sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Qual é a missão histórica de Moro?

Abro uma questão. A popularidade de Moro é um fato real constatado pelas pesquisas. Enquanto isso, nelas, Bolsonaro cai. Tem que cuidar, agora, para que não seja uma queda vertiginosa. Noticia-se que a hashtag #BolsonaroTraidor começou a bombar nas redes.


Traição a quem? Aos seus eleitores, que, por sua vez, continuam apoiando a Moro. Surpreendem-se - e indignam-se - com as repetitivas ações do presidente, divergentes das posições de Moro, que fragilizam a luta contra a impunidade.

Por que reagem assim? Porque para os cidadãos sem militância partidária, particularmente naqueles partidos envolvidos no assalto ao Estado, o fato de Moro ser ministro é apenas uma nova etapa da sua ação contra a corrupção e em prol do aperfeiçoamento das instituições jurídicas democráticas para acabar com a impunidade. São ingênuos? Não creio, mas compõem uma sabedoria das multidões que cabe respeitar!

Por vezes verifico nos meus círculos de amigos, altamente politizado, a quem muitos eu já conhecia não apenas por suas simpatias partidárias, com um discurso do tipo: como pode Moro ser ministro de um governo presidido por Bolsonaro? Alguns chegam a caracterizar o presidente como um fascista. Logo, cartesianamente, Moro também é um fascista! Certo? Claro, errado, pois Moro tem uma história respeitável!

Alguns, que se alinhavam com as posições do PT, PSDB, PMDB, PP, e de outros partidos flagrados com a boca na botija e envolvidos no assalto ao Estado, já odiavam a Moro desde que iniciou a operação Lava-Jato. Não precisaram, definitivamente, esperar que ele aceitasse o convite para ser ministro para alimentar tais sentimentos. Não mudaram em nada, continuam contra Moro exatamente como antes!

O mais importante, entretanto, é considerar que todos mudam suas posições ao longo do tempo! Os democratas que votaram em Bolsonaro para impedir que o PT voltasse ao governo, já não o vêm mais como antes. E todos os que buscam uma alternativa democrática para 2022 já começam a perceber que ela somente surgirá se for rompida a polarização bolsonarismo versus lulismo.

E onde entra Moro nesta história? Para ser candidato a presidente? Pode ser a proposta de muitos, mas não é a minha! A ele, e isso não depende da minha humilde vontade, desejo que continue agindo, articulando e simbolizando a indispensável etapa democrática brasileira de criar as instituições jurídicas para acabar com a impunidade. Isso é suficiente para que ele faça história, como já vem fazendo!

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

A segunda instância e a presunção de inocência

Neste artigo o ministro da justiça e ex juiz Sergio Moro traz a sua posição em defesa da prisão em 2ª instância.


Seu posicionamento é coerente com uma trajetória de intervir em momentos cruciais, onde, mais do que por dever de ofício, tem demonstrado a coragem cidadã de assumir atitudes claras e riscos. Elas já tiveram o condão de definir, no passado recente, os caminhos da justiça para punir criminosos de colarinho branco, bem como, por vezes, de influenciar os próprios acontecimentos políticos.

Isto lhe valeu o ódio de milhares de investigados, condenados e presos por corrupção. Mas, lhe valeu, sobretudo, o reconhecimento e o respeito de dezenas de milhões de cidadãos. Esse prestígio não se deve a uma mitificação de sua personalidade sóbria, pacífica e ponderada, mas devido ao legítimo tributo dos brasileiros que reconhecem a importância fundamental da luta contra a impunidade para construir um país mais democrático e justo.

Este artigo é muito oportuno, no início desta semana, segunda-feira, 18/11, exatamente quando o presidente do STF, Dias Toffoli, apoiado por Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, pratica uma escalada contra a Lava-Jato. Combater essas posições equivocadas de ministros do STF é fundamental para defender o STF enquanto instituição da democracia, a própria democracia e o Estado Democrático de Direito. 


