domingo, 29 de dezembro de 2019

A qualidade secreta de Moro: a paciência

Não há como negar. Moro fez história.

Enquanto alguns desperdiçam a sua popularidade, o seu talento e o seu poder - e mancham suas próprias biografias -, Moro mostrou que podemos sonhar em viver em um país em que não hajam cidadãos acima da lei, e de que é possível promover aperfeiçoamentos nas instituições jurídicas da democracia para acabar com a impunidade.


Ele está fazendo história.

Os brasileiros passaram a conhece-lo por seu trabalho árduo, competente e corajoso. Os seus feitos, fruto desse trabalho duro, são reconhecidos internacionalmente.

Ousou condenar alguns dos mais poderosos políticos e empresários. O seu critério foi simples: cometeram crimes. Precisaria de algum outro mais objetivo é correto? Como não apoia-lo? Não fosse o apoio que tem da opinião pública já o teriam destruído. Mas ele segue em frente e mostra outra de suas qualidades: a paciência. Será vencedor.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Minha charge da semana

Minha charge da semana:

Qual é a missão histórica de Moro?

Abro uma questão. A popularidade de Moro é um fato real constatado pelas pesquisas. Enquanto isso, nelas, Bolsonaro cai. Tem que cuidar, agora, para que não seja uma queda vertiginosa. Noticia-se que a hashtag #BolsonaroTraidor começou a bombar nas redes.


Traição a quem? Aos seus eleitores, que, por sua vez, continuam apoiando a Moro. Surpreendem-se - e indignam-se - com as repetitivas ações do presidente, divergentes das posições de Moro, que fragilizam a luta contra a impunidade.

Por que reagem assim? Porque para os cidadãos sem militância partidária, particularmente naqueles partidos envolvidos no assalto ao Estado, o fato de Moro ser ministro é apenas uma nova etapa da sua ação contra a corrupção e em prol do aperfeiçoamento das instituições jurídicas democráticas para acabar com a impunidade. São ingênuos? Não creio, mas compõem uma sabedoria das multidões que cabe respeitar!

Por vezes verifico nos meus círculos de amigos, altamente politizado, a quem muitos eu já conhecia não apenas por suas simpatias partidárias, com um discurso do tipo: como pode Moro ser ministro de um governo presidido por Bolsonaro? Alguns chegam a caracterizar o presidente como um fascista. Logo, cartesianamente, Moro também é um fascista! Certo? Claro, errado, pois Moro tem uma história respeitável!

Alguns, que se alinhavam com as posições do PT, PSDB, PMDB, PP, e de outros partidos flagrados com a boca na botija e envolvidos no assalto ao Estado, já odiavam a Moro desde que iniciou a operação Lava-Jato. Não precisaram, definitivamente, esperar que ele aceitasse o convite para ser ministro para alimentar tais sentimentos. Não mudaram em nada, continuam contra Moro exatamente como antes!

O mais importante, entretanto, é considerar que todos mudam suas posições ao longo do tempo! Os democratas que votaram em Bolsonaro para impedir que o PT voltasse ao governo, já não o vêm mais como antes. E todos os que buscam uma alternativa democrática para 2022 já começam a perceber que ela somente surgirá se for rompida a polarização bolsonarismo versus lulismo.

E onde entra Moro nesta história? Para ser candidato a presidente? Pode ser a proposta de muitos, mas não é a minha! A ele, e isso não depende da minha humilde vontade, desejo que continue agindo, articulando e simbolizando a indispensável etapa democrática brasileira de criar as instituições jurídicas para acabar com a impunidade. Isso é suficiente para que ele faça história, como já vem fazendo!

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

A segunda instância e a presunção de inocência

Neste artigo o ministro da justiça e ex juiz Sergio Moro traz a sua posição em defesa da prisão em 2ª instância.


Seu posicionamento é coerente com uma trajetória de intervir em momentos cruciais, onde, mais do que por dever de ofício, tem demonstrado a coragem cidadã de assumir atitudes claras e riscos. Elas já tiveram o condão de definir, no passado recente, os caminhos da justiça para punir criminosos de colarinho branco, bem como, por vezes, de influenciar os próprios acontecimentos políticos.

Isto lhe valeu o ódio de milhares de investigados, condenados e presos por corrupção. Mas, lhe valeu, sobretudo, o reconhecimento e o respeito de dezenas de milhões de cidadãos. Esse prestígio não se deve a uma mitificação de sua personalidade sóbria, pacífica e ponderada, mas devido ao legítimo tributo dos brasileiros que reconhecem a importância fundamental da luta contra a impunidade para construir um país mais democrático e justo.

