quinta-feira, 24 de junho de 2021

Os desatinos de Bolsonaro mostram, mais uma vez, o caráter democrático da luta contra a corrupção

Ainda não se sabe se os desatinos do capitão cloroquina, em particular, a corrupção, determinarão o fim do seu governo. Mas é possível, pois as evidências que se acumulam poderão dar forças ao campo democrático - formado pela maioria dos brasileiros, civis ou militares - para reagir, em tempo, em defesa da moralidade, da ética e da democracia.

O comportamento irresponsável do presidente é compatível com isso: a forma como tem agido no enfrentamento à pandemia, que levou à aquisição e produção em massa da cloroquina como uma estratégia para alcançar a imunidade de rebanho; o agora revelado escândalo da Covaxin, de compra superfaturada, enquanto vetava vacinas já reconhecidas internacionalmente; o seu olhar complacente com o desmatamento da Amazônia, com a exportação de madeira ilegal, com a mineração ilegal em terras indígenas e com a invasão e desmatamento de áreas de preservação ambiental por grileiros e fazendeiros para colocar as patas de boi (*); finalmente, a sua aliança tácita com milícias às quais quer armar com leis lenientes, mormente as do Rio de Janeiro, permitindo que áreas urbanas sejam dominadas pelo crime organizado à margem do controle do Estado.


Não satisfeito, ele e o seu clã alimentam propostas golpistas de setores de extrema direita contra a democracia, propondo o fechamento do Congresso e do STF; atua sistematicamente, e pessoalmente, para fragilizar as instituições da república: estimula o rompimento com a hierarquia e com a disciplina nas forças armadas; atua para comprometer a autonomia do MPF, da PF e de outros órgãos de controle para que não investiguem os crimes dos seus afetos e cúmplices; e desenvolve sistemática ação subversiva nas PMs estaduais com o claro objetivo de usá-las como forças políticas armadas a serviço do seu projeto totalitário e de repressão contra as manifestações populares. E esta é uma lista muito resumida.

Embora tenha sido eleito pegando carona na luta contra a corrupção, não foi por acaso que passou a temê-la, pois compreendeu que as suas ações logo ficariam expostas. Começou com o COAF, com a PF e com o MPF, porque, além disso, conduziam investigações que atingiam o seu filho Flávio Bolsonaro. Foi, portanto, emblemático que tenha passado a usar todo o seu poder para liquidar com a Lava-Jato, pois era necessário desmontar os instrumentos institucionais de combate à corrupção que, mais adiante, e inevitavelmente, seriam obstáculo aos seus desmandos rumo à quebra da institucionalidade democrática.

Moro passou a ser indesejável, pois não compactuaria, como não pactuou, com os seus desígnios, e por isso passou a ser necessário descarta-lo.

Não agiu, entretanto, sem senso estratégico, pois, a bem da verdade, juntou-se à aliança previamente existente de todos os processados e investigados que temiam e combatiam a Lava-Jato e odiavam a Moro, formada pelos políticos dos partidos mais comprometidos com a corrupção, incluídos o PT e o PSDB, e com todos os partidos do chamado “Centrão”. Paradoxalmente, passou a lidera-la, pois, observe-se, os rabos presos formaram a aliança política e ideológica mais ampla jamais alcançada na sociedade brasileira, unindo políticos de esquerda, de centro e de direita. Com isso, abriu-se a porteira, na Câmara e no Senado, para a hegemonia do “Centrão”, pois quem poderia operar com mais desfaçatez o desmonte do aparato legal do combate à impunidade?

Naturalmente, este quadro ficaria incompleto se não se destacasse, nessa “santa aliança”, notórios ministros do STF, especializados em libertar e anular sentenças condenatórias de criminosos poderosos de colarinho branco.

Um plano que parecia perfeito, não é?

