terça-feira, 9 de novembro de 2021

Até quando suportaremos?

A palavra autorizada do sociólogo Luiz Werneck Vianna nos auxilia a reconhecer o contexto histórico-político em que se desdobrarão os próximos acontecimentos.

Permito-me ressaltar, com o meu olhar, contemplando o amplo quadro de análise com que o artigo nos brinda, três pontos estratégicos, que dele se podem deduzir, para desbloquear o desenvolvimento de nossa democracia:
  1. O caráter democrático do combate à corrupção e para acabar com a impunidade;
  2. A superação do risco de um golpe militar de Bolsonaro apoiado por militares nostálgicos do regime militar instaurado em 1964;
  3. A necessidade histórica de superarmos a polarização bolsonarismo versus lulopetismo para dar espaço ao projeto da democracia; ou seja, “o lixo do atraso está pronto para ser varrido”.

Com a palavra Werneck Vianna, em Horizontes Democráticos, 9 de novembro de 2021 (*)

Até quando vamos tolerar o saque de uma gangue instalada no coração da política brasileira que se apropria do que é ganho pelos brasileiros que mourejam para ter o pão de cada dia?

Até quando vamos permanecer passivos diante dos crimes continuados que perpetram mesmo diante de uma sociedade vítima de uma cruel pandemia que ceifou a vida de 600 mil cidadãos, parte dos quais poderia ter sobrevivido não fossem as ações criminosas da quadrilha que pretendeu tirar proveito da calamidade sanitária que ainda nos aflige em negócios escusos?

Até quando será permitida a eles comprometer nosso futuro com a depredação da nossa natureza e dos recursos nossos humanos privando as novas gerações de uma formação que lhes permita o acesso a uma vida ativa e produtiva? Quem são os nossos algozes e de onde extraem o poder com que nos assolam? 


Não fomos objeto de uma conquista militar por parte de um país inimigo que nos imponha pela força a vassalagem como a antiga Roma reinava em seu vasto império. Ao contrário, estamos submetidos a naturais da terra com nomes e sobrenomes conhecidos, não poucos de longa data, herdeiros da nossa história comum de contubérnio entre o latifúndio e a escravidão. Essa marca de registro do nosso DNA, tantas vezes diagnosticada e não poucas combatidas pelos que tentam extirpa-la sem êxito, persiste como mácula em nossa formação, resistente ao que foi a obra da Abolição, que deixou ao desamparo a população liberta com sua opção preferencial pela emigração massiva dos pobres europeus, e na forma de república sem povo que se criou aqui com o protagonismo dos militares e dos proprietários de terras paulistas.

Tal herança maldita, longe de perder influência com os sucessivos surtos da modernização do país, foi preservada em suas linhas principais, exemplar o processo de industrialização conduzido por uma política de Estado que sintomaticamente se aliou às elites agrárias. No caso, nada de melhor expressa essa aliança do que a legislação trabalhista do governo Vargas nos anos 1930 do que a exclusão dos trabalhadores da terra dos direitos concedidos aos urbanos. 

Classicamente, configuraríamos o tipo de modernização conservadora, confirmado nas décadas seguintes, com os resultados nefastos que hoje se estampam aos olhos de todos como na abissal desigualdade social reinante entre nós, raiz dos processos pelos quais as elites proprietárias se apropriam do poder político e fazem uso dele para preservar seus privilégios.

Raimundo Faoro, em ensaio magistral sobre a modernização nacional procura demonstrar seus elos de ligação com as reformas modernizadoras introduzidas pelo marquês de Pombal em Portugal de fins do século XVIII, que se aproveitou de recursos do despotismo político para introduzi-las ao tempo em que conservavam os setores privilegiados como a nobreza e o clero. Sem bases novas de sustentação, suas mudanças não resistiram à duração de um reinado e tiveram frustrados seus objetivos. Tal modelagem pombalina, conclui Faoro, nunca abalada ter-se-ia conformado na plataforma de todas as modernizações brasileiras, cujas mudanças sempre impuseram o resultado de ainda mais reforçar o domínio das forças conservadoras.

