sábado, 14 de maio de 2016

‘Temer tem que limpar o terreno agora para quem chegar em 2018’

Entrevista com o professor Luiz Werneck Vianna (*)

Para professor-pesquisador da PUC-RJ, presidente em exercício terá dificuldade ‘quase intransponível’ para legitimar seu mandato e implementar nova agenda


A chegada do governo interino de Michel Temer coincide com o desabrochar de uma sociedade com pretensões por autonomia, segundo o sociólogo Luiz Werneck Vianna. Essa nova organização não se vê tão representada politicamente, o que pode, segundo o professor da PUC-Rio, criar obstáculos “quase intransponíveis” para a nova conformação do Palácio do Planalto. “O que Temer tem que fazer agora é limpar o terreno para quem chegar em 2018”, afirma. Para ele, a ocorrência de dois processos de impeachment em menos de 25 anos faz crescer na sociedade a desconfiança com o regime presidencialista.

Do ponto de vista de quem é contra o governo Temer, há o entendimento de que houve uma desvalorização do voto. Como o sr. vê essa questão?

O voto continua valendo o que vale. Está todo mundo interessado no voto em 2018. O País logo vai se mobilizar para as eleições municipais. A democracia brasileira se consolidou, vem se consolidando, as instituições vêm demonstrando capacidade de resistência, ou seja, a arquitetura constitucional de 1988 está passando por testes muito duros e está indo muito bem. A democracia política foi reforçada pelo discurso de todos, dos perdedores e vencedores. A Constituição se tornou uma língua geral da política brasileira. A questão que tem que ser verificada é como esse governo vai se encontrar com a opinião pública com tão pouco tempo para sanear as contas públicas. Esse ministério apresentado pelo governo Temer é um ministério politicamente muito denso e treinado.

A resistência social ao governo Temer, representada pelo MST ou pela CUT, é um desafio para o presidente interino?

Uma coisa assustadora e terrificante é imaginar que tipo de governo esse tipo de esquerda que você menciona poderia compor um governo neste País. Imagine um ministério com o senador Roberto Requião (PMDB-PR) na Fazenda. As críticas vêm de pessoas que não se dão conta da natureza das coisas, dos processos novos que estão em curso no País e do mundo, que já não é mais o da Margareth Thatcher (primeira-ministra britânica de 1979 a 1990), mas o do Barack Obama (presidente dos EUA), do papa, da Angela Merkel (premiê alemã), da ONU. Essa esquerda que você citou ainda está no mundo de Ronald Reagan (presidente dos EUA de 1981 a 1989). O anacronismo é uma marca da cultura política brasileira, mas ela persiste porque a política foi usurpada da sociedade. O PT, que nasceu com vocação de simular a vida civil, associativa, da deliberação, do assembleísmo, tornou-se um partido de Estado, aparelhou e deseducou a sociedade.

O que eu quero dizer é caso a resistência de movimentos sociais se imponha. Não pode ser um problema para o governo interino?

Não, o governo nasce com desafios muito fortes. A temperatura pode ser elevada, mas não vai passar de nada que seja muito impactante. É só tomar como referencia esse processo das ruas desde que o movimento do impeachment surgiu. Não houve nenhum atropelo, os conflitos foram mínimos, as ocorrências policiais praticamente foram inexistentes.

O novo lema do novo governo – ordem e progresso – parece dizer o contrário.

Não me parece um lema feliz. Está carregado com o pensamento do republicanismo autoritário da nossa tradição. É tão infeliz como pátria educadora (lema do segundo mandato do governo Dilma).

Com vários implicados na Operação Lava Jato, o PMDB pode tentar silenciar as investigações?

As investigações vão se aprofundar porque o Judiciário e a Polícia Federal, a essa altura, ganharam uma autonomia irreversível. Tentativa sempre poderá haver, mas me parece que não encontrarão sustentação, inclusive porque teremos uma opinião pública vigilante.

Como o sr. avalia a chegada do velho PMDB ao poder?

O momento é de enorme dificuldade para todos. Não se governa este País sem o PMDB, o Lula aprendeu isso. O partido tem capilaridade, é uma força da tradição. Como se governa esse País sem o centro político? Pela esquerda? A Dilma tentou. Tem que entender porque a Dilma perdeu capacidade de sustentação. Não foi um movimento político e social que fez emergir o governo Temer. Ele está emergindo porque caiu a política do governo, a economia e também no plano ético-moral. A saída institucional é o Temer assumir.

Como o governo interino de Michel Temer vai obter legitimidade?

