sábado, 29 de maio de 2021

Rouba mas faz, de novo?

São muitos os que não concordam e se sentem incomodados com o teor deste artigo do jornalista Carlos Alberto Sardemberg, publicado hoje, 29/05/21, no caderno de economia do O Globo (*).


Muitos, “convenientemente”, não podem concordar, embora reconheçam o poder descritivo do autor sobre a nossa trágica realidade.


Mas, de gado, o que se há de esperar? Pois, seríamos ingênuos em pensar que só exista gado bolsonarista? Não, definitivamente! Existe, também, gado lulista, fhc-zista, etc..

Íntegra do texto:

Quando se cita o mote, os mais jovens – e nem estes tão jovens assim – lembram-se de Paulo Maluf.

Mas até isso Maluf pegou, digamos, de maneira indevida. O verdadeiro dono do “rouba mas faz” é Ademar de Barros, político dos anos 40 a 60, prefeito e governador de São Paulo, senador, candidato a presidente.


Ele mesmo espalhava as piadas a seu respeito. Nos comícios, dizia: neste bolso nunca entrou dinheiro roubado; e a platéia, divertida: calça nova, governador. Ele ria.


Também lançou o que poderia ser o lema da atual velha política: amigo meu não fica na estrada. Era verdade. Ademar no governo, não tinha um ademarista que ficasse sem cargo público.


O folclore ficou para Ademar de Barros, mas o fato é que a coisa se espalhava por todo o espectro político. O consenso tácito era o seguinte: todo mundo levava o seu, o importante é que abrisse estradas (ou construísse Brasília), oferecesse bons negócios públicos para os correligionários e nomeasse a turma.


O capitalismo de amigos sempre esteve na raiz da política brasileira. Até que foram apanhados o mensalão e o petrolão – mas que, visto de hoje, parecem mesmo dois pontos fora da curva.Todo mundo está sendo perdoado nas instâncias judiciárias e políticas.


O STF vem cancelando condenações e devolvendo ao  cenário político personagens que curtiram cana em anos recentes.


Na política, não há melhor exemplo  de anistia plena, geral e irrestrita do que o encontro entre Fernando Henrique Cardoso e Lula.



Lula saiu de lá com o voto de FHC e o passado limpo. Não precisou pedir desculpas pelos eternos ataques ao tucano (herança maldita, entreguista, neoliberal), pelos seguidos pedidos de impeachment que o PT entrava contra o governo FHC, muito menos pelo mensalão e pelo petrolão.


Em resumo, Lula levou tudo e não entregou nada.

Digamos que FHC tenha feito algumas ressalvas em privado. Mas isso não conta em política. Na sua única manifestação pública, Lula disse que se fossse FHC contra Bolsonaro, ele votaria no tucano.


Estão de gozação.


FHC disse que ainda continua preferindo uma terceira via, mas tornou-a ainda mais difícil – se não a enterrou – ao anistiar Lula sem levar nada em troca.


Reparem no cenário político – ex-presidiários voltando ao comando, o Centrão nomeando e gastando, Bolsonaro ameaçando golpes e vendendo pedaços do orçamento, os correligionários ocupando os cargos, a Lava Jato destruída, os negócios de amigos só não voltam com tudo porque a economia ainda patina. Mas já se nota a ocupação de estatais e fundos de pensão pela turma do governo.


Eis o quadro: amigo meu não fica na estrada; ganhar 200 mil por mês do governo não tem nada demais; para os amigos, tudo, para os adversários, o rigor da lei. (Dizem que esta última era do Getúlio!) E Bolsonaro quer colocar os militares na roda.


Boa parte do mundo desenvolvido está saindo da pandemia e voltando a crescer. Há riscos pela frente, como a temida volta da inflação elevada, provocada pelo excesso de dinheiro que os governos gastaram e continuam gastando. Sim, era preciso apoiar pessoas e empresas na pandemia, mas como já dizem alguns economistas, talvez tenham colocado água de mais na bacia.


