terça-feira, 12 de janeiro de 2016

A santa aliança contra a Lava-Jato

Carlos Alberto Torres

A sociedade brasileira, pouco a pouco, vai compreendendo quem são e como reagem os que temem a Operação Lava-Jato. Contra ela se levanta, tacitamente, uma poderosa “santa aliança", que é necessário reconhecer e denunciar.


Essa aliança é poderosa, porque os implicados ocupam ou ocuparam os cargos mais altos e destacados da república, e estão presentes na vida política e empresarial. Ela é "santa” porque não é santa, nem ética; e, acima de qualquer matiz político-ideológico, o que os une é o seu temor à Lava-Jato. A maioria dos parlamentares sequer consegue esconder o seu desconforto diante dela. No Congresso Nacional, mesmo os que a apoiam, se sentem constrangidos diante de seus pares! Duro dize-lo, e ouvi-lo, não é verdade? Mas, esta é a realidade.

Os implicados têm muito a perder! Aqui, são patrimônios físicos e financeiros milionários obtidos em operações fraudulentas; ali, mandatos, biografias e relações de negócio construídos a golpes de esperteza e de ilegalidade, raramente conquistados pela capacitação, pelo mérito com o trabalho duro, ou pelo compromisso cidadão! Esses, até aqui, têm se beneficiado da notória tolerância com os criminosos de colarinho branco que assaltam a sociedade brasileira!

Mas, acostumados a escapar impunes, o que realmente os assusta é constatar a inexorabilidade do andamento das ações da justiça. A Lava-Jato, que é o símbolo dessas ações, se converteu na mais importante e bem-sucedida operação anticorrupção da história da justiça brasileira. Basta ver o balanço concreto dos seus resultados. Desesperam-se, porque não tem sido mais suficiente a contratação de bons e caros advogados, um ingrediente do estado de direito, para impedir que as ações da justiça estejam expondo e punindo os seus crimes!

Como se chegou à Lava-Jato? Em primeiro lugar, ela representa um fenômeno novo de protagonismo da justiça na luta contra a impunidade dos crimes de colarinho branco, cujo suporte legal é a Constituição de 1988 e a evolução da legislação anticorrupção que a ela se seguiu. Em segundo lugar, porque surgiu uma nova geração de servidores da justiça, filhos legítimos da nova Constituição democrática, policiais federais, procuradores do MPF e juízes federais, dispostos a abraçar a missão da luta contra a impunidade. Eles são jovens e concursados, e o juiz Sérgio Moro simboliza a competência, firmeza e coragem de todo esse time. Poucas vezes, no Brasil, tantos deveram tanto a tão poucos!

Sem reticências, a Operação Lava-Jato está desnudando o papel da corrupção para financiar a conquista e a manutenção do poder político. Esta é a sua importância histórica! Em particular, após a chegada do PT ao poder em 2002, isto ficou mais claro com os fatos trazidos à luz pelo "mensalão" e pelo "petrolão". Ficou evidenciada a existência de um sistema inovador, o da "corrupção estratégica”, orientada por um projeto político, e por possuir um comando e planejamento centralizado para atingir os seus objetivos. Ela se diferencia da velha e conhecida "corrupção laissez faire", que não possui comando ou planejamento centralizado.

As ações da “santa aliança” contra a Lava-Jato se revelam a cada dia. Para resumir, sem esgotar, tentam: (1) táticas de desmoralização, acusando-a de seletividade, de parcialidade, de “judicializar a política”, etc., e colocam em dúvida a seriedade ética dos seus membros; (2) ameaças e intimidações veladas a seus membros e familiares; (3) fragilizar o aparato legal que sustenta as ações anticorrupção, como com o envio para o Congresso, no apagar das luzes de 2015, da MP nº 703, que visa diminuir a prerrogativa do ministério publico de celebrar acordos de leniência, e dificultar o instituto da delação premiada; (4) diminuir os recursos para as operações anticorrupção, como aconteceu com a redução em cerca de R$ 100 milhões do orçamento de 2016 destinados à polícia federal.

