quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Unindo os democratas

Há, necessariamente, uma questão metodológica quando se examina a realidade com os olhos da ciência, seja a realidade natural ou a social. A necessidade de um certo distanciamento para ver e entender a realidade objetiva.

Pois bem, Bolsonaro foi eleito. A primeira questão, então, é reconhecer o óbvio, de que foi eleito com a maioria dos votos.

A segunda questão, e essa é mais difícil, é a de reconhecer que os seus eleitores não são apenas do tipo “bolsonaristas de raiz”, ou seja, por simplicidade, pessoas que convergem em pensamento político ou ideológico com ele. Já de passagem eu o caracterizo como de extrema direita, não democrata e admirador de ditaduras totalitárias; observo que cada uma dessas caracterizações está apoiada na vasta documentação existente a partir de suas próprias declarações.

Existe um outro contingente de seus eleitores, não bolsonaristas de raiz, que julgo ser a maioria, são os que votaram nele para impedir que o PT voltasse ao governo. Não são homogêneos, muitos são de direita, mas são democratas, pois repudiam quaisquer tipos de ditaduras e somente querem viver em um Estado Democrático de Direito. Os petistas, politicamente, não podem aceitar isto, mas sabem que é a realidade.

Mas, os que não se desgarram da visão polar do mundo, seja por ideologia ou estratégia política, ora acusam os não bolsonaristas de petistas, porque são oposição a Bolsonaro; ora chamam de bolsonaristas aos que, com total nitidez, estão empenhados na busca de uma alternativa democrática ao bolsonarismo e ao lulopetismo.

Mas os fatos são insistentes, por isso volto ao tema inicial. Primeiro, se a clivagem que queiramos fazer, por exemplo, não for a política, mas a religiosa, é necessário reconhecer que não foi apenas a maioria dos evangélicos que votou em Bolsonaro no 2º turno mas, também, a maioria dos católicos. Alguns acharão isso duro de aceitar pois sempre consideraram as comunidades católicas mais ativas como um “curral” do PT.

Mas o primeiro passo para retomarmos o aperfeiçoamento do processo democrático, e deixarmos para trás o obscurantismo bolsonarista, é assumir a realidade dos fatos, e compreender o caráter democrático da luta contra a impunidade, para que esta bandeira seja valor fundamental de qualquer projeto democrático, e esteja nas mãos certas!

domingo, 16 de fevereiro de 2020

Um liberal autoritário

Vou ser sincero. Cresce e, lamentavelmente, muito rapidamente, a minha má vontade com Paulo Guedes.

E eu sou dos que apoiou como indispensável uma reforma da previdência para ajustar o perfil do orçamento fiscal aos novos tempos para garantir a liquidez necessária para fazer frente ao pagamento das aposentadorias diante da expectativa cada vez maior de vida dos idosos.

Sou desses que, por não ser economista, o nome de Guedes pouco frequentou as minhas referências. Não me culpo por isso, pois segui outro caminho profissional.


Porém, confesso, tenho me incomodado - e muito - com algumas de suas declarações. Citarei, para ilustrar, algumas de que me lembro; talvez não sejam as suas piores, sintam-se à vontade para complementar:
  1. No jantar na embaixada brasileira em Washington, logo após o início do seu governo, Bolsonaro fez sentar à sua direita, Olavo de Carvalho e, à sua esquerda, Steve Bannon. Guedes se saiu com essa em seu discurso na ocasião: referiu-se à Olavo de Carvalho, como o “...líder de nossa revolução”. Se não achava, realmente, isso, que não o dissesse, pois ninguém deve dizer intencionalmente o contrário do que pensa.
  2. Em outra ocasião, quando Bolsonaro chamou a Michelle Macron de feia, Guedes o secundou. Mais uma vez, perguntei-me, o que levaria Guedes a secundar o seu chefe em tão inadmissível, tosca e inaceitável agressão gratuita, com claras e nefastas consequências às relações do Brasil com a França?
  3. Quando Eduardo Bolsonaro aludiu à eventual necessidade de um novo AI-5, mais uma vez lá estava Guedes prestando declarações dúbias, secundado pelo general Heleno, que amplificaram o assunto e deixaram em dúvida se essa proposta estaria sendo cogitada dentro do governo.
  4. Para não estender demasiado, sua última declaração em que revela inadmissível preconceito a que as “...empregadas domésticas - com o dólar baixo - viajem para a Disneylândia (exterior)”.
Essas declarações podem ser meramente manifestações de “puxasaquismo” explícito para agradar o chefe que pensa assim, o que já deporia, se fosse apenas isso, contra o caráter de qualquer um; mas podem ser mais: ele pode pensar exatamente assim, e não ter qualquer apreço pela democracia.