De todo modo, por aqui, estamos longe de superar a pandemia. O nível de investimenbto público e privado está em torno de 15% do PIB, insuficiente para sustentar crescimento. A reforma tributária foi cortada em fatias tão finas que nem se as vê. É possível que o sistema piore com vários impostos e contribuições sobre as mesmas mercadorias e serviços.


Neste momento, a recuperação dos desenvolvidos está nos ajudando, via comodities e juros zerados pelo mundo afora. Mas se lá subirem inflação e juros, teremos outra conta a pagar – em um mau momento.


Capaz de piorar. Ficar no rouba e nem faz.


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(*) https://sardenberg.com.br/rouba-mas-faz-de-novo/

quarta-feira, 19 de maio de 2021

Loucura ou crime?

No dia 16 de maio de 2021 o jornal o Estado de S.Paulo (Estadão) em sua coluna de Opinião, sob o título "Loucura ou crime?" (*), reportou duas iniciativas, respectivamente, das comunidades jurídica e médica, defendendo o afastamento do presidente Jair Bolsonaro. Na primeira, juristas e acadêmicos entraram com Ação Civil no STF pedindo a sua Interdição; na segunda, os profissionais de saúde defendem o seu impedimento.

A iniciativa dos juristas, que está destinada a fazer história, constitui um documento acadêmico sobre os pressupostos conceituais e jurídicos que justificam a Interdição.

Abaixo, a íntegra do artigo de Opinião do Estadão:

Juristas e médicos apontam incapacidade mental de Bolsonaro para governar

Um grupo de sete juristas e acadêmicos protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Civil (**} solicitando o “reconhecimento da incapacidade civil de (Jair Bolsonaro para) exercer o cargo e as funções atinentes à Presidência da República, com seu consequente afastamento”. 

Os autores esclarecem que não se trata de julgamento por crime de responsabilidade ou crime comum, para os quais seria necessária autorização parlamentar. Apontam ainda que não se trata de uma interdição pela incapacidade de gerir atos da vida civil, mas especificamente da “interdição de um supremo mandatário que não tem os requisitos cognitivos mínimos” para exercer a Presidência.

Na expectativa de que a Corte determine a produção de prova pericial, os autores levantaram exaustivamente ponderações de profissionais da área da psicologia, da psicanálise e da psiquiatria. As bases para o pedido já haviam sido lançadas pelo jurista Miguel Reale Jr., no artigo Pandemônio, publicado no Estado. 

Reale cataloga diversos indícios de transtorno de personalidade. Ainda em 1999, Bolsonaro dizia, em entrevista, que se fosse presidente fecharia o Congresso “sem a menor dúvida – daria o golpe no mesmo dia”. Na mesma entrevista, defendeu a tortura, e disse que o Brasil “só vai mudar quando partirmos para uma guerra civil (...) matando uns 30 mil (...). Vão morrer alguns inocentes. Tudo bem”. Já presidente, Bolsonaro, além de promover manifestações golpistas, deu inúmeras mostras de megalomania – “eu sou a Constituição”, “tenho a caneta”, “quem manda sou eu”, “o meu Exército”. 

Segundo a Classificação Internacional de Doenças da OMS, o transtorno de personalidade antissocial é caracterizado pela “indiferença insensível face aos sentimentos alheios; uma atitude flagrante e persistente de irresponsabilidade e desrespeito a regras; a baixa tolerância à frustração; a incapacidade para experimentar culpa; e a propensão a culpar os outros”. A falta de empatia de Bolsonaro ante centenas de milhares de mortos está gravada na História da Infâmia nacional: “e daí?” “não sou coveiro”, “chega de frescura”, “vai ficar chorando até quando?”. 

Reale sugere ainda o transtorno de personalidade paranoide, caracterizado por “um combativo e obstinado senso de direitos pessoais; tendência a experimentar autovalorização excessiva e preocupação com explicações conspiratórias”. Além de enxergar por toda a parte conspirações da sua nêmesis (“os comunistas”), Bolsonaro já rompeu com seu partido e confronta dia sim e outro também os governadores, a imprensa, o Congresso e o STF. Ele já ameaçou responder com “pólvora” a uma suposta invasão da Amazônia pelos EUA e sugeriu que a China está movendo uma “guerra química” (sic) contra o mundo. 

