domingo, 3 de junho de 2018

As lições da greve dos caminhoneiros

Nós, os democratas, teremos que carregar essa "mala" de desesperança - o presidente Michel Temer - até o seu sucessor. Por mais que isso seja desconfortável e quase insuportável a alguns, a milhões ou a todos nós, isso é o melhor, institucionalmente, para o país. Esse é o preço a pagar, como o remédio amargo, para que a partir de 1º de janeiro de 2019, com um novo presidente e um novo Congresso eleitos, o Brasil retome a sua caminhada esperançosa para um futuro melhor.

Pera aí, você está dizendo que teremos que aguentar Temer como presidente, um legado da era petista no poder, até o dia 31 de dezembro de 2018? Afinal, ele não representa a velha política com suas práticas corruptas e fisiológicas, e ele mesmo, não tem contribuído para aumentar ainda mais o descrédito da política e dos políticos?  

Exatamente isso, pois na democracia a derrubada de presidentes da república somente pode dar-se no pleno respeito às normas constitucionais e legais do Estado Democrático de Direito. Três já foram as oportunidades perdidas para nos livrarmos de Temer constitucionalmente. A primeira foi quando o TSE, em 9/6/17, deixou de cassar a chapa Dilma-Temer; as outras duas foram em 2/8/17 e em 25/9/17, quando a Câmara dos Deputados negou a admissibilidade para que ele fosse julgado pelo STF. Todos acompanharam e formaram suas opiniões.

Entretanto, às vésperas do processo eleitoral, e a poucos meses do término do seu mandato, o que o país precisa, agora, é de tranquilidade e não de rupturas institucionais. 

Felizmente a luta contra a impunidade tem avançado muito em nosso país, começando com o mensalão e agora, desde 2014, com a Lava-Jato. Alguns dos mais poderosos políticos e empresários já estão condenados e presos. Temer, após concluir o seu mandato, assim como Lula, responderá à justiça.

Mas se a descrença, filha da desesperança não é, exatamente, a razão pela qual se vê crescer, em pleno século XXI, os que descreem da democracia e clamam por soluções autoritárias? E não é esse descrédito da política, no Brasil, que alimenta as candidaturas populistas, autoritárias e regressivas, como são as do lulopetismo e do bolsonarismo, que olham pelo retrovisor da história e se alimentam de velhos medos, idéias e filosofias?


Pois bem, vejamos como as lições trazidas pela greve dos caminhoneiros podem nos ajudar a aperfeiçoar a nossa democracia. Ela evidenciou, claramente, as concepções que apostam no caos, quando, unidos na prática, o lulopetismo e o bolsonarismo tentaram se aproveitar, a seu favor, de forma irresponsável e egoísta, das justas reivindicações econômicas da greve dos caminhoneiros. 

Começando pelo bolsonarismo, foram principalmente os seus simpatizantes que tentaram usar o caos gerado pela greve dos caminhoneiros para promover um golpe militar, travestido na proposta de uma “intervenção militar constitucional”. Mas não combinaram bem com os “russos”, pois as forças armadas não apoiaram essa tentativa de usá-los para promover uma ruptura institucional. O militares disseram, claramente, que são uma força constitucional da democracia, e não do autoritarismo. Esta foi a primeira lição desta crise, e não podemos fechar os olhos a isso diante de objetivo de tão clara proposta de implantar uma ditadura militar no Brasil.

O Lulopetismo, por sua vez, saiu da toca, e tentaram aprofundar o caos, chamando à fracassada greve dos petroleiros. O seu objetivo foi provocar o total colapso no abastecimento de combustíveis. Mas o movimento se viu isolado quando não foram apoiados pelos trabalhadores das refinarias e da Petrobras, pela sociedade - já cansada -, e pelo TST que decretou a ilegalidade da greve. 

Como a sociedade reagiu durante a greve dos caminhoneiros? Primeiro, reconhecendo a legitimidade das suas reivindicações econômicas; segundo dizendo não ao golpe militar; terceiro, dizendo não ao caos; quarto, recusando o “apoio” do sindicalismo pelego que nada fizera para defender a Petrobras enquanto ela estava sendo assaltada pelos seus correligionários! 

E, paradoxalmente, não existe saída fora da política! Mas não dessa política. E é preciso que se diga: é possível que a política seja a arte de construir e zelar pelo bem comum. Entre nós, brasileiros, isto não é apenas um ideal, isto é necessário e possível! Basta querermos!

