domingo, 15 de maio de 2016

"A política da gastança tem de acabar"

entrevista Júlio Marcelo de Oliveira (*)

A história do impeachment de Dilma Rousseff vai reservar um capítulo especial a um brasiliense de 47 anos, que estudou em escolas públicas e morou na Candangolândia e no Guará, quando aquelas cidades não tinham asfalto. Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio Marcelo de Oliveira é o responsável, em grande parte, pelo inferno petista.


Filho de pioneiros e graduado pela Universidade de Brasília (UnB), ele é o autor da representação que levou à reprovação das contas de 2014 da presidente, por fraude fiscal, a maquiagem orçamentária que ficou popularmente conhecida como pedaladas. Em pleno ano eleitoral, quando a economia já dava sinais de retração, com queda na arrecadação, o governo pisou no acelerador. Bancos públicos passaram a financiar programas sociais, seguindo a “contabilidade destrutiva” sob responsabilidade de Dilma Rousseff e mais 17 autoridades do governo federal. Júlio Marcelo ressalta que as irregularidades identificadas pelo TCU e que constam na denúncia que resultou no afastamento da petista são apenas parte de um conjunto de operações suspeitas. O procurador diz que o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) precisa ser investigado. “O banco foi utilizado como fonte de financiamentos subsidiados em larguíssima escala, inédita. Foram R$ 500 bilhões em seis anos”, afirma Júlio Marcelo.

A crise econômica, a falta de apoio político e as denúncias da Lava-Jato criaram o pano de fundo para a abertura do processo de impeachment. Mas o tema do processo a tramitar no Senado serão as pedaladas apontadas pelo procurador. Júlio Marcelo acredita que essa explicação cabe apenas à petista. Mesmo tendo assinado decretos relacionados a aumentos de despesas, o vice-presidente Michel Temer, agora no exercício da presidência, não pode ser responsabilizado pelos erros do governo de Dilma. “Todos sabemos que vice é uma figura meramente decorativa”, acredita ele.

O procurador ainda vai despertar polêmicas no plenário do TCU. É dele também uma representação que pede avaliação de 17 gestores do governo de Dilma, entre os quais o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa e o ex-presidente do Banco Central Alexandre Tombini. Como Dilma, eles poderão ficar impedidos de exercer cargos públicos.

A afronta à moralidade fiscal, segundo o procurador, vai para o contribuinte com arrocho, redução nos investimentos e prováveis aumentos de impostos. Para Júlio Marcelo, chegou a hora de o eleitor passar a avaliar se as promessas dos políticos em campanha têm lastro, podem ser cumpridas ou representam apenas ilusões para vencer as eleições. A cultura brasileira, afirma, é de gastanças. Políticos gostam de aumentar salários, fazer grandes obras, sem pensar em como vão pagar. “Ninguém se preocupa em reduzir dívidas”, afirma o brasiliense. Em casa, Júlio Marcelo faz o que prega ao governo federal. “Sempre fui um poupador”, conta.

O Congresso levou em consideração a denúncia dos crimes fiscais ao decidir afastar Dilma Rousseff?

Acho que não fugiu da denúncia. Mas a denúncia foi extremamente recortada, por um despacho do Eduardo Cunha, então presidente da Câmara. Eu até nem acho que o presidente da Câmara deveria ter tanto poder, mas o STF decidiu que aquele despacho, aquele recorte, era correto e válido em produzir efeitos. Ficou valendo o que o STF disse. Mas, a meu ver, é razoável o presidente da Câmara poder fazer um juízo preliminar de admissibilidade, para que você não tenha a banalização do pedido de impeachment. Você poderia ter um pedido de impeachment por dia, porque qualquer cidadão é legítimo para pedir. Então tem que haver algum critério, alguma porta de entrada. Uma vez admitido o pedido, os parlamentares deveriam ter a possibilidade de examinar a denúncia inteira. Porque o presidente da Câmara não é mais parlamentar que os outros. Tem aquela condição de fazer juízo preliminar, mas esse recorte é um poder discricionário muito amplo, que não está previsto em nenhuma norma, mas foi construído pela própria prática.

Na Câmara, quase ninguém citou a denúncia. Virou um constrangimento.

Essa manifestação do parlamentar não é técnica. Não é o ideal, mas não vai a ponto de infirmar o processo e invalidar o voto. O relatório foi lido, houve defesa, eles sabiam no que estavam votando. Quando a Constituição diz que o impeachment vai ser admitido pela Câmara e julgado pelo Senado, ela está implicitamente admitindo que é um processo que tem duas dimensões: uma jurídica — porque não é algo banal — e uma política. Porque, se fosse estritamente técnico, esse processo ficaria a cargo do Supremo. O parlamentar está falando para a base dele, para a Nação.

Aquela sessão não o incomodou?