Segundo outro cânone do diagnóstico psiquiátrico, o DSM-5, da Associação Psiquiátrica Americana, o transtorno paranoide é “caracterizado por desconfiança e suspeita tamanhas que as motivações dos outros são interpretadas como malévolas”; o transtorno narcisista se manifesta pelo “sentimento de grandiosidade, necessidade de admiração e falta de empatia”; e o transtorno antissocial apresenta um padrão de “desrespeito e violação dos direitos dos outros”. 

Em Carta Aberta, 600 médicos formados na Escola Paulista de Medicina (***) elencaram os atos e omissões mortíferos de Bolsonaro na pandemia, entre eles o estímulo a tratamentos comprovadamente ineficazes; a negligência na crise de oxigênio em Manaus; a sabotagem das medidas de isolamento social; ou o descaso no planejamento da imunização. A Carta conclui com um pedido de impeachment por crimes de responsabilidade e contra a saúde pública. 

Qualquer que seja o desfecho da ação protocolada no STF, o fato de que juristas se unem para apontar um caso de incapacidade mental e médicos para pedir o impedimento político sugere que é cada vez menos verossímil uma terceira hipótese para explicar a conduta desastrosa de Bolsonaro que contribuiu para as centenas de milhares de mortes no Brasil. A leitura dos dois documentos indica que ou foi loucura ou foi crime.

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(*) https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,loucura-ou-crime,70003716210?utm_source=estadao:app&utm_medium=noticia:compartilhamento

(**) https://static.poder360.com.br/2021/05/Peticao_Inicial_Acao_Civil_Originaria-grupo-advogados-juristas-13-mai.pdf?utm_source=estadao%3Aapp&utm_medium=tela-inicial%3Ahome

(***) https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wp-content/uploads/sites/41/2021/01/cartaabertaegressosepmunifespbasta1_200120211107.pdf

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Os dilemas da decisão de votar e a defesa da democracia

Se a trágica polarização lulopetismo x bolsonarismo continuar no 2º turno da próxima eleição presidencial, exercerei, provavelmente, e novamente, o direito de votar nulo. Acho necessário abrir essa discussão, até para combater a falácia de que foram os votos nulos e brancos que levaram Haddad à derrota.


Embora votar nulo ou em branco seja uma difícil decisão pessoal, o que fiz pela primeira vez em 2018, ela demarcou, em primeiro lugar, o meu convencimento de que nenhum dos candidatos significaria uma boa solução para o Brasil; o governo catastrófico do capitão cloroquina está a demonstra-lo. A segunda razão, é que as pesquisas, às vésperas da eleição, já demonstravam que os votos nulos ou brancos não teriam o poder de inverter o resultado mais provável. Optei por seguir minha consciência.

Esta decisão ocorreu em um contexto totalmente diferente de quando enfrentávamos a ditadura, quando não tínhamos eleições presidenciais. Neste período, combati todas as propostas de algumas organizações esquerdistas em favor do voto nulo. Na verdade, elas eram posições de boicote às eleições. E, também, combati a posição do PT de não comparecer ao Colégio Eleitoral para eleger Tancredo em 1985 pela via indireta.

Para amargor dos que defendiam a ditadura, fomos vitoriosos, e esta, naquele momento, foi a única alternativa dos democratas para promover a alternância do poder, o que demarcou o fim da ditadura e culminou com a promulgação da Constituição de 1988.

Estamos agora em outro momento. Em que pese a nostalgia totalitária do bolsonarismo, e as ameaças que estão promovendo e trazendo à democracia, caminhamos para mais uma eleição democrática. E, neste contexto histórico, a forma mais concreta de minimizar estes riscos significa encontrar uma alternativa democrática à essa trágica polarização.

Aos críticos dessa posição de milhões de brasileiros de votar nulo ou branco, lembro que, em 2018, Haddad não precisou desses votos para perder; os dados divulgados pelo TSE sobre os resultados da votação demonstraram isso claramente (*).