Quase ironicamente, o argumento de Faoro sugere que, por volta dos anos 1870, a tal revoada das ideias novas de que fala a bibliografia no seu culto à ciência importado pelo positivismo mal ocultaria o retorno do espírito pombalino de cientificismo. O lugar de assentamento dessas novas ideias seria a das academias militares, o da Escola Politécnica e das faculdades de medicina. O positivista Comte teria recuperado Pombal. A emergência das novas elites intelectuais forjadas nessas instituições teria dado origem ao pathos de um desenvolvimento e de uma industrialização induzida pelas luzes da ciência mediante ações orquestradas por elas. 

Nesse novo cenário, sob a república, os militares são investidos de papel de protagonismo e com advento do Estado Novo, em 1937, se tornam hegemônicos na condução da política brasileira e, a partir daí, atores privilegiados na condução da industrialização acelerada do país, presentes na construção de Volta Redonda, na Petrobras, assim como na imensa malha das empresas estatais. O script, longamente ensaiado cumpriria seu enredo: a modernização brasileira teria um andamento conservador sob a tutela militar.

O desafio a esse andamento, no começo dos anos 1960, centrado em um programa de reformas sociais, entre as quais a agrária, proposto pelo governo João Goulart, com ampla base popular, encontrará seu desenlace no golpe de 1964, quando os militares se auto-investirão dos papeis de condutores da modernização pelo alto, com atenção especial à questão agrária, tal como se evidenciou na implantação do agronegócio.

Essa história de frustações e de desencantos das modernizações autoritárias podem, até elas, conhecer o sortilégio da astúcia na história, pois os processos que desatam contêm em si a possibilidade de trazer o moderno como antídoto a elas, tal como ocorreu nos idos dos anos 1980 quando foram derrotadas por uma coalizão ampla de forças democráticas escorada por massivas manifestações populares. Lá como agora onde se generaliza a percepção de que o país está sem rumo e dirigido por caminhos equívocos que somente trazem o aprofundamento da miséria social reinante, por toda parte, inclusive em setores das elites, soam os sinais de que isso que aí está deve ser interrompido como solução de salvação nacional.

A derrota da fascitização da sociedade, a essa altura consumada, culminou, como último recurso para esse governo de militares nostálgicos da ditadura do AI-5 se manterem no poder, na cínica aliança aos políticos avulsos do Centrão sempre aplicados em suas pretensões de roer até os ossos o patrimônio comum. Tal mudança de rota se afasta radicalmente das tradições modernizadoras brasileiras, inclusive daquelas que se originaram nos meandros das corporações militares. O lixo do atraso está pronto para ser varrido.


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domingo, 7 de novembro de 2021

PRECATÓRIOS, UM FALSO PROBLEMA

Everardo Maciel, com uma longa passagem pelo serviço público, foi Secretário da Receita Federal entre 1995 e 2002. Ele é, sobretudo, um democrata que preza pelo respeito à rigorosa utilização dos recursos públicos arrecadados com o suor dos brasileiros para a sua estrita finalidade. Ou seja, para promover a prosperidade, sob todos os aspectos em que possa ser considerada: desde a social à econômica.


E poucos, como ele, são tão comprometidos com o rigor técnico e com a racionalidade na utilização dos recursos financeiros do Estado.

Neste artigo, publicado no Estadão em 4/11/21, ele mostra uma solução técnica para o pagamento dos precatórios sem a necessidade de furar o teto de gastos:
“Com lei ordinária, precatórios poderiam ser compensados com créditos inscritos em dívida ativa”
Com ele a palavra (*):

“O expressivo aumento dos gastos com precatóriosfederais, previstos para 2022, só pode ter causado surpresa aos que se descuidaram de acompanhar sua constituição em exercícios passados. 

Serviram, contudo, como argumento para a pretensão de furar o teto de gastos, sob a alegação de que não haveria como promover aumento de transferências de renda aos vulneráveis.

Entendo que o teto de gastos, instituído por emenda constitucional, afora suas impropriedades formais, não foi uma solução tecnicamente primorosa, mesmo porque não enfrenta as causas de injustificadas expansões da despesa pública. Foi, entretanto, o pacto fiscal possível, enquanto se aguarda uma indispensável reforma do Estado. 

Violar esse pacto, salvo em situações excepcionais, pode ter severos impactos na formação de expectativas e, por consequência, sobre a inflação e os juros. 

Em 2021, os problemas sociais decorrentes da pandemia,por ser inequívoca situação de calamidade pública, justificou plenamente a violação do teto de gastos. Agora, já não se pode dizer o mesmo. 

