domingo, 10 de abril de 2016

Pra inglês ver (*)

Texto de Ferreira Gullar: 

O país está assistindo, nestes últimos meses, a uma inacreditável farsa, cujos personagens principais são o ex-presidente Lula, a presidente Dilma Rousseff, os dirigentes do PT e seus representantes no Congresso Nacional.


Em face da revelação do uso que fizeram da Petrobras e da máquina estatal, saqueando-as para se manterem no poder; em face das delações premiadas feitas pelos participantes desses crimes contra a nação brasileira; em face das comprovadas propinas que encheram os bolsos dos sócios de Lula e subvencionaram as campanhas eleitorais e os cofres do PT e dos partidos aliados; em face de tudo isso, não resta ao Lula, à Dilma e a seus sócios, senão inventar uma falsa versão dos fatos para assim passarem de vilões a vítimas.

E foi então que surgiu a versão do golpe que estaria sendo tramado contra o governo de Dilma Rousseff. Mas tramado por quem? Pela Procuradoria da República? Pela Justiça? Pelo Supremo Tribunal Federal?

Ou seja, trata-se de um golpe que seria consumado pelas instituições legais do país? Noutras palavras, um golpe que segue o que as leis determinam?

Então será esta a primeira vez na História que se chama de golpe, não a violação dos princípios constitucionais, mas sua aplicação!

Quer dizer, nesta nova e surpreendente concepção petista, segundo a qual golpe é cumprir a lei, respeitar a democracia seria não punir os corruptos que a Operação Lava Jato identificou e que levaram a Petrobras à beira da falência. Prender os donos das empreiteiras que, através de contratos fraudulentos, roubaram bilhões de reais à empresa estatal, seria antidemocrático, conforme a nova concepção petista de democracia, defendida por Lula, Dilma e seus comparsas. Democrático é deixá-los livres e felizes, já que, generosamente, doaram milhões ao Instituto Lula e financiaram a campanha eleitoral de Dilma Rousseff.

Quem viveu no Brasil dos anos de 1960 aos 80 sabe muito bem o que é golpe e o que não é democracia.

Os militares golpistas de 1964 não propuseram que o Congresso votasse o impeachment do então presidente João Goulart. Simplesmente puseram os tanques na rua, fecharam o Congresso e entregaram o governo a um general.

Os que teimaram em defender a democracia foram simplesmente encarcerados e muitos deles assassinados. Os meios de comunicação foram censurados, de modo que nenhuma palavra contra o golpe podia ser veiculada.

Aliás, a presidente Dilma Rousseff conhece muito bem essa história, pois participou dela, integrando o movimento da luta armada, o que a levou à prisão por parte dos militares.

Que o ex-presidente Lula –que, como sempre, jogou com um pau de dois bicos, já que se entendia muito bem com o general Golbery do Couto e Silva, homem-chave do governo militar– queira se fazer de desentendido, já era de se esperar.

Mas Dilma, não, ela experimentou na carne o que é golpe e o que é ditadura. Não obstante, está agora representando um papel que lamentavelmente não condiz com seu passado.

Alguma coisa parecida com 1964 está ocorrendo no Brasil de hoje? Muito pelo contrário. O que estamos assistindo é a uma sucessão de medidas da presidente de República para comprar, com ministérios e cargos, os votos do partido que rompeu com ele –o PMDB– e de partidos menores que se vendem por qualquer cargo.

O suposto golpe de hoje, a que Dilma se refere, portanto, é diferente, tanto que ela mesma afirmou estar disposta a "lançar mão de todos os recursos legais" para defender-se e evitar que o impeachment se concretize. É bom lembrar à "presidenta" que, quando se trata de golpe, os recursos legais não funcionam. Não é, portanto, o caso.

Pois bem, mas se há uma coisa que me surpreende em tudo isso é alguns artistas e intelectuais acreditarem nesse golpe inexistente, inventado pelos petistas.

Por que acreditam em tão deslavada mentira? Por ignorância não é, pois são todos muito bem informados. E, se não é por ignorância, só pode ser porque têm necessidade de se enganarem. Preferem a mentira à verdade.