Abaixo, íntegra do artigo de Sergio Fernando Moro *.
O Estado de S.Paulo, 18 de novembro de 2019 | 03h00

A presunção de inocência é um princípio cardeal dentro do processo penal. Proíbe condenações injustas e punições prematuras.

O núcleo essencial da presunção diz respeito às provas. Ninguém pode ser condenado criminalmente sem que existam provas categóricas, claras como a luz do dia. A essência do direito é cláusula pétrea, não pode ser alterada sequer por emenda constitucional e ninguém de bom senso defenderia a relativização dessa regra.

Como escudo contra punições prematuras, proíbe prisões – a sanção penal por excelência – antes do julgamento. A prisão preventiva deve ser excepcional, para proteger provas, evitar fuga, prevenir novos crimes ou proteger a ordem pública.

Outra questão completamente diferente diz respeito ao momento de início do cumprimento da pena e ao efeito de recursos no processo penal após o julgamento.

Se países como Estados Unidos e França, que constituem berços históricos não só das revoluções liberais, mas também da presunção de inocência, admitem a prisão após o julgamento de primeira ou segunda instância, é intuitivo que a presunção de inocência não é compreendida universalmente no sentido de exigir o julgamento do último recurso, o trânsito em julgado, para início da execução da pena.

A leitura literal do inciso LVII do artigo 5.º da Constituição talvez favoreça a interpretação de que se exige o trânsito em julgado para o início de execução da pena. Mas, sempre oportuno lembrar, é sobre uma Constituição que estamos expondo e ela precisa ser lida em consonância com outros princípios cardeais, entre eles que “a aplicação da lei deve ser igual para todos” e “não somos uma sociedade de castas”. Exigir o trânsito em julgado tem o efeito prático, dada a prodigalidade dos recursos, de gerar a impunidade dos poderosos, o que é inaceitável do ponto de vista constitucional ou moral.

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) demandando o trânsito em julgado e revendo precedente anterior deve ser respeitada. O STF é uma instituição essencial à democracia. Ao exercer o controle de constitucionalidade e proferir decisões de impacto na vida dos brasileiros, só fortalece o Estado de Direito. Mas a decisão foi dividida, seis a cinco.

A divergência apertada sobre o significado específico da presunção de inocência dá margem ao Congresso para alterá-lo, já que sobre ele inexiste consenso. Magistrados que compuseram a própria maioria vencedora, como o ministro Dias Toffoli, admitiram que o Congresso poderia alterar a legislação processual ou a Constituição para dar à presunção de inocência uma conformação diferente da interpretação que prevaleceu por estreita maioria.

Não há afronta à Corte. Juízes interpretam a Constituição e a lei. O Congresso tem o poder, observadas as condições e maiorias necessárias, de alterar o texto da norma. Cada um em sua competência, como Poderes independentes e harmônicos.

Não seria a primeira vez que uma Corte teria a decisão alterada pelo Parlamento, nem sequer no Brasil. A Suprema Corte norte-americana decidiu, em Dred Scott v. Sandford, de 1857, que escravos não poderiam tornar-se cidadãos dos Estados Unidos e que o Congresso não poderia proibir a escravidão nos novos territórios. A resposta do Congresso foi, após a guerra civil, a revogação da decisão pela 13.ª e pela 14.ª Emendas à Constituição.

Em exemplo mais prosaico, o Congresso brasileiro aprovou, em 2017, a Emenda Constitucional 96 para permitir práticas desportivas e culturais que utilizem animais, como a vaquejada, para se contrapor à prévia decisão do STF na ADI 4.983.

A decisão do STF, embora mereça ser respeitada, causou certa irresignação aos que vislumbravam a execução em segunda instância como medida necessária contra a impunidade e contra o avanço da criminalidade.

Embora a execução em segunda instância seja vista como essencial para os avanços anticorrupção, é ela igualmente importante para reduzir a impunidade de toda espécie de crime, incluídos os de sangue. Não deve ser esquecido que em 2009, quando o STF concedeu o Habeas Corpus 84.078, estabelecendo pela primeira vez a exigência do trânsito em julgado, regra depois revista em 2016, o beneficiado foi pessoa condenada por tentativa de homicídio qualificado, que havia disparado por diversas vezes arma de fogo contra a vítima. Como consequência, além da soltura, o caso acabou prescrevendo pela demora no julgamento dos recursos. Muitos outros casos, envolvendo crimes diversos, tiveram destino similar. Não é só a corrupção.