Os precatórios, previstos para 2022, já constam da proposta orçamentária encaminhada ao Congresso. Logo, eles são pagáveis, mormente quando se considera o bom desempenho das receitas federais. Não é esse o problema, mas pode ser a solução para as transferências de renda.

Em princípio, esse objetivo poderia ser alcançado mediante corte ou realocação de despesas, como as chamadas “emendas parlamentares” - expressiva evidência da anarquia orçamentária vigente. Essa hipótese, ainda que razoável, nas circunstâncias é, entretanto, politicamente inviável.

Há, felizmente, outras formas de contingenciar despesas, mirando justamente os precatórios.

Precatórios e créditos inscritos em dívida ativa têm a mesma presunção de certeza e liquidez. Portanto, precatórios próprios ou adquiridos de terceiros, vencidos ou com liquidação prevista para o exercício seguinte, poderiam, em caráter permanente, ser compensados com qualquer crédito inscrito em dívida ativa ou ser utilizados para quitação de parcelamentos concedidos, pagamentos em outorgas de serviços públicos ou na alienação de imóveis da União, aquisição de participações societárias em processos de privatização e, por fim, como moeda na resolução, mediante transação, de vultosos litígios tributários, a começar pela controversa dedutibilidade do ágio.

A boa notícia é que tudo isso pode ser feito por lei ordinária, sem furar o teto, nem postergar o pagamento de precatórios.”

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sexta-feira, 22 de outubro de 2021

O #FORABOLSONARO! É A BANDEIRA DE TODOS OS DEMOCRATAS

Depois do relatório da CPI da COVID passamos a um novo contexto político.

Bolsonaro já sabia que a sua chance de se reeleger, mesmo antes dos resultados da CPI, se lhe esvaia por entre os dedos. O seu principal problema, agora, não é mais tentar uma reeleição, mas fugir da justiça: após o término do seu mandato como presidente, precisará, desesperadamente, ter imunidade; conquistá-la, passou a ser o seu objetivo principal.


Por isso, em 7/09, quis dar um golpe. Mas lhe faltou apoio político e militar. As forças político, sociais e econômicas mais relevantes lhe negaram apoio. E as Forças Armadas lhe disseram, claramente, que não iriam seguir o capitão tresloucado para romper com a Constituição e com a legalidade.

Não deu o golpe no 7/09 e não dará mais, embora tenha arrastado para o eixo monumental de Brasília, para a Av. Paulista, e para algumas das principais capitais, multidões trazidas em caravanas, numa logística milionária; cidadãos, diga-se, transformados em massa de manobra, mas que estavam dispostos a apoiá-lo em suas intenções. Saíram frustrados, pois viram que o capitão blefava com um golpe que não tinha força para dar.

Dos crimes de responsabilidade que já cometeu, atentatórios à democracia, e no enfrentamento à pandemia, sistematicamente levantados pela CPI, o seu problema maior, agora, é com a justiça. Felizmente, vivemos em um país cujas instituições democráticas revelam imensa resiliência; por isso, resistiram aos seus ataques golpistas para implantar um regime totalitário.

Voltar à Câmara Federal como deputado desponta como uma das suas possibilidades mais atraentes, pois permaneceu lá por 28 anos praticamente sem trabalhar. Lá, quase oculto e camuflado entre 513 outros deputados, ele poderá gozar, como sempre, as benesses do cargo, e da proteção para permanecer impune. Esta hipótese, certamente, já entrou na análise de suas alternativas.

Por outro lado, para sorte sua, neste já final de 2021 falta uma bandeira unificadora que possa mobilizar, nas ruas, milhões de democratas para derruba-lo por crime de responsabilidade.

O impeachment poderia ser esta bandeira. Mas o país está massacrado pela pandemia, pela recessão econômica, pelo desespero de famílias empobrecidas e pela inflação. Seria correto eleger o impeachment como prioridade, correndo o risco de agravar ainda mais a situação? 

Adicionemos a isso, o fato de que o negócio de ocasião do “Centrão” é não deixar passar o impeachment. Com isso, Lira já amealhou verbas orçamentárias fisiológicas bilionárias até “secretas”. E, para o PT, o impeachment é mera bandeira de agitação, sem querê-lo realmente, pois, o que querem é atrair Bolsonaro para um 2º turno onde será certamente derrotado; claro, gato escondido com rabo de fora. E se estas forças não defendem o impeachment, dificilmente ele passará na Câmara.

Lembremo-nos que quem vai às ruas não são apenas pessoas, mas forças políticas concretas com interesses políticos, sociais e econômicos concretos.

O clamor pelo #ForaBolsonaro!, se não há mais risco de golpe, e se o impeachment está praticamente inviabilizado politicamente, ganhou um outro caráter. Passou a ser a bandeira de todos os democratas pela renovação da política, e para livrar-se de Bolsonaro, pelo voto, em 2022. Doravante, os palanques serão para mobilizar cidadãos em adesão a projetos eleitorais. Esta é a forma mais concreta, confiável e consistente para fortalecermos a longo-prazo a nossa democracia.

O lulopetismo, com Lula como candidato, permanecerá com o seu palanque. O bolsonarismo, com ou sem Bolsonaro como candidato, com o seu. Lula chegou ao seu teto; doravante cairá. Bolsonaro está caindo vertiginosamente. São, ao mesmo tempo, os candidatos mais rejeitados pelo eleitor brasileiro. O Brasil precisa escapar desta armadilha e desta polarização.

Surgirá, agora, o palanque dos candidatos da 3ª Via para levar pelo menos um ao 2º turno. Um deles será o próximo presidente da república. O que os unirá será um projeto para desbloquear o desenvolvimento da democracia brasileira, ética na política e a retomada da prosperidade econômica.

Este é um momento crucial de nossa história; poucas vezes a sociedade necessitou tanto de renovação!

sábado, 16 de outubro de 2021

Não existe espaço para o antilavajatismo no palanque da 3ª Via

O espaço do antilavajatismo e do antimorismo já está ocupado. Essas bandeiras pertencem a Lula e a Bolsonaro pelo mais legítimo merecimento.

No momento em que já começam a se articular as candidaturas que disputarão as eleições presidenciais de 2022, não existe espaço para o antilavajatismo e para o antimorismo no palanque da 3ª Via. E Moro, candidato ou não a presidente, terá um papel destacado neste palanque, para fortalecê-lo e para levar a candidatura da terceira via à vitória. Sem isso, a 3ª Via não se viabilizará enquanto necessidade histórica.


Trata-se de uma questão estratégica, pois não terá qualquer chance o candidato da 3ª Via que queira derrotar a Lula e a Bolsonaro sem assumir, com nitidez, o caráter democrático do combate à corrupção e da luta para acabar com a impunidade. Esta não é uma questão acessória: ela deve ter a sua tradução no texto do programa dos candidatos da 3ª Via e na prática do discurso ativo e claro de campanha para denunciar e romper com os desvios éticos cometidos por Bolsonaro e por Lula. Esta questão deve ser uma marca inequívoca do compromisso democrático e histórico da 3ª Via.

Expressei, sinteticamente, esta opinião em post feito no grupo de Eduardo Jorge no Facebook. Dada a forma simples e com poucas palavras com que estava redigido o texto, logo recebi da amiga, Marialva Thereza Swioklo uma procedente crítica de que o texto deixaria depreender que eu estaria “indicando …o ex magistrado Moro como o candidato de sua (minha) preferência”. E prosseguia: “…Sim, ele pode ser candidato, mas se os acontecimentos nos levarem à escolha de outro nome, com muito maior chance, devemos abraçar a luta para que esse candidato consiga expurgar a dupla diabólica.” Considero pertinentes as suas considerações, particularmente porque eu e Marialva convergimos quanto ao papel positivo da Lava-Jato e no respeito a Moro.

Respondi, nos termos a seguir: “…já começo pelo fim, quando você me alerta de que a 2ª parte do texto pode dar ensejo à interpretação de que eu esteja defendendo a candidatura de Moro…”. Segue, abaixo, o teor da resposta.

Mas é uma interpretação errada sobre o que realmente penso. Felizmente, já me manifestei sobre isso, por escrito, diversas vezes, em posts e comentários em minha LT no Facebook, e aqui neste grupo; e, também, em diferentes artigos publicados no blog “Decisões Interativas” (*). Em todas as vezes, eu disse, sem excessão, que não considero Moro com o perfil e a trajetória que o indiquem para ser um candidato a presidente. Penso, mesmo, caso queira ingressar na política, que esta não é a sua melhor porta de entrada. E que, de minha filosofia política, não estou à espera de um salvador.

E tenho manifestado tantas vezes quanto, e também por escrito, que o considero um cidadão íntegro e competente, que prestou grande contribuição ao Brasil com sua participação na operação Lava-Jato, e que demonstrou imensa coragem e senso estratégico ao ter prendido e condenado alguns poderosos criminosos de colarinho branco, inclusive ao próprio Lula.


Com todas as letras, Moro, como um democrata, não precisa pedir licença para entrar na 3ª Via, pois ele já faz parte dela, e busca, como nós, uma alternativa ao lulopetismo e ao bolsonarismo. É, pois, indispensável que ele esteja no palanque da 3ª Via, para fortalecê-la e para dar a ela perspectiva de vitória. E ele pode ter este papel sem, necessariamente, ser candidato a presidente da república.

Voltando, agora, ao início. Óbvio, seria falso dizer, ao mesmo tempo, que não existe espaço para o antilavajatismo no palanque da 3ª Via e, em seguida, vetar a presença de Moro neste mesmo palanque. Ninguém acreditaria na seriedade disso! Tal palanque fake de 3ª Via seria o sonho de seus adversários; e seria uma arrogância delirante, ou uma malandra artimanha, neste caso, com três objetivos:
  1. não querer que a 3ª Via realmente ganhe, pois seria o mesmo que dizer que a influência de Moro e os seus milhões de votos não são necessários à vitória;
  2. como tática esperta para tirar votos de Bolsonaro e depois votar em Lula no 2º turno;
  3. como tática esperta para tirar votos de Lula e depois votar em Bolsonaro no 2º turno.
É preciso ter claro que quem decidirá se Moro será candidato a presidente será ele mesmo, independentemente do que pense qualquer um de nós. Se se candidatar, ou não, tudo o que podemos esperar é que ele represente um papel importante e positivo no fortalecimento da 3ª Via e na construção de uma unidade que garanta a ida de um de seus candidatos para o 2º turno, ajudando a romper com o egoísmo e o personalismo que são marcas culturais de nossa política.

Permitam-me dizer como votarei no 1º turno: no candidato da 3ª via que tiver a maior chance de chegar ao 2º turno (como será revelado inequivocamente pelas pesquisas de véspera). Os nomes estão postos, não há muito o que inventar: poderá ser o Ciro Gomes, o Alessandro Vieira, o Mandetta, o Rodrigo Pacheco, o Eduardo Leite, o Dória, ou o próprio Moro; e os listo sem manifestar minha ordem de preferência por qualquer deles.

Escrevo este texto porque acredito que a 3ª Via possa ganhar. Para isso, é necessário que cada um de nós saia do seu cercadinho e que, doravante, os seus candidatos articulem um palanque unitário para as manifestações e lutas democráticas que se seguirão. Dessa lógica, deixemos que o PT se deslumbre com os seus próprios palanques não unitários e “vermelhos”.

Finalmente, se não é proibido sonhar: que os candidatos da 3ª Via pactuem convergir em compromisso histórico-democrático para uma candidatura unitária de 1º turno. Passos neste sentido já foram iniciados. Terão essa sabedoria e grandeza? Acho que vale a pena tentar!

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quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Um encontro improvável

Este texto foi publicado originalmente no grupo “Jukebox - música dos entas” do Facebook. Ele é um encontro criativo da memória musical de amigos que mostram a sua sensibilidade, suas alegrias, suas saudades e até suas dores via as músicas que marcaram as suas vidas.

Trago abaixo o relato de uma deliciosa história que vivi, e que postei no Jukebox:

“Em certo dia, quando estudante universitário, tive um encontro casual, insólito e improvável com um dos compositores de uma das jóias da música popular brasileira.

Permitam-me descrever o contexto. Eu fiz o Curso de Engenharia na Escola de Engenharia da UFRJ entre 1966 e 1971 na Ilha do Fundão. Logo após o término do curso, engatilhei no mestrado em Engenharia de Produção na Coordenação dos Programas de Pós-graduação em Engenharia (COPPE), entre 1972 e janeiro de 1974, quando defendi a tese. No longo período em que circulei por aquele habitat os colegas me conheciam por “Müller”, o sobrenome de minha mãe.