Da mesma forma, as análises mais respeitáveis indicam que quem enfrentar o capitão cloroquina em 2022, se ele for ao 2º turno, será o próximo presidente da república; por isso, se a trágica polarização se repetir, Lula não precisará do meu voto e do de milhões de outros democratas críticos ao lulopetismo para ganhar.

O Brasil precisa superar essa trágica polarização; portanto, somo-me aos que estarāo, até o instante da votação no 1º turno da eleição presidencial de 2022, empenhados na eleição de um candidato do campo democrático capaz de romper com essa polarização. E, nós, os que defendemos essa posição, estamos trabalhando para que este candidato vá para o 2º turno; e, se isso ocorrer, derrotará qualquer concorrente, não importa quem seja. Nossa tarefa, portanto, é levar esse candidato ao 2º turno, quando será vitorioso.

Mas isso será uma construção, a que devemos nos dedicar com desprendimento e urgência, pois este resultado ainda não está dado.

O objetivo de cada democrata não é o de votar, a qualquer custo, no candidato que poderá ser vitorioso. Não estamos participando de um jogo em que o objetivo é apenas ganhar. Não estamos em busca, fisiologicamente, das benesses do poder, pois continuaremos a viver do nosso trabalho. O que está em jogo é o nosso futuro, sempre adiado, o de um país mais próspero, democrático e justo.

Portanto, a primeira coisa a fazer, se a democracia está sob ataque, é unir o campo das forças democráticas, diga-se, de esquerda, de centro e de direita, sem discriminações ou hegemonismos, para romper com a trágica polarização, derrota-la, e manda-la para o lixo da história.

Da democracia que já conquistamos, cheia de defeitos, queremos eleva-la a um patamar mais alto, pois o nosso valor de hierarquia mais alta é a própria democracia.

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quinta-feira, 29 de abril de 2021

POR QUE ESTE GRÁFICO ESTÁ ERRADO?

Na perspectiva dos democratas o gráfico abaixo contém um erro lógico, embora o seu design gráfico seja elegante e bonito.


Ele surgiu como uma postagem no Facebook e foi reproduzido por diferentes pessoas. Embora o gráfico contenha a assinatura do seu autor, um mestre em comunicação visual, ele traduz uma visão conceitual equivocada defendida por muitos que se situam à esquerda do espectro político.

Nele, o valor fundamental de hierarquia mais alta considerado é se a pessoa é ou não de esquerda.

Mas o valor mais alto, na hierarquia de valores dos democratas, é se o cidadão é ou não é um democrata, e não se é de esquerda ou de direita.

Isto não impede que quem seja de esquerda prefira um democrata de esquerda; nem que quem seja de direita prefira um democrata de direita. Isto é legítimo e necessário na discussão de projetos políticos.

Para compreender o erro do gráfico, basta verificar que não é exigido que a pessoa seja democrata se ela for de esquerda.

Ah..., alguns diriam, equivocadamente, reproduzindo velhos e ultrapassados argumentos: se é de esquerda é democrata! Errado, pois existe a extrema esquerda, que defende ditaduras, e não é democrática! E, na direita, encontramos, também, os que dizem que só pode ser democrata se for de direita! Mas os fascistas, definitivamente, não são democratas!

O debate sobre o que seja “ser democrata” (*) é uma questão fundamental para todos os  que buscam uma alternativa democrática capaz de romper com a trágica e nefasta polarização bolsonarismo x lulopetismo, e apoiar um candidato da 3ª via.

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(*) A conceituação usada neste artigo toma como referência o texto "O que é ser democrata?" publicado neste blog em 2 de junho de 2020.


segunda-feira, 12 de abril de 2021

A assimetria e dualidade da justiça

Como cada um será lembrado?
  • Sergio Moro, como o juiz que notabilizou-se por condenar e prender criminosos poderosos;
  • Gilmar Mendes, como o juiz dedicado a inocentar e soltar criminosos poderosos.
O que permanece como um problema estrutural, ou como uma das questões fundamentais da democracia brasileira a serem resolvidas, é a assimetria e a dualidade da justiça. Assimetria, porque pune pobres mas não pune poderosos; dualidade, porque age como se fossem duas justiças, embora exista um único sistema legal.