Porém, suas últimas declarações no campo mais explicitamente econômico, além de prejudicar a própria economia, deixam a todos com o cabelo em pé. Além de irresponsáveis para um ministro da economia, o que provocou um ataque especulativo ao câmbio, revelou que o “seu” ultrapassado liberalismo não inclui o combate às desigualdades sociais.

Cabe perguntar se Guedes, além de sua personalidade histriônica, tem algo mais a oferecer para exercer o cargo que ocupa, além do que, pelo menos para mim, se parece, cada vez mais, com uma farsesca competência. Passo a palavra.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Cresce número de brasileiros que defendem democracia

A maioria dos brasileiros repudia qualquer tipo de ditadura e quer viver somente em um Estado Democrático de Direito. Eles são democratas.

No segundo turno das eleições presidenciais de 2018 os democratas se dividiram da seguinte forma: (1) os que votaram em Bolsonaro, sem gostar dele, para impedir que o PT voltasse ao governo; (2) os que votaram em Haddad, sem gostar do PT, para impedir que Bolsonaro vencesse; (3) os que votaram nulo ou branco, porque se sentiram diante de uma impossível decisão de votar em Bolsonaro ou Haddad; (4) a maioria dos que se abstiveram e não compareceram às urnas.

Esta matéria do Globo mostra que de 2018 a 2019 aumentou - de 56,2% para 64,8% - o número de brasileiros que acreditam na democracia. Existe esperança!

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

A tentativa de golpe - abortada - para derrubar Moro

Secretários de Segurança, 17, se reuniram com o presidente na última quarta-feira, dia 22/01/2022, sem a presença de Moro, que não foi convidado para a reunião, para reivindicar a criação do Ministério da Segurança Pública. E assinaram um manifesto neste sentido.


Uma reunião com essa natureza não ocorre de uma hora para outra. E jamais teria sido articulada, desde o primeiro momento, sem o aval do próprio presidente. Bolsonaro, óbvio, organiza uma conspiração para fragilizar o ministro Sergio Moro, e retirar-lhe os instrumentos e o poder para combater a corrupção e o crime organizado. Os precedentes, até aqui, já são bem conhecidos.

Não estivesse o trabalho de Moro dando certo, pois em sua gestão os índices de criminalidade caíram significativamente, esta mudança na estrutura da justiça já seria uma demanda da própria sociedade! Mas não é o caso! Na verdade, o que está sendo proposto pega a todos de surpresa!

Esse reconhecimento dos brasileiros ao trabalho de Moro é revelado pelas próprias pesquisas de popularidade, que o colocam como o homen público com maior credibilidade!

Mas quem não está sendo surpreendido com esse golpe que está sendo tramado contra a luta para acabar com a impunidade? Exatamente os que participam dessa conspiração! Bolsonaro, por óbvio, que, à sua frente, articula e comanda essa mudança! Mas quem mais? Com que objetivos?

Paro por aqui, pois acabei de ler a notícia de que Bolsonaro descartou, pelo menos enquanto está viajando à Índia, a retirada da Segurança pública das atribuições de Moro, pois "...não se mexe em time que está ganhando".

Acho, pessoalmente, que o presidente não abandonou a idéia, que vem ao encontro do que desejam todos os rabos-presos, que formam a "santa aliança" tácita dos que temem e combatem a Lava-Jato-Jato. Essa aliança suprapartidária e supra-ideológica varre, da esquerda à direita, todo o espectro político. É a aliança do atraso que não reconhece o caráter democrático de acabar com a impunidade. Une personalidades políticas tão distintas quanto Bolsonaro, Rodrigo Maia e Dias Toffoli.

Mas, observem, um novo ingrediente se coloca. Esta mudança é, também, uma nova ofensiva de setores de extrema-direita, que querem um militar à frente da Segurança Pública, como o Cel Alberto Fraga da PM/DF, com a visão estratégica de que o povo, e suas manifestações de rua, são o principal inimigo. É a chamada voz dos porões dos saudosos da ditadura militar.