Este artigo é muito oportuno, no início desta semana, segunda-feira, 18/11, exatamente quando o presidente do STF, Dias Toffoli, apoiado por Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, pratica uma escalada contra a Lava-Jato. Combater essas posições equivocadas de ministros do STF é fundamental para defender o STF enquanto instituição da democracia, a própria democracia e o Estado Democrático de Direito. 


Abaixo, íntegra do artigo de Sergio Fernando Moro *.
O Estado de S.Paulo, 18 de novembro de 2019 | 03h00

A presunção de inocência é um princípio cardeal dentro do processo penal. Proíbe condenações injustas e punições prematuras.

O núcleo essencial da presunção diz respeito às provas. Ninguém pode ser condenado criminalmente sem que existam provas categóricas, claras como a luz do dia. A essência do direito é cláusula pétrea, não pode ser alterada sequer por emenda constitucional e ninguém de bom senso defenderia a relativização dessa regra.

Como escudo contra punições prematuras, proíbe prisões – a sanção penal por excelência – antes do julgamento. A prisão preventiva deve ser excepcional, para proteger provas, evitar fuga, prevenir novos crimes ou proteger a ordem pública.

Outra questão completamente diferente diz respeito ao momento de início do cumprimento da pena e ao efeito de recursos no processo penal após o julgamento.

Se países como Estados Unidos e França, que constituem berços históricos não só das revoluções liberais, mas também da presunção de inocência, admitem a prisão após o julgamento de primeira ou segunda instância, é intuitivo que a presunção de inocência não é compreendida universalmente no sentido de exigir o julgamento do último recurso, o trânsito em julgado, para início da execução da pena.

A leitura literal do inciso LVII do artigo 5.º da Constituição talvez favoreça a interpretação de que se exige o trânsito em julgado para o início de execução da pena. Mas, sempre oportuno lembrar, é sobre uma Constituição que estamos expondo e ela precisa ser lida em consonância com outros princípios cardeais, entre eles que “a aplicação da lei deve ser igual para todos” e “não somos uma sociedade de castas”. Exigir o trânsito em julgado tem o efeito prático, dada a prodigalidade dos recursos, de gerar a impunidade dos poderosos, o que é inaceitável do ponto de vista constitucional ou moral.

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) demandando o trânsito em julgado e revendo precedente anterior deve ser respeitada. O STF é uma instituição essencial à democracia. Ao exercer o controle de constitucionalidade e proferir decisões de impacto na vida dos brasileiros, só fortalece o Estado de Direito. Mas a decisão foi dividida, seis a cinco.

A divergência apertada sobre o significado específico da presunção de inocência dá margem ao Congresso para alterá-lo, já que sobre ele inexiste consenso. Magistrados que compuseram a própria maioria vencedora, como o ministro Dias Toffoli, admitiram que o Congresso poderia alterar a legislação processual ou a Constituição para dar à presunção de inocência uma conformação diferente da interpretação que prevaleceu por estreita maioria.

Não há afronta à Corte. Juízes interpretam a Constituição e a lei. O Congresso tem o poder, observadas as condições e maiorias necessárias, de alterar o texto da norma. Cada um em sua competência, como Poderes independentes e harmônicos.

Não seria a primeira vez que uma Corte teria a decisão alterada pelo Parlamento, nem sequer no Brasil. A Suprema Corte norte-americana decidiu, em Dred Scott v. Sandford, de 1857, que escravos não poderiam tornar-se cidadãos dos Estados Unidos e que o Congresso não poderia proibir a escravidão nos novos territórios. A resposta do Congresso foi, após a guerra civil, a revogação da decisão pela 13.ª e pela 14.ª Emendas à Constituição.

Em exemplo mais prosaico, o Congresso brasileiro aprovou, em 2017, a Emenda Constitucional 96 para permitir práticas desportivas e culturais que utilizem animais, como a vaquejada, para se contrapor à prévia decisão do STF na ADI 4.983.

A decisão do STF, embora mereça ser respeitada, causou certa irresignação aos que vislumbravam a execução em segunda instância como medida necessária contra a impunidade e contra o avanço da criminalidade.

