quinta-feira, 17 de novembro de 2022

O debate sobre como conduzir a economia na perspectiva da democracia

Está instaurado o debate sobre a economia brasileira.

Armínio Fraga, Pedro Malan e Edmar Bacha assinam, em conjunto, carta aberta a Lula em resposta às suas recentes declarações, mormente à que fez no Egito no dia 17/11/22. Sua íntegra está abaixo.

São homens sérios, e muito respeitados pelas contribuições que já prestaram ao Brasil.

Enfrentam as declarações mais recentes de Lula que parecem ver o “mercado” como um indivíduo a serviço de agentes inteligentes, que, consciente e maliciosamente, atuam contra a superação da desigualdade e da pobreza.

É um bom debate, mas não trata apenas de questões econômicas e sociais. Trata de questões políticas, que estão aparentemente invisíveis, pois, dependendo de como Lula desenhe a sua política econômica, verá aumentar (ou diminuir) o apoio político de que precisa para o sucesso do seu governo.


Veja a íntegra do texto com a resposta dos economistas:

O Globo, 17 de novembro de 2022 (*)

Caro presidente eleito Lula, 

Assistimos a sua fala nesta quinta (17) cedo na COP27, no Egito. Acredite que compartilhamos de suas preocupações sociais e civilizatórias, a sua razão de viver. Não dá para conviver com tanta pobreza, desigualdade e fome aqui no Brasil. 

O desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver. 

A alta do dólar e a queda da Bolsa não são produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados. A responsabilidade fiscal não é um obstáculo ao nobre anseio de responsabilidade social, para já ou o quanto antes. 

O teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos. Não é uma conspiração para desmontar a área social. 

Vejamos por quê. 

Uma economia depende de crédito para funcionar. O maior tomador de crédito na maioria dos países é o governo. No Brasil o governo paga taxas de juros altíssimas. Por quê? Porque não é percebido como um bom devedor. Seja pela via de um eventual calote direto, seja através da inflação, como ocorreu recentemente. 

O mesmo receio que afeta as taxas de juros afeta também o dólar. Imagino que seja motivo de grande frustração ver isso tudo. Será que o seu histórico de disciplina fiscal basta? A verdade é que os discursos e nomeações recentes e a PEC (proposta de emenda à Constituição) ora em discussão sugerem que não basta. Desculpe-nos a franqueza. 

Como o senhor sabe, apoiamos a sua eleição e torcemos por um Brasil melhor e mais justo. 

É preciso que se entenda que os juros, o dólar e a Bolsa são o produto das ações de todos na economia, dentro e fora do Brasil, sobretudo do próprio governo. Muita gente séria e trabalhadora, presidente. 

É preciso que não nos esqueçamos que dólar alto significa certo arrocho salarial, causado pela inflação que vem a reboque. Sabemos disso há décadas. Os sindicatos sabem. 

E também não custa lembrar que a Bolsa é hoje uma fonte relevante de capital para investimento real, canal esse que anda entupido. 

São todos sintomas da perda de confiança na moeda nacional, cuja manifestação mais extrema é a escalada da inflação. Quando o governo perde o seu crédito, a economia se arrebenta. Quando isso acontece, quem perde mais? Os pobres! 

O setor financeiro recebe juros, sim, mas presta serviços e repassa boa parte dos juros para o resto da economia, que lá deposita seus recursos. 

O teto, hoje a caminho de passar de furado a buraco aberto, foi uma tentativa de forçar uma organização de prioridades. Por que isso? Porque não dá para fazer tudo ao mesmo tempo sem pressionar os preços e os juros. O mundo aí fora está repleto de exemplos disso.

Então por que falta dinheiro para áreas de crucial impacto social? Porque, implícita ou explicitamente, não se dá prioridade a elas. Essa é a realidade, que precisa ser encarada com transparência e coragem. 

O crédito público no Brasil está evaporando. Hora de tomar providências, sob pena de o povo outra vez tomar na cabeça. 

Respeitosamente, 

Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan 


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