sábado, 4 de fevereiro de 2023

Se Bolsonaro não conseguiu dar o golpe que tentou dar é porque jamais teve força para dar

Bolsonaro sonhou em governar como ditador com marcas fascistas. Os seus apoiadores extremistas compraram esta ideia, acamparam em frente aos quartéis e acreditaram que as Forças Armadas sairiam para assumir, pela força, um Poder Moderador inconstitucional. Neste ativismo totalitário consumiu todo o seu mandato; finalmente, ameaçou não reconhecer o resultado das urnas se este lhe fosse desfavorável, e deixou a comunidade democrática nacional e internacional de sobreaviso.

Este texto, baseado na lógica e nos fatos, é de otimismo e de esperança nas perspectivas de nossa democracia. Vejamos:
  1. Bolsonaro sempre quis dar o golpe; e tentou dá-lo; sua última tentativa foi em 8/01/23; não conseguiu, mas continuará querendo dá-lo;
  2. Os extremistas que o apoiam, frustrados e inconformados, ainda o apoiarão em outras aventuras;
  3. A chave para esta análise é separar o golpe que Bolsonaro tentou dar, e que ainda gostaria de dar, do golpe que não teve nem terá força para dar;
  4. Se Bolsonaro não conseguiu dar o golpe que tentou dar é porque jamais teve força para dar.
Os fatos demonstraram que Bolsonaro não conseguiu dar o golpe porque se impôs o poder e a vontade das forças democráticas: cidadãos, instituições democráticas do Estado e a cadeia de comando das Forças Armadas comprometida majoritariamente com a Constituição e com a legalidade (*). E foi de grande importância o peso da comunidade democrática internacional, vigilante, a apoiar a democracia brasileira.

Projeto de Oscar Niemayer

Mas porque tantos se recusam a aceitar essa realidade? Razões cognitivas, desinformação ou porque resistem emocional ou subjetivamente a aceitar os fatos. Contrários ou a favor do golpe, muitos veem a política como o império da esperteza e da dissimulação, como uma “guerra por outros meios”, e sentem-se justificados a defender e expressar suas posições por meio de opiniões e narrativas sabidamente fakes, desde que as vejam como convenientes para a fragilização de seus adversários. Os extremistas, além disso, chegam a ver os seus adversários como inimigos a serem destruídos.

O que nos diz a observação factual da política brasileira? Que existe um campo democrático majoritário na sociedade, e que este campo saiu fortalecido das eleições de 2022, em todos os cargos políticos, tanto nos poderes executivo e legislativo federal como nos estaduais.

Para os fins desta análise, o Campo Democrático é definido como o conjunto dos cidadãos que (1) repudiam todo tipo de ditadura e que (2) só querem viver em um Estado Democrático de Direito (**).

O campo democrático não é algo abstrato ou hipotético. Ele é concreto e formado, fundamentalmente, por cidadãos de dois tipos que, neste texto, são distinguidos por duas denominações: Democratas radicais e Democratas conservadores (***).

Os democratas estão em todos os setores da sociedade e ocupam majoritariamente o poder político em todas as instâncias. Sobretudo, o campo democrático demonstrou que possui a força institucional e política para derrotar todas as tramas antidemocráticas, tal como foi a tentativa de golpe do trágico 8/01/23, como a que agora está sendo protagonizada pelo senador Marcos do Val, e como às que ainda serão intentadas por irredutíveis extremistas.

Se faz necessário, sem dúvida, que sejam aperfeiçoados os mecanismos jurídicos e legais para defender a democracia.

Se impõe, por isso, que saibamos tirar todas as consequências desta compreensão de que os democratas venceram as eleições. Em primeiro lugar, que a grande maioria dos democratas, sejam eles radicais ou conservadores, votaram tanto em Lula quanto em Bolsonaro nos 1º e 2º turnos das eleições presidenciais de 2022, à exceção dos democratas que preferiram votar nulo ou branco ou se abster. Em segundo lugar, que nenhum cidadão ou partido do campo democrático possui o monopólio de “ser democrata” e, muito menos, de que pode arrogar-se ser mais democrata do que outro.