Embora a execução em segunda instância seja vista como essencial para os avanços anticorrupção, é ela igualmente importante para reduzir a impunidade de toda espécie de crime, incluídos os de sangue. Não deve ser esquecido que em 2009, quando o STF concedeu o Habeas Corpus 84.078, estabelecendo pela primeira vez a exigência do trânsito em julgado, regra depois revista em 2016, o beneficiado foi pessoa condenada por tentativa de homicídio qualificado, que havia disparado por diversas vezes arma de fogo contra a vítima. Como consequência, além da soltura, o caso acabou prescrevendo pela demora no julgamento dos recursos. Muitos outros casos, envolvendo crimes diversos, tiveram destino similar. Não é só a corrupção.

No pacote anticrime encaminhado pelo governo federal ao Congresso consta proposta de alteração do Código de Processo Penal para que seja admitida a execução em segunda instância, após o julgamento de uma Corte de apelação.

Não precisa ser esse o projeto votado. Há vários outros projetos de lei ou propostas de emenda à Constituição prontos para ser objeto de discussão e deliberação pelo Congresso que tratam do tema.

Cabe ao Legislativo o protagonismo numa democracia. Cabe a ele, respeitosamente, deliberar sobre a justa aspiração da sociedade de que o processo penal cumpra as suas funções. Sim, devemos proteger o acusado, mas também temos de responder às violações dos direitos das vítimas, o que exige a efetiva punição dos culpados num prazo razoável. Isso deve depender exclusivamente da existência ou não de provas, e não da capacidade do acusado de utilizar os infindáveis recursos da legislação brasileira. Exigir a punição dos culpados não é vingança, mas, sim, império da lei. Reduzir a impunidade é essencial não só para justiça, mas também para prevenir novos crimes, aumentando os riscos de violação da lei penal. A prisão em segunda instância representa um alento para os que confiam que o devido processo não pode servir como instrumento para a impunidade e para o avanço do mundo do crime.

* MINISTRO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Por que Bolsonaro não dará o golpe?

Obviamente, estão errados todos os que julgam estarmos à beira de um golpe de Estado!

Isto não significa que Bolsonaro e o seu clã não o queiram, diga-se logo de saída! Por isso, os democratas e as instituições do Estado de Direito, e o mundo civilizado, estão reagindo, unidos, contra o desejo expresso por Bolsonaro, pela boca de Eduardo, de governar com instrumentos de exceção.


Os que estão vendo o fantasma do golpe bater à porta não conseguem perceber que os eleitores de Bolsonaro não são um bloco homogêneo.

Pois não são! Por simplicidade, existem, basicamente, dois tipos de eleitores de Bolsonaro: os “bolsonaristas de raiz”, que se alinham com a sua pauta reacionária, autoritária e conservadora nos costumes; e os democratas que votaram nele para evitar que o PT voltasse ao governo, e votaram, no 2º turno, no candidato que consideraram o menos pior.

O segundo tipo, o dos democratas, que creio ser a maioria dos eleitores de Bolsonaro, está muito desconfortável com o seu governo. Jamais poderiam imaginar que ele pudesse ser pior do que as suas piores expectativas.

Por que, então, contra todas as evidências, muitos insistem nesta tese de que Bolsonaro mantém unidos os seus eleitores? Observe-se que mês a mês as pesquisas revelam que decresce o apoio a Bolsonaro; e, óbvio, ele somente pode estar caindo junto a quem antes o apoiava!

Dois são os grupos que defendem essa tese: o primeiro, os “bolsonaristas de raiz”, para demonstrar uma força que não têm mais; o segundo, todos os que ainda permanecem sob a influência do lulopetismo, para não admitir que democratas pudessem ter votado em Bolsonaro!

Pois bem, o isolamento de Bolsonaro é cada vez maior, e ele sabe disso (vide o vídeo do leão e das hienas)! Por isso ele está agindo desesperadamente para unir os seus radicais e chamar as forças armadas para apoiá-lo em um golpe!

Concluo. As forças armadas não o apoiarão nesta aventura! E adiciono, mesmo a extrema direita sabe que até para liderar um golpe tem que gozar de respeito! E este não é o caso de Bolsonaro e do seu clã!

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Ditadura nunca mais!

Pois bem, Eduardo Bolsonaro propõe um novo AI-5 se a esquerda for pra rua como no Chile.

Não podemos brincar com tais declarações irresponsáveis, nem tampouco subestimar os perigos deste aviso. Isso é preocupante, pois é o filho do presidente e é o líder do seu partido, o PSL, na Câmara.


