quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Os brasileiros estão com Renan?

Hoje, às 14:00, 07/12/16, está marcada seção do pleno do STF em cujo primeiro ponto da pauta está a decisão se afasta Renam da presidência do Senado. Não fosse essa uma matéria de estrito caráter constitucional, portanto de exclusiva competência do STF, entretanto, verifica-se nas redes uma divisão de opinião, devido aos riscos institucionais que revelou e às consequências políticas que ela determina.


O STF terá a sua decisão acatada e respeitada. Os brasileiros acostumaram-se a vê-lo como o poder morador da república, e será apoiado em sua decisão por todas as instituições, inclusive pelo próprio legislativo. Mesmo que o tenham que fazê-lo a contragosto.

Esta crise institucional é do Renan, e da "santa aliança" dos que temem e combatem a Lava-Jato. Ela não é dos brasileiros nem da república! Por que, então, tanto reboliço? Porque Renan e os seus cúmplices estão desesperados com as revelações públicas relacionadas aos seus processos judiciais, com a delação premiada da Odebrecht e com o andamento célere que eles passaram a ter, particularmente depois que se iniciou a Lava-Jato. Essa "santa aliança", como todos sabem, é formada por dezenas de parlamentares da Câmara e do Senado, é tácita e suprapartidária, do PMDB ao PT, varrendo os maiores partidos com representação nas duas casas. Renan é o seu maior líder.

A decisão do ministro Marco Aurélio de Mello pegou a todos de surpresa, não apenas ao Renan. Foi uma decisão temerária e não sábia, já que se tratou de uma decisão monocrática de destituir por liminar o presidente do Senado de suas funções sem consultar ao pleno do STF. Isto deixou a todos de cabelo em pé, e em dúvida quanto a sua legalidade. Mas, não foi ilegal, embora de uma "legalidade fraca", devido a sua intempestividade. A ilegalidade real, uma verdadeira afronta ao STF, residiu em Renan não ter acatado a decisão e em ter arrastado emocionalmente os seus pares da mesa do Senado a segui-lo em sua resistência irresponsável.

A decisão criou um clima de incerteza política. Muitos, que apoiam o governo Temer, de transição, temem que o senador Jorge Viana (PT-AC), o seu substituto legal, possa criar problemas à aprovação, em segundo turno, da PEC do teto, cuja votação está marcada para o dia 13 de dezembro próximo. Também temem pelo atraso na votação da Lei do Orçamento Anual (LOA), que deve ser aprovada até o final do ano, para não prejudicar a execução orçamentária de 2017.

A provável decisão que será tomada pelo STF, nesta tarde, de afastar Renan da presidência do Senado, não abalará a Republica (*). Marcará o início de um novo momento político-institucional, de democracia mais avançada, vencendo, definitivamente, as resistências para a aprovação da legislação necessária para acabar com a impunidade dos crimes de colarinho branco.

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A título de pós-escrito (em 10/12/16):

A decisão final do STF, na tarde do dia 07/12/16, deu a Renan Calheiros o direito de continuar presidindo o Senado. Formou-se, entretanto, jurisprudência para excluir da linha sucessória do presidente da República: (1) quem for réu em processo criminal; e (2) ocupe os cargos de presidente da Câmara, do Senado, ou do próprio STF.

Evidentemente, os brasileiros não estão com Renan. Exatamente por isso estão tão indignados com sua permanência no cargo de presidente do Senado.

Enganam-se os que pensam que Renan venceu. Na verdade, ele foi protegido por uma convergência de circunstâncias. O STF, em que pese tenha errado juridicamente em sua decisão, que foi marcadamente política, não se submeteu ao Renan, mas ao que julgou ser melhor para superar a crise! Renan ainda pagará caro por seus crimes, agora com o agravante de ter levado o STF à humilhação de se ver obrigado, premido por essas circunstâncias, a ter que recuar de afastá-lo imediatamente da presidência do Senado, como era justo.

Isso teve um custo em credibilidade para o STF, porque se viu conduzido a errar ao vivo e a cores sob os olhos da nação; um erro intencional, pelo qual é responsável, sabendo que o estava cometendo. Portanto, mais adiante, terá que vir ao encontro da justa demanda da sociedade, de que réus não podem ocupar as presidências da Camara, do Senado e do STF, e refazer essa decisão!