Em relação ao meu trabalho, não. Aquela manifestação não é ideal, mas é o retrato do Brasil, de como a política é feita no Brasil. Mesmo no impeachment do Collor, no plano geral, havia um pouco mais de recato por parte dos parlamentares, mas também houve manifestações daquele tipo, “pela minha família, pelo povo da minha cidade”. Mas não tinha ao vivo daquele jeito que a gente acompanhou. Faltou um pouco da sobriedade que o momento pedia, e os parlamentares não contiveram esse impulso, que é do hábito do parlamentar, de se expressar mais abertamente, para ser visto, ser lembrado. O momento pedia sobriedade, mas a manifestação do parlamentar não vai a ponto de contaminar o processo.

Não acha que parte dos políticos usaram o argumento das pedaladas como uma desculpa para tirar a presidente?

É possível, mas você teria que avaliar a motivação de cada um, só entrando na cabeça de cada político. Evidentemente, o presidente que é mais forte tem uma possibilidade menor de sofrer impeachment. Até porque começa com a decisão discricionária do presidente da Câmara. Veja o poder que o presidente da Câmara tem, pode inadmitir e aquela decisão não cabe recurso.

Isso dá uma sensação de que ele cumpriu o que tinha que cumprir ali no Congresso e depois foi descartado.

Mas não sei se outro presidente não teria adotado um despacho. Um outro presidente da Câmara talvez tivesse dado um despacho até mais desfavorável à presidente, porque ele fez um recorte muito grande na denúncia. Ele tirou a maior parte e deixou duas questões, perto do todo, bem menores do que tudo o que contava na denúncia.

E o que Cunha deixou de fora?

As pedaladas de 2014, que incluem a Caixa, o Banco do Brasil e o BNDES; a questão da omissão da presidente em relação à Lava-Jato, que também foi apontada pelos denunciantes; as pedaladas de 2015, com BB e BNDES; e os decretos de crédito suplementar. Cunha faz um recorte, admite apenas as pedaladas de 2015 do BB — excluiu o BNDES, não sei por quê — e mantém os decretos de 2015. Tudo que aconteceu em 2014 ele desconsiderou. Então acaba que o despacho de Cunha, em certa medida, foi favorável.

O que os senadores devem levar em conta nesta nova fase do processo?

A opinião que eu levei aos senadores está baseada em dois pilares. Primeiro, os decretos de abertura de crédito suplementar. Esses decretos que aconteceram em 2015 foram editados com a mesma inconstitucionalidade verificada em 2014. O governo, ao tirar esses decretos sem autorização do Congresso, violou a lei orçamentária. Isso está previsto na Constituição como crime de responsabilidade. Quanto às pedaladas, a Lei de Responsabilidade Fiscal tem entre seus pilares a proibição de utilização dos bancos públicos como fonte de financiamento para despesas primárias dos governantes. O que o governo fez foi justamente utilizar, em escala bilionária, o Banco do Brasil, o BNDES e a Caixa como fontes de recursos. No processo do impeachment, depois do despacho de Eduardo Cunha, ficou apenas o Banco do Brasil — mesmo assim, em valores bilionários. Em 2015, o tesouro começou o ano devendo R$ 11 bilhões ao BB.

E aquele argumento do governo de que, com o julgamento do TCU, em outubro de 2015, mudou-se o entendimento?

Nunca houve entendimento anterior para ser mudado em outubro de 2015. Sempre houve a lei proibindo a conduta. Os governos anteriores não faziam isso. Nem Lula nem FHC fizeram algo sequer parecido, nem de longe. O que esse governo fez é diferente na razão, na intenção e na finalidade.

Explique melhor.

Houve um plano de maquiagem de contas fiscais para usar os bancos, em escala bilionária, como fonte de recursos para ampliar despesas. O exemplo do Fies é gritante. Havia R$ 5 bilhões de dotação em 2013, passa para R$ 12 bilhões em 2014, que é ano eleitoral, e em 2015 corta-se o programa para R$ 5 bilhões. Conheço estudantes que tiveram de entrar na Justiça para renovar o Fies de um ano para o outro. Em 2014, tinha para todo mundo. Em 2015, começaram a criar critérios. Isso aconteceu porque não havia mais os R$ 12 bilhões para renovar o financiamento.


Se o Congresso não tivesse aceitado o impeachment, seria diferente?

Uma coisa é a rejeição das contas. Impeachment passa por uma instância política, o Congresso poderia entender isso e não afastar a presidente. Esse juízo na cabeça do parlamentar é livre. Cada parlamentar é um juiz. Isso não iria desqualificar o trabalho. Mas, quanto às contas, sim. Se as contas não fossem rejeitadas, podiam rasgar a LRF.

O ministro Meirelles disse que vai abrir a caixa-preta do BNDES. O senhor disse no Twitter que “assim espera”.

Exato. Porque o BNDES foi utilizado como fonte de financiamentos subsidiados em larguíssima escala, inédita. Foram R$ 500 bilhões em seis anos.

É outra Lava-Jato...

Pode ser, quando abrir a caixa-preta, a gente vai descobrir. O TCU sempre tem muita dificuldade de auditar, porque eles negavam reiteradamente as informações pedidas, a ponto de o BNDES entrar com mandado de segurança no Supremo para não entregar informações ao TCU.