Ele vai ter que se legitimar pelas políticas, demonstrando capacidade de pôr a economia nos eixos, de animar a sociedade com novos horizontes. É um cenário muito difícil. Qual seria a alternativa? Novas eleições? Você convocar eleições a partir dessa ruína, sem que a sociedade tenha tempo de se organizar, para criar espaço para um herói providencial, um cavaleiro da fortuna de sabe-se lá onde? Quantos votos terá Bolsonaro (Jair, deputado do PSC-RJ)? De onde vem o cavaleiro da fortuna, sem apoio, com linguagem demagógica? A Dilma não está sendo derrubada.

Mas ela não foi condenada.

Mas o governo dela derruiu. A acusação é de crime de responsabilidade fiscal.

Não está provado. Do contrário teremos que tirar vários governadores deste País, não?

Essa argumentação é como se nada tivesse acontecido. Este País está sem governo. Há quanto tempo a Dilma não governa? Inclusive ela não gosta e não sabe governar. As lideranças mais conscientes têm consciência disso, de que as coisas chegaram a esse ponto por incompetência política e administrativa dela, pelos erros dela. Derruiu. O que fica no lugar? Fica no lugar um vice e as instituições. A política brasileira tem que ser pensada agora de forma absolutamente responsável, sob pena de entrar numa conjunção que vai fazer com que todas as nossas conquistas sejam perdidas. Retrocesso é perder o que conquistamos do ponto de vista político institucional. Estamos numa situação revolucionária? Certamente não, inclusive porque os partidos revolucionários não estão aí. O que você tem é uma retórica de alguns pouquíssimos revolucionários. A questão da terra se resolve com Kátia Abreu no ministério (da Agricultura)?

E resolve agora com Blairo Maggi (deputado PP-MT, novo ministro da Agricultura)?

Vai continuar igual porque a situação não te permite botar o Stédile (João Pedro, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) na Agricultura ou no Desenvolvimento Agrário. Aliás, não há partido agrário camponês no Brasil. Stédile podia ter montado um, mas não montou.

O PSDB está bem contemplado com três ministérios?

O novo governo está buscando sustentação no Parlamento. Ele conseguiria isso com um grupo de notáveis com um programa de esquerda na mão? Os partidos estão em ruínas. O PSDB só tem califa querendo o lugar do califa, é uma luta pelo poder desvairada. Não tem quadros, só nos vértices, mas estão todos envolvidos em projetos pessoais de grandeza. Tem o Fernando Henrique Cardozo, que já não tem ambição do califado e ainda mantém os pretendentes no equilíbrio. Mas o PSDB não é um partido político moderno porque não tem cabeça, troncos e nem membros. A questão é como sair de uma barafunda dessa para um situação avançada, de enraizamento do governo na sociedade, criando uma agenda que possa ser produzida de uma forma que a sociedade entenda, legitime e aceite. Não é essa a situação atual.

Dilma pode voltar?

Acho difícil. Se o governo Temer fracassar, uma nova eleição presidencial pode ocorrer no meio do caminho. É uma saída difícil do ponto de vista constitucional. Poder pode, mas a Dilma volta para governar com quem? Com que Parlamento?

E Lula se recupera?

Lula é uma referência poderosa dentro do PT. Dizer que ele não está machucado seria uma ingenuidade. Deve estar sofrido. É um nome forte da política brasileira que não vai sair dela assim facilmente. É uma referência mais do que histórica, tem comando, liderança, talento político, mas malbaratado pela presidente que elegeu.

O semiparlamentarismo, regime defendido por Temer, teria respaldo social?

Sim porque o presidencialismo brasileiro saiu malquerido nesse segundo impeachment. Foram dois em 25 anos, é muita coisa. E afora a história das crises politicas que têm sido a tradição do nosso presidencialismo, com Jânio Quadros, João Goulart e Getúlio Vargas. A sociedade brasileira está amadurecendo para o semipresidencialismo ou para formas de parlamentarismo mais presentes na vida das pessoas porque a sociedade está se organizando. Não tem como entender o período de 2013 para cá sem registrar que há um processo de auto-organização social na vida brasileira. Só que ela ainda não se encontrou com os partidos, com a política, mas vem se encontrando. Preste atenção no movimento dos adolescentes nas escolas públicas. Esse movimento tem a cara de 2013, de chamar atenção para o tema da educação, para auto-organização social. E logo que esse processo se aprofundar, essas lideranças carismáticas terão lugar. A sociedade está se educando, passando por um processo em que sua auto-organização é cada vez mais desejada por ela própria. Ela não está mais identificando a representação legislativa como resultado de sua vontade.