No pacote anticrime encaminhado pelo governo federal ao Congresso consta proposta de alteração do Código de Processo Penal para que seja admitida a execução em segunda instância, após o julgamento de uma Corte de apelação.

Não precisa ser esse o projeto votado. Há vários outros projetos de lei ou propostas de emenda à Constituição prontos para ser objeto de discussão e deliberação pelo Congresso que tratam do tema.

Cabe ao Legislativo o protagonismo numa democracia. Cabe a ele, respeitosamente, deliberar sobre a justa aspiração da sociedade de que o processo penal cumpra as suas funções. Sim, devemos proteger o acusado, mas também temos de responder às violações dos direitos das vítimas, o que exige a efetiva punição dos culpados num prazo razoável. Isso deve depender exclusivamente da existência ou não de provas, e não da capacidade do acusado de utilizar os infindáveis recursos da legislação brasileira. Exigir a punição dos culpados não é vingança, mas, sim, império da lei. Reduzir a impunidade é essencial não só para justiça, mas também para prevenir novos crimes, aumentando os riscos de violação da lei penal. A prisão em segunda instância representa um alento para os que confiam que o devido processo não pode servir como instrumento para a impunidade e para o avanço do mundo do crime.

* MINISTRO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Por que Bolsonaro não dará o golpe?

Obviamente, estão errados todos os que julgam estarmos à beira de um golpe de Estado!

Isto não significa que Bolsonaro e o seu clã não o queiram, diga-se logo de saída! Por isso, os democratas e as instituições do Estado de Direito, e o mundo civilizado, estão reagindo, unidos, contra o desejo expresso por Bolsonaro, pela boca de Eduardo, de governar com instrumentos de exceção.


Os que estão vendo o fantasma do golpe bater à porta não conseguem perceber que os eleitores de Bolsonaro não são um bloco homogêneo.

Pois não são! Por simplicidade, existem, basicamente, dois tipos de eleitores de Bolsonaro: os “bolsonaristas de raiz”, que se alinham com a sua pauta reacionária, autoritária e conservadora nos costumes; e os democratas que votaram nele para evitar que o PT voltasse ao governo, e votaram, no 2º turno, no candidato que consideraram o menos pior.

O segundo tipo, o dos democratas, que creio ser a maioria dos eleitores de Bolsonaro, está muito desconfortável com o seu governo. Jamais poderiam imaginar que ele pudesse ser pior do que as suas piores expectativas.

Por que, então, contra todas as evidências, muitos insistem nesta tese de que Bolsonaro mantém unidos os seus eleitores? Observe-se que mês a mês as pesquisas revelam que decresce o apoio a Bolsonaro; e, óbvio, ele somente pode estar caindo junto a quem antes o apoiava!

Dois são os grupos que defendem essa tese: o primeiro, os “bolsonaristas de raiz”, para demonstrar uma força que não têm mais; o segundo, todos os que ainda permanecem sob a influência do lulopetismo, para não admitir que democratas pudessem ter votado em Bolsonaro!

Pois bem, o isolamento de Bolsonaro é cada vez maior, e ele sabe disso (vide o vídeo do leão e das hienas)! Por isso ele está agindo desesperadamente para unir os seus radicais e chamar as forças armadas para apoiá-lo em um golpe!

Concluo. As forças armadas não o apoiarão nesta aventura! E adiciono, mesmo a extrema direita sabe que até para liderar um golpe tem que gozar de respeito! E este não é o caso de Bolsonaro e do seu clã!

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Ditadura nunca mais!

Pois bem, Eduardo Bolsonaro propõe um novo AI-5 se a esquerda for pra rua como no Chile.

Não podemos brincar com tais declarações irresponsáveis, nem tampouco subestimar os perigos deste aviso. Isso é preocupante, pois é o filho do presidente e é o líder do seu partido, o PSL, na Câmara.