E por falar nisso, que constrangedora a defesa que fez o advogado-geral da União também repetindo que o impeachment é golpe. E diz isso com a ênfase de quem fala a verdade! Haja saco!

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(*) Ferreira Gullar. Folha de São Paulo, 10/04/2016

sábado, 9 de abril de 2016

Onde estão os golpistas? (*)

A esquerda, sempre fora do poder, não tivera a oportunidade de ser corrupta. Quando teve essa oportunidade "se lambuzou", inclusive com criatividade, transformando a corrupção em estratégia para financiar seu projeto de poder.


Isso não pode ser dito, não é? Mas, é um fato, e é necessário dize-lo, embora me desagrade reconhecê-lo.

A direita sempre foi corrupta, e muito corrupta. Os auto-proclamados liberais são, historicamente, os pais da corrupção e do patrimonialismo no Brasil, exatamente porque quase sempre governaram o país no período republicano.

Mas, se continuarmos a ver as apurações contra a corrupção, que atingem principalmente o PT, o partido efetivamente no poder nos últimos 13 anos, como uma artimanha da direita, estaremos errando tragicamente, e entregando à direita o monopólio dessa bandeira.

Quero dizer, a luta contra a corrupção é uma bandeira da democracia! E é preciso que se diga: existe uma direita golpista, sim; mas, também, uma direita democrática, contra a corrupção e não golpista; bem como, existe uma esquerda autoritária, corrupta e golpista!

E nós, da esquerda democrática, com uma cultura política diferenciada, que empenhamos nossas vidas para a conquista do Estado Democrático de Direito, não podemos nos deixar confundir.

Em síntese, o ativismo da justiça na luta contra a impunidade dos crimes de colarinho branco, doa a quem doer, é uma demanda da democracia, e não da direita! E, muito menos, apenas da esquerda!

Muito barulho esse ativismo da justiça, com a Lava-Jato, tem causado, não é? Biografias, como a de Lula, e mesmo a de FHC, e de outros ícones políticos, estão sendo expostas; mas, este é o preço a pagar, se queremos transformar essa crise em oportunidade para acabar com a impunidade dos crimes de colarinho branco e promover as reformas político-eleitorais capazes de modelar uma nova representação política que não seja fundamentada na corrupção.

Comecemos acabando com a hipocrisia e superficialidade existente neste debate: agora, Lula é de esquerda e FHC é de direita, não é? Não te parece existir algo de errado? Enquanto isso, Fernando Henrique Cardoso nunca deixou de auto-proclamar-se um social-democrata, e Lula, recentemente, somente não decepcionou a alguns de seus apoiadores mais cínicos, ao auto definir-se como um liberal!

Não percamos a oportunidade histórica que se nos oferece! Precisamos ir muito além do impeachment, para promover as reformas institucionais que aperfeiçoem a democracia, que acabem com a impunidade, e que nos permitam eleger cidadãos que estejam a serviço do bem comum!

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(*) Editado em 13/04/2016.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Por que Dilma não renuncia?

Dilma simboliza a crise, e muitos dizem, até entre seus pares, que ela é a própria crise. Muitos argumentam que, para a felicidade de todos, tudo poderia ser resolvido com a sua renúncia! Mas, isso não é entendido assim pelo PT!


Mais provável é que o PT, contemplando os seus interesses, não a deixe renunciar! Já fizeram as contas: acham que perdem mais se Dilma sair por qualquer forma, seja impeachment, ou renúncia, ou cassação de seu mandato pelo TSE.

Vejamos os sinais disso: (1) o PT Mobilizou todos os seus recursos e capilaridade para levar o máximo de militantes às ruas no dia 18/03; (2) o PT convocou Lula para ser o "primeiro ministro" e reduzir Dilma à condição de "rainha da Inglaterra" (esse foi o único golpe dado até agora); (3) o PT ficou aprisionado pela lógica, transformada em estratégia, de tomar de assalto a máquina do estado para financiar o seu projeto político, exatamente como já se acostumara a fazer nos sindicatos; em consequência, não consegue mais viver sem controlar o orçamento "trilionário" do Brasil, ministérios, empresas públicas e cargos, pois sabe que, sem esse poder, não conseguirá sustentar as campanhas eleitorais deste ano e a de 2018. Todos os seus movimentos trazem essa informação evidente!

