domingo, 6 de maio de 2018

MAROLAS E TSUNAMI

A partir das informações provenientes da Lava-Jato começaram a evidenciar-se os sinais de que o projeto de poder político liderado por Lula no plano internacional, particularmente na América Latina e na África, se contrapunha às boas normas de conduta e ao próprio interesse nacional.

As investigações quanto mais se aprofundaram, mais desnudaram audaciosas ações criminosas, articuladas internacional e nacionalmente, envolvendo o protagonismo pessoal de Lula, do PT, da Odebrecht, de operadores especializados em lavagem de dinheiro, e de políticos e funcionários brasileiros e de outros países.

Nem a direita mais descomprometida com a democracia foi tão eficaz para desmoralizar a esquerda brasileira, quanto o foram Lula e o PT ao adotarem a estratégia do assalto ao Estado e da corrupção para financiar o seu projeto de conquista e manutenção do poder político.

Essa é uma constrangedora situação para todos os que acreditaram nesse projeto. Sobretudo, porque colocou em dúvida a esquerda como corrente histórica para oferecer uma alternativa democrática e progressista para os desafios do Brasil e dos países latino-americanos no século XXI.

Os elementos essenciais dessa ação internacional do PT quase têm um sabor ficcional (*):
  1. Um enredo envolvendo a articulação de uma grande empreiteira global com um ex-presidente, transformado em seu maior criador de negócios - grandes obras - preferencialmente em países da América Latina e da África;
  2. O ex-presidente, baseado em seu prestígio internacional, convenceu-se do caráter estratégico e revolucionário da corrupção para realizar esse projeto de poder além-fronteiras;
  3. Transformado em projeto internacional, seria necessário constituir fundos, com muito dinheiro, baseados nas obras superfaturadas da Odebrecht, e de suas associadas, em vários países.
  4. A adesão a esse projeto seria reforçada com a abertura de linhas de crédito do BNDES para financiar, em vários países, certas obras consideradas estratégicas. Uma audaciosa política de estado, porém conduzida discretamente para não sofrer entraves políticos internos.
  5. Todo o dinheiro arrecadado pela empreiteira seria gerenciado no exterior, mantendo-o, para a sua proteção, em contas diversificadas situadas em paraísos fiscais. Uma intrincada e arriscada operação, mas os retornos valeriam a pena, pois esses recursos permitiriam a eleição de governos "populares", que seriam seguidos de mais obras e mais lucros;
  6. Aos candidatos "amigos" seriam oferecidos os serviços do marqueteiro João Santana. A empreiteira, usando a sua estrutura internacional, faria os pagamentos dos seus serviços diretamente em suas contas no Brasil ou no exterior.

Esse roteiro, que parecia meramente ficcional, vem recebendo comprovações baseadas em um volume cada vez maior de fatos, provas e evidências com valor jurídico. No último dia 30/03/18 a Procuradoria-Geral da República denunciou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e três ex-ministros dos governos do PT por corrupção e lavagem de dinheiro. Eles são acusados de receber propina da Odebrecht em troca de favores políticos, em 2010. A denúncia foi apresentada ao Supremo Tribunal Federal e se baseia em delações de executivos da Odebrecht. Foram denunciados o ex-presidente Lula, os ex-ministros Antonio Palocci e Paulo Bernardo, a ex-ministra senadora Gleisi Hoffmann, além do empresário Marcelo Odebrecht. Segundo a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, os atos criminosos começaram em 2010 quando a Odebrecht prometeu ao então presidente Lula a doação de US$ 40 milhões em troca de decisões políticas que beneficiassem o grupo econômico. As investigações revelaram que o dinheiro ficou à disposição do Partido dos Trabalhadores. Entre as contrapartidas oferecidas pelo PT à Odebrecht, segundo a denúncia, está o aumento da linha de crédito do BNDES para Angola (**).