Essa aliança de rabos presos para liquidar com a Lava-Jato, entretanto, foi a única unanimidade que o capitão cloroquina conseguiu. Algo deu errado. A vida dos indivíduos, e a história, também inclui acidentes; o seu plano não deu inteiramente certo, pois ninguém, por mais poder que tenha, consegue controlar todas as variáveis que afetam a sua vida, muito menos os acontecimentos sociais e políticos.   

Houve uma consequência não intencional de suas ações: Lula, valendo-se delas, como bom surfista, e com a valiosa ajuda de Gilmar Mendes e de seus seguidores no STF, conseguiu a anulação de suas condenações e tornou-se o seu principal adversário em 2022. Todo malandro, de tão malandro, acaba dando pernada em si mesmo. O capitão subestimou o fato de que os ministros do STF indicados por FHC, Lula, Dilma e Temer também tivessem os seus próprios planos.

E aqui se abriria um novo capítulo. Ele consiste no principal paradoxo da vida política e institucional brasileira.

Os ministros do STF que, por um lado, estão fortemente comprometidos com a preservação das instituições da democracia nascidas com a Constituição de 1988, são os mesmos que, em sua maioria, com nobres excessões, estão dando suporte jurídico e legitimidade para o desmonte do aparato legal para o combate à corrupção e à impunidade que se processa no Congresso sob a liderança do “Centrão”.  Pior, a desfaçatez com que anularam as condenações de Lula e com que, em vingança, decidiram pela suspeição de Moro, são um ultraje à justiça e ao povo brasileiro.

Várias são as consequências dessas decisões tomadas por essa maioria eventual do STF: a primeira, politica, a de buscar um caminho fácil, eleitoral, para se combater o projeto autoritário de Bolsonaro, remetendo as eleições de 2022, como as de 2018, para a nefasta polarização bolsonarismo x lulopetismo; a segunda, abriram a porteira para a anulação de todas as condenações da Lava-Jato; p.ex., será devolvido aos corruptos os bilhões ($) que acordaram restituir aos cofres públicos? Com que empenho, doravante, se dedicarão os jovens servidores concursados - PFs, Procuradores Federais e Juízes Federais -, às suas missões de combater os crimes de colarinho branco dos poderosos, e o crime organizado, se o trabalho árduo e competente que realizaram por anos foi anulado pelos caprichos de uns poucos juízes nomeados politicamente?

Voltando a Bolsonaro.

Os fatos relacionados aos seus desmandos, o que já levou à ultrapassagem dos 500.000 mortos na pandemia, fizeram despencar a sua popularidade e alimentaram a sua rejeição, como demonstram as pesquisas de opinião que estão vindo à luz. Por isso, desesperado, reforçou os seus delírios de que possa dar o golpe para que não precise disputar as próximas eleições. O mais trágico de sua situação, e ele sabe disso, é que cresce, vertiginosamente, a probabilidade de não ir sequer ao 2º turno. 

Mas se, ao ajudar a liquidar com a Lava-Jato, fez retroceder conquistas civilizatórias para o combate à corrupção e à impunidade, para beneficiar, antes, a si mesmo, mas tendo beneficiado a todos os corruptos, fragiliza-se em suas bases, e faz revigorar o movimento democrático, inclusive nas ruas.

Terá que amargar ver lá não apenas os oposicionistas de sempre, mas, também, a maioria dos seus eleitores, os democratas que votaram nele para promover uma alternância do poder e impedir que o PT voltasse ao governo. E verá, com desgosto e amargor, as bandeiras brasileiras e o verde e amarelo, que pensara ter tornado de sua propriedade, e do bolsonarismo, hegemonizarem essas manifestações de oposição.

O futuro do capitão cloroquina está marcado por incertezas. As coisas não estão boas para o seu lado. As possibilidades de futuro não o favorecem. Crescerá a pressão pelo seu impeachment. Não está descartada a hipótese de que o seu afastamento seja por interdição, porque pesam sobre ele não apenas acusações morais e éticas, mas a grave suspeita de incapacitação ou doença mental. Restaria, ainda, a hipótese de sua renúncia. Talvez esta seja a sua melhor alternativa, pois isso lhe seria uma saída honrosa, e ajudaria a pacificar o pais.