Os maiores criminosos, os mais poderosos, raramente são punidos. Quando condenados, encontram mil maneiras de escaparem, coincidentemente ajudados por notórios juízes não concursados de tribunais superiores indicados politicamente. Enquanto isso, sob a mesma Constituição e com as mesmas leis, os pobres são condenados em julgamentos sumários, e presos, e são os que abarrotam o nosso sistema penitenciário; se, além de pobres, forem pretos ou pardos, a discriminação ainda será mais evidente.

A diferença de como a justiça trata aos criminosos, se forem poderosos ou pobres, todos nós sabemos, é apenas uma:  o dinheiro que dispõem para sustentar as suas defesas, mormente proveniente do enriquecimento ilícito e do assalto ao Estado. Logo estarão disponíveis caros advogados e notórios juizes para inocenta-los e soltá-los em nome de bons princípios “garantistas”. Em síntese, apenas os que não podem pagar caras defesas por seus pequenos ou grandes crimes amargam e apodrecem longos anos nas cadeias.


A assimetria e dualidade da justiça brasileira se faz adequada, coerente e compatível com o nosso sistema político, pois a maioria dos mandatos no executivo ou no legislativo são financiados pela corrupção; da mesma forma, o é com a gestão pública, que é marcada pela ineficácia e pelos contratos superfaturados, tanto na administração direta quanto nas empresas estatais, onde o assalto é bilionário.

Por sua vez, as ramificações das milícias paramilitares, e de seus defensores, hoje, estão nos poderes legislativos e executivo, e chegaram ao poder central com a vitória de Bolsonaro. Não por menos, já somos considerados, no concerto das nações, uma das sociedades mais corruptas e violentas. 

E, se já não fosse muito, o Brasil, agora, se transformou em ameaça global ambiental e em epicentro de disseminação do coronavírus com a maior taxa diária de mortos. As quase 400.000 mortes na pandemia gritam para alertar-nos que em breve serão ultrapassadas, e não poderia haver índice mais contundente, claro e dramático do que este, a nos mostrar que precisamos mudar de rumo.

Foi um acinte para o sistema dos poderosos surgir um juiz disposto a condená-los e prendê-los, não apenas por lealdade à sua missão institucional de combater e apurar os crimes de corrupção, mas porque o fez de forma íntegra, competente e corajosa; de forma sistemática, revelou um compromisso incomum, juntamente com os profissionais PFs e procuradores federais da força tarefa da Lava-Jato, em investigar, processar, julgar, e condenar os criminosos mais poderosos. Como ousou? Claro, dos poderosos, Moro receberá o seu ódio eterno.

Mas, espertamente, construíram uma narrativa de defesa sórdida de que quem é culpado são os operadores da justiça, PFs, procuradores federais e juízes, todos servidores públicos concursados. Eles, em que pese as provas abundantes e irrefutáveis, teriam cometido “ilegalidades” ao colhê-las. Os bandidos encontraram a sua estratégia de defesa. Ela é conveniente, porque colocou um discurso na boca dos militantes, que a papagueiam cegamente. Ela é simples: basta desmoraliza-los com qualquer prova ilegal e encontrar certos juízes especializados em aceitar essas alegações da defesa.

Quanto a Lula, praticou uma nova modalidade de corrupção, a “corrupção estratégica”, de assalto ao Estado, voltada para o financiamento da conquista e manutenção do poder político. Provas foram abundantemente colhidas; por isso, foram condenados em várias instâncias, e jamais tanto dinheiro roubado foi recuperado e devolvido. Mas os seus aguerridos, éticos e fervorosos seguidores o defendem cegamente; e ao fazê-lo, defendem esse projeto de poder.

