sábado, 14 de maio de 2016

‘Temer tem que limpar o terreno agora para quem chegar em 2018’

Entrevista com o professor Luiz Werneck Vianna (*)

Para professor-pesquisador da PUC-RJ, presidente em exercício terá dificuldade ‘quase intransponível’ para legitimar seu mandato e implementar nova agenda


A chegada do governo interino de Michel Temer coincide com o desabrochar de uma sociedade com pretensões por autonomia, segundo o sociólogo Luiz Werneck Vianna. Essa nova organização não se vê tão representada politicamente, o que pode, segundo o professor da PUC-Rio, criar obstáculos “quase intransponíveis” para a nova conformação do Palácio do Planalto. “O que Temer tem que fazer agora é limpar o terreno para quem chegar em 2018”, afirma. Para ele, a ocorrência de dois processos de impeachment em menos de 25 anos faz crescer na sociedade a desconfiança com o regime presidencialista.

Do ponto de vista de quem é contra o governo Temer, há o entendimento de que houve uma desvalorização do voto. Como o sr. vê essa questão?

O voto continua valendo o que vale. Está todo mundo interessado no voto em 2018. O País logo vai se mobilizar para as eleições municipais. A democracia brasileira se consolidou, vem se consolidando, as instituições vêm demonstrando capacidade de resistência, ou seja, a arquitetura constitucional de 1988 está passando por testes muito duros e está indo muito bem. A democracia política foi reforçada pelo discurso de todos, dos perdedores e vencedores. A Constituição se tornou uma língua geral da política brasileira. A questão que tem que ser verificada é como esse governo vai se encontrar com a opinião pública com tão pouco tempo para sanear as contas públicas. Esse ministério apresentado pelo governo Temer é um ministério politicamente muito denso e treinado.

A resistência social ao governo Temer, representada pelo MST ou pela CUT, é um desafio para o presidente interino?

Uma coisa assustadora e terrificante é imaginar que tipo de governo esse tipo de esquerda que você menciona poderia compor um governo neste País. Imagine um ministério com o senador Roberto Requião (PMDB-PR) na Fazenda. As críticas vêm de pessoas que não se dão conta da natureza das coisas, dos processos novos que estão em curso no País e do mundo, que já não é mais o da Margareth Thatcher (primeira-ministra britânica de 1979 a 1990), mas o do Barack Obama (presidente dos EUA), do papa, da Angela Merkel (premiê alemã), da ONU. Essa esquerda que você citou ainda está no mundo de Ronald Reagan (presidente dos EUA de 1981 a 1989). O anacronismo é uma marca da cultura política brasileira, mas ela persiste porque a política foi usurpada da sociedade. O PT, que nasceu com vocação de simular a vida civil, associativa, da deliberação, do assembleísmo, tornou-se um partido de Estado, aparelhou e deseducou a sociedade.

O que eu quero dizer é caso a resistência de movimentos sociais se imponha. Não pode ser um problema para o governo interino?

Não, o governo nasce com desafios muito fortes. A temperatura pode ser elevada, mas não vai passar de nada que seja muito impactante. É só tomar como referencia esse processo das ruas desde que o movimento do impeachment surgiu. Não houve nenhum atropelo, os conflitos foram mínimos, as ocorrências policiais praticamente foram inexistentes.

O novo lema do novo governo – ordem e progresso – parece dizer o contrário.

Não me parece um lema feliz. Está carregado com o pensamento do republicanismo autoritário da nossa tradição. É tão infeliz como pátria educadora (lema do segundo mandato do governo Dilma).

Com vários implicados na Operação Lava Jato, o PMDB pode tentar silenciar as investigações?

As investigações vão se aprofundar porque o Judiciário e a Polícia Federal, a essa altura, ganharam uma autonomia irreversível. Tentativa sempre poderá haver, mas me parece que não encontrarão sustentação, inclusive porque teremos uma opinião pública vigilante.

Como o sr. avalia a chegada do velho PMDB ao poder?

O momento é de enorme dificuldade para todos. Não se governa este País sem o PMDB, o Lula aprendeu isso. O partido tem capilaridade, é uma força da tradição. Como se governa esse País sem o centro político? Pela esquerda? A Dilma tentou. Tem que entender porque a Dilma perdeu capacidade de sustentação. Não foi um movimento político e social que fez emergir o governo Temer. Ele está emergindo porque caiu a política do governo, a economia e também no plano ético-moral. A saída institucional é o Temer assumir.

Como o governo interino de Michel Temer vai obter legitimidade?