Esta ameaça se segue ao vídeo dos leões e das hienas, que foi um claro pedido de apoio de Bolsonaro para que lhe sejam concedidos poderes excepcionais para poder governar contra as hienas; e uma delas é o STF, um dos poderes da república. Isto, por si só, já é imensamente grave, mas dentre os inimigos que o acuam está também a rede Globo, a Folha de São Paulo, os partidos políticos inclusive o seu - o PSL -, a OAB e outras instituições da república que, em seu conjunto, simbolizam a própria democracia e a liberdade!

Os democratas, unidos, reagem a essas pretenções ditatoriais do presidente.

Queremos viver nos marcos de um Estado Democrático de Direito, sobretudo, porque a nossa democracia, demarcada pela Constituição de 1988, foi um sonho longamente acalentado e duramente conquistado pelos brasileiros.

Mas é necessário que digamos, o presidente Bolsonaro tem revelado desejar voltar, saudosamente, ao regime ditatorial vivido pelo país de 1964 a 1985. Mostra-se incapaz de olhar para o futuro como um estadista, e pensa que pode exercer o seu mandato olhando pelo retrovisor da história.

Não vivemos mais no tempo da guerra fria em que defrontaram-se, radicalmente, visões opostas e autoritárias do mundo. A democracia é um valor fundamental para qualquer sistema social que se pretenda justo. Uma economia ambientalmente sustentável, e o exercício das liberdades cívica, política, religiosa, comportamental e dos negócios, somente pode vicejar no terreno fértil da democracia.

O presidente Bolsonaro, eleito democraticamente, agora deseja governar como um ditador. O mais grave é que, revelando-se inabilitado para exercer os imensos poderes que a Constituição democrática lhe concede, agora chama os seus radicais para conquistar poderes ditatoriais.

Ser respeitado por sua competência e habilitação, inclusive emocional, para o cargo de presidente e a manutenção da confiança do povo para exercê-lo, são atributos pessoais, individuais e intransferíveis. Nenhum regime, seja democrático ou ditatorial, lhe dará qualidades que não possui e que não conseguirá ter. Isto é uma infelicidade para o Brasil.

Deposito a minha esperança de que nunca mais venhamos a viver em uma ditadura. As forças armadas têm revelado um firme compromisso com a democracia. Por outro lado, conhecem muito bem a Bolsonaro; sobretudo que, se ele pretende governar como ditador, será para exacerbar as suas piores características, já reveladas na sua vida profissional, como militar, em seus 28 anos como deputado federal improdutivo e, agora, como presidente eleito em plena democracia.

Sobretudo, os brasileiros repudiam qualquer tipo de ditadura, seja de esquerda ou de direita, e somente desejam viver em um Estado Democrático de Direito!

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Íntegra da delação do Palocci

No dia 04 de outubro de 2019 o Estadão publicou na coluna do Faustão a íntegra da delação do Palocci. A delação premiada do ex-ministro petista Antonio Palocci tem 86 páginas e 39 anexos. O documento foi assinado pela Polícia Federal e homologado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin.

Sobre delações sempre pesam controvérsias, mas elas foram essenciais para desnudar a corrupção sistêmica que ocorre em nosso país, envolvendo a articulação de poderosos políticos, grandes empresários e servidores públicos ocupando os mais altos cargos. Muitos admitem que os fatos revelados compõem apenas a ponta do iceberg.

A Lava-Jato teve o mérito de trazer à luz do dia, e ao conhecimento de todos, as "tenebrosas transações" tramadas na penumbra e conduzidas por alguns dos mais conhecidos políticos do país. Revelou que os criminosos de colarinho branco são os que mais roubam e são os mais prejudiciais ao país.


Antonio Palocci está entre eles. No PT foi um dos mais influentes e poderosos. Depois que José Dirceu "caiu" com o escândalo do mensalão passou a ser o segundo na linha de sucessão interna do poder. Mas Palocci também caiu, e continuou caindo, até sua condenação e prisão.