Foram exatamente as manifestações de massa, nas ruas, particularmente a última de 13/03/16, que criaram a perspectiva de mudança, e de interrupção desse desgoverno como condição para a própria superação da crise. E, em pleno respeito ao Estado Democrático de Direito, esse movimento deu à cidadania a compreensão da importância histórica de acabar com a impunidade dos crimes de colarinho branco, doa a quem doer, como uma questão central para aperfeiçoar a própria democracia brasileira.

Sem esse oxigênio democrático, vindo das ruas, Dilma, ajudada por Lula, já teria recomposto a base parlamentar fisiológica de apoio no Congresso voltada exclusivamente para a sua sobrevivência! Mas, os brasileiros querem mais! Anseiam por mudanças, que restituam à política a sua missão generosa, que é cuidar do bem comum!

quarta-feira, 30 de março de 2016

Precisamos ir além do impeachment!

Ser consequente na defesa da democracia é defender a continuidade e o fortalecimento da Operação Lava-jato e apoiar a permanência do juiz Sérgio Moro à sua frente!


O impeachment não é panaceia para os nossos males! Já tivemos outro, e ele, por si mesmo, não interrompeu a corrupção no aparelho do estado! Se reduzidos a ele, reencontraremos, com novos nomes, os "mensalões" e "petrolões" que tivemos nos últimos 13 anos! Não queremos apenas trocar os agentes da roubalheira!

Por isso, a tarefa histórica da democracia brasileira, nesta etapa, é acabar com a impunidade dos crimes de colarinho branco, doa a quem doer!

Queremos, e precisamos, uma renovação da política, das estruturas institucionais e jurídicas que a sustentam, que hoje estão umbilicalmente unidas com a corrupção, e dar à sociedade brasileira a oportunidade de eleger cidadãos comprometidos com o bem comum!

Não temos o direito de nos enganar, pois já possuímos informação suficiente, trazida pela Lava-Jato, sobre como o Brasil está sendo assaltado!

A sociedade brasileira não está condenada a ser governada por ladrões, sustentados por um sistema político que os estimula a roubarem ainda mais, e que, ao final, os deixa impunes!

A nossa tarefa histórica, definitivamente, não é nos livrarmos de alguns bandidos para nos jogarmos nos braços de outros bandidos, que, no caso, já estão no próprio governo, e são quase que, igualmente, responsáveis pela própria crise! A diferença é apenas de nuances!

Queremos mais! O Brasil precisa e pode mais!

terça-feira, 29 de março de 2016

Decidindo assinar manifestos

Os manifestos assinados são testes de coragem moral dos cidadãos. Manifestos, enquanto ações políticas coletivas, guardam, em si, uma regularidade: é necessário coragem para assinar manifestos que se julgue verdadeiros, e coragem para não assinar manifestos que se julgue falsos!


Fora isso, é simples covardia, quando o cidadão, ao considerar o seu texto correto, não o assina por medo; ou pior, quando discordando do seu conteúdo, o assina por simples constrangimento, diante de pressões circunstanciais ou de seus pares.

Mas, se estiver assinando manifestos ou deixando de assina-los por mera conveniência, e não por uma razão ou imperativo categórico da consciência, sempre o será por simples canalhice!

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Observação:
Os conceitos de verdadeiro ou falso, na ciência, carecem de informação, de provas, de experimentos e de testes. 

Assinar ou não um manifesto, entretanto, é uma situação de decisão de caráter político na qual os indivíduos têm que decidir, rapidamente, com base na informação que já dispõem e em sua subjetividade.

O teste de falso/verdadeiro é resolvido no plano de sua consciência, ou grau de convicção, ou de crença, sobre o que julga seja verdadeiro ou falso. O imperativo categórico, portanto, refere-se à sua lealdade subjetiva à própria consciência.

domingo, 27 de março de 2016

Einstein e os manifestos

Interessantes os manifestos políticos ditos de intelectuais. Relato um caso famoso, do mundo da ciência, ocorrido na década de 20 do século passado, na Alemanha, quando o partido nazista já se fortalecia.