Ele vai ter que se legitimar pelas políticas, demonstrando capacidade de pôr a economia nos eixos, de animar a sociedade com novos horizontes. É um cenário muito difícil. Qual seria a alternativa? Novas eleições? Você convocar eleições a partir dessa ruína, sem que a sociedade tenha tempo de se organizar, para criar espaço para um herói providencial, um cavaleiro da fortuna de sabe-se lá onde? Quantos votos terá Bolsonaro (Jair, deputado do PSC-RJ)? De onde vem o cavaleiro da fortuna, sem apoio, com linguagem demagógica? A Dilma não está sendo derrubada.

Mas ela não foi condenada.

Mas o governo dela derruiu. A acusação é de crime de responsabilidade fiscal.

Não está provado. Do contrário teremos que tirar vários governadores deste País, não?

Essa argumentação é como se nada tivesse acontecido. Este País está sem governo. Há quanto tempo a Dilma não governa? Inclusive ela não gosta e não sabe governar. As lideranças mais conscientes têm consciência disso, de que as coisas chegaram a esse ponto por incompetência política e administrativa dela, pelos erros dela. Derruiu. O que fica no lugar? Fica no lugar um vice e as instituições. A política brasileira tem que ser pensada agora de forma absolutamente responsável, sob pena de entrar numa conjunção que vai fazer com que todas as nossas conquistas sejam perdidas. Retrocesso é perder o que conquistamos do ponto de vista político institucional. Estamos numa situação revolucionária? Certamente não, inclusive porque os partidos revolucionários não estão aí. O que você tem é uma retórica de alguns pouquíssimos revolucionários. A questão da terra se resolve com Kátia Abreu no ministério (da Agricultura)?

E resolve agora com Blairo Maggi (deputado PP-MT, novo ministro da Agricultura)?

Vai continuar igual porque a situação não te permite botar o Stédile (João Pedro, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) na Agricultura ou no Desenvolvimento Agrário. Aliás, não há partido agrário camponês no Brasil. Stédile podia ter montado um, mas não montou.

O PSDB está bem contemplado com três ministérios?

O novo governo está buscando sustentação no Parlamento. Ele conseguiria isso com um grupo de notáveis com um programa de esquerda na mão? Os partidos estão em ruínas. O PSDB só tem califa querendo o lugar do califa, é uma luta pelo poder desvairada. Não tem quadros, só nos vértices, mas estão todos envolvidos em projetos pessoais de grandeza. Tem o Fernando Henrique Cardozo, que já não tem ambição do califado e ainda mantém os pretendentes no equilíbrio. Mas o PSDB não é um partido político moderno porque não tem cabeça, troncos e nem membros. A questão é como sair de uma barafunda dessa para um situação avançada, de enraizamento do governo na sociedade, criando uma agenda que possa ser produzida de uma forma que a sociedade entenda, legitime e aceite. Não é essa a situação atual.

Dilma pode voltar?

Acho difícil. Se o governo Temer fracassar, uma nova eleição presidencial pode ocorrer no meio do caminho. É uma saída difícil do ponto de vista constitucional. Poder pode, mas a Dilma volta para governar com quem? Com que Parlamento?

E Lula se recupera?

Lula é uma referência poderosa dentro do PT. Dizer que ele não está machucado seria uma ingenuidade. Deve estar sofrido. É um nome forte da política brasileira que não vai sair dela assim facilmente. É uma referência mais do que histórica, tem comando, liderança, talento político, mas malbaratado pela presidente que elegeu.

O semiparlamentarismo, regime defendido por Temer, teria respaldo social?

Sim porque o presidencialismo brasileiro saiu malquerido nesse segundo impeachment. Foram dois em 25 anos, é muita coisa. E afora a história das crises politicas que têm sido a tradição do nosso presidencialismo, com Jânio Quadros, João Goulart e Getúlio Vargas. A sociedade brasileira está amadurecendo para o semipresidencialismo ou para formas de parlamentarismo mais presentes na vida das pessoas porque a sociedade está se organizando. Não tem como entender o período de 2013 para cá sem registrar que há um processo de auto-organização social na vida brasileira. Só que ela ainda não se encontrou com os partidos, com a política, mas vem se encontrando. Preste atenção no movimento dos adolescentes nas escolas públicas. Esse movimento tem a cara de 2013, de chamar atenção para o tema da educação, para auto-organização social. E logo que esse processo se aprofundar, essas lideranças carismáticas terão lugar. A sociedade está se educando, passando por um processo em que sua auto-organização é cada vez mais desejada por ela própria. Ela não está mais identificando a representação legislativa como resultado de sua vontade.

É claro que um governo com as características do Temer, que não saiu das urnas, vai ter uma dificuldade quase intransponível para realizar a agenda de mudanças necessárias. O que ele pode fazer agora é limpar o terreno para aquele que virá em 2018 levar adiante a tarefa de aprofundamento da democracia política no Brasil. Ele o fará com homens disponíveis para essa tarefa, que não saíram da soberania popular, mas de um processo de ruínas. O capital político do Temer para agir agora é pequeno.

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