Essa dificuldade também acontecia com a Petrobras...

Também, havia resistência ao controle. Quando se pedia informação, vinha incompleta, ou embaralhada.

Mas no caso do BNDES, há indícios?

Esperamos que se abra a caixa-preta e que a gente descubra. Tem dinheiro público que não se sabe quem pegou, como pagou. Tudo isso é feito sem transparência. Então eu não posso dizer previamente que houve roubalheira, mas eu também não posso descartar. É dinheiro público, tem de ter transparência.

De que forma as futuras gerações sentirão as consequências das pedaladas?

As consequências virão na forma de perda de investimentos. Vamos levar alguns anos para recuperar o PIB de 2011. Tivemos 3,9% de recessão no ano passado, tem algo semelhante a isso neste ano, 3,8%. São os dois piores anos desde a crise de 1929. Isso leva alguns anos para recompor.

Mas o que as pedaladas têm a ver com isso?

Primeiro, as pedaladas foram um endividamento ilícito, que não era para ter ocorrido. Se você se endividar na sua casa além da sua capacidade de renda, em algum momento você vai ter que parar de fazer tudo que você faz. A presidente Dilma não podia ter executado os R$ 12 bilhões de Fies em 2014, tinha que se limitar aos R$ 5 bilhões que vinha executando de forma sustentável. Então esses R$ 7 bilhões viraram dívida pública oculta, porque o BC não estava contabilizando. E esse é um ponto importante da história, porque as pedaladas só atingiriam o efeito esperado se contassem com a omissão do BC. Quando o BC registra a dívida, você tem um aumento do passivo que tem impacto no alcance da meta fiscal. Então, para você fingir que está atingindo a meta, você nem pode pagar, nem pode mandar o dinheiro no banco. Nem pode registrar isso no Banco Central.

Qual o impacto dessas manobras?

Além de ter um aumento inesperado da dívida pública, que certamente compromete o futuro das gerações, há perda de credibilidade do BC, do próprio governo, do país. Os investidores internacionais perguntam: a gente pode confiar nos números do Brasil? A Argentina perdeu muito da credibilidade maquiando inflação. Quando você perde credibilidade, leva anos para recuperar. Isso provoca o encarecimento no custo de captação de recursos para todos os agentes econômicos. Se a Petrobras for buscar recursos no exterior, vai pagar juros mais altos. É um custo que a sociedade brasileira vai suportar por anos até que a gente tenha eventualmente um quadro fiscal saneado, como tínhamos até 2009.

E qual foi a motivação dessas manobras?

A motivação disso tudo foi a expansão do gasto fiscal para gerar uma percepção de governo realizador.

Já de olho nas eleições?

Evidentemente. Porque você começa a ter sinais de perda de arrecadação, de queda de arrecadação em 2013. Então o governo decide não fazer uma retração da nossa despesa pública. Isso vai ser percebido como um fracasso atribuível ao governo. Quando você aumenta os gastos, faz o Ciência sem Fronteiras, de modo que pessoas que nunca tinham tido a oportunidade de fazer intercâmbio cultural científico, que impressão que isso gera? Com o Fies, é a mesma coisa. Quem dera pudéssemos manter R$ 12 bilhões, você tem uma democratização de acesso ao ensino superior, quem dera. Mas foi artificial, foi efêmero, foi só para ganhar eleição, foi crime de responsabilidade fiscal.

Dilma responderá a processo criminal?

Poderá ocorrer, isso depende de o procurador-geral avaliar. Porque a Lei 10.028 introduz tipo na Lei de Responsabilidade para compatibilizar essa lei com as proibições da LRF. Além disso, ela introduz tipos penais no código penal, crimes contra as finanças públicas.

Ela responderá por atos nas esferas judicial e penal?

Na minha avaliação, tanto em uma esfera como na outra, deveria ocorrer a investigação do processo. Mas são julgadores distintos. O presidente Collor sofreu impeachment, e depois o STF entendeu que, no aspecto penal, as provas não eram tão robustas para uma acusação penal. E fez isso sem invalidar o processo de impeachment.

Mas, se isso ocorrer, não vai forçar o discurso petista de que foi um golpe?

Essa é uma avaliação que não me cabe fazer. Eu acho que golpe não há, o instrumento está previsto na Constituição, o rito foi definido pelo Supremo.


O governo está com situação fiscal delicada. Há risco de os crimes se repetirem?

Espero que não, que o presidente Temer não vá editar decretos afrontando a Constituição, nem use bancos federais para financiar as despesas públicas. O crime de responsabilidade da presidente não foi ter mudado a meta, nem ter proposto a alteração da meta, foi não ter esperado o Congresso fazer a alteração da meta para ela editar decretos.

Governadores desobedeceram à LRF...

