segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Em defesa da democracia e da Lava-Jato.

Digladiam-se duas teses, no que concerne ao combate à corrupção, no campo dos que defendem a democracia.

A primeira, dos que defendem o caráter democrático de acabar com a impunidade dos crimes de colarinho branco como uma condição para construir as premissas de um país em que não haja brasileiros acima da lei. Querem aperfeiçoar os mecanismos institucionais para o combate à corrupção e ao crime organizado, repudiam qualquer tipo de ditadura e somente querem viver sob a égide de um Estado Democrático de Direito.
Os dados, fatos e provas (e restituição de dinheiro) trazidos pela Operação Lava-Jato mostraram a gravidade da corrupção sistêmica envolvendo uma aliança tácita entre os caciques de poderosos setores econômicos, os caciques partidários (à esquerda e à direita do espectro político), representando as velhas e novas oligarquias da política, e a cúpula do poder judiciário, neste último caso, solidamente implantada no STF. Torna-se impossível a qualquer pessoa de bem recusar as graves consequências sociais, econômicas e morais trazidas à sociedade, pois a corrupção tornou-se, por si só, uma barreira ao nosso desenvolvimento sustentável!

A segunda tese, defendida pelos "garantistas", é de que o combate à corrupção tem que respeitar o princípio da garantia do direito de defesa, que é um dos pilares fundamentais da justiça e do Estado Democrático de Direito. Mas quem pode ser contra esta tese? Ela deve ser defendida por todos os democratas!

Então, onde está o problema? É que os defensores desta segunda tese estão a ponto de anular todos os processos e condenações conduzidos no âmbito da Lava-Jato, reconhecidamente baseados no cumprimento do devido processo legal, sob o argumento de que o "réu-delatado" não teria sido ouvido depois do "réu-delator". Uma conveniente inovação jurídica, decidida pelo STF no dia 26/09/19, que poderá anular dezenas de condenações já sentenciadas em várias instâncias. 

Suponhamos que essa norma seja necessária e justa. Mas ela poderia prevalecer, retroativamente, para os julgamentos e sentenças já proferidas quando essa norma ainda não existia? Não, não parece razoável, a não ser que se pretenda liquidar com os imensos avanços que já alcançamos no combate ao crime de colarinho branco!

O que é intrigante é que os defensores desta segunda tese, para fortalece-la, lançam mão, e se apoiam, em argumentos que, sabem, jamais poderão ser usados nos tribunais, garantistas que são, por não constituírem provas legais. Trata-se da divulgação pela Intercept dos diálogos entre Moro e Dallagnol que, supostamente, teriam feito combinações “ilegais” para conduzir os processos que dirigiam em uma atentatória aliança criminosa entre o acusador e o juiz para, ao final, proferir sentenças condenatórias previamente decididas.

Sou dos que discorda de que o juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol tivessem cometido ilegalidades intencionalmente. Mas, porque tiveram a ousadia de produzir tão relevantes resultados no combate à corrupção atuando nos limites da lei, isto incomoda a muita gente em um sistema jurídico e político aparelhado para garantir a impunidade dos poderosos! O que devemos é valorizar a competência, o compromisso público e a coragem incomum que revelaram, junto com os jovens policiais federais, para enfrentar tantos bandidos poderosos!

Os democratas têm uma proposta clara. Querem combater a corrupção, ao mesmo tempo em que não abrem mão do respeito ao princípio do devido processo legal, particularmente do respeito ao direito de defesa, sem o qual rui um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Mas não abrem mão de aperfeiçoar os mecanismos jurídico-institucionais para combater à corrupção e ao crime organizado! Tampouco aceitam retrocessos!

Do Ministro do STF Luís Roberto Barroso, trecho do prefácio que ele escreveu ao livro “Crime.gov - Quando corrupção e governo se misturam”, dos delegados federais Jorge Pontes e Márcio Anselmo; Ed. Objetiva, 2019; pp. 12 e 13.
“O enfrentamento à corrupção não precisa de punitivismo ou de vingadores mascarados. Nem Robespierre nem Savonarola. Basta aplicar a lei com seriedade, sem o compadrio tradicional da formação nacional, que acredita que alguns estão fora e acima da lei. Mas é preciso derrotar os parceiros dissimulados da corrupção, que se ocultam por trás de um estranho fenômeno: o garantismo à brasileira. Em outras partes do mundo, garantismo significa direito de defesa, devido processo legal, julgamento justo e, em alguns lugares - mas não todos -, direito a recurso para o segundo grau de jurisdição.
Entre nós, todavia, há os que sustentam uma versão distorcida de garantismo, significando direito garantido à impunidade, com um processo penal que não funcione, não termine e que jamais alcance qualquer pessoa que ganhe mais do que alguns salários mínimos. Os garantistas tupiniquins prendem, sem piedade, jovens pobres e primários com qualquer quantidade de drogas, mas liberam, com discursos libertários e tonitruantes, corruptos que sequer devolveram o dinheiro desviado e mantêm suas contas clandestinas no exterior.”
Não podemos nos deixar enganar! O que não podem esconder é que essa “inovação conveniente” na decisão proferida pelo Supremo tem como objetivo anular condenações, como já anulou a de Bendine, particularmente as de Lula e de outros condenados poderosos em fase de cumprimento de pena, e facilitar a vida, com as postergações que inevitavelmente virão, de outros que estão na fila para serem julgados.

Novamente, não podemos nos deixar enganar e deixar de ver e reconhecer que os três chefes de poderes da república, Bolsonaro, Dias Toffoli e Rodrigo Maia se uniram em um “acordão” para dar um fim à Lava-Jato. Bolsonaro nesta articulação? Sim, mesquinhamente, traindo aos seus eleitores, particularmente depois que o COAF flagrou o seu filho envolvido em operações financeiras ilegais!

Se poderia imaginar força mais poderosa? Mas se pensarmos, historicamente, isto não é nada surpreendente. A única surpresa, conjuntural, é a de Bolsonaro logo ter aderido a ela depois de ter convencido aos seus eleitores de que seria um presidente contra a corrupção e o toma lá dá cá. O deslumbramento e a desenvoltura atuais dos “garantistas” no poder legislativo e no STF, entretanto, jamais estaria ocorrendo, se não estivessem recebendo este apoio “inesperado” de Bolsonaro!

Cabe reconhecer que os que querem acabar com a Lava-Jato, conservadora e reacionariamente, com a sua visão particular de democracia e do Estado Democrático de Direito, jamais estiveram tão próximos de atingir os seus objetivos!

Mas desconhecem a força do povo que, agora, nas ruas e nas redes, passou a ter face, nome e perfil. Eles não estão mais dispostos a aceitar uma versão qualquer do Estado Democrático de Direito que tenta mantê-los passivos e explorados, pois não são nem se sentem mais, apenas, coadjuvantes anônimos dissolvidos nas massas agregadas dos “mercados” ou das “classes”. 

Cada indivíduo passou a ter consciência da sua liberdade e do seu valor. Agora eles querem ser protagonistas do seu destino!

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