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(*) Estes desmandos na área ambiental determinaram investigações na PF determinadas pelo STF, que culminaram com o “pedido de demissão” do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles no dia 23/06/21. Registre-se que dois policiais federais, cumprindo zelosamente as suas missões de investigar crimes ambientais foram, antes, demitidos de seus cargos.


sexta-feira, 18 de junho de 2021

O verde e o amarelo são as cores da resistência democrática!

Uma sugestão, mas, também, uma abertura de discussão.

Que tal fazermos do verde e amarelo as cores dominantes da resistência democrática, da manifestação do próximo dia 19/06/21 e das que se seguirão (*)?


Resistir ao projeto totalitário do capitão cloroquina é uma bandeira de todos os democratas, sejam eles de esquerda, de centro ou de direita.

Está na hora de o verde e o amarelo voltarem às mãos dos democratas, que são a maioria dos brasileiros. Definitivamente, ela não deve, e não pode ser a marca dos que defendem ditaduras e não têm apreço pela democracia.

Quando o verde e o amarelo voltarem a ser as cores dominantes de nossas manifestações e outras cores, inclusive o vermelho e o preto, forem meras manchas na manifestação, este será o índice de que o movimento foi abraçado pela cidadania, e de que alcançou a máxima amplitude e força política.

E, quando isto acontecer, e se acontecer, seremos todos vitoriosos, pois, mais uma vez, o obscurantismo terá sido derrotado!

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(*)
Vivemos em um contexto político incomum e extraordinário.
Ir ou não ir às manifestações diante dos riscos reais de contágio é um dilema de difícil resolução, porque, embora essa decisão tenha um caráter indelegável e pessoal, ela pode ter consequências coletivas trágicas.
Claro, por isso, quem for ou não for às manifestações não merecerá críticas diante das circunstâncias políticas que as tornarão, doravante, inevitáveis, e penso, incontíveis.
Se for, há que ser com todos os cuidados; quais são, todos já os conhecemos!

terça-feira, 8 de junho de 2021

Reflexões









sábado, 5 de junho de 2021

O erro de FHC

Sempre nos sentimos fascinados com a inteligência. Jamais deixei de me sentir encantado com FHC neste aspecto.

Mas chegou o momento de nos libertarmos desse “canto de sereia” hipnótico, pois estou convencido de que nos últimos anos FHC não tem tido mais um papel positivo na política.


FHC foi um grande presidente da república. O que fez de positivo foi incontestável. Os que são justos jamais poderão lhe negar feitos magníficos. Muito já se disse e escreveu sobre isso, pois foi um dos nossos melhores presidentes. Quanto a isso, a história já lhe fez justiça.

Mas o objetivo deste post é falar do presente, e da influência negativa que tem tido; lamentavelmente, que se inicia dentro do seu próprio partido, o PSDB.

Sei que estou pisando em casa de marimbondos, mas essa discussão precisa ser iniciada, focalizando, mais precisamente, neste momento, em que o PT, que quis até “impichá-lo”, se derrama em elogios, buscando resgatá-lo como personalidade e, principalmente, como cabo eleitoral de Lula.