Como se não bastasse, o STF, além de ter que suportar a afronta "institucional" de Renan,  entre os custos de sua decisão esteve o de reconhecer, com os cuidados de sua linguagem ritual, que o ministro Marco Aurélio de Mello errou ao proferir a sua decisão liminar monocrática, intempestiva, temerária e tão carente de sabedoria!

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(*) Errei em meu prognóstico ou desejo, talvez mais desejo, quanto à decisão do STF, de que Renan seria imediatamente afastado.

Considero, entretanto, que um parlamentar que seja réu em processo criminal é incompatível com o cargo de presidente da Câmara ou do Senado. Observo que Rodrigo Janot, o PGR, defendeu essa mesma tese.

Foi nítido, nos discursos dos ministros, inclusive da ministra Carmen Lúcia, o que soou quase que como uma desculpa pelo voto que proferiram, de que se deveria levar em consideração a conjuntura de crise, e os riscos e incertezas a ela inerentes.

O STF pagará um preço por essa decisão política, pois, nesta queda de braços, quem ganhou foi Renan (embora seja uma vitória de Pirro)! Os verdadeiros vencedores serão logo conhecidos. Resta perguntar se com esta decisão o supremo jogou água ou lenha na fogueira da crise, o que já saberemos nos próximos dias.

Enquanto isso, segue o ministro Marco Aurélio de Mello, em seu caminho de crescente descrédito, perante seus pares e a opinião pública, e por seus votos - em voz constipada - marcados pela vã vaidade de querer ser diferente!


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domingo, 4 de dezembro de 2016

Para que alguém necessita ter a sua disposição milhões de dólares?

Solidariedade - Ferreira Gullar (*)


Frequentemente me pergunto por que certas pessoas indiscutivelmente inteligentes insistem em manter atitudes políticas indefensáveis, já que, na realidade, não existem mais.

Estou evidentemente me referindo aos que adotaram a ideologia marxista, que, de uma maneira ou de outra, militaram em partidos de esquerda, fosse no Partido Comunista, fosse em organizações surgidas por inspiração da Revolução Cubana.


Não tenho dúvida alguma em afirmar que Karl Marx foi uma personalidade excepcional, tanto por sua inteligência como por sua generosidade, pois dedicou a sua vida à luta por um mundo menos injusto.

Graças a homens como ele, as relações de capital e trabalho - que, na época, eram simplesmente selvagens - mudaram, alcançado as conquistas que as caracterizam hoje. Marx contribuiu para mudar a sociedade humana, muito embora o seu sonho da sociedade proletária se tenha frustrado.

Nisso ele errou, e nós, que acreditávamos em suas ideias, erramos com ele. Isso não significa, porém, que o sonho da sociedade igualitária tenha que ser sepultado. Continua vivo e o que importa é encontrar outros meios de torná-lo realidade. Já alguns países têm avançado nessa direção.

Mas, para que esse avanço prossiga é necessário reconhecer que o sonho marxista estava errado, ainda que bem-intencionado. Se insistirmos nos dogmas ditos revolucionários - como a luta de classes e a demonização da iniciativa privada -, não sairemos do impasse que inviabilizou o regime comunista onde ele se implantou.

Há que reconhecer que, se sem o trabalhador não se produz riqueza, sem o empreendedor também não. Entregar o destino da economia a meia dúzia de burocratas foi um dos equívocos que levaram ao fracasso os regimes comunistas onde ele se implantou.

Tampouco pode-se negar que o regime capitalista se move essencialmente pela exploração do trabalho e pela acumulação do lucro. A ambição desvairada pelo lucro é o mal do capitalismo que deve ser extirpado. E, creio eu, isso talvez possa ser feito sem violência, uma vez que, de fato, ninguém necessita de acumular fortunas fantásticas para ser feliz.

A sociedade também não necessita ser irretorquivelmente igualitária, mesmo porque as pessoas não são iguais. Um perna de pau não deve ganhar o mesmo que o Neymar, nem o Bill Gates o mesmo que ganha um chofer de táxi.

E, por falar nisso, para que alguém necessita ter a sua disposição milhões e milhões de dólares? Para jantar à tripa fora? Se ele investir esse dinheiro numa empresa, criando bem e dando emprego às pessoas, tudo bem. Mas ninguém necessita ter dez automóveis de luxo, vinte casas de campo nem dezenas de amantes.

Tais fortunas devem ser divididas com outras classes sociais, investidas na formação cultural e profissional das pessoas menos favorecidas, usadas para subvencionar hospitais e instituições para atender pessoas idosas e carentes.

Sucede que só avançaremos nessa direção se pusermos de lado os preconceitos esquerdistas e direitistas, que fomentam o ódio entre as pessoas.

Sabem por que Bill Gates deixou a presidência de sua empresa capitalista para dirigir a entidade beneficente que criou? Porque isso o faz mais feliz, dá sentido à sua vida.

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(*) Minha singela homenagem a este grande cidadão, o poeta Ferreira Gullar. Artigo publicado pela Folha de S.Paulo em 04/12/16, no dia do seu falecimento. http://m.folha.uol.com.br/colunas/ferreiragullar/2016/12/1838005-para-que-alguem-necessita-ter-a-sua-disposicao-milhoes-de-dolares.shtml?cmpid=comptw

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Desculpe, a Odebrecht errou

Por ocasião do acordo de leniência entre o ministério público e a Odebrecht, a empresa não apenas se comprometeu a devolver a vultosa soma de 6,8 bilhões de reais, mas assinou um compromisso ético, de sua lavra, que pode significar um novo momento na história econômica brasileira.

Um incrível resultado, que somente foi possível porque a Lava-Jato coletou provas irrefutáveis, concretas e objetivas sobre as operações ilícitas de um sistema de corrupção envolvendo:
(1) as maiores empreiteiras brasileiras;
(2) políticos ocupando posições estratégicas nos poderes executivo e legislativo federal;
(3) servidores públicos situados em posições estratégicas na Petrobras, nas maiores empresas estatais e nos seus respectivos fundos de pensão;
(4) operadores especializados em lavagem de grandes volumes de recursos, internamente, e externamente, com a utilização de paraísos fiscais;
(5) envolvimento das estruturas dos maiores partidos políticos, principalmente o PT, o PMDB e o PP, recebendo recursos de caixa dois e de lavagem de dinheiro para financiar suas respectivas campanhas eleitorais.

Se a operação Lava-Jato, enquanto operação da justiça, simboliza o anseio dos brasileiros de dar fim à impunidade dos crimes de colarinho branco, a nota da Odebrecht, tem por si só, um valor histórico. Ela fala não só por si, mas pelo empresariado! 

Ela pode estar demarcando, pelo ideário correto que apresenta, uma nova etapa no relacionamento entre as empresas e o poder público, dando chance ao surgimento de uma democracia moderna, republicana e de civilidade, que quer romper com o patrimonialismo, o que somente é possível se o empresariado e o cidadão forem co-partícipes desse compromisso.



A íntegra da nota:

"A Odebrecht reconhece que participou de práticas impróprias em sua atividade empresarial.


Não importa se cedemos a pressões externas. Tampouco se há vícios que precisam ser combatidos ou corrigidos no relacionamento entre empresas privadas e o setor público.
O que mais importa é que reconhecemos nosso envolvimento, fomos coniventes com tais práticas e não as combatemos como deveríamos.
Foi um grande erro, uma violação dos nossos próprios princípios, uma agressão a valores consagrados de honestidade e ética. 
Não admitiremos que isso se repita.
Por isso, a Odebrecht pede desculpas, inclusive por não ter tomado antes esta iniciativa.
Com a capacidade de gestão e entrega da Odebrecht, reconhecida pelos clientes, a competência e comprometimento dos nossos profissionais e a qualidade dos nossos produtos e serviços, definitivamente, não precisávamos ter cometido esses desvios.
A Odebrecht aprendeu várias lições com os seus erros. E está evoluindo. 
Estamos comprometidos, por convicção, a virar essa página.
COMPROMISSO COM O FUTURO
O Compromisso Odebrecht para uma atuação Ética, Íntegra e Transparente já está em vigor e será praticado de forma natural, convicta, responsável e irrestrita em todas as empresas da Odebrecht, sem exceções nem flexibilizações.
Não seremos complacentes.
Este Compromisso é uma demonstração da nossa determinação de mudança: 
1. Combater e não tolerar a corrupção em quaisquer de suas formas, inclusive extorsão e suborno.
2. Dizer não, com firmeza e determinação, a oportunidades de negócio que conflitem com este Compromisso.
3. Adotar princípios éticos, íntegros e transparentes no relacionamento com agentes públicos e privados.
4. Jamais invocar condições culturais ou usuais do mercado como justificativa para ações indevidas.
5. Assegurar transparência nas informações sobre a Odebrecht, que devem ser precisas, abrangentes e acessíveis, e divulgadas de forma regular.
6. Ter consciência de que desvios de conduta, sejam por ação, omissão ou complacência, agridem a sociedade, ferem as leis e destroem a imagem e a reputação de toda a Odebrecht.
7. Garantir na Odebrecht e em toda a cadeia de valor dos Negócios a prática do Sistema de Conformidade, sempre atualizado com as melhores referências.
8. Contribuir individual e coletivamente para mudanças necessárias nos mercados e nos ambientes onde possa haver indução a desvios de conduta.
9. Incorporar nos Programas de Ação dos Integrantes avaliação de desempenho no cumprimento do Sistema de Conformidade.
10. Ter convicção de que este Compromisso nos manterá no rumo da Sobrevivência, do Crescimento e da Perpetuidade.
A sociedade quer elevar a qualidade das relações entre o poder público e as empresas privadas.
Nós queremos participar dessa ação, junto com outros setores, e mudar as práticas até então vigentes na relação público-privada, que são de conhecimento generalizado.
Apoiamos os que defendem mudanças estruturantes que levem governos e empresas a seguir, rigorosamente, padrões éticos e democráticos.
É o nosso Compromisso com o futuro.
É o caminho que escolhemos para voltar a merecer a sua confiança.
Odebrecht S.A."

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Roberto Freire, ministro da cultura

Freire, e o seu partido, o PPS, representa no governo Temer uma vertente da esquerda para a qual a democracia é um valor fundamental. Isto implica afirmar ser impossível existir um sistema social justo sem democracia, que deve realizar-se nos planos político, econômico e social.


Freire é um político, não um artista ou um acadêmico; mas é um intelectual orgânico do pensar e agir sobre como construir um mundo melhor na perspectiva da esquerda democrática. Ele faz parte da longa tradição dos intelectuais do PCB, como Astrojildo Pereira, Oscar Niemayer, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Mário Schenberg, Caio Prado Júnior, Mário Lago, Vianinha, Dias Gomes, Ferreira Gullar, e tantos outros. As tarefas que enfrentará não serão nada fáceis nesta conjuntura conflituosa, mas, com essa herança, ele se sentirá pleno de legitimidade no mundo da cultura. E não lhe faltará quem o apoie para que tenha sucesso.

Freire é um conhecido de todos os que participaram do enfrentamento à ditadura militar. Sabem que o seu partido, o PCB - o velho "partidão" -, adotou a estratégia de apoiar uma ampla frente democrática para unir todos os que se opunham ao autoritarismo. Esta política o levou a apostar no fortalecimento das instituições de caráter democrático, como o Legislativo e o processo eleitoral, as entidades sindicais e as instituições representativas da sociedade civil. Isto resultou em um movimento cívico, de massas, nos espaços institucionais, e nas ruas, que permitiu acumular as forças necessárias para reconquistar a democracia, o que culminou com a Assembleia Nacional Constituinte e na Constituição cidadã de 1988.

Quem for fiel à história reconhece a importante contribuição do PCB, embora essa estratégia de enfrentamento à ditadura tenha sido muito criticada à época - como "reformista" - pelos partidos que adotaram a luta armada como estratégia. Os que a defendiam, depois de terem sido derrotados, embora a contragosto, tiveram que aderir à essa visão, caso contrário ficariam fora do processo de redemocratização. Mesmo o PT, que votara contra a aprovação da Constituição no dia de sua promulgação, integrou-se ao processo democrático e chegou, pelo voto, ao poder.

Mas, a correção dessa política custou caro ao PCB! Em 1974, já desbaratadas e derrotadas as várias organizações de resistência armada, os órgãos de repressão da ditadura voltaram-se exclusivamente contra o PCB. Era necessário, então, liquidar o único partido de esquerda que permanecera organizado e funcionando nacionalmente. Abateu-se, então, sobre as suas direção central e estruturas estaduais a mais bárbara ação de repressão, e dentre os centenas de presos, torturados e sequestrados, dez permanecem desaparecidos e insepultos!

Com o fim da União Soviética e da guerra fria, o velho partidão, por decisão do seu X Congresso, em 1992, transformou-se em PPS. Com isso, buscou proclamar com força duas características de sua identidade singular, que já o distinguiam dos demais partidos de esquerda: primeiro, desde 1958, quando rompeu com o estalinismo e apontou a democracia como caminho para o socialismo; segundo, a política assumida em seu VI Congresso, em 1966, após o golpe, quando adotou a estratégia da frente democrática e da via pacífica para enfrentar a ditadura. Aos que acompanham essa digna trajetória, entretanto, o PPS parece ter ficado aquém do que merecia ter alcançado com sua nova perspectiva para ajudar a construir um Brasil mais justo e democrático. Razões, certamente, existem, e devem ser buscadas em suas deficiências e no momento de perplexidade porque passa a esquerda em todo o mundo!

Mas, o mundo dá voltas. Embora o PPS não tenha participado dos governos Lula e Dilma, por suas divergências, agora está no governo Temer, com Freire na Cultura, e com Jungmann na Defesa.

Quanto a Freire, presidente nacional do partido, os que o conhecem se lembram do brilhante e combativo deputado federal constituinte, do candidato a presidente da república que qualificou o debate na eleição de 1989, e do líder do governo Itamar na Câmara após o impeachment de Collor. Sua marca é a combatividade, a capacidade de diálogo e negociação, e a tolerância com as posições divergentes. É tudo, menos uma “Maria vai com as outras”. Suas características, creio, justificam expectativas positivas para a Cultura, e o próprio elogio de Temer ao lhe dar posse como ministro (*).


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(*) http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,com-chegada-de-freire-vamos-salvar-o-brasil-diz-temer,10000090102?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=manchetes
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quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Golpe, revolução ou democracia?

Vivemos momentos tensos, que testam a capacidade de resistência de nossa democracia! Não subestimemos a gravidade da crise! Ela se traduz nos 12 milhões de desempregados, na falência financeira dos estados, e nos milhões de servidores, professores, profissionais de saúde, etc., e aposentados, que estão correndo o risco de não receber sequer os seus salários!


Convivemos com uma imensa crise ética, ligada à econômica, que não pode deixar de ser enfrentada! Esta, na verdade, é uma extraordinária oportunidade histórica de acabar com a impunidade do crime de colarinho branco para construir um Brasil mais justo e democrático.

Mobilizam-se milhares de cidadãos, trabalhadores, funcionários públicos e estudantes, exercendo o direito de manifestação garantido pela Constituição. Eles estão ocupando as ruas, as escolas, as universidades, as Assembleias Legislativas e, hoje, o plenário da Câmara Federal. Sua mensagem de insatisfação é clara!

A democracia é o método para a solução da crise! Mas, não podemos tapar o sol com a peneira! Participam dessas manifestações, embora com diferentes objetivos, grupos de militantes radicais. Eles jogam para criar uma crise institucional! São de extrema direita, propondo um golpe militar, ou de extrema esquerda, com seus delírios de uma revolução popular. Na verdade, com suas teses ultrapassadas e irracionais, tentam nos levar de volta ao passado!

Não somos reféns de seus métodos, nem de suas intenções! Por isso, é urgente que os democratas de todos os matizes saibamos isolar politicamente esses radicais que atentam intencionalmente contra a democracia! E vencê-los, sem violência, mas sem covardia, usando as armas suficientes que o Estado Democrático de Direito nos propicia! 

Se soubermos nos unir, com o valor e o método da democracia na mente e no coração, e com diálogo e negociação, superaremos essa crise. Basta querermos!

Entrevista do presidente Temer ao programa Roda Viva

Esta importante entrevista (*) foi ao ar no programa Roda Viva, TV Cultura, 14/11/16, 22h. Ela foi esclarecedora sob muitos aspectos, mas me ficaram duas impressões contraditórias:

(1) positiva, de que respondeu a tudo o que lhe foi perguntado, demonstrando conhecimento e habilidade para conduzir as delicadas articulações político-legislativas, no Congresso, para aprovar as medidas de caráter emergencial para enfrentar a crise fiscal e financeira do Estado;

(2) negativa, de que é prisioneiro da "santa aliança" formada pelos que temem e combatem a Lava-Jato, o que se traduz em posições dúbias e em pouca disposição para abraçar medidas vigorosas para punir a corrupção, em particular quando envolvem parlamentares e personalidades políticas da república.

A história, todos nós, e as ruas, o julgaremos!


O programa foi gravado na sexta (11/11/16) no Palácio da Alvorada, em Brasília, contou com uma bancada de entrevistadores formada por Willian Corrêa, coordenador geral de jornalismo da TV Cultura e âncora do Jornal da Cultura, Sérgio Dávila, editor-executivo da Folha, João Caminoto, diretor de jornalismo do Grupo Estado, Eliane Cantanhêde, colunista do jornal "O Estado de S. Paulo" e comentarista da GloboNews, e Ricardo Noblat, colunista político do jornal "O Globo" e titular do Blog do Noblat.
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De que forma Temer pode estar sendo prisioneiro da "santa aliança" dos que temem e combatem a Lava-Jato? Analiso duas hipóteses:

1. Caso Temer esteja sendo refém de chantagem, no Senado e na Câmara, dos parlamentares que condicionariam o voto favorável aos projetos de ajuste fiscal ao apoio do presidente, buscando um acordo por cima, na calada da noite, à anistia do caixa dois, à manutenção da prerrogativa de foro, à aprovação da lei de "abuso de autoridade" do Renan, etc., projetos estes para que possam sair impunes dos ilícitos que lhes estão sendo imputados pela justiça; muitos afirmam ser esta a hipótese correta;
2. Caso Temer seja um prisioneiro de sua própria consciência; neste caso ele, Lula, Renan, Romero Jucá, etc., estão no mesmo barco, o de buscar liquidar com a Lava-Jato, em que pese as declarações que possam dar em contrário; o drama de nossa crise é que, também, muitos consideram ser esta a hipótese correta.

Eu gostaria, por enquanto, até prova em contrário, de considerar que a primeira hipótese seja a que mais se aproxime da realidade, sendo Temer mais uma vítima do chamado "presidencialismo de coalizão"; esta é uma distorção do nosso sistema político (por isso ele estaria clamando pelo parlamentarismo); neste caso, para livrar-se da chantagem, precisará apelar para a banda ética do Congresso, para a cidadania, para as instituições democráticas da sociedade civil, para as instituições jurídicas e para as ruas; caso contrário, se não tiver coragem para fazer isso, será engolido por este dragão, jogando fora a oportunidade histórica, que se coloca, de acabar com a impunidade dos crimes de colarinho branco! 

Se a segunda hipótese for a verdadeira, a crise é mais profunda - com riscos institucionais -, e somente o surgimento de um movimento com profundos compromissos com a democracia, com outras lideranças, permitirá romper o impasse; este movimento precisará ganhar as ruas, apoiar-se nas instituições democráticas e ficar longe dos extremos de ultra-direita e de ultra esquerda!

O mais surpreendente, nesta segunda hipótese, por decorrência meramente lógica, é que Temer, com isso, aumentaria o seu cacife para negociar com o PT o apoio às suas medidas fiscais! Neste caso, tanto quanto Lula, Temer estaria na trama de buscar uma anistia ampla, geral e irrestrita aos implicados na Lava-Jato, e isto incluiria os empresários, bem como acordos de leniência generosos para suas respectivas empresas. Isto configuraria, mais uma vez, um acordo por cima, de elites, tão comum na história política brasileira.
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(*) https://www.youtube.com/watch?v=szaxsMK7kCY

sábado, 12 de novembro de 2016

O Mundo de Trump

Jornalista Luiz Carlos Azedo (*)


Estamos todos perplexos, ainda, com ascensão de um empresário arrogante e aventureiro, que faliu quatro vezes e não esconde o passado de sonegador “legal” do fisco de seu país, ao comando da maior potência mundial, os Estados Unidos. Histriônico, xenófobo e machista durante a campanha, Trump atropelou uma quinzena de pretendentes ao posto no seu próprio partido e, depois, derrotou a democrata Hillary Clinton no colégio de “superdelegados”, que define o presidente americano. Ela, com longa estrada na política, venceu a disputa no voto popular. Todas as pesquisas e os principais comentaristas políticos diziam que a ex-primeira dama e ex-secretária de Estado seria a sucessora de Barack Obama, um presidente que orgulharia qualquer país. Deu Donald Trump!

A propósito da eleição, um velho amigo, o sociólogo Marcos Romão, líder negro de sua geração, num comentário carregado de emoção, disparou nas redes sociais: “Quem é este homem que votou no Donald Trump? Sim, eu o vejo na Rússia, na Hungria, na Alemanha, na Polônia, na Argentina, nos EUA, na Argentina e no Brasil. E para onde eu olhar, é um homem, em geral, precarizado no mundo do trabalho, que perdeu todos os direitos que possuía ao perder o emprego seguro que tinha. Este homem que rumina toda tarde diante da televisão, com uma cerveja ao lado, destila no saco um ódio a todos os vizinhos – mexicanos, muçulmanos, negros, estrangeiros, mulheres, gays –, que ele imagina terem ocupado o seu lugar e que seriam as causas de sua desgraça e perda do poder que tinha, em um mundo em ordem, num passado distante.”

Romão, que durante muitos anos morou na Alemanha, onde constituiu família, prossegue com sua alma de poeta anarquista, mas que sabe das coisas do mundo:

“Este é o homem que sai nas ruas da Alemanha contra refugiados.

Este é o homem que na Rússia sai na rua para espancar gays.

Este é o homem que nos EUA destila o ódio contra todo o resto do mundo que não mais reconhece a sua supremacia imperial americana.

Este é o homem que aplaude os esquadrões da morte no Brasil e nas Filipinas.

Este homem frustrado e ressentido descobriu o voto.

Descobriu o mesmo voto que os lutadores pelos direitos civis descobriram na década de 1960.”

É uma visão mais antropológica do que política, mas faz todo o sentido diante de um fenômeno que foge aos paradigmas estabelecidos. O filósofo polonês Adam Schaff, no ensaio “A identidade cultural na pós-modernidade” (DP&A editora), analisa a desconstrução da identidade do sujeito moderno e a crise de representação política no Estado-nação, bem como o fundamentalismo, a diáspora e o hibridismo na globalização. O fortalecimento do nacionalismo e da xenofobia na Europa já era uma realidade, agora exacerbada por uma crise humanitária sem precedentes. A eleição de Trump desnuda a crise de identidade da América profunda, digamos assim. Sua resposta política era inimaginável: a negação do “sonho americano”, do qual Barack Obama é o maior símbolo contemporâneo. A divisão da mais poderosa nação do Ocidente se aprofundou com sinal trocado: o Partido Republicano chegou ao poder pela via do nacionalismo e do populismo.

O Oriente

Mudando de eixo, a eleição de Trump é uma resposta à decadência da hegemonia econômica e política dos Estados Unidos num mundo cada vez mais multipolar. É uma resposta intuitiva que provavelmente ressuscitará o anticomunismo como narrativa política, em razão do fato de que a China é o grande vilão da globalização para a massa de trabalhadores norte-americanos que elegeram Trump. Negros e hispânicos foram hostilizados por Trump na campanha, o racismo é um ingrediente de sua campanha, mas, do ponto de vista da geopolítica mundial, o problema é outro. Quando Trump sinaliza para o presidente russo Vladimir Putin, como o fez na campanha, está mandando um recado para a China. Ou seja, está sinalizando uma mudança de estratégia não somente em relação à Europa, mas em relação a todo o Oriente. Não é uma mudança trivial na política externa norte-americana, desde Richard Nixon.

No seu livro Sobre a China (Editora Objetiva), o ex-secretário de estado Henry Kissinger, grande artífice da reaproximação com a China, destaca que a disputa pelo controle do comércio mundial no Pacífico entre essa potência continental, e os EUA, uma potência marítima, seria a grande polarização do século. No passado, a Inglaterra (potência marítima) e a Alemanha (potência continental), que disputaram o controle do comércio no Atlântico, protagonizaram duas guerras mundiais. Para alguns autores, a China e outros países asiáticos levam vantagem na concorrência com o Ocidente por serem regimes autoritários, sem os percalços da democracia, que vive uma crise de representação. Qual será a resposta de Trump?

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(*) Coluna Nas entrelinhas. Correio Braziliense. Edição de 10/11/16.