sábado, 16 de maio de 2020

O que o General Mourão não disse?

O artigo do Gal Mourão, vice-presidente da república, “Limites e Responsabilidades”, publicado no último dia 14/05/20 no Estadão, está merecendo a atenção devida.

Bem escrito, continuará sendo objeto de análise, pois, certamente, Mourão quis dar o seu recado. Foi em boa hora e oportuno. Tenhamos, a partir de cada uma de nossas óticas particulares, gostado, ou não, do seu posicionamento, ele nos traz informações sobre como pensa.

O vice-presidente Hamilton Mourão Foto: Dida Sampaio/Estadão 

Entretanto, ele não disse tudo o que pensa; e não disse, também, o que não pensa, pois não é um puxa-sacos. Portanto, tomarei a liberdade de especular sobre o que ele realmente pensa sobre Bolsonaro, mas que não pode dizê-lo por sua posição e responsabilidade.

Pois bem, temos sido testemunhas das dezenas de vezes em que já foi obrigado a sair em campo para “explicar” falações atrapalhadas de Bolsonaro para livra-lo de situações aflitivas. Ele sabe, pensa e acha, que o presidente é um trapalhão!

Vivemos a tragédia da pandemia. Quase a totalidade dos chefes de Estado, diante da guerra contra o vírus, no melhor ensinamento de Churtill, apenas prometendo a verdade, “sangue, suor e lágrimas”, vêm liderando suas nações, e unindo-as, em defesa da vida. Suas popularidades, em geral, ascenderam a níveis superiores às que tinham antes da pandemia! Bolsonaro, ao contrário, coloca-se contra a ciência, a comunidade de saúde, os governadores e prefeitos e substituiu, em plena guerra contra o coronavírus, pela 2ª vez, os seus “generais comandantes” - Mandetta e Teich - em pleno teatro de batalha. E tornou-se, tanto quanto o vírus, um grave problema sanitário. Perdoem-me, há quem discorde, mas tenho certeza que Mourão e os demais generais que estão na tropa, não têm mais qualquer respeito pelo tirocínio do presidente.

Sairemos, sabe-se quando, desta crise, chorando os nossos mortos e, junto com todos os países do mundo, no que poderá ser a maior recessão econômica de nossa história. Precisamos de estadistas, união e liderança!

Enquanto isso, Bolsonaro só pensa em ser um ditador, fechar o Congresso, o STF, armar o povo; e estimular grupos paramilitares a ocuparem, armados, a Explanada dos Ministérios, que propõem, sem eufemismos, que dê um golpe militar.

Mourão concorda com isso? Será que o seu pensamento é uma visão totalitária, militarista e corporativista? E que menospreza os 35 anos de democracia que já vivemos e o Estado Democrático de Direito?

Espero que não! Espero que essa seja a essência do que Mourão não disse!

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Íntegra do artigo "Limites e Responsabilidades"

Antonio Hamilton Martins Mourão* - O Estado de S.Paulo
14 de maio de 2020 | 03h00

A esta altura está claro que a pandemia de covid-19 não é só uma questão de saúde: por seu alcance, sempre foi social; pelos seus efeitos, já se tornou econômica; e por suas consequências pode vir a ser de segurança. A crise que ela causou nunca foi, nem poderia ser, questão afeta exclusivamente a um ministério, a um Poder, a um nível de administração ou a uma classe profissional. É política na medida em que afeta toda a sociedade e esta, enquanto politicamente organizada, só pode enfrentá-la pela ação do Estado. 

Para esse mal nenhum país do mundo tem solução imediata, cada qual procura enfrentá-lo de acordo com a sua realidade. Mas nenhum vem causando tanto mal a si mesmo como o Brasil. Um estrago institucional que já vinha ocorrendo, mas agora atingiu as raias da insensatez, está levando o País ao caos e pode ser resumido em quatro pontos. 

"Com sensibilidade das mais altas autoridades é possível superar a grave situação que vive o País"

O primeiro é a polarização que tomou conta de nossa sociedade, outra praga destes dias que tem muitos lados, pois se radicaliza por tudo, a começar pela opinião, que no Brasil corre o risco de ser judicializada, sempre pelo mesmo viés. Tornamo-nos assim incapazes do essencial para enfrentar qualquer problema: sentar à mesa, conversar e debater. A imprensa, a grande instituição da opinião, precisa rever seus procedimentos nesta calamidade que vivemos. Opiniões distintas, contrárias e favoráveis ao governo, tanto sobre o isolamento como a retomada da economia, enfim, sobre o enfrentamento da crise, devem ter o mesmo espaço nos principais veículos de comunicação. Sem isso teremos descrédito e reação, deteriorando-se o ambiente de convivência e tolerância que deve vigorar numa democracia. 

O segundo ponto é a degradação do conhecimento político por quem deveria usá-lo de maneira responsável, governadores, magistrados e legisladores que esquecem que o Brasil não é uma confederação, mas uma federação, a forma de organização política criada pelos EUA em que o governo central não é um agente dos Estados que a constituem, é parte de um sistema federal que se estende por toda a União. 

Em O Federalista – a famosa coletânea de artigos que ajudou a convencer quase todos os delegados da convenção federal a assinarem a Constituição norte-americana em 17 de setembro de 1787 –, John Jay, um de seus autores, mostrou como a “administração, os conselhos políticos e as decisões judiciais do governo nacional serão mais sensatos, sistemáticos e judiciosos do que os Estados isoladamente”, simplesmente por que esse sistema permite somar esforços e concentrar os talentos de forma a solucionar os problemas de forma mais eficaz. 

O terceiro ponto é a usurpação das prerrogativas do Poder Executivo. A esse respeito, no mesmo Federalista outro de seus autores, James Madison, estabeleceu “como fundamentos básicos que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário devem ser separados e distintos, de tal modo que ninguém possa exercer os poderes de mais de um deles ao mesmo tempo”, uma regra estilhaçada no Brasil de hoje pela profusão de decisões de presidentes de outros Poderes, de juízes de todas as instâncias e de procuradores, que, sem deterem mandatos de autoridade executiva, intentam exercê-la. 

Na obra brasileira que pode ser considerada equivalente ao Federalista, Amaro Cavalcanti (Regime Federativo e a República Brasileira, 1899), que foi ministro de Interior e ministro do Supremo Tribunal Federal, afirmou, apenas dez anos depois da Proclamação da República, que “muitos Estados da Federação, ou não compreenderam bem o seu papel neste regime político, ou, então, têm procedido sem bastante boa fé”, algo que vem custando caro ao País. 

O quarto ponto é o prejuízo à imagem do Brasil no exterior decorrente das manifestações de personalidades que, tendo exercido funções de relevância em administrações anteriores, por se sentirem desprestigiados ou simplesmente inconformados com o governo democraticamente eleito em outubro de 2018, usam seu prestígio para fazer apressadas ilações e apontar o País “como ameaça a si mesmo e aos demais na destruição da Amazônia e no agravamento do aquecimento global”, uma acusação leviana que, neste momento crítico, prejudica ainda mais o esforço do governo para enfrentar o desafio que se coloca ao Brasil naquela imensa região, que desconhecem e pela qual jamais fizeram algo de palpável.  

Esses pontos resumem uma situação grave, mas não insuperável, desde que haja um mínimo de sensibilidade das mais altas autoridades do País. 

Pela maneira desordenada como foram decretadas as medidas de isolamento social, a economia do País está paralisada, a ameaça de desorganização do sistema produtivo é real e as maiores quedas nas exportações brasileiras de janeiro a abril deste ano foram as da indústria de transformação, automobilística e aeronáutica, as que mais geram riqueza. Sem falar na catástrofe do desemprego que está no horizonte. 

Enquanto os países mais importantes do mundo se organizam para enfrentar a pandemia em todas as frentes, de saúde a produção e consumo, aqui, no Brasil, continuamos entregues a estatísticas seletivas, discórdia, corrupção e oportunismo. 

Há tempo para reverter o desastre. Basta que se respeitem os limites e as responsabilidades das autoridades legalmente constituídas. 


* ANTONIO HAMILTON MARTINS MOURÃO É VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA

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Abaixo, dois materiais com o pensamento de dois generais palacianos, um do Gal Braga Neto, ministro da Casa Civil; outro, do  Gal Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo. Eles apresentam o pensamento de dois militares palacianos, não necessariamente o das Forças Armadas.

(1) Gal Braga Neto

(2) Luiz Eduardo Ramos














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