Lembro algumas questões objetivas:
  1. As primeiras experiências da modalidade de “corrupção estratégica” (captação planejada e centralizada, para servir a um projeto político, de recursos ilícitos de licitações fraudadas na administração direta e de obras superfaturadas nas estatais) envolveram políticos do PSDB; o PT aprendeu, aperfeiçoou e institucionalizou essa estratégia ao escolher a ODEBRECHT como empreiteira operadora preferencial. O mensalão e o petrolão foram demonstrações provadas desse momento;
  2. FHC jamais defendeu a Lava-Jato, a não ser como jogo de cena, pois os senões foram sempre o conteúdo principal; pior, alimentou o discurso interno do PSDB e de seus militantes no que, mais adiante, conformou a força política e social do “antilavajatismo”. Com isso, aliou-se, objetivamente, a Bolsonaro, ao PT e ao “centrão”, para liquidar com a Lava-Jato;
  3. De longa data vem sendo um defensor de Lula (me refiro ao período em que ficou evidenciado o envolvimento do PT com a corrupção) e atuou, por dezenas de manifestações pessoais, e milhares de palavras, desde a sua condenação, para criar em sua área de influência, inclusive no STF, ambiente para a anulação das condenações de Lula; e esta passação de pano acentuou-se no período anterior às eleições de 2018;
  4. Por último, lançou (dizendo que não lançou) a candidatura de Lula para 2022, o que praticamente já o colocou no 2º turno.
Sei que estarei enfurecendo a muitos dos seus seguidores, mas estou preparado para um debate respeitoso.

Doravante, como Ulisses, pedirei para me amarrarem ao mastro do navio para escapar dos “cantos de sereia”. Para construir a democracia não precisamos de gurus, nem grandes nem pequenos. Muito menos de mitos. Basta-nos o conhecimento e a inteligência!

Mas nestes dias aprendi que vivemos cercados de gado. Não apenas bolsonaristas, mas lulopetistas, fhc-istas,…ou até papistas. O que se vai fazer, a não ser lutar contra isso?

quarta-feira, 2 de junho de 2021

A necessidade histórica da 3ª Via

A 3ª Via significa uma alternativa democrática a Bolsonaro e a Lula.

Ela corresponde à necessidade histórica de um novo projeto político e de nação, sem o qual estaremos, mais uma vez, adiando um Brasil mais democrático, mais próspero e mais justo!

Sobretudo, esse futuro é possível! Precisamos, agora, para viabilizar e realizar essa necessidade histórica, unir a maioria dos brasileiros, que são democratas!

E devemos receber, de forma aberta e ampla, todos os brasileiros dignos que queiram se somar a este projeto!

Não importa que o candidato da 3ª via seja de esquerda, de centro ou de direita. O que importa é que seja um democrata!

Neste momento, de construção deste projeto, nada impede que quem seja de esquerda defenda que esse candidato seja um democrata de esquerda; que quem seja de direita defenda que esse candidato seja um democrata de direita. Isto apenas enriquecerá o leque de nossas alternativas.

Indispensável, entretanto, para realizá-la, é colocar os interesses dos brasileiros acima dos interesses partidários, e romper com o nós contra eles, que divide o Brasil e que caracteriza a polarização bolsonarismo x lulopetismo.

A tarefa histórica dos democratas é levar o candidato da 3ª via ao 2º turno das eleições presidenciais de 2022. Se ele chegar lá será o próximo presidente da república.


Esquerda, direita, centrão, ou democracia?

Estamos acostumados, e condicionados, ao analisarmos a política brasileira, a ficarmos aprisionados às alternativas políticas e conceituais de esquerda, centro ou direita. Se elas correspondem a opções político-programáticas e ideológicas bem definidas, e de longa tradição histórica, entretanto, hoje, elas bloqueiam o desenvolvimento de nossa democracia.


E, ao buscarmos uma opção que rompa com os erros da esquerda ou da direita, muitas vezes buscamos um “centro” hipotético de valores ou programa indefinidos; e nos vemos sempre diante do risco real, ou da fatalidade, de cairmos nos braços do “centrão”, um espectro fantasmagórico, mas concreto, onipresente e assustador, corrupto, fisiológico e descompromissado com a superação dos problemas nacionais.

Do “centrão” não escapou o lulopetismo; pior, ao render-se a ele, fez da corrupção estratégica (*) a sua marca; e, agora, o bolsonarismo seguiu os mesmos passos, vendendo a alma ao diabo e rompendo, descaradamente, com o seu discurso de campanha.