Muitos levarão algum tempo para aceitar essas conclusões. Mas esta compreensão nos permitirá derrotar os extremistas e dar vez, com generosidade, à pacificação indispensável para inaugurar uma nova e necessária convivência democrática. 

E será com essa compreensão, apoiados no conhecimento, na ciência e na cultura, que poderemos retomar o progresso, promover a prosperidade, erradicar as nossas misérias e superar, unidos, os nossos grandes problemas.

Os que, à esquerda ou à direita, defendem ditaduras e não têm apreço por viver em um Estado Democrático de Direito são Extremistas ou Não-Democratas. E são minoritários em toda parte, seja nos parlamentos, nos governos e na sociedade. 

E, definitivamente, não são democratas os bolsonaristas que acamparam em frente aos quartéis pedindo intervenção militar, e que invadiram e depredaram os palácios dos Três Poderes da República. E, também, não são democratas os que, mesmo à distância, aplaudiram e apoiaram essa conspurcação dos símbolos de nossa República.
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(****) 
No 2º turno os Votos Válidos, dados a Lula (38,57%) e a Bolsonaro (37,20%) somaram 75,77% dos Eleitores Apurados. Os Eleitores Apurados são a soma dos votos válidos, mais os votos nulos e brancos, mais as abstenções.

Observe que os Votos Nulos e os Votos Brancos, em conjunto, são um pequeno percentual do total de eleitores apurados; no 2º turno da eleição presidencial alcançou 3,64%. Por sua vez, as Abstenções, o número de eleitores que não compareceram para votar, foi de 20,58%. Estes votos, nulos e brancos, mais as abstenções, dados a “Ninguém”, somaram 24,23% dos eleitores apurados. 


Os golpistas à caça do “Xandão”

O senador Marcos do Val apresenta uma “delirante” narrativa de golpe envolvendo Bolsonaro (algo plausível que, óbvio, precisa ser investigado).

Mas toda narrativa, as melhores obras da literatura, inclusive as fakenews com objetivos políticos, alimentam-se de alguma plausibilidade para se situarem no mundo da vida dos homens.

Porque o senador não a trouxe à luz no momento em que, supostamente, os fatos relatados ocorreram? 

Porque só agora?


Toda a lógica demonstra ser para atacar, constranger e ter como alvo o ministro Alexandre de Moraes, o inimigo principal imediato, a quem mais odeiam, e consideram ser o elo mais fraco pelo protagonismo que as circunstâncias e a sua personalidade lhe impuseram. 

Isto demonstra que a extrema-direita o tem, neste momento, como o primeiro inimigo a ser abatido. Se lograrem sucesso nisso, prosseguirão para o próximo objetivo.

Por isso, o “Xandão”, pelo seu mérito e coragem, mas, sobretudo, por ter se transformado num símbolo da defesa da democracia, mais do que nunca, precisa ser apoiado por todos os democratas.

Não abandonaram o objetivo do golpe.

Lula que se cuide. A primeira coisa que tem a fazer é sair do palanque e parar de falar besteira.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

A República Democrática do Centro

Neste 1º de fevereiro, com o início dos trabalhos do Congresso e com as eleições dos Presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, ambos firmemente comprometidos com a democracia, inaugura-se uma nova fase da política brasileira.


As suas características:
  1. A afirmação de um Campo Democrático majoritário, dos cidadãos que repudiam todo tipo de ditadura e que, ao mesmo tempo, querem viver em um Estado Democrático de Direito; ele une, em conjunto, duas posições políticas fundamentais, descritas, neste texto, como Democratas-Radicais e Democratas-Conservadores;
  2. O isolamento dos Extremistas, ou Não-Democratas, formado pelos que defendem ditaduras e não têm apreço por viver em um Estado Democrático de Direito;
  3. A afirmação de um Centro-Democrático, que é o subconjunto intercessão dos Democratas-Radicais e dos Democratas-Conservadores. 
As distinções propostas nos três pontos acima não deixam de reconhecer as diferenças político-ideológicas tradicionais, mas evidencia a existência do Centro-Democrático como a expressão de uma realidade política que dialoga, no campo das instituições democráticas, com os polos políticos.

