Este dia 23/05/2022, segunda-feira, ficará marcado como um dia triste na política nacional. João Doria, ex-governador de São Paulo, apresentou a sua decisão de retirar-se da disputa pela Presidência da República embora tenha sido escolhido em pré-convenção disputada, transparente e democrática pelo seu partido, o PSDB.
A cúpula do seu partido, por interesses vinculados aos cálculos eleitorais regionais de seus caciques, formou maioria contra sua candidatura. Dória é um homem de luta, corajoso e determinado. Resistiu o quanto pode, mas convenceu-se de que não poderia conduzir sua candidatura contra a vontade partidária.
Ressalta-se um intrigante paradoxo: Doria foi um excelente governador e os indicadores sociais e econômicos de sua gestão marcam incontestavelmente o seu sucesso. Mas as próprias pesquisas eleitorais no estado de São Paulo apontam uma grande rejeição ao seu nome. Creio ser fundamental entender com isenção e objetividade este fenômeno, pois será útil ao entendimento da miséria que presenciamos em nosso sistema político.
Por ora, entretanto, arrisco-me a registrar que a polarização bolsonarismo x lulopetismo funciona como uma trágica interação de forças políticas e sociais que, como um “buraco negro” cósmico, destrói, sordidamente, tudo o que se situa criticamente à sua volta, como fazem com Sérgio Moro. Se observarmos mais atentamente veremos que Dória, em parte, também está sendo vítima deste fenômeno. Tentam atingir, em primeiro lugar, os melhores cidadãos, exatamente os que se referenciam por critérios de eficiência e decência na gestão pública.
Nos próprios MDB, PSDB e Cidadania, que empenham-se no lançamento da candidatura de Simone Tebet à Presidência, vários dos seu caciques, não poucos, já fizeram declarações de apoio a Lula ou a Bolsonaro. Naturalmente, pouco se preocupam com um projeto político-programático de caráter nacional para enfrentar os mais candentes problemas do pais. Os seus interesses regionais passaram a ser a referência, e não o contrário.
Não pode dar certo! Como que dizem: o que temos para o momento é Lula ou Bolsonaro, conformemo-nos! Ou seja, são suficientemente ruins para serem os escolhidos. Por isso, os caciques dos partidos do centro quase não conseguem resistir à atração gravitacional irresistível do buraco negro, verdadeiros “cantos de sereia” vindos dos polos.
Doria, com o seu digno discurso, e com o seu sacrifício, como Ulisses, nos alerta. Quem sabe a dramaticidade deste momento não seja rica em ensinamentos e nos permita uma reação? E mais sabedoria!
Abaixo, a íntegra do discurso de João Doria
Boa tarde a todos.
Esse é um pronunciamento importante. Hoje é um dia de respostas, mas também um dia de perguntas. As pessoas sempre me perguntam por que eu deixei uma vida de conforto à frente das minhas empresas bem-sucedidas para entrar na política?
Sou filho de um político cassado pelo golpe militar de 64. Meu pai, tal como eu, começou a vida pobre, mas lutou, trabalhou e alcançou uma vida confortável, dono de uma das maiores agências de publicidade do Brasil. Até o dia que decidiu lutar por um Brasil melhor, inspirado por Franco Montoro.
Nele, era urgente a necessidade de servir ao povo brasileiro, de combater a desigualdade e a injustiça social. Doria, meu pai, foi eleito deputado federal e, em abril de 64, foi cassado pelo golpe militar. Perdeu seus direitos políticos, todos os seus bens e foi obrigado a viver no exílio. Dois desses 10 anos de exílio, eu, meu irmão, Raul, e minha mãe, Maria Silvia, estivemos ao lado do nosso pai.
Inspirado pelos seus ideais e também motivado por Franco Montoro colaborei desde cedo com a vida pública. Com Mário Covas, fui Secretário de Turismo de São Paulo. Por conta de uma gestão bem sucedida, fui convidado a presidir a Embratur, emblematicamente criada por um projeto de lei de autoria de meu pai na Câmara. Como militante e ativista, organizei, a pedido de Franco Montoro, o histórico comício das Diretas Já em 25 janeiro de 1984, aqui em São Paulo.
Com dedicação e trabalho, construí uma carreira sólida na iniciativa privada e coloquei de pé um grupo empresarial de sucesso.
Em 2015, marcava o auge de uma recessão brutal que dizimou empregos, levou a inflação às alturas e destruiu sonhos. Nada muito diferente do que enfrentamos hoje. Inconformado, acompanhava as medidas econômicas de um governo incompetente e o desvio de dinheiro público.
Em 2016, seguindo os passos de meu pai, decidi disputar uma eleição. No
PSDB, participei de três prévias: para prefeito, para governador e para presidente da República. As três únicas prévias na história do partido. Venci as prévias em 2016. E, logo depois, venci as eleições para a prefeitura da maior cidade do país em primeiro turno. Fato inédito na história política de São Paulo.
Guardo as melhores lembranças da prefeitura e guardo as melhores lembranças do meu amigo Bruno Covas.