A 3ª Via não corresponde à visão de opções políticas neste mesmo plano. Ela é a superação, em outro plano, da trágica busca da esquerda ou da direita por um centro, ou centrão, para poder governar. Definitivamente, não é pela reprodução disso que devemos lutar, e é com isso que queremos romper! A esquerda ou a direita tem preferido aliar-se ao centrão, que vende-se ao sabor das circunstâncias, do que unirem-se, tendo como referência o valor fundamental da democracia para fazer valer o interesse nacional!

Não vivemos mais no tempo da guerra fria. Portanto, a opção pelo valor fundamental da democracia está em um plano superior aos interesses da esquerda, da direita, do centro ou do “centrão”. Somente o projeto da democracia será capaz de isolar o “centrão” no legislativo, formando uma aliança democrática majoritária para governar. Isto é fundamental para superarmos o “atraso” do sistema político brasileiro e promover, mais adiante, as reformas que se farão necessárias!

A 3ª Via quer escapar do dilema ilustrado pela figura, aprisionado à uma mesma lógica, que insiste, tragicamente, em se repetir. Ela propõe que nos reencontremos em um plano superior; ou seja, no valor unificador da democracia!

Haverá quem não concorde com isso, pois essa visão atenta contra os seus projetos de poder. Deixemos que gritem sozinhos!

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(*) A “corrupção estratégica” é orientada por um projeto político, e por possuir um comando e planejamento centralizado para atingir os seus objetivos. Ela se diferencia da velha e conhecida "corrupção laissez faire", que não possui comando ou planejamento centralizado.

sábado, 29 de maio de 2021

Rouba mas faz, de novo?

São muitos os que não concordam e se sentem incomodados com o teor deste artigo do jornalista Carlos Alberto Sardemberg, publicado hoje, 29/05/21, no caderno de economia do O Globo (*).


Muitos, “convenientemente”, não podem concordar, embora reconheçam o poder descritivo do autor sobre a nossa trágica realidade.


Mas, de gado, o que se há de esperar? Pois, seríamos ingênuos em pensar que só exista gado bolsonarista? Não, definitivamente! Existe, também, gado lulista, fhc-zista, etc..

Íntegra do texto:

Quando se cita o mote, os mais jovens – e nem estes tão jovens assim – lembram-se de Paulo Maluf.

Mas até isso Maluf pegou, digamos, de maneira indevida. O verdadeiro dono do “rouba mas faz” é Ademar de Barros, político dos anos 40 a 60, prefeito e governador de São Paulo, senador, candidato a presidente.


Ele mesmo espalhava as piadas a seu respeito. Nos comícios, dizia: neste bolso nunca entrou dinheiro roubado; e a platéia, divertida: calça nova, governador. Ele ria.


Também lançou o que poderia ser o lema da atual velha política: amigo meu não fica na estrada. Era verdade. Ademar no governo, não tinha um ademarista que ficasse sem cargo público.


O folclore ficou para Ademar de Barros, mas o fato é que a coisa se espalhava por todo o espectro político. O consenso tácito era o seguinte: todo mundo levava o seu, o importante é que abrisse estradas (ou construísse Brasília), oferecesse bons negócios públicos para os correligionários e nomeasse a turma.


O capitalismo de amigos sempre esteve na raiz da política brasileira. Até que foram apanhados o mensalão e o petrolão – mas que, visto de hoje, parecem mesmo dois pontos fora da curva.Todo mundo está sendo perdoado nas instâncias judiciárias e políticas.


O STF vem cancelando condenações e devolvendo ao  cenário político personagens que curtiram cana em anos recentes.


Na política, não há melhor exemplo  de anistia plena, geral e irrestrita do que o encontro entre Fernando Henrique Cardoso e Lula.