A arquitetura da escola foi pensada para abrigar as aulas e as práticas do curso, que naquela época ainda era seriado, do 1º ao 5º ano. Os dois primeiros anos, considerados básicos, no Bloco A, um prédio mais alto com seis andares, onde ficava a direção da Escola, anfiteatros imensos de aula e os laboratórios das disciplinas de física, química, geologia, etc.. Neste prédio, no térreo, com pé direito muito alto, entre as suas colunas, era onde se realizavam as assembléias estudantis, algumas memoráveis que antecederam a passeata dos 100.000, em 1968, quando a juventude foi às ruas contra a ditadura e pela democracia. Saindo deste prédio, se sucediam os Blocos do B ao H, das especializações, que eram cursadas após o 3º ano. Lá se sucediam mecânica, civil, etc., até o H, dos cursos de engenharia elétrica e eletrônica. Eu cursava Eletrônica. A COPPE ficava no bloco G.

Pois bem, éramos todos jovens, e eu, já no 5º ano, caminhava no longo corredor que ia do Bloco A ao H. O ano foi, provavelmente, 1971. Não me lembro exatamente como a conversa começou, mas foi inesquecível, com um colega mais jovem, sobre uma música que fazia sucesso extraordinário nas rádios: “Amigo é pra essas coisas”, na interpretação do MPB4. O jovem então disse: “Eu sou o compositor dessa música”. Confesso: não consegui evitar uma reação de ceticismo, embora respeitosa; ele, a quem eu não conhecia, estudante de engenharia, com pouco mais de vinte anos, se dizia ser o improvável compositor/autor de um sucesso retumbante, de uma maravilhosa música cuja letra genial consistia em um diálogo casual entre amigos onde um desabafa sobre o amor que chegara ao fim. Um contexto inovador e genial, em um diálogo que você só esperaria, em princípio, entre homens mais vividos. Claro, do ceticismo, fiquei curioso, perguntei se ele era músico, ele disse que sim, que tocava violão. Chegamos aos nossos destinos; “até logo”, eu já sabendo o seu nome, e grilado com o meu ceticismo.

Silvio da Silva Jr., 2012

Era verdade, o seu nome é Silvio da Silva Jr. (*), formou-se em engenharia civil; o seu parceiro, tão jovem quanto ele, estudante de medicina à época, foi, nada mais nada menos, do que o Aldir Blanc. Abaixo, a gravação do MPB4 que fez sucesso à época.



Eis a sua letra genial:

AMIGO É PRA ESSAS COISAS

(de Silvio da Silva Jr. e Aldir Blanc)

Salve
Como é que vai
Amigo, há quanto tempo
Um ano ou mais
Posso sentar um pouco
Faça o favor
A vida é um dilema
Nem sempre vale a pena
O que é que há
Rosa acabou comigo
Meu Deus, por quê
Nem Deus sabe o motivo
Deus é bom
Mas não foi bom pra mim
Todo amor um dia chega ao fim
Triste
É sempre assim
Eu desejava um trago
Garçom, mais dois
Não sei quando eu lhe pago
Se vê depois
Estou desempregado
Você está mais velho
É
Vida ruim
Você está bem disposto
Também sofri
Mas não se vê no rosto
Pode ser
Você foi mais feliz
Dei mais sorte com a Beatriz
Pois é
Pra frente é que se anda
Você se lembra dela
Não lhe apresentei
Minha memória é fogo
E o l'argent?
Defendo algum no jogo
E amanhã
Que bom se eu morresse!
Pra quê, rapaz
Talvez Rosa sofresse
Vá atrás
Na morte a gente esquece
Mas no amor a gente fica em paz
Adeus
Toma mais um
Já amolei bastante
De jeito algum
Muito obrigado, amigo
Não tem de quê
Por você ter me ouvido
Amigo é prá essas coisas
Tome um cabral
Sua amizade basta
Pode faltar
O apreço não tem preço
Eu vivo ao Deus dará
O apreço não tem preço
Eu vivo ao Deus dará
O apreço não tem preço
Eu vivo ao Deus dará

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segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Para o PT a bandeira do impeachment é mero jogo de cena

Permitam-me começar com um desabafo. Até o dia 2/10, como simples cidadão, estive empenhado na convocação de todas as manifestações #ForaBolsonaro! Mas o quadro mudou.

