quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Do estado patrimonialista ao estado republicano

Não precisamos ser incendiários. Basta que nos orientemos por um projeto de valores que tenha como centro a democracia e a firme convicção de que fora do Estado de Direito advém a barbárie. Se o que nos orienta é uma humanidade generosa, não tenhamos dúvidas, são as ditaduras os regimes que mais fazem sofrer as grandes maiorias de cidadãos, mormente os mais simples e sem poder político ou econômico.


Por isso, há que se abominar as ditaduras, sejam elas de direita ou de esquerda. Mas, exatamente por isso, nos indigna ver que a nossa democracia está bloqueada no seu desenvolvimento por um arcabouço jurídico projetado sob medida pelos poderosos, e anti-constitucional, para impedir a realização, já, de partida, do valor ético expresso no Art. 5o. da Constituição, de que "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ...".

Parece que abandonamos, em definitivo, a idéia originária da política, como a da arte de zelar pelo bem comum. A política foi reduzida à sua versão "científica", "maquiavélica", como a arte, apenas, de conquistar e preservar o poder. Óbvio, se é assim, valem quaisquer meios para atingir os fins, e não surpreende que pensar fora desta "caixa" envergonha até a muitos acadêmicos erigidos ao reino da "sua" racionalidade! E claro, se é assim, valores morais e ética, sucumbem como referências necessárias e indispensáveis.

Seria inteiramente válido que nos dividíssemos na discussão de propostas democráticas para tirar o país da crise, diante da complexa realidade de um mundo em vertiginosa transformação conduzido por radicais mudanças tecnológicas. Lamentavelmente, entretanto, nos dividimos na defesa de bandidos de estimação. E o fazemos não ingenuamente, mas para defender interesses fisiológicos.

Por isso nos digladiamos na defesa do Lula, ou do Temer, p.ex., não para defender projetos de uma sociedade mais justa e democrática para sair da crise, mas para defender interesses patrimonialistas, pois estes são objetivos e concretos, rendem empregos, poder político e acesso aos orçamentos do Estado!

A mais perversa consequência disso é que esse sistema, para funcionar, precisa estar erigido sobre a impunidade dos poderosos. E é exatamente isto o que mais agride a consciência democrática dos brasileiros! A sociedade, com sua intuição, sabe que, para desbloquear o desenvolvimento de nossa democracia, precisamos ultrapassar o Estado Patrimonialista, baseado na impunidade dos poderosos, e transforma-lo em um Estado Republicano (*). Precisamente por isto a sociedade não se cansa de proclamar, a plenos pulmões, o seu apoio à Lava-Jato!

Infelizmente, podemos perder a oportunidade que esta crise nos oferece, para fazer avançar a democracia. Basta que deixemos impunes os nossos bandidos de estimação. Basta que a CPI do deputado Marum atinja o seu objetivo. Basta que deixemos passar a reforma política fajuta, com a qual pretendem inundar de recursos dos nossos bolsos as campanhas eleitorais dos caciques partidários. Basta que façamos a opção, nesta imediata conjuntura, por "salvar Temer", contra todas as evidências!


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(*) O título deste post inspira-se em uma expressão usada por Jefferson Boechat, no comentário abaixo que ele fizera a um post de minha autoria no grupo Roda Democrática, do Facebook, 13/09/17. Íntegra do comentário:
"Jefferson Boechat Puxa, então tal provocação foi completamente involuntária! A qualificação foi feita apenas pra mostrar que o tal movimento não surgiu agora, denunciando a "arte degenerada", mas, sim, em 2013, clamando por mais democracia. E, ao que parece, temos tanta democracia a ponto de um grupo de jovens reacionários conseguir interditar uma exposição - de gosto duvidoso, vá lá! O ângulo que queria iluminar é exatamente este: parece que, para uns, ganhamos, sim, "mais democracia". A ponto de uma "minoria barulhenta" calar a "maioria silenciosa" que, aparentemente, não se incomodava com a "arte engajada" de "minoria silenciosa". Enfim, a Babel de livres expressões parece ir bem, obrigado, nesta casa que falta pão...
Mas, então, a disfunção apontada estaria na nossa arquitetura democrática, e não na engenharia republicana? Este é o meu incômodo pessoal: formalmente, a Democracia parece estar resistindo, sem nenhum arranhão - até porque os milicos foram escaldados no mesmo óleo fervente que agora despela a oligarquia corrupta da Nova República. Macacos velhos, não meterão a mão na mesma cumbuca duas vezes!
Mas, e a República? A "prerrogativa de foro" para crimes comuns te parece atender aos ditames do art. 5º da CF/88? Bem, só se formal e obliquamente. Porque, direta e faticamente, a nossa "teoria republicana", na prática, é outra. Assim, acho que seríamos mais efetivos se vislumbrássemos meios de transformar o nosso estado patrimonialista em republicano. E os há!"

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