O que já se sabe, provavelmente, parece ser apenas a ponta de um iceberg. Mas o enredo está cada vez mais claro! O artigo de Fernando Gabeira, a seguir, publicado no Globo em 05/05/2018, traça um panorama atualizado desses fatos com a sua brilhante acuidade. Quem dera isso fosse apenas uma obra de ficção. Mas é realidade!
MAROLAS E TSUNAMI

Aos trancos, caminhamos. Caiu o foro privilegiado, caiu o esquema de doleiros que atendia a políticos e milionários de modo geral. Houve também uma evolução interessante, naquela decisão de retirar a delação da Odebrecht do processo contra Lula. Menos de uma semana depois, a delação da Odebrecht voltou a assombrar. Dessa vez, Lula e mais quatro foram denunciados pelos investimentos em Angola. Se volto ao tema é apenas para enfatizar a amplitude da delação da Odebrecht, uma empresa que se organizou de forma profissional e sofisticada para corromper autoridades. Talvez tenha sido a maior do mundo nessa especialidade.

No entanto, não apenas os ministros Gilmar, Lewandowski e Toffoli tentam neutralizar as confissões da Odebrecht. Há uma dificuldade geral de reconhecer sua importância. Inicialmente, foi descrita como um tsunami. Mas não era. Ela apenas castiga com ondas fortes não só o PT, mas também outros partidos, entre eles, PSDB e PMDB.

A delação da Odebrecht cruzou fronteiras e devastou a política tradicional na América do Sul. No Peru, por exemplo, praticamente todos os ex-presidentes foram atingidos, um deles caiu, outro foi preso por um bom período. Talvez a dificuldade de avaliar como a delação da Odebrecht bateu fundo seja uma espécie de constrangimento nacional pelo fato de o Brasil ter se envolvido oficialmente no ataque às democracias latino-americanas.

O escritor peruano Vargas Llosa afirmou que a delação da Odebrecht fez um grande favor ao continente. E disse também que Lula era um elo entre a empresa e os governos corrompidos. Nesse ponto, discordo um pouco. O esquema de corrupção que cruzou fronteiras não era apenas algo da Odebrecht com a ajuda de Lula. Era algo articulado entre o governo petista e a empresa. A abertura de novas frentes no exterior não se destinava apenas a aumentar os lucros da Odebrecht, embora isto fosse um elemento essencial. Dentro dos planos conjuntos, buscava-se também projetar Lula como líder internacional, ampliar a influência do PT em todas as frentes de esquerda que disputavam eleições.

A ideia não era apenas ganhar dinheiro, embora fosse, em última análise, o que mais importava. O esquema brasileiro consistia em enviar marqueteiros para eleger aliados, com o mesmo tipo de financiamento consagrado aqui: propina da Odebrecht. Da mesma forma como tinha se viabilizado na esfera nacional, o PT exportava seus métodos com um objetivo bem claro de ampliar seu poder de influência no continente.

Portanto, Lula não era simples emissário da Odebrecht. A empresa estava consciente de seu projeto de influência. Não sei se ideologicamente acreditava numa América Latina em que todos os governos fossem como o do PT. Mas certamente a achava a mais lucrativa e confortável das estratégias e se dedicou profundamente a ela. Uma das hipóteses que levanto para que o tema não fosse visto com toda a transparência é o constrangimento em admitir que através de seu presidente e de uma política oficial de financiamento o Brasil se meteu até o pescoço na degradação das democracias latinas. Algum dia, teremos de oficialmente pedir desculpas. Nossas atenuantes, no entanto, são muito fortes: foi a Lava-Jato que desmontou o esquema, e o uso do dinheiro foi um golpe nos contribuintes nacionais.

Esta semana, o Congresso decidiu que vamos pagar o crédito de R$ 1,1 bilhão à Venezuela e a Moçambique.

Subestimamos o papel do Brasil e pagamos discretamente as despesas da aventura. Gente fina é outra coisa.

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(*) A XIII Internacional: http://www.decisoesinterativas.com.br/2016/03/a-xiii-internacional.html. Neste artigo, de 4/03/2016, foi abordada pela primeira vez a ação internacional do PT como ação criminosa. Nele fica demonstrado o papel central de Lula e da Odebrecht em um projeto de poder financiado por obras superfaturadas na América Latina e na África.

(**) Matéria do Jornal Nacional em 30/04/18: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2018/04/dodge-denuncia-lula-palocci-gleisi-e-paulo-bernardo-por-corrupcao.html

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