O mais grave é que muitos democratas de direita, de centro e de esquerda, que se somam à guerra contra Moro, e apoiam a sua fragilização e deposição do ministério, estão sendo inocentes úteis do projeto da extrema-direita.

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É sempre muito interessante o desdobrar dos fatos políticos. Bolsonaro é vazio de conteúdo conceitual, e sabe praticar apenas o confronto polar da guerra de movimento, e atropelar seus adversários; escapa-lhe as sutilezas da política. Isto fez com que fosse por 28 anos um membro do baixo clero, do qual continua mesmo como presidente.

Gostaria de observar sobre alguns números obtidos nas matérias que noticiaram o encontro dos Secretários de Segurança com Bolsonaro. Se estiveram presentes apenas 17 secretários, quantos teriam se manifestado a favor de desmembrar o Ministério da Justiça? Quantos foram contra?

Mas há a possibilidade de que alguns secretários não tenham, em seguida, assinado qualquer compromisso em favor do Ministério da Segurança Pública, porque o conchavo foi mal feito; alguns secretários foram pegos de surpresa e logo perceberam que uma questão de tal importância não poderia ser tratada levianamente sem conversar previamente com seus governadores.

Ou seja, o tiro de Bolsonaro pode ter saído pela culatra, gerando mal estar político e conflito com os governadores.

Na vida política e em teoria social essas são chamadas de consequências não intencionais de ações intencionais.

Pois bem, se Bolsonaro com o seu recuo já demonstra que o conchavo foi mal feito, isso não significa que o mal estar entre ele e Moro não possa ter se aprofundado! Afinal, a tramoia e conspiração orquestrada por Bolsonaro contra Moro sempre terá alguma consequência.

A mais evidente, é a de que a sua máscara está caindo rapidamente, particularmente entre os democratas que votaram nele para se livrarem do PT.

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Moro: - "...minha paciência é infinita"

Uma das frases que Moro usou na entrevista dada ao Roda Viva na edição do dia 20/01/2020 (*) é que a sua “...paciência é infinita”.


De fato, ele precisa dela, pois há uma contradição real entre Moro e Bolsonaro. E muitos torcem para que Moro chegue à sua capacidade limite de engolir sapos e saia do governo por conta própria.

São, praticamente, dois os posicionamentos dos que torcem por isso: (1) o dos rabos-presos, ou seus militantes, que sabem que a saída de Moro do governo não apenas o enfraquecerá, mas, sobretudo, fragilizará a luta contra a corrupção; (2) o dos que, contraditoriamente, gostam de Moro, reconhecem a importância da Lava-Jato e defendem o caráter democrático da luta contra a impunidade, mas acham que a permanência de Moro fortalece a Bolsonaro, que consideram um fascista.

Os “rabos-presos” e seus militantes, diga-se de passagem, formam uma “santa aliança” dos que temem e combatem a Lava-Jato. Estão em toda parte, no governo, no legislativo, no judiciário, e se articulam suprapartidária e supra-ideologicamente à esquerda, ao centro e à direita do espectro político.

Sou dos que defendem a permanência de Moro no governo, mesmo tendo que engolir sapos, porque tudo em política é passageiro, e porque a luta contra a impunidade é um valor permanente da democracia. Como acho que este valor está nas mãos de Moro, e não nas de Bolsonaro, que estou convencido passará rapidamente, mais importante ainda ter calma e paciência até atravessar este mar revolto.

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segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Em defesa de Moro

Um querido amigo, democrata provado, coloca objeções quanto à permanência de Moro no ministério.

Sua preocupação, como entendo, não é porque não reconheça a importância de Moro na luta contra a impunidade dos criminosos de colarinho branco e os incontestáveis resultados alcançados pela Lava-Jato neste objetivo.


Sua preocupação é a de que a continuidade de sua presença no governo colocaria em dúvida o próprio caráter democrático da luta contra a impunidade. Reporta-se ao fato de que as experiências fascistas na Europa da primeira metade do Séc. XX registraram que o combate à corrupção foi uma mera retórica para implantarem, ao final, regimes ainda mais corruptos e totalitários, que levaram à desgraça dos 85 milhões de mortos da 2ª guerra mundial.

Tenho defendido que Moro somente saia do governo se Bolsonaro o mandar embora. Sei que corro o risco de ser criticado por alguns na própria perspectiva dos democratas, mas Moro fez história e hoje tem um apoio na opinião pública maior do que o de Bolsonaro. Por isso assumo o risco. Mantenho o meu apoio a Moro.