Eu vi a defesa do governo usando isso genericamente. O que eles estão chamando como pedaladas? Pedalada é um termo genérico. Para esse caso, não serve, porque é uma fraude mesmo. Quando você fala em “pedalada”, parece que você está banalizando, parece uma coisa pitoresca, um jeitinho brasileiro, uma coisa que se resolve ali de um mês para o outro. Eu não sei o que o governo está dizendo que os governadores fizeram, mas a maioria dos estados brasileiros não tem bancos. Mesmo aqui no DF, não há notícias de que o BRB tenha sido utilizado para financiar o Governo do DF em nenhum momento.

A situação fiscal dos estados é delicada. Os governantes ignoram a LRF?

Esse é um problema com múltiplas dimensões. Uma das dimensões é a de que todo governante assume com a visão de que gastar mais é sempre melhor. Quanto mais obras eu realizar, quanto mais programas públicos eu implementar, eu estou administrando melhor, sem atentar muito para a natureza sazonal pública da economia, para a possibilidade de que, de tempos em tempos, você pode ter uma contração de receitas. O único estado que está com as finanças bem saneadas é o Espírito Santo. Talvez a LRF não tenha sido bem introjetada, pois é preciso criar a cultura da responsabilidade fiscal, de forma que ela passe a ser um valor para governantes e para eleitores. É muito importante que os eleitores avaliem as propostas do ponto de vista da sua sustentabilidade. Lembro da época da eleição do governador Cristovam Buarque, quando ele propôs um programa como o Bolsa Escola em larga escala. O outro candidato dizia que não teria dinheiro no orçamento. Cristovam fez aquilo de uma maneira sustentável, sem desequilibrar as contas do DF.

Mas ele perdeu a reeleição justamente porque não quis se comprometer com o aumento de servidores.

Por isso que digo, ele foi bastante responsável. Não prometeu um aumento que ele não podia dar, não assumiu a despesa de uma obra para a qual ele não tinha dinheiro, que era a Ponte JK, e perdeu a eleição por pouco. Os eleitores não souberam valorizar a postura responsável que ele teve. O outro candidato que foi eleito não cumpriu a promessa de dar aumento, porque não tinha dinheiro. E depois se reelegeu.

O que provocou o descontrole orçamentário no DF?

Acho que o TCDF não foi rigoroso desde o começo quanto deveria ter sido, isso não aconteceu da noite para o dia.

Desde quando?

Desde o Roriz. Porque a gente chegou a ter aqui no DF a situação de empresas contratadas verbalmente. Isso é uma das violações mais primárias ao direito financeiro, é não haver um contrato. Tem-se um contrato de boca: “Olha, eu estou precisando de tantas pessoas para fazer a segurança”. E a empresa manda os trabalhadores, ou não manda, não sei, e no outro ano ela aparece com a fatura de um serviço supostamente prestado. Aí você tem um reconhecimento de despesas feitas de maneira ilegal, tudo é pago e isso vira uma prática. Isso teria que ser coibido no primeiro ano, com maior rigor.

O TCDF foi omisso?

Se as contas tivessem sido rejeitadas lá no inicio, não teríamos essa repetição.

A sociedade brasileira não está protegida em relação aos desgovernos?

Está protegida por uma previsão legislativa. Mas não basta a lei para ter eficácia. A lei é mais eficaz quando ela tem o seu cumprimento voluntário, quando o governante obedece, seja por entender aquele valor que está emplasmado na lei, seja por temor ao descumprimento. Mas a cultura brasileira é da gastança. Políticos gostam de aumentar salários, fazer grandes obras, sem pensar em como vão pagar.

Haverá uma mudança de comportamento nas eleições de 2016 ou 2018?

Acho que sim. Um dos fatores de mudança de comportamento é a exemplaridade, quando há a aplicação de uma sanção por quem descumpriu. Quando você tem um caso com a mais alta mandatária do país, principalmente em um país onde a presidente tem uma concentração de poderes quase imperiais, você quebra um paradigma, mostra que até a maior autoridade está submetida aos regimes da lei. Por que o governador de estado não vai estar, por que o prefeito não vai estar? Quer dizer, a sociedade de cada estado vai ter um ótimo argumento para cobrar rigor dos TCEs.

Os tribunais de contas são formados por indicações de políticos. Deveria mudar?

A nossa associação defende uma PEC que está no Congresso, a PEC 329/13. O relator é o deputado Alessandro Molón (Rede-RJ). Ele prevê o fim da indicação política de ministros e conselheiros do Tribunal de Contas, uma lei nacional unificando procedimentos, que eles sejam recrutados de carreiras técnicas.

Quase que o TCU abrigava um ministro que hoje está na cadeia, o Gim.

Exatamente. Foi necessária uma resistência muito grande dos auditores e do MP, com o apoio da sociedade e da imprensa. Se não houvesse essa conjugação de esforços, isso não teria sido barrado. A experiência mostra a indicação de pessoas que são da corporação política e que não atendem aos requisitos. Se vier um parlamentar com essa qualificação, ótimo, não tem problema. Temos parlamentares muito qualificados, mas há um conjunto de nomeações que não têm essa qualificação.

É a política que manda?

Exato. Se os parlamentares fossem extremamente rigorosos, mesmo que as indicações recaíssem sobre os parlamentares, a Constituição estaria sendo atendida. O problema é quando você tem essa indicação baseada pela amizade. Ou seja, isso tudo começa no voto. Se o eleitor escolhesse melhor os seus representantes no Congresso, talvez seriam parlamentares mais qualificados para escolherem ministros e conselheiros. A sociedade brasileira passa por um momento de despertar, percebeu o seu poder. Então, se a sociedade cobrar das assembleias legislativas e do Congresso, como fez na indicação do ex-senador Gim Argello aqui no DF, cobrar que essas indicações recaiam sobre pessoas qualificadas, você tem uma mudança importante.

Há uma solução para os estados? Os sindicatos vão às ruas, e os governadores recuam. Rollemberg fez isso.

Na questão fiscal, o mais importante não é onde você está, é para onde você está indo e com qual velocidade. É isso o que o mercado olha. Quando o país sinaliza que está tomando as medidas certas na direção certa, atrai confiança, atrai fluxo de investimento e dinamiza a economia. Para sair de uma crise fiscal, a economia tem que voltar a crescer, tem que aumentar a arrecadação. E a gente não pode achar que nós vamos aumentar a arrecadação criando novos impostos, isso tem um limite. Você tem uma capacidade contributiva que, uma vez esgotada, você começa a deprimir mais a atividade econômica.

O novo ministro da Fazenda sugeriu isso.

Então. Emergencialmente eles vão tentar aprovar uma CPMF, mas isso não resolve o problema definitivamente. Trata-se de um paliativo, para dois ou três anos. É preciso mexer na estrutura de gastos e de despesa obrigatória. Não vamos escapar de uma reforma da Previdência. Somos um país onde as pessoas se aposentam, em média, aos 53 anos. É uma população jovem recebendo benefício para uma expectativa de vida muito longa. País rico não aposenta a sua população com 53 ou 55 anos de idade. Nós, que não somos ricos, vamos nos dar ao luxo de manter uma despesa dessa? Uma reforma da Previdência tem efeito imediato? Não. Mas aponta a direção que você está seguindo.

É preciso mudar também a mentalidade de um Estado inchado?

Os indicadores de produtividade da economia brasileira são ruins. O trabalhador brasileiro produz um quarto do que produz um trabalhador norte-americano, japonês ou alemão. E na administração pública é pior, tem uma produtividade baixa. Precisamos profissionalizar a administração pública, entender que ela custa caro e que deve ser a mais enxuta possível. Quanto mais enxuta for a máquina, mais você atende o programa público com mais eficiência. A administração pública brasileira ser mais eficiente, parar de crescer. Não podemos ficar nesse discurso de que a saúde pública sempre precisa de mais médicos, a educação sempre precisa de mais professor, a polícia sempre precisa de mais efetivo. Você nunca vai ter um policial a cada esquina. A polícia tem de trabalhar com inteligência, com estatística, com atividades preventivas. No Judiciário brasileiro, é a mesma coisa. Sempre está faltando juiz, sempre está faltando promotor. Temos de mudar nossos procedimentos, ser mais produtivos, ver o que os outros países estão fazendo. Custamos caro. O recurso é limitado, suado, retirado do seu salário. Nada é de graça. A profissionalização da administração também é fundamental para melhorar a produtividade, o grau de eficácia. Há milhares de cargos em comissão que servem para acomodar cabos eleitorais.

Há participação de Temer nas pedaladas?

Não. Em 2015, não há nenhum decreto do vice-presidente, assumindo a Presidência interinamente, nas mesmas condições dos decretos da presidente Dilma. Ela emitiu dezenas de decretos, mas os considerados inconstitucionais são esses seis que foram emitidos a partir do momento em que o descumprimento da meta é inequívoco. Em 2014, três decretos foram assinados por Temer nas mesmas condições daqueles assinados por Dilma, que foram considerados irregulares pelo TCU. O vice-presidente, o presidente da Câmara, o presidente do Senado, o presidente do STF — que compõem a linha sucessória —, se qualquer um desses assume interinamente, para assinar decretos, não pode ser atribuída a ele essa falha. Porque ele não tem gestão nenhuma sobre a máquina.

O vice é decorativo?

No Brasil, no presidencialismo, e também no nível estadual, o vice é decorativo. Ele não é decorativo no sentido de que está embelezando (risos). Ele está ali como um reserva. Contribui na campanha eleitoral, por mostrar que agrega algum capital político para aquela chapa eleita. É um sinal de que a chapa tem uma dimensão maior, de coalizão partidária. Mas, na hora de governar, ele é apenas um nome de reserva.

Sente-se um carrasco da presidente?

Não, absolutamente (risos).

O senhor participa das redes sociais. Sofre muito com a patrulha do PT?

Eles patrulham, mas não vou dizer que sofro. Eu não gosto de mentira. Não participei de nenhum ato pró-impeachment porque acho que, na minha função, devo ficar longe — tanto do pró-impeachment quanto do contra o impeachment. Houve dezenas de membros do MP que foram ao Planalto participar de um ato pró-governo. Na magistratura, é igual. Esse engajamento não é bom.

O senhor cumpriu o que tinha de fazer.

Fiz o que tinha de fazer. Quando demos entrada nessa representação, não tínhamos ideia da magnitude dos números que íamos encontrar. Até porque estavam maquiados, o BC não estava registrando. A auditoria é que foi revelando, a investigação é que foi revelando o tamanho do problema.

Dilma sofreu o impeachment, mas quais são os coautores desse crime? 

O processo das pedaladas arrolou, além da presidente — que ficou com a responsabilidade examinada nas contas presidenciais —, outras 17 autoridades. Estamos justamente avaliando o grau de participação de cada uma. Há autoridades que têm um papel central, como o ministro da Fazenda (Guido Mantega), o secretário executivo (Nelson Barbosa), o secretário do Tesouro (Arno Augustin), um dos subsecretários do Tesouro (Marcus Aucélio), passa pelo BC (Alexandre Tombini). Há uma série de autoridades que tinham o dever de agir diferente. Agora, não vejo a presidente ignorando o que estava sendo feito.

Quem foi o mentor? Ela?

Não sei. O que acho é que essas estratégias foram discutidas.

Ela sabia.

Isso.

Mas quem foi o mentor?

Não posso afirmar exatamente quem foi o autor da ideia. Se foi o Arno, o Marcus Aucélio, o Nelson Barbosa... Ou eles estavam conversando ali em um brainstorm e cada um deu uma parcela de contribuição para formar isso.

Mas até agora só ela foi punida.

É um processo que vai ser julgado aqui no tribunal. Espero que o tribunal seja tão rigoroso com os responsáveis quanto foi o julgamento das contas com a presidente. Há que se esperar coerência do tribunal nesse julgamento. O processo está comigo e devo emitir meu parecer na semana que vem.

Como explicaria para uma criança o crime das pedaladas?

É gastar o dinheiro que não tem para produzir uma imagem insustentável. A pessoa não tem dinheiro, mas está comprando um carro, vai fazer a festa de 15 anos da filha, está viajando com crédito consignado. Todo mundo vai olhar e vai falar que aquela pessoa está muito bem financeiramente, festa, viagens, carros. Mas, quando as contas chegarem, essa pessoa vai ficar inadimplente ou ficar um bom tempo sem gastar. O problema é que, se o cidadão faz isso, ele está atingindo a família. No caso da autoridade pública, ela está atingindo todo mundo.


Brasiliense do tempo das casas de madeira
Nasci na Candangolândia, quando ainda tinha casa de madeiras, a casa que eu morava lá. As casas foram substituídas depois da urbanização. Hoje é um bairro como o Guará. Fui para o Guará em 1973. Meu pai veio do Ceará para fazer a vida e minha mãe veio para cá em 1957, veio de Bonfinópolis, em Goiás. Não tinha perspectiva de trabalho para ela naquela cidade. Fiz escola pública até o primeiro ano do Ensino Médio, estudei no Centro de Ensino 08, no Guará; a 7ª e a 8ª Série no Polivalente, da Asa Sul; o primeiro ano no Setor Oeste; no segundo ano, o La Salle me deu uma bolsa de 50%, à qual sou muito grato, porque me permitiu um upgrade na preparação para o vestibular. Quando concluí o segundo grau, não tinha a menor ideia do que queria fazer da vida, e todo mundo falava que informática seria a profissão do futuro. Fiz computação, mas no final já senti que, modéstia à parte, eu era bom, mas não gostava tanto como meus colegas. A computação tem um defeito. De seis em seis meses, você está obsoleto. Mas o curso me ajudou porque foi com ele que fiz o concurso para o tribunal. Trabalhei como analista de sistemas. Tinha um amigo que era fanático por computação, trabalhava o dia inteiro e, de noite, ficava lendo revistas especializadas. Eu devo muito a ele, porque olhava para ele e falava: “Esse cara está no lugar certo, eu não estou. Vou tomar outro rumo”. E fui experimentar o direito por acaso, por que eu tinha uma namorada que fazia direito e na UnB você pode frequentar duas cadeiras como aluno especial. Aí fiz essas duas cadeiras e comecei a achar que tinha jeito para aquilo. Depois fiz o vestibular e comecei o curso, formei em computação em 1990 e comecei o curso em 1992.
Gosto de MPB. Tenho dois irmãos e dois filhos, um casal. Meu filho vai fazer 14 e a menina tem 11. Eles perceberam essa polêmica toda das pedaladas por esses dias, por causa do Senado. Fiquei 10 horas lá. Quando não estou no trabalho, fico muito com os meus filhos. Sou obrigado a ser atleta de fim de semana, para jogar bola com eles. Tanto a menina quanto o menino gostam de jogar futebol, mas eu já não tenho mais joelho para isso. Faço esteira, para manter o aeróbico. Adoro o Parque da Cidade, frequentava quando morava no Sudoeste. Gosto de ciência política, de filosofia, direito público, história do direito. Gosto muito de Umberto Eco. Além dos romances, ele tem análises e provocação.

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(*) Entrevista concedida a Ana Dubeux, Ana Maria Campos, Carlos Alexandre e Leonardo Cavalcanti. Correio Braziliense. 15/05/2016.
http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2016/05/15/internas_polbraeco,531935/pocurador-do-mp-ao-i-correio-i-a-politica-da-gastanca-tem-de-aca.shtml.

sábado, 14 de maio de 2016

‘Temer tem que limpar o terreno agora para quem chegar em 2018’

Entrevista com o professor Luiz Werneck Vianna (*)

Para professor-pesquisador da PUC-RJ, presidente em exercício terá dificuldade ‘quase intransponível’ para legitimar seu mandato e implementar nova agenda


A chegada do governo interino de Michel Temer coincide com o desabrochar de uma sociedade com pretensões por autonomia, segundo o sociólogo Luiz Werneck Vianna. Essa nova organização não se vê tão representada politicamente, o que pode, segundo o professor da PUC-Rio, criar obstáculos “quase intransponíveis” para a nova conformação do Palácio do Planalto. “O que Temer tem que fazer agora é limpar o terreno para quem chegar em 2018”, afirma. Para ele, a ocorrência de dois processos de impeachment em menos de 25 anos faz crescer na sociedade a desconfiança com o regime presidencialista.

Do ponto de vista de quem é contra o governo Temer, há o entendimento de que houve uma desvalorização do voto. Como o sr. vê essa questão?

O voto continua valendo o que vale. Está todo mundo interessado no voto em 2018. O País logo vai se mobilizar para as eleições municipais. A democracia brasileira se consolidou, vem se consolidando, as instituições vêm demonstrando capacidade de resistência, ou seja, a arquitetura constitucional de 1988 está passando por testes muito duros e está indo muito bem. A democracia política foi reforçada pelo discurso de todos, dos perdedores e vencedores. A Constituição se tornou uma língua geral da política brasileira. A questão que tem que ser verificada é como esse governo vai se encontrar com a opinião pública com tão pouco tempo para sanear as contas públicas. Esse ministério apresentado pelo governo Temer é um ministério politicamente muito denso e treinado.

A resistência social ao governo Temer, representada pelo MST ou pela CUT, é um desafio para o presidente interino?

Uma coisa assustadora e terrificante é imaginar que tipo de governo esse tipo de esquerda que você menciona poderia compor um governo neste País. Imagine um ministério com o senador Roberto Requião (PMDB-PR) na Fazenda. As críticas vêm de pessoas que não se dão conta da natureza das coisas, dos processos novos que estão em curso no País e do mundo, que já não é mais o da Margareth Thatcher (primeira-ministra britânica de 1979 a 1990), mas o do Barack Obama (presidente dos EUA), do papa, da Angela Merkel (premiê alemã), da ONU. Essa esquerda que você citou ainda está no mundo de Ronald Reagan (presidente dos EUA de 1981 a 1989). O anacronismo é uma marca da cultura política brasileira, mas ela persiste porque a política foi usurpada da sociedade. O PT, que nasceu com vocação de simular a vida civil, associativa, da deliberação, do assembleísmo, tornou-se um partido de Estado, aparelhou e deseducou a sociedade.

O que eu quero dizer é caso a resistência de movimentos sociais se imponha. Não pode ser um problema para o governo interino?

Não, o governo nasce com desafios muito fortes. A temperatura pode ser elevada, mas não vai passar de nada que seja muito impactante. É só tomar como referencia esse processo das ruas desde que o movimento do impeachment surgiu. Não houve nenhum atropelo, os conflitos foram mínimos, as ocorrências policiais praticamente foram inexistentes.

O novo lema do novo governo – ordem e progresso – parece dizer o contrário.

Não me parece um lema feliz. Está carregado com o pensamento do republicanismo autoritário da nossa tradição. É tão infeliz como pátria educadora (lema do segundo mandato do governo Dilma).

Com vários implicados na Operação Lava Jato, o PMDB pode tentar silenciar as investigações?

As investigações vão se aprofundar porque o Judiciário e a Polícia Federal, a essa altura, ganharam uma autonomia irreversível. Tentativa sempre poderá haver, mas me parece que não encontrarão sustentação, inclusive porque teremos uma opinião pública vigilante.

Como o sr. avalia a chegada do velho PMDB ao poder?

O momento é de enorme dificuldade para todos. Não se governa este País sem o PMDB, o Lula aprendeu isso. O partido tem capilaridade, é uma força da tradição. Como se governa esse País sem o centro político? Pela esquerda? A Dilma tentou. Tem que entender porque a Dilma perdeu capacidade de sustentação. Não foi um movimento político e social que fez emergir o governo Temer. Ele está emergindo porque caiu a política do governo, a economia e também no plano ético-moral. A saída institucional é o Temer assumir.

Como o governo interino de Michel Temer vai obter legitimidade?