Esta ameaça se segue ao vídeo dos leões e das hienas, que foi um claro pedido de apoio de Bolsonaro para que lhe sejam concedidos poderes excepcionais para poder governar contra as hienas; e uma delas é o STF, um dos poderes da república. Isto, por si só, já é imensamente grave, mas dentre os inimigos que o acuam está também a rede Globo, a Folha de São Paulo, os partidos políticos inclusive o seu - o PSL -, a OAB e outras instituições da república que, em seu conjunto, simbolizam a própria democracia e a liberdade!

Os democratas, unidos, reagem a essas pretenções ditatoriais do presidente.

Queremos viver nos marcos de um Estado Democrático de Direito, sobretudo, porque a nossa democracia, demarcada pela Constituição de 1988, foi um sonho longamente acalentado e duramente conquistado pelos brasileiros.

Mas é necessário que digamos, o presidente Bolsonaro tem revelado desejar voltar, saudosamente, ao regime ditatorial vivido pelo país de 1964 a 1985. Mostra-se incapaz de olhar para o futuro como um estadista, e pensa que pode exercer o seu mandato olhando pelo retrovisor da história.

Não vivemos mais no tempo da guerra fria em que defrontaram-se, radicalmente, visões opostas e autoritárias do mundo. A democracia é um valor fundamental para qualquer sistema social que se pretenda justo. Uma economia ambientalmente sustentável, e o exercício das liberdades cívica, política, religiosa, comportamental e dos negócios, somente pode vicejar no terreno fértil da democracia.

O presidente Bolsonaro, eleito democraticamente, agora deseja governar como um ditador. O mais grave é que, revelando-se inabilitado para exercer os imensos poderes que a Constituição democrática lhe concede, agora chama os seus radicais para conquistar poderes ditatoriais.

Ser respeitado por sua competência e habilitação, inclusive emocional, para o cargo de presidente e a manutenção da confiança do povo para exercê-lo, são atributos pessoais, individuais e intransferíveis. Nenhum regime, seja democrático ou ditatorial, lhe dará qualidades que não possui e que não conseguirá ter. Isto é uma infelicidade para o Brasil.

Deposito a minha esperança de que nunca mais venhamos a viver em uma ditadura. As forças armadas têm revelado um firme compromisso com a democracia. Por outro lado, conhecem muito bem a Bolsonaro; sobretudo que, se ele pretende governar como ditador, será para exacerbar as suas piores características, já reveladas na sua vida profissional, como militar, em seus 28 anos como deputado federal improdutivo e, agora, como presidente eleito em plena democracia.

Sobretudo, os brasileiros repudiam qualquer tipo de ditadura, seja de esquerda ou de direita, e somente desejam viver em um Estado Democrático de Direito!

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Íntegra da delação do Palocci

No dia 04 de outubro de 2019 o Estadão publicou na coluna do Faustão a íntegra da delação do Palocci. A delação premiada do ex-ministro petista Antonio Palocci tem 86 páginas e 39 anexos. O documento foi assinado pela Polícia Federal e homologado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin.

Sobre delações sempre pesam controvérsias, mas elas foram essenciais para desnudar a corrupção sistêmica que ocorre em nosso país, envolvendo a articulação de poderosos políticos, grandes empresários e servidores públicos ocupando os mais altos cargos. Muitos admitem que os fatos revelados compõem apenas a ponta do iceberg.

A Lava-Jato teve o mérito de trazer à luz do dia, e ao conhecimento de todos, as "tenebrosas transações" tramadas na penumbra e conduzidas por alguns dos mais conhecidos políticos do país. Revelou que os criminosos de colarinho branco são os que mais roubam e são os mais prejudiciais ao país.


Antonio Palocci está entre eles. No PT foi um dos mais influentes e poderosos. Depois que José Dirceu "caiu" com o escândalo do mensalão passou a ser o segundo na linha de sucessão interna do poder. Mas Palocci também caiu, e continuou caindo, até sua condenação e prisão.

O objetivo deste post no Decisões Interativas não é, entretanto, esmiuçar a sua desgraça, mas dar-lhe a palavra por meio de sua delação contida em 39 ANEXOS e 86 páginas. Estou convencido de que todos devem estuda-la, particularmente os que pretendam ter uma reflexão própria e tirar  conclusões independentes sobre a gravidade da corrupção ocorrida no período em que o PT ocupou o governo.


Pela amplitude dos temas tratados, este documento configura-se como uma das referências mais importantes para todos os que estão convencidos de que acabar com a impunidade tem um radical caráter democrático e civilizatório, e de que o combate à corrupção não é uma luta de "jacobinos".

A temática de cada ANEXO dá a dimensão dos assuntos tratados na delação:


A matéria completa do Estadão (4/10/19) pode ser acessada no link a seguir: