Para a extrema direita, o que está à esquerda é comunista. Para a extrema esquerda, o que está à direita é fascista. É preciso deixá-los gritando sozinhos...”
Claro, a realidade é muito mais complexa, e entre os extremos existem muitos matizes e diversidade. A que nos interessa neste texto são as várias tonalidades com que se manifesta o pensamento político democrático, e uni-los neste ideário, para salvar e fortalecer a própria democracia.

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(*) Os conceitos liberal e marxista sobre ditadura podem convergir. De forma sintética:
  1. Para os liberais, ditadura significa um regime de excessão, com o rompimento com o Estado Democrático de Direito e com a Constituição;
  2. Para os marxistas, o conceito de ditadura (**) apresenta-se atrelado ao conceito de hegemonia de uma classe. Assim, no capitalismo, o Estado Burguês expressaria a hegemonia política da classe burguesa que exerceria o seu poder na forma de uma ditadura da burguesia; da mesma forma, no socialismo, o Estado Proletário, expressaria a hegemonia politica do proletariado, que expressaria o seu poder político na forma de uma ditadura do proletariado. Mas Marx, como os liberais, jamais propôs que a transição socialista para o comunismo configurasse um regime de excessão monopartidário, ou, mesmo, a eliminação das eleições que permitisse a alternância do poder pelo voto. No comunismo, fase superior do socialismo, desapareceria o próprio Estado, e as próprias classes, deixando de haver qualquer forma de ditadura. 
Repita-se, em nenhum momento, em qualquer de seus textos, Marx teria proposto um sistema monopartidário, ou a coerção das liberdades civis, mormente as de organização política e a alternância do poder político pelo exercício do direito de voto. 

Não se negue, entretanto, que o modelo soviético implantado após a revolução russa de 2017, e seguido após pelas demais experiências do socialismo, em toda parte do mundo, obedeceram ao modelo político do partido único e de severas restrições às liberdades civis, inclusive “sobre” o próprio proletariado. Por esta exata razão, mas não pela formulação de Marx, comunismo entrou para o imaginário popular, e mesmo para correntes significativas que se alinham à  esquerda democrática, como a expressão da extrema esquerda no espectro político.

O fato é que, ainda hoje, no Brasil e no mundo, se digladiam, com maior ou menor importância, como fantasmas do tempo da guerra fria, correntes de extrema direita e da extrema esquerda que não têm grande apreço prático-concreto pelo valor da democracia e com o Estado Democrático de Direito.

(**) A expressão ditadura do proletariado já aparece no  Manifesto ComunistaMarx & Engels - Manifesto do Partido Comunista. 1848.

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