Einstein, membro da Academia Prussiana de Ciências, e professor da universidade de Berlim, já consagrara-se no mundo da ciência com a sua "teoria geral da relatividade", que concluíra em 1915. Em 1921 já tinha ganho o prêmio Nobel de física.

Mas havia um problema: ele era judeu. Naquele clima de amargor e frustração dos alemães pela derrota, após a 1ª guerra mundial, esse parecia um bode expiatório convincente: os judeus seriam, para os nazistas, um bom culpado e um câncer a ser extirpado! Pululavam por toda parte manifestos e textos contra uma certa "ciência judaica"!

Em certa ocasião, teria sido instado a participar de uma ampla reunião com cientistas alemães para debater a teoria da relatividade; em meio aos discursos inflamados que se sucederam contra a teoria, ele teria dito, simplesmente: - "não sei porque todo esse alvoroço, e aplausos ruidosos aos seus discursos, pois bastaria que apenas um de vocês estivesse certo, e a teoria da relatividade desabaria imediatamente..." (*).

Bem, aqui estamos, a ciência não vive mais sem a teoria da relatividade, e o nazismo foi para o lixo da história!

Desconfiemos, portanto, sempre, de "manifestos políticos" antes de assina-los! Eles, frequentemente, trazem o risco de tratar-nos apenas como rebanho!

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Outro episódio em que Einstein, com sua reconhecida coragem moral e intelectual, já confrontara-se com "manifestos políticos", foi quando, em outubro de 1914, já membro da Academia Prussiana de Ciências e professor da Universidade de Berlim, recusou-se a assinar um manifesto de cientistas e intelectuais alemães em apoio ao militarismo alemão, denominado “Apelo ao mundo culto”. 

Este episódio foi marcante em sua vida, no clima de radicalização da primeira guerra mundial, pois ele foi o único entre os seus pares que recusou-se a ser signatário desse manifesto. Ele estava certo, perante sua consciência e a história!

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(*) Outra versão deste episódio:

Foi publicado na Alemanha, em 1931, um livro chamado “Cem Cientistas Contra Einstein”, que não passava de um panfleto anti-semita. Einstein teria reagido ao mesmo com as seguintes palavras:

- "Se eu estivesse errado, bastaria um."

(Uma breve história do tempo. https://books.google.com.br/books?isbn=8580576474 - Stephen Hawking - 2015)

domingo, 13 de março de 2016

Nesta manhã, vou à Esplanada

Autor: MARIO SALIMON (*)

O debate sobre a pertinência ou não da manifestação deste dia 13 de março já dura alguns dias, e seria difícil resenhar todo o processo. Contudo, reproduzirei, nos próximos parágrafos, algumas reflexões que se estruturaram a partir de respostas a posts de amigos e amigas, e que representam, grosso modo, as ideias centrais que defendo. As conversas engendraram questionamentos sobre o posicionamento do PT, a probabilidade de violência nas manifestações e, sobretudo, as generalizações feitas sobre quem se coloca como não-governista.
  

Ilustração: Pedro Henrique Garcia

A manifestação do domingo está de pé. Ela estava marcada há muito tempo. Como das outras vezes, as pessoas, salvo os pontos fora da curva, lá estarão sem qualquer ímpeto violento. Se não houver "foul play" dos governistas, estou certo de que nada de mal acontecerá neste domingo.

Há muita gente razoável e sensata se organizando para ir. Mas muita gente mesmo. Não por vingança, por ódio ou por visão seletiva das coisas. Não somos golpistas. Simplesmente, não aguentamos mais o status quo. A coalização governante, que não se sustenta mais técnica, moral ou politicamente, já deu mostras eloquentes de não ter capacidade de nos colocar do outro lado das crises. Sinto-me, portanto, no direito de expressar insatisfação, como farão, hoje, milhões de pessoas. Ao final do regime militar, logo que me mudei para Brasília, e também no ocaso do governo Collor, lá estávamos expressando nosso descontentamento. Muitas das variáveis que estavam em tela naquele tempo seguem inalteradas, e não mudei minha posição em relação a elas. Foi o PT que rotacionou, na prática, seu sistema de ação, ainda que mantenha as mesmas formações discursivas.