Destaque-se que os Presidentes eleitos da Câmara e do Senado fazem parte do Centro-Democrático, e que ele está em crescimento.

O espectro das posições políticas, ou espectro político, simplesmente, no contexto desta análise, é formado, em seu conjunto, pelas forças do Campo Democrático, que são majoritárias, e pelos Extremistas ou não-democratas, que são minoritários embora barulhentos.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Lula deveria valorizar e agradecer o papel que as Forças Armadas tiveram na derrota do golpe

A entrevista que Lula deu à Natuza Nery da GloboNews (*), e divulgada no dia 18/01/23, revelou um Presidente surpreendido pelos fatos que cercaram a tentativa de golpe da extrema-direita bolsonarista no dia 8/01/23, sete dias após a sua magnífica posse.


Em que pese Bolsonaro tenha trabalhado a cada dia do seu mandato para envolver as Forças Armadas no seu projeto antidemocrático, a tentativa de golpe teve como consequência esclarecer e demonstrar o compromisso firme destas com a Constituição, com o Estado Democrático de Direito e com a legalidade.

Quem é contra os fatos? Os fatos listados, a seguir, são essenciais para a compreensão e superação da crise, e para a construção de um clima de estabilidade democrática:

1. A gravidade do atentado revelou um Presidente não informado pelos sistemas de informação do Estado sobre o que aconteceria, embora o que se soubesse por outros meios já fosse muito preocupante;

2. A desconfiança e a insegurança legítimas do Presidente tem base objetiva:
  • A tropa de elite institucional formada por militares das três Forças Armadas para proteger o Palácio do Planalto não agiu; pior, se omitiu; e fortes evidências mostram que foi conivente, simpática e complacente com os invasores;
  • O dispositivo de proteção da capital federal a cargo da PM/DF, sob o comando do Governador Ibaneis chegou, permissivamente, a dar escolta à massa de extremistas até a Praça dos Três Poderes; e ficou óbvio que quando lá chegaram passaram à execução do já planejado: tomar os palácios e proceder ao quebra-quebra dos símbolos da República e da democracia brasileira;
  • Não foram poucas as manifestações individuais de militares da ativa e da reserva de apoio aos insurretos.
3. Mas Lula, provavelmente, em virtude das fortes emoções que cercaram tais gravíssimos acontecimentos para derrubá-lo há poucos dias de sua posse, não conseguiu ter uma visão equilibrada do papel que as Forças Armadas tiveram para inviabilizar o golpe que Bolsonaro tentou dar apoiado por seus extremistas delirantes:
  • Fato I: as FFAA, incluídas as três forças, não saíram dos quartéis para apoiar o golpe;
  • Fato II: as FFAA já não apoiaram o golpe, quando Bolsonaro pretendera dá-lo nos 7 de setembro de 2021 e 2022; antes dos 1º e 2º turnos da eleição presidencial de 2022 e, entre 30/10/22 e 31/12/22, após a vitória de Lula, quando ainda estava no poder.
4. Foram importantíssimas as tempestivas e firmes atitudes de Lula, de Flavio Dino, dos ministros do STF, dos chefes do Poder Legislativo, dos Governadores, das Instituições civis e Personalidades do campo democrático, das principais Redes jornalísticas de Imprensa, Televisão e Rádio e, nas redes sociais, de milhões de brasileiros comprometidos com a democracia; elas demonstram a existência de uma união vigorosa das instâncias da República em defesa da democracia, e a opção esmagadora dos brasileiros pela democracia.

5. Mas essa resistência democrática não barraria o golpe se as FFAA usassem o seu poder armado para apoiá-lo. Não quiseram usá-lo, foram contra usá-lo e decidiram não o usar. Não cabe a nós ficarmos criando narrativas fantasiosas: se as Forças Armadas tivessem apoiado o golpe ele teria sido concretizado; somente por erro de análise ou por conveniência política alguns poderão dizer o contrário, mas esta é a simples realidade.