Não existem mais bandeiras unitárias: o risco do golpe está afastado depois do 7/09, o que é muito bom; e o Centrão e o PT estão empenhados em não deixar passar o processo de impeachment de Bolsonaro na Câmara Federal, o que é muito mal.


Afastado que está o risco do golpe, a última bandeira de caráter democrático capaz de motivar grandes mobilizações unitárias, seria a do impeachment, apoiado por 56% da população, como mostrado na última pesquisa DataFolha.

Mas ao PT não interessa o impeachment, porque pretende manter a configuração de 2º turno mais adequada para a vitória de Lula, quando derrotará com conforto a Bolsonaro. Ao contrário, seria uma disputa de Lula com um candidato da 3ª Via, onde poderá perder no novo quadro incerto que se configurará.

Por isso, para o PT, o impeachment é apenas uma bandeira de agitação. Não passa de um mero jogo de cena, de que são useiros e vezeiros. O que pretendem ao levantarem essa bandeira de forma fake? Como sabem da sua inequívoca adesão popular, atrair para suas manifestações e palanques não unitários um público que vá além dos seus próprios militantes e dos de seus partidos aliados. Claro, se o impeachment nao passar, a culpa será do “Centrão”! Mas mal conseguem esconder que o único objetivo que perseguem passou a ser o de transformar as manifestações em palanques eleitorais para Lula.

Não se pode pedir ao PT que não adote a estratégia que julgue melhor para si! Como sempre, não estão interessados na unidade das forças democráticas, e Lula não quer dividir o palanque quando já figura como um potencial vencedor das eleições. Todos os que não estão no projeto do PT precisam ver isto com clareza.

O que se pretende, desta análise, é demonstrar que dificilmente se imporão razões político-estratégicas que levem os vários seguimentos do campo democrático a investirem em novas e massivas manifestações, sabendo-se de antemão que não serão unitárias. E é impossível fazê-las com o PT, a não ser se for para aderir à candidatura de Lula.

Doravante os projetos programáticos dos diferentes seguimentos políticos começarão a ser levados em palanques múltiplos. Está inaugurada a temporada em que os palanques das manifestações passarão a estar carimbados com as cores dos diferentes projetos eleitorais que se apresentarão para 2022. A 3ª Via acertaria politicamente se montasse um único palanque; isto é possível, e demonstraria sabedoria histórico-estratégica se conseguisse convergir para uma única candidatura a presidente.


Como devem agir os democratas empenhados em levar à vitória, em 2022, um candidato da 3ª Via para realizar a missão histórica de quebrar e derrotar a trágica polarização bolsonarismo versus lulopetismo? Devem fazer suas próprias mobilizações, unidos em torno do único pacto unitário real e objetivo nesta conjuntura: a Democracia e a defesa do Estado Democrático de Direito. O povo quer feijão, trabalho, democracia e paz! E, engajar-se em um projeto político em que a luta contra a corrupção ou, mesmo, o impeachment, não sejam jogos de cena, pois reconhecem nelas um profundo caráter democrático!

Conseguirá a maioria dos democratas, exatamente os que já estão cansados de Bolsonaro e do PT, montar palanques massivos, amplos e representativos? Se sim, passará no teste que a história exige de quem pretenda ser alternativa de poder!

domingo, 3 de outubro de 2021

As Forças Armadas não apoiam o golpe que Bolsonaro quer dar

O título deste texto é afirmativo. Uma temeridade, não é? Mas é uma questão fundamental para a formulação da estratégia política dos que desejam um futuro democrático para o país. Os que concordam com essa formulação se unirão em sua diversidade, e em múltiplos palanques, unidos pela Constituição e pela defesa do Estado Democrático de Direito, e sairão da defensiva.

Bolsonaro está em processo crescente de isolamento político. Objetivamente, as pesquisas mostram:
  • 70% dos brasileiros somente querem viver em um regime democrático (*);
  • 57% dos brasileiros nunca confiam nas declarações do presidente (**);
Politicamente, isso se traduz em uma tendência de queda de suas perspectivas eleitorais, e as pesquisas mais recentes já mostram a tendência de que seria derrotado pelos seus mais conhecidos oponentes se disputasse com eles o 2º turno das eleições presidenciais de 2022.

