quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Um encontro improvável

Este texto foi publicado originalmente no grupo “Jukebox - música dos entas” do Facebook. Ele é um encontro criativo da memória musical de amigos que mostram a sua sensibilidade, suas alegrias, suas saudades e até suas dores via as músicas que marcaram as suas vidas.

Trago abaixo o relato de uma deliciosa história que vivi, e que postei no Jukebox:

“Em certo dia, quando estudante universitário, tive um encontro casual, insólito e improvável com um dos compositores de uma das jóias da música popular brasileira.

Permitam-me descrever o contexto. Eu fiz o Curso de Engenharia na Escola de Engenharia da UFRJ entre 1966 e 1971 na Ilha do Fundão. Logo após o término do curso, engatilhei no mestrado em Engenharia de Produção na Coordenação dos Programas de Pós-graduação em Engenharia (COPPE), entre 1972 e janeiro de 1974, quando defendi a tese. No longo período em que circulei por aquele habitat os colegas me conheciam por “Müller”, o sobrenome de minha mãe.

A arquitetura da escola foi pensada para abrigar as aulas e as práticas do curso, que naquela época ainda era seriado, do 1º ao 5º ano. Os dois primeiros anos, considerados básicos, no Bloco A, um prédio mais alto com seis andares, onde ficava a direção da Escola, anfiteatros imensos de aula e os laboratórios das disciplinas de física, química, geologia, etc.. Neste prédio, no térreo, com pé direito muito alto, entre as suas colunas, era onde se realizavam as assembléias estudantis, algumas memoráveis que antecederam a passeata dos 100.000, em 1968, quando a juventude foi às ruas contra a ditadura e pela democracia. Saindo deste prédio, se sucediam os Blocos do B ao H, das especializações, que eram cursadas após o 3º ano. Lá se sucediam mecânica, civil, etc., até o H, dos cursos de engenharia elétrica e eletrônica. Eu cursava Eletrônica. A COPPE ficava no bloco G.

Pois bem, éramos todos jovens, e eu, já no 5º ano, caminhava no longo corredor que ia do Bloco A ao H. O ano foi, provavelmente, 1971. Não me lembro exatamente como a conversa começou, mas foi inesquecível, com um colega mais jovem, sobre uma música que fazia sucesso extraordinário nas rádios: “Amigo é pra essas coisas”, na interpretação do MPB4. O jovem então disse: “Eu sou o compositor dessa música”. Confesso: não consegui evitar uma reação de ceticismo, embora respeitosa; ele, a quem eu não conhecia, estudante de engenharia, com pouco mais de vinte anos, se dizia ser o improvável compositor/autor de um sucesso retumbante, de uma maravilhosa música cuja letra genial consistia em um diálogo casual entre amigos onde um desabafa sobre o amor que chegara ao fim. Um contexto inovador e genial, em um diálogo que você só esperaria, em princípio, entre homens mais vividos. Claro, do ceticismo, fiquei curioso, perguntei se ele era músico, ele disse que sim, que tocava violão. Chegamos aos nossos destinos; “até logo”, eu já sabendo o seu nome, e grilado com o meu ceticismo.

Silvio da Silva Jr., 2012

Era verdade, o seu nome é Silvio da Silva Jr. (*), formou-se em engenharia civil; o seu parceiro, tão jovem quanto ele, estudante de medicina à época, foi, nada mais nada menos, do que o Aldir Blanc. Abaixo, a gravação do MPB4 que fez sucesso à época.



Eis a sua letra genial:

AMIGO É PRA ESSAS COISAS

(de Silvio da Silva Jr. e Aldir Blanc)

Salve
Como é que vai
Amigo, há quanto tempo
Um ano ou mais
Posso sentar um pouco
Faça o favor
A vida é um dilema
Nem sempre vale a pena
O que é que há
Rosa acabou comigo
Meu Deus, por quê
Nem Deus sabe o motivo
Deus é bom
Mas não foi bom pra mim
Todo amor um dia chega ao fim
Triste
É sempre assim
Eu desejava um trago
Garçom, mais dois
Não sei quando eu lhe pago
Se vê depois
Estou desempregado
Você está mais velho
É
Vida ruim
Você está bem disposto
Também sofri
Mas não se vê no rosto
Pode ser
Você foi mais feliz
Dei mais sorte com a Beatriz
Pois é
Pra frente é que se anda
Você se lembra dela
Não lhe apresentei
Minha memória é fogo
E o l'argent?
Defendo algum no jogo
E amanhã
Que bom se eu morresse!
Pra quê, rapaz
Talvez Rosa sofresse
Vá atrás
Na morte a gente esquece
Mas no amor a gente fica em paz
Adeus
Toma mais um
Já amolei bastante
De jeito algum
Muito obrigado, amigo
Não tem de quê
Por você ter me ouvido
Amigo é prá essas coisas
Tome um cabral
Sua amizade basta
Pode faltar
O apreço não tem preço
Eu vivo ao Deus dará
O apreço não tem preço
Eu vivo ao Deus dará
O apreço não tem preço
Eu vivo ao Deus dará

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