6. Reconhecer isto não significa leniência com os crimes contra a democracia que tenham sido cometidos por militares ou civis. Todos devem ser punidos, em respeito ao devido processo legal, a começar pelos principais responsáveis. 

Por que é fundamental trazer esta discussão? Porque, se Lula não compreender isso não conseguirá valorizar - e agradecer - o papel que as FFAA (diga-se, a sua cadeia de comando) tiveram na derrota do golpe e, consequentemente, não conseguirá fazer os gestos rápidos que se fazem necessários para pacificar o país, e evitar futuras crises que, infelizmente, ainda estão no horizonte das possibilidades.

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terça-feira, 17 de janeiro de 2023

O golpe que Bolsonaro quis dar, e tentou dar, mas que não teve apoio das F.A. para dar

Desde cedo temos tido dificuldade de analisar, e separar, duas questões factuais da relação de Bolsonaro com as Forças Armadas, em particular com o Exército:
  1. O fato de que Bolsonaro sempre quis dar o golpe que tentou dar. Talvez tenha estado iludido pelo fato de que muitos militares são bolsonaristas, de que votaram nele em 2018 e 2022, de que ele comprou adesões com altos salários e cargos no governo, e de que, individualmente, alguns militares extremistas estiveram até dispostos a apoiá-lo na aventura do golpe;
  2. O fato de que as Forças Armadas não saíram dos quartéis para apoiar o golpe que Bolsonaro quis dar. Na verdade, decidiram não sair. Já não o tinham apoiado nos golpes que quis dar nos 7 de setembro de 2021 e 2022, antes dos 1º e 2º turnos da eleição presidencial de 2022 e, entre 30/10/22 e 31/12/22, após a vitória de Lula, quando ainda estava no poder. Finalmente, não o apoiaram na “brancaleônica” e infame intentona de 8/01/23 após a posse de Lula.
Não cabe a nós ficarmos criando narrativas fantasiosas: se as Forças Armadas tivessem apoiado o golpe ele teria sido concretizado. E isto, apesar das tempestivas e firmes atitudes de Lula, de Flavio Dino, dos ministros do STF, dos chefes do Poder Legislativo, dos Governadores, das Instituições civis e Personalidades do campo democrático, das principais Redes jornalísticas de Imprensa, Televisão e Rádio e, nas redes sociais, de milhões de brasileiros comprometidos com a democracia.


Perduraria tal golpe tão isolado politicamente, nacional e internacionalmente? Provavelmente seria um “golpe voo de galinha”. Mas é sempre mais fácil dar um golpe do que retornar à democracia.

OS CAMINHOS DA DEMOCRACIA

A tentativa de insurreição promovida pela extrema-direita bolsonarista, para a tomada do poder, ocorrida no dia 8 de janeiro de 2023, entrará para a história da república, e será lembrada, com repugnância, como o “golpe que Bolsonaro prometeu dar e incentivou dar, que sabia que não tinha força para dar, mas que não teve coragem moral para impedir que os seus apoiadores extremistas tentassem dar”. 

A responsabilidade de Bolsonaro é clara. Será cobrado com a força da lei e das que regem o Estado Democrático de Direito. É o mesmo tenente que o Exército tivera que expulsar de suas fileiras no passado e que, por acidente, tornou-se Presidente da República!

Os seus “intervencionistas” tiveram o seu dia de glória. Invadiram e depredaram os palácios desprotegidos dos Três Poderes, o Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Foi um passeio, fizeram o que quiseram. Ao fazê-lo, por um momento, talvez tenham gozado o prazer, a catarse e a sensação vã de que estes símbolos estavam em suas mãos e sob o seu controle. 

Mas esse dia infame jamais será esquecido, pois foram criminosamente desrespeitados e conspurcados os símbolos maiores da República e da Democracia!