A recente rejeição da maioria democrática da sociedade ao “Plano Bolsonaro/Alvim” para a Cultura mostra-nos que vivemos em um outro contexto e que podemos ter fundadas esperanças.

Na verdade, Moro, ao ter deixado a sua carreira de juiz, à qual não pode mais voltar, ficou sem melhor alternativa a não ser resistir a todas as traições de Bolsonaro e ir engolindo os sapos. Ele somente perderia - e todos nós - se saísse por conta própria, como querem os rabos-presos, fazendo o papel de “nervosinho”, “traidinho”, “coitadinho” e “indignadinho”. Não creio que seja de sua personalidade, e isso me faz gostar ainda mais dele.

Por isso, optou por marcar claramente suas posições, contrárias às de Bolsonaro; e, enquanto ele só cresce em apoio, Bolsonaro só cai.

Se persistir, e não cair em nenhuma armadilha, manterá o seu prestígio e lhe estará assegurada, em outro momento, a continuação da missão a que se atribuiu de aperfeiçoar as instituições jurídicas democráticas para acabar com a impunidade. 

Acho que ele deve persistir neste objetivo que lhe deu importância social e política, e aproveito para deixar claro, também, que não estou engajado na sua candidatura a presidente da república!

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Que 2020 vamos deixar para a História?



“Que 2020 vamos deixar para a História?

Senhoras e senhores, meninas e meninos, bem vindos a bordo.

Iniciamos 2020 sem conseguir ainda espantar completamente os fantasmas de 2019, que definitivamente foi um ano marcado por acontecimentos trágicos.

Agora, em poucos dias, Trump ataca o Irã, incêndios florestais devastam a Austrália, um catador de material reciclável é incendiado na Mooca, Bolsonaro diz que os livros didáticos são lixo porque "têm muita coisa escrita"...

Meu Deus, olhai por nós!

Ora, mas se até o Papa Francisco começou o ano dando uns tapas na mão da mulher sem noção que puxou o braço dele, não espere algo muito diferente de nós.

Vamos bater pesado (no sentido figurado, espera-se) em lunáticos e fanáticos de direita ou de esquerda e em puxa-sacos de Bolsonaro, Lula, Doria, Huck e quem mais aparecer por aí como salvador da pátria.

Sim, fazemos oposição ao bolsonarismo. Não, não queremos Lula de volta. Para espanto e incompreensão do raciocínio binário dessa polarização burra e deletéria que toma conta do Brasil, acreditamos que é necessário encontrar uma saída equidistante, equilibrada, sensata e racional entre as quadrilhas petistas e as milícias bolsonaristas.

O mundo vive cada vez mais um clima de guerra. A civilização vem perdendo espaço para a barbárie num ritmo alucinante. Predominam o ódio, o preconceito, a intolerância. Em nome de ideologias, religiões, costumes e interesses, reacionários e obscurantistas fazem apologia de ditaduras, da censura, da tortura e do terror. Não é possível que essa escória seja maioria.

Em 2020, ao menos por aqui, não passarão!

Como disse Rui Barbosa: "A pátria não é ninguém: são todos; e cada qual tem no seio dela o mesmo direito à ideia, à palavra, à associação. A pátria não é um sistema, nem uma seita, nem um monopólio, nem uma forma de governo; é o céu, o solo, o povo, a tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei, da língua e da liberdade."
Em 2020 vamos batalhar por mais sensatez, empatia, solidariedade, altruísmo, racionalidade e inteligência emocional. Por uma consciência ambiental e sustentável, pelo amor à humanidade e aos seres vivos, pela preservação da natureza, pelo respeito à diversidade. Não é por favor ou obrigação, mas até por instinto de sobrevivência.

A vida não é monopólio da direita ou da esquerda. Nem a inteligência. Será que tudo que falamos, pensamos e postamos precisa passar sempre por um filtro partidário, político e ideológico? Ô chatice, sô!

Não é possível que até um "bom dia" ou um "feliz ano novo" gerem polêmica, discussão, agressão. É inadmissível que não possamos ter opiniões divergentes sem sermos xingados, ameaçados, perseguidos.

Se até o cérebro tem dois hemisférios; e o coração, dois ventrículos: o direito e o esquerdo, custa botar os dois juntos para funcionar?”