Lula saiu de lá com o voto de FHC e o passado limpo. Não precisou pedir desculpas pelos eternos ataques ao tucano (herança maldita, entreguista, neoliberal), pelos seguidos pedidos de impeachment que o PT entrava contra o governo FHC, muito menos pelo mensalão e pelo petrolão.


Em resumo, Lula levou tudo e não entregou nada.

Digamos que FHC tenha feito algumas ressalvas em privado. Mas isso não conta em política. Na sua única manifestação pública, Lula disse que se fossse FHC contra Bolsonaro, ele votaria no tucano.


Estão de gozação.


FHC disse que ainda continua preferindo uma terceira via, mas tornou-a ainda mais difícil – se não a enterrou – ao anistiar Lula sem levar nada em troca.


Reparem no cenário político – ex-presidiários voltando ao comando, o Centrão nomeando e gastando, Bolsonaro ameaçando golpes e vendendo pedaços do orçamento, os correligionários ocupando os cargos, a Lava Jato destruída, os negócios de amigos só não voltam com tudo porque a economia ainda patina. Mas já se nota a ocupação de estatais e fundos de pensão pela turma do governo.


Eis o quadro: amigo meu não fica na estrada; ganhar 200 mil por mês do governo não tem nada demais; para os amigos, tudo, para os adversários, o rigor da lei. (Dizem que esta última era do Getúlio!) E Bolsonaro quer colocar os militares na roda.


Boa parte do mundo desenvolvido está saindo da pandemia e voltando a crescer. Há riscos pela frente, como a temida volta da inflação elevada, provocada pelo excesso de dinheiro que os governos gastaram e continuam gastando. Sim, era preciso apoiar pessoas e empresas na pandemia, mas como já dizem alguns economistas, talvez tenham colocado água de mais na bacia.


De todo modo, por aqui, estamos longe de superar a pandemia. O nível de investimenbto público e privado está em torno de 15% do PIB, insuficiente para sustentar crescimento. A reforma tributária foi cortada em fatias tão finas que nem se as vê. É possível que o sistema piore com vários impostos e contribuições sobre as mesmas mercadorias e serviços.


Neste momento, a recuperação dos desenvolvidos está nos ajudando, via comodities e juros zerados pelo mundo afora. Mas se lá subirem inflação e juros, teremos outra conta a pagar – em um mau momento.


Capaz de piorar. Ficar no rouba e nem faz.


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(*) https://sardenberg.com.br/rouba-mas-faz-de-novo/

quarta-feira, 19 de maio de 2021

Loucura ou crime?

No dia 16 de maio de 2021 o jornal o Estado de S.Paulo (Estadão) em sua coluna de Opinião, sob o título "Loucura ou crime?" (*), reportou duas iniciativas, respectivamente, das comunidades jurídica e médica, defendendo o afastamento do presidente Jair Bolsonaro. Na primeira, juristas e acadêmicos entraram com Ação Civil no STF pedindo a sua Interdição; na segunda, os profissionais de saúde defendem o seu impedimento.

A iniciativa dos juristas, que está destinada a fazer história, constitui um documento acadêmico sobre os pressupostos conceituais e jurídicos que justificam a Interdição.

Abaixo, a íntegra do artigo de Opinião do Estadão:

Juristas e médicos apontam incapacidade mental de Bolsonaro para governar

Um grupo de sete juristas e acadêmicos protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Civil (**} solicitando o “reconhecimento da incapacidade civil de (Jair Bolsonaro para) exercer o cargo e as funções atinentes à Presidência da República, com seu consequente afastamento”. 

Os autores esclarecem que não se trata de julgamento por crime de responsabilidade ou crime comum, para os quais seria necessária autorização parlamentar. Apontam ainda que não se trata de uma interdição pela incapacidade de gerir atos da vida civil, mas especificamente da “interdição de um supremo mandatário que não tem os requisitos cognitivos mínimos” para exercer a Presidência.