Ah…, sim, demonstrando o seu delírio insano, pensaram atrair o apoio das Forças Armadas para o seu projeto golpista. Com isso, ultrapassaram todos os limites da paciência. Existem males que vêm para o bem. Doravante, terão que se haver com a força da lei. E saiu fortalecida a nossa democracia!

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O jornalista Marcelo Godoy, do Estadão, foi extremamente feliz ao analizar a questão militar no seu artigo do dia 16/01/2023, cuja íntegra segue abaixo (*):

EXÉRCITO TERÁ DE RECONSTRUIR DISCIPLINA E CONTROLE DA RESERVA APÓS GOLPE BOLSONARISTA
“O golpe só não teve sucesso também porque, desde os coronéis até o Alto Comandos das Forças, os chefes militares não aceitaram a ruptura desejada pelos extremistas. Eles cumpriram com seu dever. Em tempos extremos, de polarização, a decisão desses homens deve ser reconhecida.”

Marcelo Godoy – O Estado de S.Paulo, 16/01/23

Um dos piores dias da história do Brasil. É assim que generais ouvidos pelo Estadão classificaram o que houve na Esplanada dos Ministérios, no dia 8, em Brasília. Uma semana antes, o Comando Militar do Planalto (CMP) havia mobilizado 6 mil homens para garantir a segurança da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, sem que estes pudessem ser vistos ou simplesmente aparecer. E tudo saiu como planejado. Nada estragou a festa do presidente eleito.

O que houve, então, para que a segurança falhasse e a chamada “tomada de poder” levada a cabo pelos extremistas pudesse ser concluída com a invasão e depredação das sedes do três Poderes? Houve um apagão na área de inteligência, e o cenário que o CMP tinha era o de mais uma manifestação, como tantas outras levadas a cabo pelo bolsonarismo nos últimos dois anos. Todas, apesar de muitas de suas palavras de ordem serem manifestamente golpistas – intervenção militar, fechar o STF e o Congresso, etc – não haviam passado da palavra para a ação.

Mas o cenário que a chefia da Segurança Pública do Distrito Federal e que os militares do Exército trabalhavam estava errado. Faltou aos responsáveis pela segurança e pelos órgãos de inteligência a correta leitura da tempestade que se avizinhava. E havia raios e trovoadas que a anunciavam nas últimas semanas. Episódios de violência haviam sido registrados em dezenas de atos e protestos dos que estavam inconformados com a eleição de Lula. Eles se repetiram nas estradas, com tentativas de assassinato de policiais rodoviários; nas cidades, com as agressões a estudantes e em outros atentados à ordem pública.

Até que, na véspera do Natal, bolsonaristas tentaram explodir uma bomba em um caminhão-tanque em Brasília. A tentativa frustrada podia causar caos e mortes no aeroporto de Brasília. Mas não foi suficiente para alertar as autoridades. Muitos dos que tinham responsabilidade institucional continuaram a escalar a crise, como o almirante Almir Garnier Santos, que se recusou a passar o comando da Marinha ao sucessor, o almirante Marcos Sampaio Olsen. Garnier empregara mulher e filho no governo Bolsonaro. E esqueceu que a continência se presta à Presidência e não ao presidente, adubando o extremismo.

Era evidente que a radicalização dos perdedores na eleição lentamente deixava o campo das palavras para passar ao das ações. Saía da arena política para “continuá-la” nos movimentos armados. Foi assim que se convocou a intentona do dia 8. Chamada pelos radicais de “tomada do poder”, seus organizadores pediam a participação de militares da reserva que tivessem experiência para enfrentar policiais na manifestação. Deixavam claro que a intenção era acampar na sede dos três Poderes para forçar a ação das Forças Armadas a fim de derrubar Lula. Seguiam o modelos dos golpes registrados recentemente na Bolívia e no Sri Lanka.