Mas, ainda assim, muitos seguem por ele hipnotizados, pois o partido, como qualquer organização, é uma hierarquia sustentada pela manutenção de sua dimensão simbólica. Um grupo minoritário tem capacidade de incidência, cria e dissemina estratégias e narrativas, desenvolvendo atividades relativas à manutenção de sua sobrevivência, isso enquanto a parte majoritária se ocupa das tarefas e atividades que conformam o subsistema tático-operacional. As narrativas são mistificadoras e convincentes, baseadas em heróis e inimigos funcionais, bem como em ideias centrais capazes de criar identificação e coesão, funções fundamentais para que se possa ter controle sobre o coletivo. Isso funciona em um partido, em uma igreja, família ou multinacional telecom.

É comum o estamento tático-operacional simplesmente aceitar, sem questionamento, os desígnios emanados pelo corpo estratégico. A máquina petista tem, hoje, muito dinheiro, e entende poder - e dever - simplesmente comprar os resultados que deseja na militância. As pessoas comuns aceitam o patrimonialismo e a dominação tradicional, pois "tudo sempre foi assim". É o que vejo acontecer, falando francamente, com quem ainda acredita no PT.

Mas, para mim, de nada valem as narrativas quando o estamento estratégico vem conduzindo o país, há mais de uma década, num sentido totalmente contrário a elas. No meu entendimento - e foi o que fiz há dez anos - quem for capaz de se ater à factualidade do que nos mostra o contexto presente deve abandonar e execrar o partido, pois ele é, na prática, o que são seus líderes, quase todos comprovadamente comprometidos com diversos tipos de malfeito, que somam algo já perto de meio trilhão de reais. Essa ruptura deve ser almejada no caso de relação com outros partidos também, ou com qualquer ente que procure substituir nossos desejos por aqueles por ele nutridos. Devemos visar a um caminho de mais autonomia e livre-pensar. Também devemos buscar formas de diminuir a opacidade nas relações com os partidos, o Estado e os governos. É nosso direito, e um dever também, conhecer tudo que há de obsceno nessas transações.


Ilustração: Pedro Henrique Garcia

Algumas questões são recorrentes nas conversas, e tratarei delas como pontos:

1. A corrupção endêmica no partido

Tudo indica que o modus operandi do PT, a despeito do que possa significar a moralidade ou ética de seus filiados, seja hoje baseado no pragmatismo calculativo-finalístico. Em algum momento de sua história, e isto ouvi de um fundador do partido, o PT entendeu que, sem adotar os métodos da "direita", não se colocaria e manteria no poder. Tudo que vemos nos escândalos desde o mensalão confirma tal tese, e este interdiscurso surge com muita frequência como justificativa para as ações moralmente indesejáveis dos agentes do partido.

2. O empresariado impede o PT de realizar seu “projeto”

A classe empresarial brasileira, tal como a política, é patrimonialista e pouco afeita à responsabilidade social, esta vista meramente como ação de RP e potencial correção de imagem. Pensemos nos banqueiros e construtoras. São eles que hoje mandam no país, como faziam há muito tempo. A tolerância do PT a esse modelo, entretanto, mudou com o acesso ao poder. Acaso os petistas teriam sido lenientes com Aécio se a tragédia de Mariana tivesse acontecido nos tempos do tucano, e ele tivesse feito seu primeiro pronunciamento de dentro da sede da empresa, ladeado e, praticamente, constrangido por executivos e asseclas da empresa? Acaso FHC teria sido poupado por reagir apenas uma semana depois, se o fato houvesse ocorrido no governo dele? A Vale e os bancos bancaram parte substantiva das campanhas do PT para o governo de Minas e para o federal. Devem ter bancado de outros partidos também. Empresas pouco se importam conosco, pois o negócio delas é lucro, e, para mantê-lo, precisam controlar quem está no poder. Este, por sua vez, é o negócio dos partidos e seus líderes. Basta um breve raciocínio para se entender o esquema. As empresas não têm colaborado com o povo, mas, é óbvio, atuam na coalizão governante de forma imbricada, e com muita incidência. Os interesses dos partidos, sobretudo do PT, têm sido, indubitavelmente, atendidos.