Na expectativa de que a Corte determine a produção de prova pericial, os autores levantaram exaustivamente ponderações de profissionais da área da psicologia, da psicanálise e da psiquiatria. As bases para o pedido já haviam sido lançadas pelo jurista Miguel Reale Jr., no artigo Pandemônio, publicado no Estado. 

Reale cataloga diversos indícios de transtorno de personalidade. Ainda em 1999, Bolsonaro dizia, em entrevista, que se fosse presidente fecharia o Congresso “sem a menor dúvida – daria o golpe no mesmo dia”. Na mesma entrevista, defendeu a tortura, e disse que o Brasil “só vai mudar quando partirmos para uma guerra civil (...) matando uns 30 mil (...). Vão morrer alguns inocentes. Tudo bem”. Já presidente, Bolsonaro, além de promover manifestações golpistas, deu inúmeras mostras de megalomania – “eu sou a Constituição”, “tenho a caneta”, “quem manda sou eu”, “o meu Exército”. 

Segundo a Classificação Internacional de Doenças da OMS, o transtorno de personalidade antissocial é caracterizado pela “indiferença insensível face aos sentimentos alheios; uma atitude flagrante e persistente de irresponsabilidade e desrespeito a regras; a baixa tolerância à frustração; a incapacidade para experimentar culpa; e a propensão a culpar os outros”. A falta de empatia de Bolsonaro ante centenas de milhares de mortos está gravada na História da Infâmia nacional: “e daí?” “não sou coveiro”, “chega de frescura”, “vai ficar chorando até quando?”. 

Reale sugere ainda o transtorno de personalidade paranoide, caracterizado por “um combativo e obstinado senso de direitos pessoais; tendência a experimentar autovalorização excessiva e preocupação com explicações conspiratórias”. Além de enxergar por toda a parte conspirações da sua nêmesis (“os comunistas”), Bolsonaro já rompeu com seu partido e confronta dia sim e outro também os governadores, a imprensa, o Congresso e o STF. Ele já ameaçou responder com “pólvora” a uma suposta invasão da Amazônia pelos EUA e sugeriu que a China está movendo uma “guerra química” (sic) contra o mundo. 

Segundo outro cânone do diagnóstico psiquiátrico, o DSM-5, da Associação Psiquiátrica Americana, o transtorno paranoide é “caracterizado por desconfiança e suspeita tamanhas que as motivações dos outros são interpretadas como malévolas”; o transtorno narcisista se manifesta pelo “sentimento de grandiosidade, necessidade de admiração e falta de empatia”; e o transtorno antissocial apresenta um padrão de “desrespeito e violação dos direitos dos outros”. 

Em Carta Aberta, 600 médicos formados na Escola Paulista de Medicina (***) elencaram os atos e omissões mortíferos de Bolsonaro na pandemia, entre eles o estímulo a tratamentos comprovadamente ineficazes; a negligência na crise de oxigênio em Manaus; a sabotagem das medidas de isolamento social; ou o descaso no planejamento da imunização. A Carta conclui com um pedido de impeachment por crimes de responsabilidade e contra a saúde pública. 

Qualquer que seja o desfecho da ação protocolada no STF, o fato de que juristas se unem para apontar um caso de incapacidade mental e médicos para pedir o impedimento político sugere que é cada vez menos verossímil uma terceira hipótese para explicar a conduta desastrosa de Bolsonaro que contribuiu para as centenas de milhares de mortes no Brasil. A leitura dos dois documentos indica que ou foi loucura ou foi crime.

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(*) https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,loucura-ou-crime,70003716210?utm_source=estadao:app&utm_medium=noticia:compartilhamento

(**) https://static.poder360.com.br/2021/05/Peticao_Inicial_Acao_Civil_Originaria-grupo-advogados-juristas-13-mai.pdf?utm_source=estadao%3Aapp&utm_medium=tela-inicial%3Ahome

(***) https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wp-content/uploads/sites/41/2021/01/cartaabertaegressosepmunifespbasta1_200120211107.pdf