Para ter sucesso, a intentona bolsonarista contava com a simpatia que o movimento despertava nos quartéis. Assim também outros radicais no passado tentaram tomar o poder por meio de insurreições armadas nos anos 1920 e 1930. A última vez que um partido político tentara usar essa fórmula foi em 1938, quando o tenente Severo Fournier liderou os fascistas da Ação Integralista Brasileira no assalto ao Palácio da Guanabara, no Rio, então residência oficial da Presidência. Três anos antes, os comunistas, liderados por Luiz Carlos Prestes, haviam tentado tomar o poder, rebelando unidades militares no Rio e no Nordeste.

Fournier e Prestes apostavam no apoio que teriam no Exército e na Armada. E falharam. O mesmo se passou agora com a intentona bolsonarista. É possível que a simpatia pelos acampados na frente dos quartéis tenha levado muitos dos generais a subestimar a ameaça representada pelos extremistas, o que os impediu de analisar corretamente o processo de radicalização acelerada desse grupo. A ideia de que os episódios de fanatismo se reproduziam sem maiores consequências ajudou a criar a avaliação errada.

Agora, confrontados com o fracasso da estratégia para desmobilizar os acampamentos na frente dos quartéis, os generais se veem diante da desconfiança de que teriam sido lenientes com os extremistas. Trata-se de julgamento açodado. Se alguém queria dar um golpe – e a minuta apreendida na casa do ex-ministro Anderson Torres mostra que havia sim quem desejasse isso –, é necessário dizer que a ruptura constitucional só não ocorreu porque os criminosos não obtiveram o apoio que esperavam nas Forças Armadas.

Ainda assim é necessário estabelecer as responsabilidades sobre o que aconteceu em Brasília. E as Inteligências Policial e Militar são as principais responsáveis pelo que houve. Ou por incompetência de ver o que qualquer jornalista já sabia desde sexta-feira, dia 6 – os planos violentos do bolsonarismo –, ou por conivência criminosa. Em qualquer dos casos, o bom senso exige que seus chefes sejam mudados. É preciso apurar as responsabilidades e isolar os extremistas.

Mas também se deve fazer Justiça. O golpe só não teve sucesso também porque, desde os coronéis até o Alto Comandos das Forças, os chefes militares não aceitaram a ruptura desejada pelos extremistas. Eles cumpriram com seu dever. Em tempos extremos, de polarização, a decisão desses homens deve ser reconhecida. Por mais que a simpatia passada dos generais pelo que hoje é chamado de bolsonarismo exista e por mais que esse projeto de poder tenha se mostrado um desastre, é preciso dizer que, no dia 8, só os que se deram bem no governo ou que se fanatizaram aderiram ao plano de tomada de poder dos radicais.

Os militares têm, agora, a missão de reconstruir as relações com os civis e a disciplina entre os milhares de integrantes da reserva. O caso do coronel Adriano Testoni não é único. Após ofender o Exército e seus generais no dia 8, o coronel bolsonarista foi indiciado em Inquérito Policial Militar (IPM), concluído em 3 dias, depois de ter sido aberto por ordem do general Gustavo Henrique Dutra Menezes, comandante do CMP. Enfrentar o extremismo será uma das principais missões da atual geração de oficiais. Com o devido processo legal, mas sem passar a mão na cabeça ou anistiar os bandidos que envergonharam o País.

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segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

OS CAMINHOS DA DEMOCRACIA (*)

(Artigo revisitado após a tentativa infame de golpe em 8 de janeiro de 2023)

A tentativa de insurreição promovida pela extrema-direita bolsonarista, para a tomada do poder, ocorrida ontem, dia 8 de janeiro de 2023, entrará para a história da república, e será lembrada, com repugnância, como o “golpe que Bolsonaro prometeu dar e incentivou dar, que sabia que não tinha força para dar, mas que, em sua insanidade, não teve coragem moral nem responsabilidade para impedir que os seus apoiadores extremistas tentassem dar”.


A responsabilidade de Bolsonaro é clara. Será cobrado com a força da lei e das que regem o Estado Democrático de Direito. É o mesmo tenente que o Exército tivera que expulsar de suas fileiras no passado e que, por acidente, tornou-se Presidente da República!