O que intentam são “acordos por cima” para garantir a impunidade! Se isso acontecer, mais uma vez serão lesados os interesses dos brasileiros. Estaríamos cegos a isso? A sociedade estaria indefesa? Não creio, a não ser que, com o seu silêncio, ela queira participar, também, dessa conspiração!

Existiria para a sociedade maior radicalidade democrática e republicana do que apoiar e garantir as ações anticorrupção da justiça, e a integridade da Lava-Jato, para construir, passo a passo, a cultura da intolerância contra a impunidade dos crimes de colarinho branco? 

___________ 
(*) Artigo publicado no caderno de opinião do Correio Braziliense em 12/01/2016.

8 comentários:

  1. Prezado Carlos Alberto,
    Não são só aqueles que podem ser atingidos pela Lava Jato que se manifestam contra ela. Na minha opinião, esta operação "jurídico-policial", com seu caráter de espetáculo midiático e com seus métodos pouco ortodoxos, está instaurando um verdadeiro estado policial no Brasil, com seu menosprezo pelos direitos individuais, seus vazamentos seletivos e seu caráter claramente político-partidário. Vários comentaristas - do campo do direito e das ciências políticas - compartilham dessa opinião. Veja, por exemplo, essa entrevista de um professor de Direito Constitucional, que aponta esses perigos. http://www.conjur.com.br/2015-jul-28/entrevista-luiz-moreira-gomes-junior-professor.

    ResponderExcluir
  2. Prezado Leo,
    Agradeço o seu comentário. Os que temem a Lava-Jato, conceito mais amplo do que os "que podem ser atingidos pela Lava Jato", não inclui apenas os que podem ser indiciados, processados ou possivelmente condenados. A cada jurista referencial que você possa citar criticando a Operação, se poderia citar pelo menos um que a apoia. Por isso, não vou fazê-lo!
    Ater-me-ei apenas à boa lógica para mencionar alguns que a temem, por conveniência política, convicção ou mero fisiologismo. Por exemplo:
    (1) o imediatismo e oportunismo político dos que instrumentalizam a seu favor a Lava-Jato: aqui, a apoiam quando as apurações fragilizam os seus adversários políticos; ali, a atacam e tentam desmoraliza-la, quando os seus correligionários são os alvos das investigações; na prática, defendem, convenientemente, os seus "bons bandidos"; (2) a existência de resistências à Lava Jato dentro do próprio sistema judicial, dos que, em seu interior, sempre foram beneficiários do patrimonialismo, de servirem ao poder de ocasião, e da corrupção sistêmica; (3) a resistência dos que, no poder executivo federal, vivem dos cargos comissionados sem serem concursados, batendo no peito de que são "de esquerda"; muitos são os militantes "chapa branca", que vivem de empregos estatais ou sindicais, que mal trabalham, mas são a "massa", não espontânea, de militantes dos comícios, com estoques de camisetas vermelhas nas gavetas; (4) finalmente, os milhares de pequenos e grandes empresários que ganharam muito, e vivem de negócios com o estado, dependendo de licitações fraudadas ou não. A lista ainda poderia ser maior! Naturalmente esses resistem às mudanças, prisioneiros de suas convicções ou por mero fisiologismo. Quanto a estes últimos, quando houver a democrática alternancia do poder, naturalmente, tentarão se acomodar debaixo da nova asa, mas como somente pensam a curto prazo, para preservar as suas benesses, muitas vezes, resistem até mais radicalmente às mudanças; por isso, muito dificil diferenciá-los dos demais!