Tenho orgulho de ter zerado a fila de exames nos postos de saúde, com o inédito Corujão da Saúde. Atendemos a população em situação de rua com os Centros de Acolhimento, recuperamos praças, avenidas e ruas. Promovemos a maior inclusão de crianças desassistidas no redimensionamento das creches e escolas municipais. Lançamos os programas de concessão do Parque do Ibirapuera, do Pacaembu e do Anhembi, entre outras conquistas importantes para a cidade.
Em 2018, novamente disputei e fui vitorioso nas prévias do
PSDB para a eleição a governador do Estado de São Paulo. Mais uma vez, vencias prévias e venci as eleições, sendo eleito governador de São Paulo.
Tenho orgulho de ter feito uma gestão transformadora no estado, reconhecida até mesmo por adversários. Diante do desafio histórico da pandemia, me empenhei pessoalmente para trazer ao Brasil 124 milhões de doses da vacina contra a Covid-19. Procurei fazer o certo. Salvamos vidas e a economia.
Na pandemia, São Paulo cresceu 5 vezes mais do que o Brasil, gerando um terço de todos os novos empregos do país. Por todo o território nacional, a vacina foi sinal de esperança, salvando milhões de brasileiros. Vencemos com a ciência, os discursos do ódio, das fake news e o negacionismo.
Assim como na saída da prefeitura, quando deixei o comando da cidade nas mãos do saudoso Bruno Covas, desta vez também deixei o governo de São Paulo em boas mãos. Rodrigo Garcia está levando em frente um trabalho que começou com uma equipe de craques . E que, certamente, lhe renderá a vitória nas eleições desse ano. Rodrigo será reeleito governador de São Paulo.
Em dezembro do ano passado disputei as prévias do partido para ser candidato a presidente da República e, mais uma vez, as venci.
Fica aqui minha gratidão aos brasileiros da cidade de São Paulo que me deram mais de 3 milhões de votos na prefeitura. E aos quase 11 milhões de votos ao governo de São Paulo. E aos mais de 17 mil militantes do
PSDB que me escolheram como candidato a presidente do Brasil.
Agradeço também aos mais de 6 milhões de brasileiros que, nas pesquisas de opinião pública, já se manifestaram a intenção de votar no meu nome para presidente antes mesmo do começo da campanha eleitoral.
O Brasil precisa de uma alternativa para oferecer aos eleitores que não querem os extremos. Que não querem aquele que foi envolvido em escândalos de corrupção e nem aquele que não deu conta de salvar vidas. Não deu conta de salvar a economia e que envergonha nosso país em todo mundo.
Para esta missão, coloquei meu nome à disposição do partido. Hoje, nesse 23 de maio, serenamente entendo que não sou a escolha da cúpula do PSDB. Aceito esta realidade com a cabeça erguida. Sou um homem que respeita o consenso , o diálogo, o equilíbrio. Sempre busquei e seguirei buscando o consenso mesmo que ele seja contrário à minha vontade pessoal.
O PSDB saberá tomar a melhor decisão do seu posicionamento para as eleições desse ano. Me retiro da disputa com o coração ferido, mas com a alma leve. Com a sensação inequívoca do dever cumprido, de missão bem realizada. Com boa gestão e sem corrupção.
Saio com o sentimento de gratidão e a certeza de que tudo que fiz foi em benefício de um ideal coletivo em favor dos paulistanos, do paulistas e dos brasileiros. Saio como entrei na política: repleto de ideias, com a alma cheia de esperança e o coração pulsante. Confiante na força do povo brasileiro que tem fé na vida e fé em Deus.
Peço desculpas pelos erros. Se me excedi foi por vontade de acertar. Se exagerei foi pela pressa em fazer com perfeição. Se acelerei foi pela urgência que as ações públicas exigem. Os acertos foram frutos do trabalho em equipe. Da ousadia e da coragem e do propósito que sinto em perseguir. Sempre, sempre fazer bem feito o que tem que ser feito. Respeito e trabalho. Fazer do possível o impossível. Esse é meu mantra e levo por onde eu for.
Agradeço a minha equipe aguerrida, aos membros do partido que sempre me defenderam, aos que lutaram ao meu lado, que foram leais e defenderam a democracia interna do partido e defendem como eu a liberdade e igualdade no Brasil.
Agradeço também aos colaboradores que estiveram comigo na prefeitura e no governo do estado. Que se empenharam pelos resultados históricos. Que juntos alcançamos. Agradeço também aos militantes do
PSDB, extraordinários guerreiros que nunca me abandonaram. Agradeço a Deus pela disposição que sempre me deu. Pela capacidade de trabalho, senso de justiça e paz no coração.
Agradeço igualmente à minha família, à Bia e aos meus queridos filhos Johnny, Felipe e Carolina, e ao meu querido irmão, Raul, que aqui está ao lado da Bia, minha esposa. Eu tenho uma linda família, quero preservar essa família.
Agradeço também a todos os verdadeiros amigos que sempre me apoiaram em todas, em todas as minhas decisões. Por fim, relembro aqui o belo poema atribuído a Cora Coralina: 'Tem mais chão os meus olhos do que o cansaço das minhas pernas. Mais esperança nos meus passos do que tristeza nos meus ombros. Mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça'.
Seguirei. Seguirei como observador sereno do meu país. Sempre à disposição para lutar a guerra para a qual eu for chamado. Na vida pública ou na vida privada. Que Deus proteja o Brasil.
Muito obrigado. Até breve