Os seus “intervencionistas” tiveram o seu dia de glória. Invadiram e depredaram os palácios desprotegidos dos Três Poderes, o Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Foi um passeio, fizeram o que quiseram. Ao fazê-lo, por um momento, talvez tenham gozado o prazer, a catarse e a sensação vã de que estes símbolos estavam em suas mãos e sob o seu controle. 

Mas esse dia infame jamais será esquecido, pois foram criminosamente desrespeitados e conspurcados os símbolos maiores da República e da Democracia!

Ah…, sim, demonstrando o seu delírio insano, pensaram atrair o apoio das Forças Armadas para o seu projeto golpista. Com isso, ultrapassaram todos os limites da paciência. Existem males que vêm para o bem. Doravante, terão que se haver com a força da lei. E saiu fortalecida a nossa democracia!

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quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Uma nova oportunidade para o Brasil: a disputa política entre os democratas-radicais e os democratas-conservadores

Aqui está todo o ministério de Lula. Torço pelo seu sucesso, pois torço pelo Brasil.

Abaixo, em ilustração de Walmyr Buzatto, o ministério completo, com o nome de cada um dos ministros:


A vitória incontestável da chapa Lula-Alckmin nas eleições presidenciais, embora por pequena diferença de votos, demonstrou exaustiva e completamente a importância para a democracia da existência de um sistema de votação e apuração de votos confiável e não sujeito a fraudes. O nosso, o eletrônico, passou pelos testes mais exigentes, inclusive por parte dos que pretendiam contestá-lo de boa ou de má fé; caso contrário, o país teria mergulhado em grave crise institucional.

Foi a vitória da radicalidade democrática, a de um campo político democrata-radical, que em distinção mais tradicional temos denominado de centro-esquerda.

Mas os democratas brasileiros não se distinguem apenas como os acima. Saberemos, todos os democratas brasileiros, nos olharmos e nos reconhecermos além das polarizações ideológicas que nos cegam e dividem? E que trazem o risco de nos confrontarmos de forma fratricida para combater os espectros e fantasmas ameaçadores do fascismo e do comunismo?

Não, não queremos viver em um mundo paralelo e imaginário habitado por fanáticos e por suas narrativas fake delirantes! Enquanto sociedade, só teremos uma saída boa para todos se preferirmos mais viver no mundo real das incertezas desafiadoras, que dão sabor à vida, do que no mundo irreal das certezas simplificadoras e enganosas, e que são o ovo da serpente da violência e da irracionalidade!

Existe um outro vasto contingente de democratas, de um campo político democrata-conservador, que em distinção mais tradicional temos denominado de centro-direita.

Este último campo elegeu a maioria dos senadores e deputados federais; por isso, de uma certa forma, também foi vitorioso.

Uma estranha eleição: os democratas-radicais e os democratas-conservadores foram, ambos, de uma certa forma vitoriosos e de uma certa forma derrotados. Não cabe tapar o sol com a peneira.

Tudo o que se pode dizer é que as eleições de 2022 foram uma vitória da democracia, com os seus vitoriosos e os seus derrotados!

Cabe, agora, passadas as emoções das eleições, usarmos todos os instrumentos do conhecimento, da racionalidade e da ciência para caracterizar, definir e descrever quem são esses democratas, radicais ou conservadores.

Confesso estar otimista de que nos reconheçamos, a grande maioria dos brasileiros, como democratas! Se conseguirmos fazer, em nossas mentes, essa operação, conseguiremos liberar uma energia cívica imensa para derrotar as forças do atraso que bloqueiam o progresso e o desenvolvimento de nossa democracia!

A derrota de Bolsonaro foi a derrota da extrema-direita, que, assim como a extrema-esquerda, não tem compromissos com a democracia. Simplesmente, defendem ditaduras e não têm apreço pelo Estado Democrático de direito. 

Bolsonaro está fora e à direita do campo dos democratas-conservadores, que são democratas! Cabe a Lula, também, segurar os seus extremistas!