Não adianta berrar, ofender, desqualificar, ou, mesmo ficar comemorando as vitórias fugazes que vêm obtendo com a ajuda do digno Gilmar Mendes; aliás, merecem esse respeitado juiz.

sábado, 3 de abril de 2021

POR QUE FOI POSSÍVEL O CAPITÃO CLOROQUINA DAR CREDIBILIDADE À NARRATIVA FAKE DO GOLPE MILITAR?

Uma narrativa falsa, ou fake, em confronto com a realidade, tem sobrevivência por tempo limitado. Em 2022 o capitão cloroquina não existirá mais, sequer, como candidato.


A narrativa de que o capitão teria apoio das FFAA para dar um golpe ganhou verossimilhança pelas seguintes razões:
1. Ele, de fato, quer dar o golpe e governar ditatorialmente;

2. Os militares, realmente, votaram nele, ficaram felizes com a sua vitória e aceitaram participar do seu governo para lhe dar força; é possível, adveio, também, um certo sabor nostálgico da idealização que alguns mantêm do período da ditadura militar;

3. Até recentemente os militares ainda tinham dificuldade de aceitar que o capitão não passava do velho tenente tresloucado e insano que tinham sido obrigados a expulsar da força há trinta anos.
Essas três razões nos têm mantido, a todos os democratas, preocupados e assustados, principalmente porque poucos duvidam que o capitão cloroquina - a 1ª razão -, realmente tem esse objetivo. Por isso, a análise da possibilidade de um golpe precisa ser considerada dentro de um contexto mais amplo, como o contido no artigo “Três hipóteses para analisar as perspectivas políticas” (*).

Com a reforma ministerial que procedeu recentemente, em particular a que levou à substituição traumática do Ministro da Defesa, e ao pedido de demissão conjunta dos comandantes das três forças armadas, o capitão voltou a causar novas apreensões. Sem dúvida, buscou um maior alinhamento das FFAA com o seu posicionamento. Porém, a não ser os que se assustam facilmente, poucos são os que consideram que ele foi vitorioso no seu intento!

A “mitificação” de sua personalidade desabou. O capitão cloroquina não passa de um “balão” vazio, em queda, cuja bucha já queimou. A forma insana como ele enfrentou a pandemia levou os militares à rápida compreensão de que estavam diante do velho tenente; não fossem os seus desatinos talvez isso não tivesse ficado tão evidente e tão rápido.

Logo viram, também, que um dos aspectos em que se revela a sua insanidade é a forma como se diverte em nomear, humilhar e exonerar generais, e de considera-los como o “seu exército”, do qual possa dispor para realizar o seu plano de romper com as instituições democráticas, com a Constituição e com a legalidade.

O saldo positivo desta crise foi revelar cristalinamente que as FFAA, enquanto instituições, jamais estiveram no projeto do golpe. Refletem, naturalmente, a insatisfação dos brasileiros com a ineficácia do sistema político e com a corrupção. Consideram-se Instituições de Estado e não de um governo particular; fazem análises sofisticadas do contexto político, tanto do interno como do internacional, e estão comprometidas com a democracia e com a liberdade.

Portanto, nas FFAA, se têm que ouvir o capitão, pois é o presidente, e principalmente calar, a narrativa do golpe já desmoronou, e desejam vê-lo pelas costas. Seguramente, não consideram conveniente a sua reeleição. Nisto não poderiam ser diferentes da maioria dos brasileiros, que são democratas.


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sábado, 27 de março de 2021

Três hipóteses para analisar as perspectivas políticas

As três hipóteses, abaixo, se corretas, mudam a nossa perspectiva sobre como analisaremos, a seguir, o desdobrar dos acontecimentos políticos.


O seu enunciado não está baseado em informação privilegiada oriunda dos quartéis. Mas decorre da observação informada dos acontecimentos políticos. Sobretudo, se observados por análise lógica.

Se você é cético ou descrente quanto a elas, pelo menos as submeta a teste. E faça-o, ainda, com mais rigor, considerando o agravante, que as torna mais inverossímeis, de saber que, em meu subjetivismo, eu “torço” para que elas sejam verdadeiras. Mas se isso pode ser um agravante na análise concreta da realidade concreta, talvez, de partida, este possa ser o único ponto de convergência entre nós.