O seu desespero é visível e, por isso, sonha com um golpe militar para governar ditatorialmente. Tentou dá-lo nos dias 7 e 8 de setembro, mas algo o obrigou a parar. Sem dúvida, valeram - para contê-lo em seu intento golpista -, as manifestações e ações tempestivas e fundamentais dos representantes dos Poderes da República, do STF, do Congresso Nacional. E foram fundamentais as manifestações de representantes das entidades da sociedade civil, do mundo do trabalho e do capital; dos órgãos de imprensa e das redes jornalísticas comprometidas com a democracia; e dos cidadãos, em vigília cívica, que se mobilizaram massivamente nas redes sociais.


Militares que integraram a missão de paz no Haiti

A tese de Bolsonaro, repetida em muitas declarações, gravadas em áudio e vídeo, era a de que o “seu Exercito” não lhe faltaria se o povo, nas ruas, exigisse o fechamento do STF e do Congresso Nacional. Coerentemente, planejou o seu golpe levando dezenas de milhares de apoiadores para a Esplanada dos Ministérios em Brasília e para a Avenida Paulista, onde compareceu pessoalmente, discursou e proferiu diatribes graves contra o STF e seus ministros. Foram manifestações impressionantes e os que atenderam ao seu chamado, vindos em caravanas de vários estados, estiveram dispostos a suportá-lo politicamente em seu intento golpista. E, para não subestimá-las, ainda ocorreram manifestações de apoio em várias outras capitais e cidades do país. O plano do golpe foi colocado em ação!

Entretanto, algo não deu certo, por isso precisamos nos debruçar sobre a questão militar, pois, na lógica de Bolsonaro, tal plano somente poderia seguir em frente se tivesse o apoio das Forças Armadas. E esse apoio não veio.

Esta questão tem sido objeto de análise por parte de todos os que refletem sobre os inequívocos intentos golpistas de Bolsonaro desde o início de seu governo. Refere-se ao Exército como o “seu Exército”, e já trocara os comandantes das Forças Armadas para que estivessem mais alinhados com os seus objetivos, e para que fossem de sua confiança.


Com isso, teria conseguido conformá-los ao seu objetivo, de que as FA o apoiariam para governar ditatorialmente, e estabelecer um regime totalitário? Teria conseguido pactuar com elas o “fechamento do STF e do Congresso Nacional” para que, com novas regras institucionais pudesse governar de acordo com os seus objetivos? Diante de tantas ameaças, devemos considerar que muitos admitiram que sim!

Tenho defendido, em vários artigos, não ser provável que as FA o seguiriam em seus intentos totalitários. Não só por questões políticas e geopolíticas fundamentais, mas porque não teriam como seguir a esse capitão tresloucado, pois Bolsonaro não constitui nenhum padrão de competência ou moralidade, nem em sua vida pregressa, antes de ser eleito presidente, nem nas práticas atuais irresponsáveis que vem adotando em seu governo, como agora estão sendo reveladas aos detalhes pela CPI da pandemia. Definitivamente, essa “mistura inconveniente” de alguns generais palacianos com Bolsonaro já compromete não apenas o papel institucional das Forças Armadas, mas a sua imagem e credibilidade perante a população.

O 7/09 esclareceu esta questão. Simplesmente, não haverá golpe. As FA não apoiarão esse intento de Bolsonaro. Esta questão é central, pois se não há este risco não há mais a necessidade de uma união de todos os democratas, nas ruas, para resistir a ele.

A estratégia passa a ser outra. A unidade dos democratas deve ser em torno da Constituição e do Estado Democrático de Direito. Este é o único pacto unitário. E deixar que floresça a diversidade da oposição democrática! E é imprescindível que não se confunda a estratégia eleitoral dos democratas, de derrotar Bolsonaro em 2022, com a estratégia de defesa da democracia, que deve unir a todos.

Para ficar, ainda, mais claro, os que estão comprometidos com a vitória de uma candidatura da 3ª Via devem buscar a união não para resistir a um golpe que não virá, mas para derrotar, enquanto necessidade histórica, pelo bem do Brasil, nos 1º e 2º turnos, aos candidatos da trágica polarização bolsonarismo versus lulopetismo.

Retrospectivamente, referencio abaixo os diferentes artigos em que venho tratando da questão militar; eles embasam a tese de que as Forças Armadas não apoiarão um golpe militar; e de que não serão, também, coniventes com tentativas de restringir as liberdades político-democráticas:



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(*) Os gráficos abaixo são da pesquisa DataFolha realizada de 13 a 15 de setembro:


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