O objetivo deste post no Decisões Interativas não é, entretanto, esmiuçar a sua desgraça, mas dar-lhe a palavra por meio de sua delação contida em 39 ANEXOS e 86 páginas. Estou convencido de que todos devem estuda-la, particularmente os que pretendam ter uma reflexão própria e tirar  conclusões independentes sobre a gravidade da corrupção ocorrida no período em que o PT ocupou o governo.


Pela amplitude dos temas tratados, este documento configura-se como uma das referências mais importantes para todos os que estão convencidos de que acabar com a impunidade tem um radical caráter democrático e civilizatório, e de que o combate à corrupção não é uma luta de "jacobinos".

A temática de cada ANEXO dá a dimensão dos assuntos tratados na delação:


A matéria completa do Estadão (4/10/19) pode ser acessada no link a seguir: 

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

A ofensiva dos "garantivistas"

Assistimos, os democratas, atônitos, às iniciativas do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, apoiado por outros de seus pares, notadamente os ministros Gilmar Mendes e Lewandowski, para aprovar normas que colocam em risco todos os avanços para o combate à corrupção ocorridos nos últimos anos.



As consequências das decisões intentadas por essa maioria eventual do STF, embora ainda não conduzidas para a fase de resolução com força normativa, apontam com clareza o objetivo de anular processos e condenações, como já aconteceu no caso de Bendine. O “garantivismo” (*) que revelam, se levado adiante, fará retroagir muitas conquistas já alcançadas.

Outra consequência, inevitável, será acabar com a Lava-Jato e desmoralizar os profissionais que a conduziram no âmbito da justiça, os policiais, os procuradores e os juízes federais. Isso desestimulará a luta contra a impunidade dos crimes de colarinho branco e produzirá um aumento da desesperança dos brasileiros.

Naturalmente, nos poderes legislativo e judiciário já se revelaram os inimigos da Lava-Jato, bem como os que a apoiam, que não são poucos. A estes últimos, não cabe passividade, pois é hora de reação e luta, e sabem que contarão com o apoio da opinião pública, nas redes e nas ruas, tanto quanto for necessário!

Os democratas querem viver em um Estado Democrático de Direito. Sobretudo, porque defendem o caráter democrático da luta contra a impunidade para que não haja brasileiros acima da lei, e porque sabem que a corrupção bloqueia o surgimento das condições necessárias para que o Brasil seja mais justo e desenvolvido.

Não podemos, mais uma vez, nos deixar enganar. Por isso, apelamos para que o STF: (1) respeite as sentenças já proferidas no âmbito da Operação Lava-Jato, desde que tenham sido cumpridas as normas definidoras do princípio do devido processo legal vigentes quando dos seus respectivos julgamentos; (2) não decida por novas normas que tenham o poder retroativo de anular essas sentenças já proferidas; (3) mantenha a norma de que o condenado já comece a cumprir pena logo após a sua condenação em 2ª instância.

Mas a população brasileira está atônita com o papel dúbio que o presidente Bolsonaro vem tendo, particularmente porque foi eleito como o candidato que abraçara a Lava-Jato e a luta contra a corrupção.

Não resta dúvidas de que essa dubiedade do presidente estimulou os inimigos da Lava-Jato em toda parte, mas é no STF que eles estão sendo mais audaciosos, e estão prestes a liquidá-la com suas decisões judiciais “garantivistas”.

O presidente Bolsonaro ao convidar o símbolo maior da luta contra a corrupção, Sergio Moro, para ser seu ministro da Justiça, o que lhe rendeu credibilidade e apoio, parecia estar comprometido com suas promessas de campanha. Mas em poucos meses os seus próprios eleitores e a opinião pública não têm mais confiança nisso.

O que os brasileiros esperam, agora, neste momento crucial, é que Bolsonaro mostre que não mudou de lado; sobretudo, não aceitarão passivamente que o presidente esqueça que os seus eleitores votaram nele para impedir que o PT voltasse ao governo e para dar continuidade ao combate à corrupção.

É indispensável que o presidente sinalize para a nação, sem dubiedades, que não está traindo os seus compromissos. Esta sinalização, certamente, terá importância política e influência na aprovação do pacote anticrime que tramita no Congresso e nas futuras decisões do STF.

Se não o fizer, é porque já escolheu o seu caminho, que o levará à inexorável perda de confiança dos brasileiros!

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(*) “garantivismo” é o pejorativo de “garantismo”, ou seja, é o “garantismo à brasileira”.

Vejamos o que o ministro Luiz Roberto Barroso, do STF, nos diz sobre isso:
“Em outras partes do mundo, garantismo significa direito de defesa, devido processo legal, julgamento justo e, em alguns lugares - mas não todos -, direito a recurso para o segundo grau de jurisdição.” (1)

(1) do prefácio do Livro “CRIME.GOV - Quando Corrupção e Governo se Misturam”, cujos autores são os delegados da Polícia Federal Jorge Pontes e Marcio Anselmo. Editora Objetiva, 2019, Rio de Janeiro, RJ.

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Em defesa da democracia e da Lava-Jato.

Digladiam-se duas teses, no que concerne ao combate à corrupção, no campo dos que defendem a democracia.

A primeira, dos que defendem o caráter democrático de acabar com a impunidade dos crimes de colarinho branco como uma condição para construir as premissas de um país em que não haja brasileiros acima da lei. Querem aperfeiçoar os mecanismos institucionais para o combate à corrupção e ao crime organizado, repudiam qualquer tipo de ditadura e somente querem viver sob a égide de um Estado Democrático de Direito.
Os dados, fatos e provas (e restituição de dinheiro) trazidos pela Operação Lava-Jato mostraram a gravidade da corrupção sistêmica envolvendo uma aliança tácita entre os caciques de poderosos setores econômicos, os caciques partidários (à esquerda e à direita do espectro político), representando as velhas e novas oligarquias da política, e a cúpula do poder judiciário, neste último caso, solidamente implantada no STF. Torna-se impossível a qualquer pessoa de bem recusar as graves consequências sociais, econômicas e morais trazidas à sociedade, pois a corrupção tornou-se, por si só, uma barreira ao nosso desenvolvimento sustentável!

A segunda tese, defendida pelos "garantistas", é de que o combate à corrupção tem que respeitar o princípio da garantia do direito de defesa, que é um dos pilares fundamentais da justiça e do Estado Democrático de Direito. Mas quem pode ser contra esta tese? Ela deve ser defendida por todos os democratas!

Então, onde está o problema? É que os defensores desta segunda tese estão a ponto de anular todos os processos e condenações conduzidos no âmbito da Lava-Jato, reconhecidamente baseados no cumprimento do devido processo legal, sob o argumento de que o "réu-delatado" não teria sido ouvido depois do "réu-delator". Uma conveniente inovação jurídica, decidida pelo STF no dia 26/09/19, que poderá anular dezenas de condenações já sentenciadas em várias instâncias. 

Suponhamos que essa norma seja necessária e justa. Mas ela poderia prevalecer, retroativamente, para os julgamentos e sentenças já proferidas quando essa norma ainda não existia? Não, não parece razoável, a não ser que se pretenda liquidar com os imensos avanços que já alcançamos no combate ao crime de colarinho branco!

O que é intrigante é que os defensores desta segunda tese, para fortalece-la, lançam mão, e se apoiam, em argumentos que, sabem, jamais poderão ser usados nos tribunais, garantistas que são, por não constituírem provas legais. Trata-se da divulgação pela Intercept dos diálogos entre Moro e Dallagnol que, supostamente, teriam feito combinações “ilegais” para conduzir os processos que dirigiam em uma atentatória aliança criminosa entre o acusador e o juiz para, ao final, proferir sentenças condenatórias previamente decididas.

Sou dos que discorda de que o juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol tivessem cometido ilegalidades intencionalmente. Mas, porque tiveram a ousadia de produzir tão relevantes resultados no combate à corrupção atuando nos limites da lei, isto incomoda a muita gente em um sistema jurídico e político aparelhado para garantir a impunidade dos poderosos! O que devemos é valorizar a competência, o compromisso público e a coragem incomum que revelaram, junto com os jovens policiais federais, para enfrentar tantos bandidos poderosos!

Os democratas têm uma proposta clara. Querem combater a corrupção, ao mesmo tempo em que não abrem mão do respeito ao princípio do devido processo legal, particularmente do respeito ao direito de defesa, sem o qual rui um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Mas não abrem mão de aperfeiçoar os mecanismos jurídico-institucionais para combater à corrupção e ao crime organizado! Tampouco aceitam retrocessos!

Do Ministro do STF Luís Roberto Barroso, trecho do prefácio que ele escreveu ao livro “Crime.gov - Quando corrupção e governo se misturam”, dos delegados federais Jorge Pontes e Márcio Anselmo; Ed. Objetiva, 2019; pp. 12 e 13.
“O enfrentamento à corrupção não precisa de punitivismo ou de vingadores mascarados. Nem Robespierre nem Savonarola. Basta aplicar a lei com seriedade, sem o compadrio tradicional da formação nacional, que acredita que alguns estão fora e acima da lei. Mas é preciso derrotar os parceiros dissimulados da corrupção, que se ocultam por trás de um estranho fenômeno: o garantismo à brasileira. Em outras partes do mundo, garantismo significa direito de defesa, devido processo legal, julgamento justo e, em alguns lugares - mas não todos -, direito a recurso para o segundo grau de jurisdição.
Entre nós, todavia, há os que sustentam uma versão distorcida de garantismo, significando direito garantido à impunidade, com um processo penal que não funcione, não termine e que jamais alcance qualquer pessoa que ganhe mais do que alguns salários mínimos. Os garantistas tupiniquins prendem, sem piedade, jovens pobres e primários com qualquer quantidade de drogas, mas liberam, com discursos libertários e tonitruantes, corruptos que sequer devolveram o dinheiro desviado e mantêm suas contas clandestinas no exterior.”
Não podemos nos deixar enganar! O que não podem esconder é que essa “inovação conveniente” na decisão proferida pelo Supremo tem como objetivo anular condenações, como já anulou a de Bendine, particularmente as de Lula e de outros condenados poderosos em fase de cumprimento de pena, e facilitar a vida, com as postergações que inevitavelmente virão, de outros que estão na fila para serem julgados.

Novamente, não podemos nos deixar enganar e deixar de ver e reconhecer que os três chefes de poderes da república, Bolsonaro, Dias Toffoli e Rodrigo Maia se uniram em um “acordão” para dar um fim à Lava-Jato. Bolsonaro nesta articulação? Sim, mesquinhamente, traindo aos seus eleitores, particularmente depois que o COAF flagrou o seu filho envolvido em operações financeiras ilegais!

Se poderia imaginar força mais poderosa? Mas se pensarmos, historicamente, isto não é nada surpreendente. A única surpresa, conjuntural, é a de Bolsonaro logo ter aderido a ela depois de ter convencido aos seus eleitores de que seria um presidente contra a corrupção e o toma lá dá cá. O deslumbramento e a desenvoltura atuais dos “garantistas” no poder legislativo e no STF, entretanto, jamais estaria ocorrendo, se não estivessem recebendo este apoio “inesperado” de Bolsonaro!

Cabe reconhecer que os que querem acabar com a Lava-Jato, conservadora e reacionariamente, com a sua visão particular de democracia e do Estado Democrático de Direito, jamais estiveram tão próximos de atingir os seus objetivos!

Mas desconhecem a força do povo que, agora, nas ruas e nas redes, passou a ter face, nome e perfil. Eles não estão mais dispostos a aceitar uma versão qualquer do Estado Democrático de Direito que tenta mantê-los passivos e explorados, pois não são nem se sentem mais, apenas, coadjuvantes anônimos dissolvidos nas massas agregadas dos “mercados” ou das “classes”. 

Cada indivíduo passou a ter consciência da sua liberdade e do seu valor. Agora eles querem ser protagonistas do seu destino!