Pois bem, hipótese 1: devemos separar o desejo incontestável do capitão cloroquina de dar um golpe e de governar ditatorialmente, de convicção igual de que este seja, também, um projeto de setores influentes na mais alta hierarquia das FFAA.

Ora, diriam, não existiria um conjunto de militares e de ex-militares que apoiariam e que desejariam um golpe? Sim, existem os chamados “intervencionistas” que defendem isso, com o fechamento do Congresso e do STF; fazem manifestações, concentram-se na porta dos quartéis, etc.. Às frequentes ameaças do capitão e do seu clã, vez por outra somam-se vozes isoladas, no Clube Militar, etc.

Isto nos manteve assustados até recentemente: não podíamos ter convicção até que ponto haveria mesmo um projeto golpista real em andamento, até que ponto seria um blefe do capitão e até que ponto isto não estaria presente apenas em sua cabeça delirante.

A bem da verdade, o alto comando das FFAA em todo esse tempo se manteve absolutamente afinado com os seus compromissos Constitucionais. E ninguém negaria aos militares a perfeita compreensão de que um golpe não receberia, no cenário internacional, nenhum apoio dos países relevantes em termos geopolíticos!

Mas adveio a pandemia, e o capitão revelou o seu descolamento da realidade e o seu fracasso em combatê-la. Quem não estivesse vivendo em uma bolha, logo perceberia o quão insustentável era essa política criminosa, de um sociopata, de “trocar” um certo número de vidas, para alcançar uma hipotética “imunidade de rebanho”, pela manutenção da atividade econômica. Já ultrapassamos os 300.000 mortos e sabe-se lá onde chegaremos!

Hipótese 2: óbvio, os militares logo se lembraram daquele tenente que tinham sido obrigados a expulsar da força por incompatibilidade com a farda, e que agora se diverte em empregar, humilhar e exonerar generais. Hoje, sua presença no governo se dá como uma “estratégia de redução de danos”, pois já estavam lá, ocupando alguns dos cargos mais importantes da Esplanada, quando essa realidade, dramática e contundentemente, lhes caiu sobre a cabeça mais de três décadas depois. Não vão abandonar o barco, e atuam para impedir que o governo e o país parem, pois não podem negar que votaram no capitão, que ficaram felizes com sua vitória e de que aceitaram participar do governo por apostarem no seu sucesso. 

Ninguém o leva mais a sério. Se, por absurdo, os militares estivessem em um projeto golpista, o primeiro a dançar seria o próprio capitão, pois até para liderar um golpe tem-se que gozar de respeito. Agora, tudo o que evitam é que venha o impeachment imediato! E pactuaram não abandona-lo se ele não cometer um desatino que considerem insustentável; mas as FFAA já estão muito desconfortáveis, vide o Gal Pazuello, que ao fracassar seguindo como capacho as ordens do capitão, as deixou muito mal. Falta pouco, não para que se empreguem no projeto do golpe, mas para que o abandonem!

Conclusão: os militares querem ver o capitão pelas costas, e não querem que membros de suas famílias e os seus soldados morram de COVID-19, sem oxigênio e sem UTI, nas filas dos hospitais!

Hipótese 3: a mais simples de aceitar; quem desejaria dar mais quatro anos de mandato para o capitão cloroquina? Nem nós, nem os militares! Naturalmente, refiro-me à maioria dos eleitores brasileiros, civis ou militares, que são democratas!

Pois bem, se essas hipóteses passarem a ser tomadas, com as devidas cautelas, como as que descrevem com maior probabilidade o que sentem e pensam os militares (*), estamos na obrigação de examinar novos cenários.

Um deles, é o de que o capitão cloroquina não vá, sequer, ao 2º turno.


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(*) Tenho me debruçado sobre este tema pois o considero crucial para a compreensão das perspectivas da democracia brasileira. Em 18/05/2020 postei este artigo no blog Decisões InterativasCom quem ficarão os militares? Com a democracia ou com a barbárie?