    ResponderExcluir
  3. Excelente, Mestre! Um privilégio meu ser sua leitora assídua... Compartilhei este no G+ primeiro porque nesta rede tenho mais amigos que certamente, como eu, sentir-se-ão "representados" em suas idéias, sem as apelações frequentes do fanatismo político-partidário, e todos os outros "ismos". Total Apoio à Operação lava Jato, pela Moralidade, pela Ética, pelo Cumprimento e Respeito a Constituição de 1988. Muitíssimo Grata pelo prazer desta leitura.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Cara Helyana, agradeço suas palavras! De fato, vejo esse momento difícil como uma oportunidade para aperfeiçoar nossa democracia. Embora os brasileiros, em pesquisa publicada recentemente, considerem que o seu problema maior seja a corrupção, ainda não elegeram, coerentemente, o fim da impunidade como um valor e objetivo fundamental. Muitos vêm no impeachment uma solução milagrosa, sem perceberem que pode ser também uma armadilha cheia de riscos se não formas capazes de unir o país em torno de um projeto baseado em valores fundamentais!

      Excluir
  4. Caro Carlos,

    Primeiramente parabéns pelo excelente artigo. Na minha opinião, para desconstruirmos a aceitação passiva dos crimes de colarinho branco, devemos primeiro identificar formas de combater aquilo que o Prof. Roberto Ellery já chama de "Capitalismo de Compadres", ou o Capitalismo de Laços de Lazzarini (2001). Este conceito explica o que torna a sustentação desses "esquemas" tão sólida nos relacionamentos em nível micro e macro, onde a impunidade vem da interdependência entre os corruptos de diferentes naturezas, provocando a ausência de uma oposição clara e firme dentro e fora da esfera do governo. Para entender e criar essa cultura de intolerância à corrupção, a população deve estar ciente dos gastos, taxas e medidas reais do governo, tendo acesso por exemplo aos gastos mensais de um ministro ou mesmo o acompanhamento constante e notificação dos acordos público-privados. A partir deste tipo de medida e interesse por parte da população, a cultura virá como uma consequência.

    Abs.

    Iúri Honda

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Caro Iúri, gostaria de conhecer melhor esses textos! Também tenho grande apreço pelo acadêmico-militante que é o professor Ellery.
      Fruto de minha trajetória, penso que exista uma roda da vida, biológica e de interações sociais, no ambiente em que vivemos, de movimento inexorável, dentro da qual a sociedade vai sendo obrigada a resolver os seus problemas.
      Já acreditei, antes, que existia um único sentido, o do progresso! Mas, hoje, estou convencido de que as decisões dos homens podem levar a retrocessos sociais. E hipoteticamente, no limite, somos capazes de promover a nossa própria extinção enquanto espécie!
      Por isso, filio-me à ideia de que devamos, levantando as nossas cabeças além dos interesses individuais e das corporações, ganhar perspectiva, para praticar uma política baseada em valores! Na conjuntura atual não vejo o impeachment como algo regenerador, por si só, pois pode significar em termos econômicos, políticos e éticos, estarmos trocando seis por meia dúzia, correndo o risco de jogar o Brasil numa crise ainda maior!
      Acredito, portanto, que devamos aproveitar esta crise para saírmos mais organizados e produtivos! E defendo que a tarefa central de nossa democracia, nesta etapa, seja estabelecer mecanismos institucionais e legais exemplares para criar a cultura da intolerância à impunidade.
      Muitos acham essa tarefa limitadas e querem partir logo para a resolução da questão do poder político.
      Eu, pessoalmente, não pago os riscos dessa aventura, até mesmo porque, estou convencido de que uma efetiva mudança, em 2018, a favor do Brasil, e dos brasileiros, exigirá a limpeza ética que somente as ações da justiça contra a impunidade dos criminosos de colarinho branco, simbolizadas pela Lava-jato, poderão promover!

      Excluir
  5. Respostas
    1. Cara Rosangela, obrigado! Suas palavras me soam como incentivo para continuarmos essa nossa luta por um Brasil democrático, e mais ético, organizado e produtivo, para que ele possa ser mais justo! De fato, acredito que isso somente será possível se estivermos socialmente equipados institucional e legalmente para praticarmos a intolerância contra os crimes de colarinho branco. Aqui estão, realmente, as nossas veias abertas de onde escoa criminosamente a energia necessária para que o nosso povo possa ter melhor educação e saúde (para falarmos apenas disso)!

      Excluir