Temer, eleito duas vezes vice-presidente de Dilma tem responsabilidade nesse caos? Certamente! Ele não é em nada diferente da lógica que cultuou o assalto exacerbado ao Estado promovido pelo projeto lulopetista para promover a conquista e a manutenção do poder político; esta semelhança o levou ao cargo e o fez sucessor de Dilma após o seu impeachment! 

Por que, então, manter Temer? Porque, simplesmente, para o Brasil, neste momento, não temos alternativa melhor, o que significa dizer que qualquer outra alternativa será pior!

POLÍTICA DAS MALAS

Aninha Franco, Correio da Bahia, 02.06.2018 

A impressão durante a ditadura de que nós morávamos num livro de Kafka com trechos do ‘Processo’, do ‘Castelo’ e da ‘Metamorfose’ acabou. Atualmente, vivemos num discurso de Dilma Rousseff interpretado por Michel Temer. Às vezes com panelas, noutras sem, mas sempre aos trancos e barrancos! Ninguém sabe como acabou a greve dos caminhoneiros, mas lemos que o governador de SP, Márcio França, do PSB, recebeu caminhoneiros intermediado por Alexandre Frota e, do palácio, eles telefonaram para Temer. Será que Frota, nesta ligação, exigiu Marcela Temer na Playboy de junho? Um dia saberemos, porque depois da Sedição das Panelas (2013) e do Levante da Lava Jato (2014) tudo que estava debaixo do tapete, tornou-se visível. 

As redes mostraram? As panelas falaram? As delações disseram? Não sei. Sei que abro a revista Isto É (Ano 41/2527) com a delação de Palocci e percebo um Brasil ninja, com milhões de reais saindo de obras superfaturadas para contas de políticos de todos os partidos como se fosse legal até 2014, quando ficou desaconselhável. E percebo que enquanto Lula da Silva dispunha do Ministério da Comunicação para nos empapar, todos os dias, desde 2003, de ‘Lula, o cara’, de Lula ‘o bom’, de Lula ‘o máximo’, de Brasil a caminho da primeira economia do planeta, as malas viajavam. E não fomos só nós brasileiros que acreditamos no ministério. Até o The Economist acreditou. 

Lula saiu do governo com aprovação estratosférica, e nós o parabenizamos por não tentar, como os caudilhos latinos tentam, como FHC nos impôs a reeleição, uma terceira gestão. Ainda assim, curiosamente, Dilma enfrentou um segundo turno em 2010 para vencer, passar o exército que a torturou em revista, demitir um ministério que Lula lhe deixou e passar quatro anos sem falar loucuras. 

Todos aplaudimos as demissões rousseffianas dos ministros e todos assistimos Dilma voltar atrás. Com certeza, passada a turbulência da chegada de Dilma ao poder de Lula, as malas de dinheiro de que fala Palocci em sua delação, devem ter voltado a viajar com desenvoltura. 

A exaltação da mandioca e a existência da mulher sapiens são de junho de 2015, mês e ano da prisão de Marcelo Odebrecht, talvez o mais poderoso ator dessa tragédia brasileira. Sua prisão deve ter levado João Santana a se descuidar dos discursos de Rousseff que, em outubro de 2015, lamentou o não estocamento de vento e não parou mais. Os lulopetistas que nomeiam o impeachment de 2016 de golpe desconhecem a força do verbo. E ignoram que a fala é a exposição mais clara do descontrole. 

Descontrolado pela Lava Jato, o PT assistiu o MDB, seu parceiro de malas e aliado, à época, aliado ainda hoje em muitos estados para as eleições de outubro, entrar de sola para tirar Rousseff do Planalto. Talvez o PT precisasse desse impeachment mais que o MDB. Dilma era o Planalto insano. Temer e o PT eram o Planalto bandido, e estavam tão confortáveis com as viagens das malas e com a impunidade, que Temer, presidente do país, recebeu Joesley para discutir propina dentro do Palácio. Todos donos de um projeto que a Sedição das Panelas (2013), a Lava Jato (2014), a prisão de Marcelo Odebrecht (2015), a prisão de Lula da Silva (2018) desmontaram. Projeto que explorava a miséria para manter o poder e fazer circular as malas. 

Essa disputa ingênua de direita, esquerda e centro desviou o Brasil do entendimento de que só existiu, desde 2003, certamente antes, possivelmente sempre, a política das malas. E que é preciso exigir a política de projetos.

domingo, 27 de maio de 2018

A chantagem contra o Brasil

A greve dos caminhoneiros já caminha para o fim, mas já dura sete dias, depois de ter causado grandes prejuízos ao país. Na noite deste domingo, 27/05/18, o presidente Temer anunciou as medidas acordadas com a liderança do movimento grevista. A nação espera que tenham sido suficientes para a volta à normalidade, até mesmo porque corresponde a benefícios que terão que ser arcados por todos os brasileiros.


O que nos ficará como lição? Que uma greve com esta natureza compromete drasticamente o deslocamento das pessoas, o abastecimento de alimentos, de combustíveis, e de outros insumos e produtos básicos e estratégicos? Que a interrupção desses fluxos de mercadorias causa imenso prejuízo à atividade econômica e riscos de caráter político-institucional? Que a vida das pessoas e das cidades se desorganiza e paralisa? Não, isso não é novidade. A derrubada do governo constitucional de Salvador Allende no Chile já ficara como lição; em 1972, começou com uma greve de caminhoneiros que durou 26 dias.

Dada a natureza dessa atividade, e por ser intensiva em capital, são os interesses dos proprietários dos caminhões e das empresas os que mais prevalecem neste tipo de greve. Portanto, não há surpresa de que se manifestem posicionamentos autoritários, atrasados e descomprometidos com a democracia. Esse é um corporativismo mais do que egoísta, tipicamente de direita. 

Exatamente por isso um grupo de manifestantes se sentiu confortável para plantar no asfalto, em frente à refinaria Duque de Caxias no RJ, em letras garrafais, a consigna: “...Intervenção Militar Já”. 

Mas a marca principal desta greve não é o risco que trás para a democracia, de produzir uma crise institucional, ao aproveitar-se, “oportunisticamente”, de um momento em que o governo Temer enfrenta o seu mais baixo nível de credibilidade. Não foi surpresa que setores democráticos insatisfeitos com o governo tenham emprestado inicialmente apoio à pauta das legítimas reivindicações econômicas do movimento antes de se conscientizarem das graves consequências da greve; nem que o candidato de direita, Bolsonaro, foi o que mais revelou desenvoltura em apoiar o movimento para capitalizar apoios; e nem que setores do velho sindicalismo e da esquerda lulopetista, tenham saído em campo para tirar proveito da fragilidade do governo. Mas, nem nestas questões, em que pese a sua gravidade, está a novidade!

A novidade está em que, exatamente no seu pior momento, com o governo em situação quase falimentar, sendo ele mesmo largamente responsável pela própria deflagração do movimento grevista, e diante de grave risco de sucumbir, ele conseguiu manter a governabilidade, articular uma reação das forças estatais para superar a crise institucional e a chantagem contra o Brasil, recuperar a autoridade, proceder às negociações indispensáveis e dar início à luta contra uma nova forma de impunidade! 

O governo, as forças armadas, a justiça e a cidadania uniram-se no compromisso com o Estado Democrático de Direito. E é por isso, com negociação e autoridade, que a greve dos caminhoneiros encaminha-se para o seu fim. 

Isto aconteceu porque revelou-se, em sua plenitude, a presença de uma complexa e horizontal militância democrática nas redes sociais e na sociedade para isolar os seus intentos golpistas. E o governo, a população, os meios de comunicação e as instituições econômicas, diante da crise, estão reafirmando seus compromissos com a democracia, sem o que caminharíamos para uma ruptura institucional regressiva. 

Toda crise é criativa. E esta faz parte de um movimento social que não está satisfeito com o funcionamento de nossas instituições políticas e exige o rompimento das barreiras que bloqueiam o desenvolvimento de nossa democracia! Que saibamos ler mais este aviso!

domingo, 6 de maio de 2018

MAROLAS E TSUNAMI

A partir das informações provenientes da Lava-Jato começaram a evidenciar-se os sinais de que o projeto de poder político liderado por Lula no plano internacional, particularmente na América Latina e na África, se contrapunha às boas normas de conduta e ao próprio interesse nacional.

As investigações quanto mais se aprofundaram, mais desnudaram audaciosas ações criminosas, articuladas internacional e nacionalmente, envolvendo o protagonismo pessoal de Lula, do PT, da Odebrecht, de operadores especializados em lavagem de dinheiro, e de políticos e funcionários brasileiros e de outros países.

Nem a direita mais descomprometida com a democracia foi tão eficaz para desmoralizar a esquerda brasileira, quanto o foram Lula e o PT ao adotarem a estratégia do assalto ao Estado e da corrupção para financiar o seu projeto de conquista e manutenção do poder político.

Essa é uma constrangedora situação para todos os que acreditaram nesse projeto. Sobretudo, porque colocou em dúvida a esquerda como corrente histórica para oferecer uma alternativa democrática e progressista para os desafios do Brasil e dos países latino-americanos no século XXI.

Os elementos essenciais dessa ação internacional do PT quase têm um sabor ficcional (*):
  1. Um enredo envolvendo a articulação de uma grande empreiteira global com um ex-presidente, transformado em seu maior criador de negócios - grandes obras - preferencialmente em países da América Latina e da África;
  2. O ex-presidente, baseado em seu prestígio internacional, convenceu-se do caráter estratégico e revolucionário da corrupção para realizar esse projeto de poder além-fronteiras;
  3. Transformado em projeto internacional, seria necessário constituir fundos, com muito dinheiro, baseados nas obras superfaturadas da Odebrecht, e de suas associadas, em vários países.
  4. A adesão a esse projeto seria reforçada com a abertura de linhas de crédito do BNDES para financiar, em vários países, certas obras consideradas estratégicas. Uma audaciosa política de estado, porém conduzida discretamente para não sofrer entraves políticos internos.
  5. Todo o dinheiro arrecadado pela empreiteira seria gerenciado no exterior, mantendo-o, para a sua proteção, em contas diversificadas situadas em paraísos fiscais. Uma intrincada e arriscada operação, mas os retornos valeriam a pena, pois esses recursos permitiriam a eleição de governos "populares", que seriam seguidos de mais obras e mais lucros;
  6. Aos candidatos "amigos" seriam oferecidos os serviços do marqueteiro João Santana. A empreiteira, usando a sua estrutura internacional, faria os pagamentos dos seus serviços diretamente em suas contas no Brasil ou no exterior.

Esse roteiro, que parecia meramente ficcional, vem recebendo comprovações baseadas em um volume cada vez maior de fatos, provas e evidências com valor jurídico. No último dia 30/03/18 a Procuradoria-Geral da República denunciou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e três ex-ministros dos governos do PT por corrupção e lavagem de dinheiro. Eles são acusados de receber propina da Odebrecht em troca de favores políticos, em 2010. A denúncia foi apresentada ao Supremo Tribunal Federal e se baseia em delações de executivos da Odebrecht. Foram denunciados o ex-presidente Lula, os ex-ministros Antonio Palocci e Paulo Bernardo, a ex-ministra senadora Gleisi Hoffmann, além do empresário Marcelo Odebrecht. Segundo a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, os atos criminosos começaram em 2010 quando a Odebrecht prometeu ao então presidente Lula a doação de US$ 40 milhões em troca de decisões políticas que beneficiassem o grupo econômico. As investigações revelaram que o dinheiro ficou à disposição do Partido dos Trabalhadores. Entre as contrapartidas oferecidas pelo PT à Odebrecht, segundo a denúncia, está o aumento da linha de crédito do BNDES para Angola (**).



O que já se sabe, provavelmente, parece ser apenas a ponta de um iceberg. Mas o enredo está cada vez mais claro! O artigo de Fernando Gabeira, a seguir, publicado no Globo em 05/05/2018, traça um panorama atualizado desses fatos com a sua brilhante acuidade. Quem dera isso fosse apenas uma obra de ficção. Mas é realidade!
MAROLAS E TSUNAMI

Aos trancos, caminhamos. Caiu o foro privilegiado, caiu o esquema de doleiros que atendia a políticos e milionários de modo geral. Houve também uma evolução interessante, naquela decisão de retirar a delação da Odebrecht do processo contra Lula. Menos de uma semana depois, a delação da Odebrecht voltou a assombrar. Dessa vez, Lula e mais quatro foram denunciados pelos investimentos em Angola. Se volto ao tema é apenas para enfatizar a amplitude da delação da Odebrecht, uma empresa que se organizou de forma profissional e sofisticada para corromper autoridades. Talvez tenha sido a maior do mundo nessa especialidade.

No entanto, não apenas os ministros Gilmar, Lewandowski e Toffoli tentam neutralizar as confissões da Odebrecht. Há uma dificuldade geral de reconhecer sua importância. Inicialmente, foi descrita como um tsunami. Mas não era. Ela apenas castiga com ondas fortes não só o PT, mas também outros partidos, entre eles, PSDB e PMDB.

A delação da Odebrecht cruzou fronteiras e devastou a política tradicional na América do Sul. No Peru, por exemplo, praticamente todos os ex-presidentes foram atingidos, um deles caiu, outro foi preso por um bom período. Talvez a dificuldade de avaliar como a delação da Odebrecht bateu fundo seja uma espécie de constrangimento nacional pelo fato de o Brasil ter se envolvido oficialmente no ataque às democracias latino-americanas.

O escritor peruano Vargas Llosa afirmou que a delação da Odebrecht fez um grande favor ao continente. E disse também que Lula era um elo entre a empresa e os governos corrompidos. Nesse ponto, discordo um pouco. O esquema de corrupção que cruzou fronteiras não era apenas algo da Odebrecht com a ajuda de Lula. Era algo articulado entre o governo petista e a empresa. A abertura de novas frentes no exterior não se destinava apenas a aumentar os lucros da Odebrecht, embora isto fosse um elemento essencial. Dentro dos planos conjuntos, buscava-se também projetar Lula como líder internacional, ampliar a influência do PT em todas as frentes de esquerda que disputavam eleições.

A ideia não era apenas ganhar dinheiro, embora fosse, em última análise, o que mais importava. O esquema brasileiro consistia em enviar marqueteiros para eleger aliados, com o mesmo tipo de financiamento consagrado aqui: propina da Odebrecht. Da mesma forma como tinha se viabilizado na esfera nacional, o PT exportava seus métodos com um objetivo bem claro de ampliar seu poder de influência no continente.

Portanto, Lula não era simples emissário da Odebrecht. A empresa estava consciente de seu projeto de influência. Não sei se ideologicamente acreditava numa América Latina em que todos os governos fossem como o do PT. Mas certamente a achava a mais lucrativa e confortável das estratégias e se dedicou profundamente a ela. Uma das hipóteses que levanto para que o tema não fosse visto com toda a transparência é o constrangimento em admitir que através de seu presidente e de uma política oficial de financiamento o Brasil se meteu até o pescoço na degradação das democracias latinas. Algum dia, teremos de oficialmente pedir desculpas. Nossas atenuantes, no entanto, são muito fortes: foi a Lava-Jato que desmontou o esquema, e o uso do dinheiro foi um golpe nos contribuintes nacionais.

Esta semana, o Congresso decidiu que vamos pagar o crédito de R$ 1,1 bilhão à Venezuela e a Moçambique.

Subestimamos o papel do Brasil e pagamos discretamente as despesas da aventura. Gente fina é outra coisa.

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(*) A XIII Internacional: http://www.decisoesinterativas.com.br/2016/03/a-xiii-internacional.html. Neste artigo, de 4/03/2016, foi abordada pela primeira vez a ação internacional do PT como ação criminosa. Nele fica demonstrado o papel central de Lula e da Odebrecht em um projeto de poder financiado por obras superfaturadas na América Latina e na África.

(**) Matéria do Jornal Nacional em 30/04/18: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2018/04/dodge-denuncia-lula-palocci-gleisi-e-paulo-bernardo-por-corrupcao.html

segunda-feira, 9 de abril de 2018

O "tipping point" do quadro político

No dia 7/04/18, sábado, o quadro político mudou. A prisão de Lula, como gostam de referir-se alguns cientistas sociais, foi um ponto de inflexão ou de virada, também conhecido como um “tipping point” (*).


Doravante, nada permanecerá igual: nem o quadro político eleitoral, nem o posicionamento dos protagonistas nos três poderes. A sociedade se movimentará em busca de uma alternativa do campo democrático para eleger o novo presidente da república.

Será na justiça, particularmente no STF, que se verificarão as mudanças de posição mais evidentes. Provável que pelo menos mais um juiz mude o seu entendimento para apoiar a atual jurisprudência determinando o cumprimento da pena imediatamente após a condenação em 2ª instância, somando-se aos que já a defendem. Não cabe especular quem será nem como isso se dará.

Até o PT poderá vir a fazer uma inflexão radical em sua política - uma "autocrítica" - para encampar a luta contra a impunidade. Alguns argumentam que, com isso, o PT estaria voltando à sua origem, quando defendiam a ética na política; essa é a sua melhor alternativa se olham para a história. Mas a maioria dos petistas ainda insiste em defender que o PT sequer existiria sem Lula, e apostam no “volta Lula”. Entretanto, suas principais lideranças históricas já estão enroladas na justiça ou presas; agora foi a vez de Lula ser preso. Se Lula não for libertado não terão mais nada a perder; a realidade os obrigará a mudar de estratégia para disputar as eleições. Pela lei da sobrevivência, poderão abandonar os seus heróis de ontem e passar a exigir a punição de todos os bandidos. Cuidem-se, desde Renan e Jucá até o Sarney, o Temer, o Aécio e até a própria Gleisi. Em se tratando do PT, nada surpreenderá!

A sociedade brasileira como que estava emparedada por uma barreira invisível, política, simbólica. Porque não podíamos punir a Lula, esta barreira impedia que, simplesmente, realizássemos uma premissa da justiça e da democracia: punir a todos os poderosos envolvidos em ilícitos.

Lula, ao usar todo o seu prestígio e popularidade, inclusive internacional, para escapar da justiça e da devida punição, tornou-se a grande esperança de todo um mundo de conhecidos e reconhecidos criminosos escondidos atrás de diferentes mecanismos viciosos de nosso aparato legal, como o “foro privilegiado”, do fajuto cumprimento da pena somente após o “trânsito em julgado”, e de inúmeros outros vieses judiciais historicamente inseridos na legislação penal para manter impunes aos poderosos.

Esgotou-se o tempo de Lula. O seu discurso nos momentos que antecederam à sua prisão, sem respeitar a dignidade dos cargos que ocupou, foi lamentável. Incentivou à ocupação de lotes urbanos, terras rurais, queima de pneus...; ameaçou os meios de comunicação livres, clamou por revolução, proclamou-se como sendo uma ideia...; atacou a justiça, os seus jovens profissionais concursados, os  policiais federais, os procuradores e os juízes que o levaram à condenação. Proclamou-se dezenas de vezes inocente e perseguido! O ato foi apenas o que foi: uma catarse e um ritual de passagem. Lula respondeu com uma trôpega e inadimissível desobediência, teatralmente, para montar o espetáculo cinematográfico que culminou com a sua prisão inevitável!

Os méritos de Lula, entretanto, ninguém lhe retirará! Duas vezes presidente da república, a história saberá lhe fazer justiça. Os brasileiros, ao apoiarem majoritariamente que ele pague suas dívidas com a justiça e a sociedade, o fazem sem ódio, mas como um gesto fundamental, para que o Brasil supere a sua crise e recupere a esperança!

Como chegaram ou chegamos, socialmente, a este ponto? Como deixaram ou deixamos isso acontecer? Deixemos apenas o lixo rolar ladeira abaixo! Permaneçamos, todos, no alto da montanha!  A tarefa da reconstrução democrática terá que ser de todos nós, desta vez sem essa coisa do "nós contra eles"!

O nosso rumo é a democracia e o Estado Democrático de Direito! Mas, sejamos claros, os brasileiros querem acabar com a impunidade dos poderosos, ao mesmo tempo em que querem esvaziar as cadeias, para que tenham, nelas, menos pobres e pretos e mais criminosos de colarinho branco, exatamente os que são mais perigosos.


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(*) https://en.wikipedia.org/wiki/The_Tipping_Point

Uma referência que ajudou a popularizar o conceito de "tipping point" no Brasil é o livro:

Gladwell, Malcom "O ponto de virada - The tipping point". Editora Sextante (GMT Editores Ltda.), Rio de Janeiro, 2009. Tradução da edição original em inglês de 2002, publicada com o título "The Tipping Point".

domingo, 8 de abril de 2018

O que pensa o Vamos pra Rua

O grupo "Vamos pra Rua!" foi criado no Facebook no dia 26/03/18 como um instrumento de mobilização para a manifestação contra a impunidade, que ocorreu no dia 3/04, e que fora convocada pelo Vem Pra Rua e outros movimentos.

Ele é formado por democratas, ativistas de diferentes movimentos sociais da cidadania, que julgaram necessário diferenciar-se de outros grupos que estariam presentes na manifestação.



Abaixo, o seu texto fundacional com que descreveu o seu diferencial e objetivos:
"O grupo “Vamos pra Rua”, foi criado como instrumento de mobilização para organizar a ida dos residentes em Brasília e no DF à manifestação do próximo dia 03/04/18.
Ele é formado por cidadãos que se sintam diferenciados pelas seguintes características:
  1.  somos democratas, queremos viver em um Estado Democrático de Direito, não aceitamos ideias autoritárias e populistas, e muito menos propostas de intervenção ou golpe militar;
  2. estaremos na manifestação como uma força de paz, e nossas palavras de ordem e comportamentos são avessos a qualquer tipo de violência. 
Julgamos que essa é a posição majoritária dos brasileiros e que, portanto, essa visão deve ganhar visibilidade na manifestação.
 Mas isso exigirá organização! 
Os objetivos dos cidadãos-democratas que estarão nas ruas no dia 3/04 são os  seguintes:
I. Lutar contra a impunidade dos criminosos de colarinho branco e apoiar a continuidade da Operação Lava-Jato;

II. Defender a manutenção da atual jurisprudência para que os condenados em tribunais de 2ª instância cumpram imediatamente suas penas após cessados, nesta instância, os seus direitos recursais;

III. Combater a concessão pelo STF de qualquer tipo de salvo-conduto ou HC, seja a Lula ou a qualquer outro brasileiro, para impedir que o condenado cumpra a sua pena após a decisão do tribunal de 2ª instância.
Com um abraço fraternal de luta,

Madalena Rodrigues
Marta Crisóstomo Rosário
Carlos Alberto Torres
Mario Salimon"
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No próprio dia 3/04/18, dia da manifestação, o Correio Braziliense honrou ao Vamos para Rua! com a publicação da entrevista abaixo, na coluna À Queima-Roupa (*), do Caderno Cidades, cujo texto corresponde à elaboração conjunta de Madalena Rodrigues, Marta Crisóstomo Rosário e Carlos Alberto Torres.


Madalena Rodrigues, Marta Crisóstomo Rosário, Carlos Alberto Torres
O que vocês esperam alcançar com este movimento? O movimento “Vamos pra Rua” tem um objetivo primordial, entre outros. Queremos mostrar ao STF, nesta terça-feira, que nós, brasileiros, não vamos mais tolerar a impunidade. O acatamento do habeas corpus do Lula e a protelação do Supremo Tribunal Federal em julgá-lo nos deixa apreensivos. Fique claro que não nos referimos exclusivamente ao caso do Lula, mas ao fato de que a prisão pós-segunda instância é a garantia de que centenas de processos envolvendo crimes do colarinho branco no Brasil não se estenderão indefinidamente, possibilitando, muitas vezes, a prescrição do crime. Cito três democracias, digamos, maduras, como a França, os Estados Unidos e nossa vizinha Argentina, onde a prisão após segunda instância existe há anos e, se não extinguiu a impunidade e a corrupção, reduziu ambas substancialmente. 
Alguns defendem a intervenção militar. E vocês? Repudiamos totalmente essa ideia. O Brasil não quer e não merece qualquer retrocesso político. 
 O nome “Vamos pra Rua” não vai confundir o cidadão com grupos de extrema-direita?”
De maneira nenhuma. Somos um grupo que vem mostrar sua própria identidade como um segmento diferenciado do movimento “Vem pra Rua”, a quem cabe a paternidade dessa convocação. Mas não somos uma dissidência. Defendemos incondicionalmente os valores democráticos, não somos, enquanto iniciativa mobilizadora da cidadania contra a impunidade, ligados a qualquer partido, embora respeitemos e valorizemos a política e as preferências e opções partidárias de cada um. Os brasileiros precisam romper com uma polarização situada nos extremos do espectro político que olha pelo retrovisor da história; ambos esses polos são populistas, autoritários e salvacionistas; um se declarando de esquerda, outro de direita, e representados na sociedade pelo “lulopetismo” e pelo “bolsonarismo”. Mas nenhum deles é toda a esquerda ou toda a direita, pois existe mais ao centro um amplo contingente majoritário de brasileiros que vão da esquerda democrática até a direita democrática, incluídos os liberais. 
 Por que o grupo de Brasília buscou outra identidade? Nossa identidade inclui até mesmo a cor que vamos usar no dia 3 de abril (hoje), a cor azul. Expressa a ideia de que manifestamos nossa indignação, mas de modo pacífico e democrático. A palavra “Vamos” é um convite. Queremos atrair aqueles que não querem se sujeitar a qualquer tipo de extremismo, nem se misturar ao tumulto de carros de som estridentes com palavras de ordem autoritárias ou irresponsáveis. 
O “Vamos pra rua” quer a prisão do Lula? Como dissemos, a prisão do Lula não é um paradigma para o “Vamos pra Rua”. Ela é importante sim, mas estamos focados no combate amplo à impunidade em todos os seus aspectos.  
A corrupção é coisa antiga e de solução difícil. A sociedade brasileira conseguiu avanços importantes com a aprovação da Lei da Ficha Limpa, a Lei de Acesso à Informação e com o projeto das 10 Medidas de Combate à Corrupção, que apesar de seus 2,5 milhões de signatários, infelizmente está parado no Congresso Nacional. O trabalho da Lava-Jato tem sido fundamental nesse sentido e deve continuar, mesmo que atinja ex-presidentes, eventualmente o atual presidente da República, o que torna o caso Lula emblemático. Mas não seria o único, pois há todo um exército de investigados por corrupção que devem responder pelos desvios de verba que consomem dezenas de bilhões dos recursos públicos, todos os anos. 
O senhor enxerga alguma luz no fim do túnel? O Brasil precisa continuar evoluindo e creio que vai evoluir no sentido de acabar com a impunidade e com o foro privilegiado, que é parte desse processo. Os brasileiros estão muito mais alertas e participativos em relação aos acontecimentos políticos. Hoje, nas filas, nos táxis, nos restaurantes, fala-se de política até mais do que de futebol, o que é muito surpreendente em se tratando do nosso país. Estamos assimilando a ideia transformadora de que é preciso ter responsabilidade sim, quando depositamos nosso voto na rua. Mas nossa responsabilidade de cidadãos não termina aí. Democracia é um processo em constante evolução. Nossa participação como cidadãos precisa acontecer não apenas quando votamos, ou nas manifestações públicas, mas permanentemente. Cada um em sua atividade, tende a estar cada vez mais atento à participação, à exigência de transparência e eficiência por parte dos poderes públicos. Vigilância, controle social permanente, cidadania, são valores importantes para o Vamos pra Rua. Estamos também dizendo: Vamos transformar o Brasil. Ir pra rua com nossas ideias e nossa identidade. Todos somos parte desse movimento. 
O Vamos pra Rua!, entretanto, não acabou no dia 3/04, pois a luta contra a impunidade no Brasil continuará. No próprio dia da manifestação já ultrapassáramos a marca dos 2.500 membros. Esta acolhida estimulou a continuidade do grupo, ao avaliar que os brasileiros, na sua luta contra a impunidade, querem continuar mobilizados. Os próximos passos serão garantir a manutenção da jurisprudência do STF, de que os condenados em 2ª instância devem começar a cumprir imediatamente suas penas; da mesma forma, o grupo se engajará na luta pelo fim do foro privilegiado.


Oficina de cartazes
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(*) Ana Maria Campos – Coluna “Eixo Capital” – Foto: Antônio Siqueira/CB/D.A Press – Correio Braziliense


sexta-feira, 6 de abril de 2018

QUEM SÃO OS DEMOCRATAS?

QUEM SÃO OS DEMOCRATAS ? (*)
de Carlos Alberto Torres

Um amplo conjunto majoritário de brasileiros de todos os matizes políticos, que vão da esquerda democrática até a direita democrática, incluídos os liberais, que desejam viver no Estado Democrático de Direito.


Neste momento histórico estão fora desse contingente o populismo e o autoritarismo, representados pelo “lulismo”, pelo “bolsonarismo” e por todos os que defendem intervenção ou golpe militar.

Não são democratas, também, os que defendem a impunidade dos poderosos, desrespeitam a justiça e os cidadãos com suas chicanas, e atuam em todos os poderes da república, em uma verdadeira “santa aliança” tácita, de caráter suprapartidário e supra-ideológico, para impedir o aperfeiçoamento necessário da legislação penal para combater a corrupção e o crime de colarinho branco. Os que assim agem temem e combatem a Lava-Jato.

Os democratas de todos os matizes políticos não aceitam a intolerância, a violência dos extremistas, não praticam o “nós contra eles” e, tampouco, a desfaçatez dos que são coniventes com bandidos de estimação.

Os democratas lutam contra com todos os tipos de privilégios, particularmente o foro privilegiado, que permite a existência de uma casta de brasileiros acima da lei.
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(*) Atualizado em 7/9/18.