É claro que um governo com as características do Temer, que não saiu das urnas, vai ter uma dificuldade quase intransponível para realizar a agenda de mudanças necessárias. O que ele pode fazer agora é limpar o terreno para aquele que virá em 2018 levar adiante a tarefa de aprofundamento da democracia política no Brasil. Ele o fará com homens disponíveis para essa tarefa, que não saíram da soberania popular, mas de um processo de ruínas. O capital político do Temer para agir agora é pequeno.

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segunda-feira, 9 de maio de 2016

O sonho de uma Universidade de Brasília democrática e de excelência

Carlos Alberto Torres

O sonho da UnB não tem proprietários. Ele vem encantando sucessivas gerações de docentes, técnico-administrativos e alunos, que a buscam e se orgulham de fazer parte de seus quadros, e de nela estudar.
A UnB é vocacionada para ser uma instituição da democracia brasileira. Foi concebida como um projeto engajado, pois a visão dos seus fundadores foi de que essa democracia, além de politica, deveria ser, também, social e econômica. Por isso o compromisso com a solução dos problemas nacionais foi registrado em seus documentos de fundação.
A ADUnB, quando surgiu, em 1978, enfrentávamos a ditadura militar. Tive a honra de junto com outros bravos colegas ser seu sócio fundador, e de fazer parte de sua primeira diretoria. A entidade, naturalmente, com o código genético da UnB, adotou, desde o primeiro dia, o mais vigoroso compromisso com o valor fundamental da democracia. Foram muitas lutas. Chegamos aos nossos dias.
Nos próximos dias 10 e 11 de maio os docentes irão eleger uma nova diretoria da ADUnB. Que entidade precisamos e queremos? Possuímos, como docentes, nossa pauta reivindicatória. Ela é intrínseca ao exercício de condições dignas de trabalho para que a instituição atinja os seus objetivos. Neste momento da campanha as pautas programáticas das diversas chapas já são conhecidas por todos.
Quero tomar a liberdade de inserir esta eleição da ADUnB no cenário da crise ética e política que o nosso país atravessa. Exatamente no segundo dia da votação, dia 11, estará, provavelmente, sendo aprovada no plenário do Senado a admissibilidade para o julgamento do impeachment da presidente Dilma Rousseff. E a previsão é que no prazo máximo de 180 dias esse julgamento estará concluído. Supõe-se que serão dias tensos e difíceis para todos os brasileiros! E isso nos afetará a todos, e à UnB em particular.
Gostaria de fazer as seguintes considerações, que conduzem à minha opção pela Chapa 1 (*):
1.   Defendo que o nosso valor mais fundamental é manter a UnB funcionando. O sonho de uma instituição acadêmica de excelência é uma responsabilidade e construção coletiva. Não devemos abandonar este objetivo mesmo neste momento de crise.
Sempre estive convencido de que as visões corporativistas atentam contra esse objetivo, pois adotam como estratégia de luta as greves prolongadas, que não conseguem esconder objetivos políticos alheios aos interesses da comunidade acadêmica. Julgo que a orientação política seguida pela Chapa 2 se alinha com esta concepção equivocada. Acho que esta perspectiva não serve à UnB neste momento histórico.
Penso que, nas condições específicas que serão enfrentadas nos próximos dois anos, devemos defender os nossos empregos e salários, buscar formas inovadoras de luta, e tomar decisões coletivas democráticas com a consulta à maioria dos docentes.
Penso que o que nos protegerá será, exatamente, a excelência no cumprimento de nossa função social, em aliança com os técnico-administrativos, com os alunos e com a sociedade.
2.   Defendo que têm caráter essencialmente democrático as mudanças institucionais que se avizinham para superar a crise, e que o impeachment, caso ocorra, se dará dentro do mais estrito respeito às normas constitucionais.
A corrupção pune a sociedade, diminuindo, principalmente, os recursos para os gastos sociais; e a educação pública é uma das mais prejudicadas; exatamente, por isso, acabar com a impunidade dos crimes de colarinho branco, doa a quem doer, é essencial para aperfeiçoar a democracia brasileira nesta etapa de nossa história.
Ao mesmo tempo, defendo que a Operação Lava-Jato[1] vem sendo exemplar ao desnudar o papel da corrupção no financiamento da conquista e da manutenção do poder político. Esta é a razão da baixa qualidade de nossa representação parlamentar!
Julgo ser esse o pensamento da Chapa 1 sobre esta questão. Estou, mais ainda, convencido de que a UnB, majoritariamente, pensa assim, coerentemente com suas tradições democráticas.
3.    Defendo o desaparelhamento partidário das instituições públicas.
Desde 2014, durante as eleições presidenciais[2], passei a criticar o que se passava na ANDIFES (Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), formada pelos reitores em exercício das universidades federais, quando organizou manifesto em apoio à candidatura de Dilma Rousseff, constrangendo os próprios reitores. Pessoalmente, eu gostaria de um MEC libertado do aparelhamento!
Por essa razão, a Chapa 3, vinculada à ANDIFES, não poderia receber o meu apoio.
Ao polemizar com essas questões de caráter político não coloco em dúvida a honorabilidade de quaisquer dos membros das Chapas 2 e 3. Todos são colegas respeitáveis e merecem o nosso apreço. A eles dedico a minha frontal e leal divergência!
Finalmente, chamo a todos para não deixarem de comparecer às urnas! O voto de todos, e o de cada um é indispensável! Basta que cada um pense que sua ausência poderá ser exatamente o voto que faltará para a vitória da chapa de sua preferência!



[1] "A santa aliança contra a Lava-Jato". Artigo publicado no Correio Braziliense em 12/01/2016:
[2] "Teriam as universidades federais candidato a presidente?". Artigo publicado no Correio Braziliense em 22/10/2014:
https://dl.dropboxusercontent.com/u/16402719/Teriam%20Candidato%20a%20Presidente%3F-CB-22-10-14.tiff

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(*) Para registro histórico: a Chapa 1 venceu as eleições.

Resultados finais da eleição da ADUnB:
Chapa 1: 502 votos (43%)
Chapa 2: 419 votos (36%)
Chapa 3: 235 votos (20%)
Total: 1.156 votos
Obs.: Os percentuais foram calculados sobre os totais, considerados os votos brancos e nulos.

domingo, 8 de maio de 2016

As falácias vão ficando pelo caminho

Alberto Aggio (*)

Mesmo antes de ser aprovada a admissibilidade do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, o caudal de argumentos contra o impeachment, na imprensa e na opinião pública, adensou-se de maneira impressionante, ganhando parâmetros discursivos que ultrapassavam a fábula do golpe, ainda que este tenha permanecido como o eixo principal da retórica esgrimida pelo petismo para obter apoio, dentro e fora do País, a uma presidente sub judice.


No mais paradoxal de todos os argumentos, afirmava-se que uma possível vitória do impeachment não mudaria em nada a situação do País; não aplacaria a crise econômica e não possibilitaria a retomada do crescimento; não se conseguiria sustar a crise social que bate às portas dos lares brasileiros e, portanto, o desemprego seguiria crescendo. E que o impeachment tampouco daria fim à corrupção, muito ao contrário: a presença do presidente da Câmara na condução do processo era o sinal de que um futuro governo Michel Temer exterminaria por completo as operações da Lava Jato.

O curioso é que, ao se negar qualquer positividade ao impeachment, também se espera tudo dele. No fundo, retoricamente, cobra-se o restabelecimento in acto de um País novamente republicano, próspero e democrático. É um argumento de pés de barro. Como se sabe que, do ponto de vista do realismo político, se trata de uma expectativa inalcançável, pelo menos na dimensão imediata, denota-se que o impeachment, mesmo sendo bem-sucedido, apenas causaria aos brasileiros uma “frustração coletiva”, já que não solucionaria as profundas crises que assolam o Brasil.

Essa narrativa está centrada na interpretação de que o País entrou num beco sem saída, mas governo Dilma Rousseff estaria eximido de qualquer responsabilidade, tendo sido a oposição a causadora de toda a crise. Supostamente, a crise política teria sido iniciada no pedido de recontagem de votos e, em seguida, na cândida ideia de que a oposição não deu trégua à presidente reeleita, apostando no caos e prejudicando a Nação, especialmente os mais pobres. Esse argumento, por demais conhecido, oculta o fato de que o PT nunca admitiu sofrer oposição, mas especializou-se em fazê-la de forma contundente, já que se julga o único portador de uma política social digna do nome, o que é flagrantemente contestado por qualquer pesquisa séria a respeito da realidade nacional recente, desde a redemocratização.

Quando a admissibilidade do impeachment foi aprovada na Câmara, a falácia do golpe ganhou a companhia de discursos laterais: a vitória da “vingança” de um político corrupto, em referência ao deputado Eduardo Cunha, presidente daquela Casa, e a imposição à Nação de uma “eleição indireta” para presidente, representado no embate Dilma versus Temer.

Essas avaliações falaciosas se combinaram com ameaças de violência e a busca de “alternativas” políticas à débâcle do governo petista. O ponto nevrálgico dessas alternativas emergiu na proposta, primeiro, de “eleições gerais” e, depois, de “novas eleições” para presidente, expressa na consigna “nem Dilma, nem Temer”. Duas alternativas inviáveis do ponto de vista constitucional, sem levar em conta a oposição que teriam nas duas Casas do Congresso e, ao que parece, entre as lideranças das bases sociais do PT. Vê-se claramente que não se trata mais de defender o governo Dilma. O que sustenta a inflação de falácias do petismo é a perspectiva de garantir algum futuro ao PT como ator político, levando a conjuntura a um grau extremo de polarização por meio de discursos que afrontam as instituições de representação da cidadania e visam à radicalização das ruas.

Derrotado, o PT passou a adotar todo e qualquer casuísmo a fim de evitar que o impeachment devolva normalidade ao País e credibilidade ao novo governo. Daí as artimanhas, as ameaças e, por fim, a negativa de um processo de transição administrativa, sonegando informações aos futuros governantes. O PT tanto falou em golpe que agora pretende aplicá-lo, com requintes de vingança, em relação ao futuro governo.

Já se tornou exaustivo explicar que o processo de impeachment está plenamente justificado em termos legais e que sua legitimidade é indiscutível. Dilma violou a Lei de Responsabilidade Fiscal por meio de mecanismos fraudulentos para esconder, no período eleitoral e depois dele, que não tinha sustentação financeira para manter a economia em bom curso e evitar a crise. Uma política econômica desastrosa se somou a níveis de corrupção jamais vistos, jogando o Brasil numa crise inaudita e de grande profundidade.

Dilma é, portanto, o nome do “retrocesso” que o País está vivendo, em termos econômicos, políticos e até mesmo de convivência democrática. Assim como não há espaço vazio em política, também não há a possibilidade de deixarmos de atribuir a responsabilidade por todo este estado de coisas. Os verdadeiros culpados são mais do que evidentes.

Um novo governo pós-impeachment, legítimo em termos constitucionais e necessariamente de transição até 2018, terá como missão primeira tentar paralisar o desastre e de nenhuma forma poderá ser inculpado pela situação do País.

As encruzilhadas da História brasileira invariavelmente encontraram soluções sustentadas pela “via autoritária”. Pode ser que esta seja a primeira vez que estejamos enfrentando um impasse condicionado e determinado pela democracia, que já é, entre nós, uma experiência concreta em termos constitucionais e institucionais, embora nos falte um lastro maior de cultura política democrática.

A insistência na falácia do golpe, com o seu vitimismo, sua artificialidade e suas ameaças, atua no sentido de enfraquecer e virtualmente bloquear a democracia. Desmistificar as falácias do petismo e superar a “herança maldita” do governo Dilma assumem hoje o mesmo significado.

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(*) Alberto Aggio é historiador e professor titular da Unesp. Artigo publicado no Estadão, dia 07/05/2016:

sábado, 23 de abril de 2016

STF: o novo Poder Moderador

As forças armadas, na história da república, representaram o papel de "poder moderador". Mas, de forma estranha, sempre à margem das Constituições democráticas!


O processo de redemocratização, demarcado pela Constituição de 1988, inaugurou um novo momento histórico. A promulgação da nova carta magna simbolizou o compromisso firme do povo brasileiro de viver sob a democracia.

Fatores diversos, nacionais e internacionais, favoreceram isso. Internamente, a sociedade brasileira estava cansada da ditadura, e de ser tutelada; queria proclamar, a plenos pulmões, o direito soberano de escolher o seu destino em liberdade! Externamente, vivíamos os extertores da guerra fria; agora, o restabelecimento das relações diplomáticas entre Cuba e os EUA significou a pá de cal, na América Latina, da velha polarização, que está conduzindo ao devido túmulo político, rapidamente, certas concepções golpistas tanto de direita quanto de esquerda. Estes velhos radicais nada têm a contribuir com uma saída democrática para a crise brasileira!

Surge, assim, o STF, como o novo poder moderador (*) de uma nova radicalidade democrática e republicana. Entretanto, ele é diferente, pois é um poder desarmado, com a missão constitucional de ser o supremo defensor e intérprete da Constituição! Ele é formado por doutos cidadãos, é verdade; mas, são apenas onze, frágeis, e fortes, como todo ser humano, e expostos à nação, diariamente, com suas faces, comportamentos e convicções!

Eles estão tomando decisões fundamentais para o país, à luz do dia, e sob os nossos olhos! Bastou que três deles dissessem que o país vive sob a plena normalidade democrática para impedir o falso discurso da presidente Dilma, na ONU, de que estaria sendo derrubada por um golpe de estado!

Poderosa a Constituição de 1988, que gestou esse poderoso poder moderador desarmado, o STF,  para ajudar a tirar o Brasil da crise! Sobre ele estão depositadas grandes responsabilidades; mas, é necessário que compreendamos, a sua ação se dará nos limites do seu poder institucional, e com os rituais que lhe são próprios!

O STF já regulou o processo do impeachment; agora, a nação espera que ele encontre os mecanismos institucionais e legais para proceder à necessária limpeza da vida política brasileira, indispensável para restaurar a confiança, com imparcialidade e impessoalidade, para acabar com a impunidade dos crimes de colarinho branco.

E, a sociedade aclamará se o STF agir, celeremente, para que seja cassado (**) o mandato de Eduardo Cunha. Isso, apenas para começar!

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(*) O artigo do advogado constitucionalista Marcelo Cerqueira, de 14/04/2016, defende esta visão do STF como Poder Moderador:
http://m.oglobo.globo.com/opiniao/o-protocolo-vargas-19080004.

(**) Fato histórico: no dia 05/05/2016 o plenário do STF afastou Eduardo Cunha da Presidência da Câmara dos deputados, em uma ação sem precedentes, votando, por unanimidade com o relatório do ministro Teori Zavascki. Nesta decisão, determinaram, também, o afastamento, por tempo indeterminado, de Cunha do exercício do mandato de deputado federal.

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Os editoriais do Correio Braziliense e do Diario de Pernambuco, da cadeia dos Diários Associados, dia 07/05/16, dizem que o STF "...tem sido mais do que poder moderador...": http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/opiniao/46,97,43,74/2016/05/07/interna_opiniao,144362/a-intervencao-do-supremo-tribunal-federal.shtml.

Em seu artigo do dia 07/05/16, o professor Demétrio Magnoli soma-se à tese de que o STF exerce o papel de poder moderador:
http://m.folha.uol.com.br/colunas/demetriomagnoli/2016/05/1768774-sob-a-egide-do-poder-moderador.shtml.

O jornalista André Gustavo Stumpf, em artigo de opinião no Correio Braziliense, dia 07/05/16, soma-se a esta tese:
https://www.dropbox.com/s/4beljv1lbryjg6l/O%20Poder%20Moderador%20-%20Stumpf.jpg?dl=0

sábado, 16 de abril de 2016

O impeachment e o pacto político para sair da crise

O pacto político, necessário para superar a crise, emerge, já formado, da natureza e das premissas do rito do impeachment; isto fica demonstrado pelo número necessário de votos para aprovar a admissibilidade do impeachment na Câmara dos Deputados.


Se a admissibilidade do impeachment for aprovada na Câmara, mais de dois terços dos deputados (2/3), ou seja, pelo menos 342, estarão proclamando política e constitucionalmente que perderam a confiança no presidente!

Prosseguindo para o Senado, se o impeachment for julgado procedente, e aprovado, pelo menos 2/3 dos senadores estarão declarando a sua perda de confiança no presidente!

Se o impeachment for aprovado, ao final de todo esse exigente rito, duas coisas ficam evidenciadas: (1) ele resulta do respeito ao processo democrático e constitucional (não há como se falar de golpe); (2) dele emerge, de suas próprias premissas rituais, na Câmara e no Senado, formada por pelo menos (2/3) dos parlamentares, a base para o pacto político necessário para superar a crise de confiança, a razão do próprio impeachment!

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Para registro histórico. Resultados da votação do processo de admissibilidade do impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados no dia 17/04/2016:


Observações:

(1) a admissibilidade exigia apenas 342 votos (2/3, ou 66,66%). O resultado de 367 votos a favor (71,5%) demonstrou uma maioria muito representativa declarando a perda de confiança na presidente Dilma Rousseff.

(2) o número de deputados que se manifestou contra o impeachment, se absteve, ou faltou à votação, igualou 146 votos (28,5%). Este número precisaria ter sido igual a pelo menos 172 votos para que o impeachment fosse rejeitado.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

O golpe do parlamentarismo de fato

Os amigos da onça (AO) são o grupo de ministros e membros da direção do PT que um dia entraram na sala da presidenta Dilma (D), entre novembro de 2015 e fevereiro de 2016, e tiveram um diálogo que passará para a história como "o golpe do parlamentarismo de fato".

Dilma apresenta o decreto de nomeação de Lula ministro da casa civil 

Esse diálogo pode ter transcorrido da seguinte forma (essa história um dia será contada com detalhes reais e precisos, com datas, locais, participantes, etc.): 

AO: - Presidenta, estamos aqui em uma difícil e constrangedora missão partidária. 
D: - Falem logo, parece que vocês não estão me trazendo boa notícia! 
AO: - Temos que ser francos. Estamos convencidos que a senhora não conseguirá dar conta da complexidade e da gravidade da crise nos seus diversos aspectos políticos, econômicos, sociais e jurídico-policiais (com a Lava-Jato na nossa cola). 
D: - (já dando um ataque). Vocês vieram aqui para pedir que eu renuncie? 
AO: - Não presidenta. Concluímos que isso não interessa ao PT. Achamos que devemos resistir, a todo custo, até 2018. Se a senhora cair, qualquer que seja a forma, isso prejudicará todas a expectativas eleitorais do partido, inclusive agora em 2016! 
D: - (aliviada). Então o que vocês estão propondo? 
AO: - Trazer o Lula para o palácio como ministro da casa civil. Isto a ajudará e ainda dará prerrogativa de foro privilegiado ao presidente, desculpe, ex-presidente, para que ele não seja preso pelo Moro. 
D: - (entre consternada e enfurecida, percebendo, naquele momento, que estava sendo deposta pelo seu próprio partido). Vocês estão querendo me transformar em rainha da Inglaterra? Não foi para isso que eu fui eleita! Isto é um golpe! 
AO: (constrangidos). Não pensamos assim, presidenta! Seria como um “parlamentarismo de fato"; já pensamos nos prós e contras, e concluímos não existir melhor saída para a senhora e para todos nós! A situação está muito difícil, e precisamos trazer para o poder executivo a autoridade, o respeito e a habilidade do Lula para sairmos da enrascada em que estamos. Achamos que o risco do seu impeachment ou da sua cassação no TSE ficaram muito altos e a situação ficou imprevisível! Lula será uma espécie de primeiro ministro, e isso neste momento nos parece a única alternativa de salvação! (Consternada, percebeu que perdera a confiança de seu partido e de seus ministros mais próximos, e que acabara de ser deposta; mas, de uma coisa já sabia claramente, que sem eles não teria força e credibilidade social para prosseguir. Estava em um momento de decisão. Suas alternativas estavam agora reduzidas à renúncia, a enfrentar o risco de ser deposta (*), ou a aceitar a humilhante proposta que lhe traziam! Pelo menos não estavam pedindo que renunciasse!). 
D: - (disse, então, contendo a emoção, com vontade de quebrar tudo). Obrigada, vocês estão dispensados. Esta reunião está terminada! 
* Naturalmente, teve a pior noite de sono desde que assumira a presidência. Mas, não demorou a convencer-se de que essa era a sua melhor alternativa! No dia seguinte, convocou-os à sua sala. 
D: - Está bem, eu topo, mas daqui para diante, o Palácio do Planalto será destinado apenas ao Chefe de Estado, e eu o transformarei no território dessa missão, e de defesa de minha imagem e dignidade. Lula irá "governar" em outro espaço, depois discutiremos sobre isso. Transformarei este palácio no palanque para defender-me perante a história, e inaugurarei uma série de encontros com apoiadores para denunciar o golpe que a direita está tentando dar neste país, o que, em consequência, levou vocês a me darem esse golpe. Não guardo mágoa (todos concordaram). 
* Essa pareceu uma decisão sábia, pois a Presidenta, nos dias que se seguiram parecia ter tirado um peso de suas costas. Parecia até mais feliz e intensificou seus exercícios e giros ciclísticos. 

Embora os fatos possam ser diferentes em seus detalhes, essas reuniões realmente existiram. O que importa, neste diálogo, construído com a lógica e a imaginação, é que essas reuniões ocorreram com essa essência e conteúdo. A história revelará as datas e locais, os diálogos reais e quem foram, além da presidenta, os seus reais interlocutores! 

Muitos defenderão essa solução como legítima e necessária. Outros, embora reconheçam que esses eventos inevitavelmente tenham ocorrido, acham esse fato de somenos importância, e inerente à natureza da realpolitik! 

Mas, creio, a maioria dos brasileiros considera isso um escárnio, um golpe contra a democracia, e uma imoralidade, demonstrando o grau de desrespeito ao Estado Democrático de Direito a que chegamos na política brasileira!

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(*) No dia 31/08/2016 Dilma Rousseff sofreu o impeachment em sessão do Senado convocada para esse fim. A sessão foi presidida pelo então presidente do STF, Ricardo Lewandowisk e a votação foi de 61 votos favoráveis ao impeachment contra 20. Foi um longo processo, tendo sido respeitadas todas as suas prerrogativas constitucionais e legais.

domingo, 10 de abril de 2016

Pra inglês ver (*)

Texto de Ferreira Gullar: 

O país está assistindo, nestes últimos meses, a uma inacreditável farsa, cujos personagens principais são o ex-presidente Lula, a presidente Dilma Rousseff, os dirigentes do PT e seus representantes no Congresso Nacional.


Em face da revelação do uso que fizeram da Petrobras e da máquina estatal, saqueando-as para se manterem no poder; em face das delações premiadas feitas pelos participantes desses crimes contra a nação brasileira; em face das comprovadas propinas que encheram os bolsos dos sócios de Lula e subvencionaram as campanhas eleitorais e os cofres do PT e dos partidos aliados; em face de tudo isso, não resta ao Lula, à Dilma e a seus sócios, senão inventar uma falsa versão dos fatos para assim passarem de vilões a vítimas.

E foi então que surgiu a versão do golpe que estaria sendo tramado contra o governo de Dilma Rousseff. Mas tramado por quem? Pela Procuradoria da República? Pela Justiça? Pelo Supremo Tribunal Federal?

Ou seja, trata-se de um golpe que seria consumado pelas instituições legais do país? Noutras palavras, um golpe que segue o que as leis determinam?

Então será esta a primeira vez na História que se chama de golpe, não a violação dos princípios constitucionais, mas sua aplicação!

Quer dizer, nesta nova e surpreendente concepção petista, segundo a qual golpe é cumprir a lei, respeitar a democracia seria não punir os corruptos que a Operação Lava Jato identificou e que levaram a Petrobras à beira da falência. Prender os donos das empreiteiras que, através de contratos fraudulentos, roubaram bilhões de reais à empresa estatal, seria antidemocrático, conforme a nova concepção petista de democracia, defendida por Lula, Dilma e seus comparsas. Democrático é deixá-los livres e felizes, já que, generosamente, doaram milhões ao Instituto Lula e financiaram a campanha eleitoral de Dilma Rousseff.

Quem viveu no Brasil dos anos de 1960 aos 80 sabe muito bem o que é golpe e o que não é democracia.

Os militares golpistas de 1964 não propuseram que o Congresso votasse o impeachment do então presidente João Goulart. Simplesmente puseram os tanques na rua, fecharam o Congresso e entregaram o governo a um general.

Os que teimaram em defender a democracia foram simplesmente encarcerados e muitos deles assassinados. Os meios de comunicação foram censurados, de modo que nenhuma palavra contra o golpe podia ser veiculada.

Aliás, a presidente Dilma Rousseff conhece muito bem essa história, pois participou dela, integrando o movimento da luta armada, o que a levou à prisão por parte dos militares.

Que o ex-presidente Lula –que, como sempre, jogou com um pau de dois bicos, já que se entendia muito bem com o general Golbery do Couto e Silva, homem-chave do governo militar– queira se fazer de desentendido, já era de se esperar.

Mas Dilma, não, ela experimentou na carne o que é golpe e o que é ditadura. Não obstante, está agora representando um papel que lamentavelmente não condiz com seu passado.

Alguma coisa parecida com 1964 está ocorrendo no Brasil de hoje? Muito pelo contrário. O que estamos assistindo é a uma sucessão de medidas da presidente de República para comprar, com ministérios e cargos, os votos do partido que rompeu com ele –o PMDB– e de partidos menores que se vendem por qualquer cargo.

O suposto golpe de hoje, a que Dilma se refere, portanto, é diferente, tanto que ela mesma afirmou estar disposta a "lançar mão de todos os recursos legais" para defender-se e evitar que o impeachment se concretize. É bom lembrar à "presidenta" que, quando se trata de golpe, os recursos legais não funcionam. Não é, portanto, o caso.

Pois bem, mas se há uma coisa que me surpreende em tudo isso é alguns artistas e intelectuais acreditarem nesse golpe inexistente, inventado pelos petistas.

Por que acreditam em tão deslavada mentira? Por ignorância não é, pois são todos muito bem informados. E, se não é por ignorância, só pode ser porque têm necessidade de se enganarem. Preferem a mentira à verdade.

E por falar nisso, que constrangedora a defesa que fez o advogado-geral da União também repetindo que o impeachment é golpe. E diz isso com a ênfase de quem fala a verdade! Haja saco!

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(*) Ferreira Gullar. Folha de São Paulo, 10/04/2016