3. O perigo do surgimento de um cadáver

A eventual presença de outliers, espiões, agitadores e outros tipos de anomalias não deve ser motivo para que um coletivo deixe de se expressar. Essas figuras são sintomas do sistema hierárquico, respostas orgânicas - ainda que doentias - à incapacidade de um agente na tentativa de inviabilizar discursivamente a mobilização do oponente. Veja a ação dos black blocks em junho de 2013. Se fôssemos nos mover por esse tipo de medo, nunca teríamos ido às ruas nos tempos do regime militar, quando, obviamente, havia todo tipo de infiltração.

4. Marchar com Bolsonaro

 No caso do dia 13 de março, haverá ampla mobilização antigovernista, dentro da qual se inserirão grupos muito diversos, pois estão nesse escopo desde radicais como Malafaia e Bolsonaro até pessoas comuns como eu e diversos amigos e amigas, que, posso garantir, não são ingênuos, golpistas, fascistas, aecistas, tucanistas, coxinhas ou qualquer dessas ridículas generalizações, tão precárias do ponto de vista socioexplicativo quanto a palavra "petralha". Não uso uniforme, não marcho, não canto hinos, não sigo carros e não peço ditadura. Associar automaticamente um manifestante anti-status quo à ala ultraconservadora é um erro crasso de análise do contexto que, para mim, constitui ofensa pessoal.

5. Teorias de conspiração

Não acredito que Moro seja um teleguiado da CIA, treinado nos EUA para destituir um governo legitima e legalmente alçado ao poder pelo voto. Como todo ser humano, ele deve ter seus vieses, mas tendo a confiar na lisura da operação Lavajato. Considerando-se o volume de dinheiro gasto pelos réus com advogados de calibre e o posicionamento dos grandes tribunais diante das várias fases da operação, imagino que o juiz paranaense não teria se sustentado se a ação não fosse menos do que o protocolarmente exigido. Moro, assim como o PSDB, FHC, os EUA, é um inimigo funcional do PT, cuja imagem negativa tem que ser alimentada para que se sustentem as narrativas mitológicas do partido. Por isso, os militantes espalham pela web o documento de filiação ao PSDB de um homônimo paranaense dele. Do mesmo modo, tecem falsas ligações da esposa do juiz com organizações inimigas; conexões tão equivocadas que até o próprio site amestrado Brasil247 teve que correr e negar tudo, pois as teias da sociedade em rede acabam levando sempre o impacto a alguém do próprio campo estratégico.

6. O bem que justifica o mal

Dizem muitos que Lula não merece o que está vivendo, porque fez bem ao Brasil. Tendo contribuído com dezenas de organizações ligadas ao desenvolvimento desde os tempos de Collor, discordo muito da concentração dos louros na cabeça do petista. Ele pode ter feito muito - e nem vou começar a falar sobre o que ele desfez, pois basta estar vivo no Brasil para saber - mas não o fez sozinho. Foi beneficiado por processos históricos, ganhos cumulativos e, ao assumir o primeiro mandato, até mesmo sorte de iniciante. Fazer dele um coitado é cair, uma vez mais, na armadilha da mistificação. Essas ações comunicacionais, não duvidem, são calculadas. Os que fazem esse jogo deixam de ser pessoas para ser, predominantemente, mídia. Enfim, vou à Esplanada protestar, e repito: quero a saída da coalizão governante, pelas vias legais e o mais rapidamente possível. É óbvio que ela não mais se sustenta moral, técnica ou politicamente. Temos uma constituição suficientemente robusta, e acharemos uma saída legal para este imbroglio, desde que deixemos de seguir aceitando o inaceitável.

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