terça-feira, 8 de março de 2016

Novo nicho editorial (*)

O acúmulo de “gente fina” em cadeias de Curitiba e de outras cidades brasileiras, resultante da atuação dos incansáveis protagonistas da operação policial-judiciária conhecida como Lava-Jato, pode dar origem a novo “nicho” para o mercado editorial brasileiro: o dos leitores chiques e endinheirados mantidos em prisão temporária, preventiva ou em penitenciária, já condenados.


É um pessoal de alta capacidade de leitura, alto poder aquisitivo e sem ter o que fazer a maior parte do tempo. Daí, numa nova vertente da literatura de auto-ajuda, em volumes capa-dura bem encadernados e luxuosamente ilustrados, eis alguns títulos que poderão surgir:

“A primeira noite (na prisão) a gente não esquece” – orientações para potenciais leitores que sabem estar na iminência de se tornarem alvo da própria Lava-Jato ou de operações semelhantes – o que vestir no momento da apresentação à polícia; como preparar a maleta e o nécessaire (o que colocar dentro e o que não colocar), postura corporal diante das câmaras de tevê, com detalhamento passo a passo sobre como entrar no camburão sem perder a classe, mesmo algemado às costas; dicas gerais de comportamento durante o exame de corpo de delito; como negociar o cardápio das refeições (incluindo o que pedir e o que não pedir, levando em conta o sedentarismo da situação e as repercussões estomacais, intestinais e anais de cada refeição e também considerando o uso da retrete turca); capítulo-caderninho de telefones e mini-currículos dos advogados que defendem (e negociam) e dos que condenam (e se negam a assessorar clientes) (n)a estratégia da delação premiada e assim por diante.

“Como matar o tempo na cadeia” – ioga sem mestre, exercícios de meditação e de alongamento (ilustrado), dicas comentadas de livros a levar para a prisão (e a evitar), canções (de auto-ajuda, de aumento da auto-confiança, de combate à depressão etc.) a decorar, com as cifras; apêndice com guia de observação e classificação de (ex-)amigos em função de sua (deles) reação ao encarceramento do(a) ilustre leitor(a); capítulo especial de entomologia e aracnologia ilustradas, ensinando a identificar, no detalhe, variedades sutilmente distintas de moscas, mosquitos, baratas, aranhas e quetais.

“Tarô para principiantes encarcerados” – baralho e respectivo manual de uso (produto tipo 2 em 1); o manual ensinará todos os procedimentos que devem ser dominados pelo taropraticante graduado, inclusive os trejeitos próprios dos atos de embaralhar as cartas e de abri-las; o baralho trará cartas extras, ilustradas com figuras públicas (tanto já presas quanto ainda soltas) e com figuras notórias da PF, do MPF e do Judiciário (todas essas figuras serão representadas de forma que faça lembrá-las inequivocamente mas que não sejam reprodução fotográfica, e sim algo que se aproxime do “retrato falado”, para evitar a embaraçosa necessidade de obter autorização de uso de imagem); o livro ensinará a “prever o futuro”, tanto o de quem joga as cartas quanto o de outras pessoas (representadas nas cartas extras); também ensinará a roubar no embaralhamento e na disposição das cartas, de modo a gerar previsões de acordo com a vontade do freguês.

“Glossário de frases úteis e repertório de jaculações” – contendo frases apropriadas às situações que o(a) novel detento(a) enfrentará, com indicação das circunstâncias exatas em que cada frase será melhor encaixada, acompanhada de dicas de entonação; num apêndice, também trará frases a serem evitadas; na segunda parte, a das jaculações, terá dois capítulos – o das imprecações, xingamentos, rogação de pragas, blasfêmias, insultos e assemelhados, para uso em momentos de solidão e na companhia de colegas de infortúnio, e o das expressões epifânicas-edificantes-angelicais, para uso na presença de autoridades policiais e judiciais; umas e outras virão separadas em subcapítulos conforme a confissão religiosa do(a) detento(a), tanto a atual quanto aquela a que ele(a) pretenda aderir, considerando sua nova experiência de vida; dicas de expressão facial para uso em cada circunstância.

“Grandes ladrões através dos tempos” – livro-texto, com intenção didática, contendo resumos biográficos elaborados com ajuda técnica de policiais-investigadores e advogados-criminalistas; leitura indicada sobretudo para detento(a) que queira aproveitar o tempo de cadeia para aperfeiçoar suas técnicas [afinal, como todos sabem, as penitenciárias são “escolas do crime”, aonde se vai fazer “pós-graduação”, e não é justo que bandidos gente-fina sejam mantidos à margem dessa possibilidade já amplamente facultada aos bandidos “comuns”].

“Escrevendo torto por linhas certas” – o grande livro do contorcionismo verbal e da mistificação, contendo teoria, lições, exercícios e testes sobre a arte e a técnica de mentir dando impressão muito vívida e convincente de que se fala a verdade; oportunidade de ouro (por isso mesmo, o volume será vendido a preço estratosférico) para quem quer continuar e se aperfeiçoar na prática do delito mas não se dispõe a ser apanhado de novo; inclui capítulos especiais sobre técnicas de redação nas novas mídias, criptografia avançada para continuar escrevendo em português sem, porém, dar dicas a investigadores abelhudos e dessa forma sobreviver à quebra de sigilo; apêndice técnico especial conterá indicações sobre como destruir rastros deixados nos computadores (e “nas nuvens”) e que possam ser considerados comprometedores, quando “interpretados fora do contexto”; distribuídas pelos rodapés, fins de capítulo e “olhos” inseridos à margem de várias páginas, vêm as “1001 formas de dizer esse dinheiro não é meu”, “esse tríplex não é meu”, “esse sítio não é meu”, “esse filho não é meu”, “esse laranja não é meu” etc.; inclui capítulo específico sobre como trabalhar a expressão facial e a gestual; como brinde, o livro será acompanhado do “volume do advogado”, indicado para os eminentes causídicos que precisam defender esse tipo de clientela em audiências públicas transmitidas ao vivo pela TV Justiça.

“Por increça que parível!” (com o subtítulo “Eu acredito!!”) – para leitura apascentadora do(a)s detento(a)s a partir do final da tarde, prevenindo surtos de insônia; seleção de textos e outras manifestações verbais de figuras públicas, a começar por colunistas consagrados e intelectuais de nomeada que, contra todas as evidências, continuam apoiando moral e politicamente os encarcerados. Esse título será de uma coleção, acrescida de novo volume a cada mudança da conjuntura política, dependendo do perfil das “forças políticas” mais representadas na nova quadrilha de encarcerados em cada rodada de políticos flagrados em pleno exercício do poder e seus asseclas na plutocracia.

Convido sua imaginação a bolar outros títulos e respectiva pauta de conteúdos. Também pode imaginar quem melhor se encaixaria como autor(a) do prefácio e da orelha de cada livro.

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(*) O autor desse texto brilhante prefere manter-se anônimo por ora. Sobre ele, posso dizer que sempre esteve nas fileiras dos que lutaram por um Brasil mais democrático e justo. Aguardo, com ansiedade, o momento em que ele me autorize a declinar o seu nome. Por intuição, acho que não teremos que esperar muito! 

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