Ele vai ter que se legitimar pelas políticas, demonstrando capacidade de pôr a economia nos eixos, de animar a sociedade com novos horizontes. É um cenário muito difícil. Qual seria a alternativa? Novas eleições? Você convocar eleições a partir dessa ruína, sem que a sociedade tenha tempo de se organizar, para criar espaço para um herói providencial, um cavaleiro da fortuna de sabe-se lá onde? Quantos votos terá Bolsonaro (Jair, deputado do PSC-RJ)? De onde vem o cavaleiro da fortuna, sem apoio, com linguagem demagógica? A Dilma não está sendo derrubada.

Mas ela não foi condenada.

Mas o governo dela derruiu. A acusação é de crime de responsabilidade fiscal.

Não está provado. Do contrário teremos que tirar vários governadores deste País, não?

Essa argumentação é como se nada tivesse acontecido. Este País está sem governo. Há quanto tempo a Dilma não governa? Inclusive ela não gosta e não sabe governar. As lideranças mais conscientes têm consciência disso, de que as coisas chegaram a esse ponto por incompetência política e administrativa dela, pelos erros dela. Derruiu. O que fica no lugar? Fica no lugar um vice e as instituições. A política brasileira tem que ser pensada agora de forma absolutamente responsável, sob pena de entrar numa conjunção que vai fazer com que todas as nossas conquistas sejam perdidas. Retrocesso é perder o que conquistamos do ponto de vista político institucional. Estamos numa situação revolucionária? Certamente não, inclusive porque os partidos revolucionários não estão aí. O que você tem é uma retórica de alguns pouquíssimos revolucionários. A questão da terra se resolve com Kátia Abreu no ministério (da Agricultura)?

E resolve agora com Blairo Maggi (deputado PP-MT, novo ministro da Agricultura)?

Vai continuar igual porque a situação não te permite botar o Stédile (João Pedro, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) na Agricultura ou no Desenvolvimento Agrário. Aliás, não há partido agrário camponês no Brasil. Stédile podia ter montado um, mas não montou.

O PSDB está bem contemplado com três ministérios?

O novo governo está buscando sustentação no Parlamento. Ele conseguiria isso com um grupo de notáveis com um programa de esquerda na mão? Os partidos estão em ruínas. O PSDB só tem califa querendo o lugar do califa, é uma luta pelo poder desvairada. Não tem quadros, só nos vértices, mas estão todos envolvidos em projetos pessoais de grandeza. Tem o Fernando Henrique Cardozo, que já não tem ambição do califado e ainda mantém os pretendentes no equilíbrio. Mas o PSDB não é um partido político moderno porque não tem cabeça, troncos e nem membros. A questão é como sair de uma barafunda dessa para um situação avançada, de enraizamento do governo na sociedade, criando uma agenda que possa ser produzida de uma forma que a sociedade entenda, legitime e aceite. Não é essa a situação atual.

Dilma pode voltar?

Acho difícil. Se o governo Temer fracassar, uma nova eleição presidencial pode ocorrer no meio do caminho. É uma saída difícil do ponto de vista constitucional. Poder pode, mas a Dilma volta para governar com quem? Com que Parlamento?

E Lula se recupera?

Lula é uma referência poderosa dentro do PT. Dizer que ele não está machucado seria uma ingenuidade. Deve estar sofrido. É um nome forte da política brasileira que não vai sair dela assim facilmente. É uma referência mais do que histórica, tem comando, liderança, talento político, mas malbaratado pela presidente que elegeu.

O semiparlamentarismo, regime defendido por Temer, teria respaldo social?

Sim porque o presidencialismo brasileiro saiu malquerido nesse segundo impeachment. Foram dois em 25 anos, é muita coisa. E afora a história das crises politicas que têm sido a tradição do nosso presidencialismo, com Jânio Quadros, João Goulart e Getúlio Vargas. A sociedade brasileira está amadurecendo para o semipresidencialismo ou para formas de parlamentarismo mais presentes na vida das pessoas porque a sociedade está se organizando. Não tem como entender o período de 2013 para cá sem registrar que há um processo de auto-organização social na vida brasileira. Só que ela ainda não se encontrou com os partidos, com a política, mas vem se encontrando. Preste atenção no movimento dos adolescentes nas escolas públicas. Esse movimento tem a cara de 2013, de chamar atenção para o tema da educação, para auto-organização social. E logo que esse processo se aprofundar, essas lideranças carismáticas terão lugar. A sociedade está se educando, passando por um processo em que sua auto-organização é cada vez mais desejada por ela própria. Ela não está mais identificando a representação legislativa como resultado de sua vontade.

É claro que um governo com as características do Temer, que não saiu das urnas, vai ter uma dificuldade quase intransponível para realizar a agenda de mudanças necessárias. O que ele pode fazer agora é limpar o terreno para aquele que virá em 2018 levar adiante a tarefa de aprofundamento da democracia política no Brasil. Ele o fará com homens disponíveis para essa tarefa, que não saíram da soberania popular, mas de um processo de ruínas. O capital político do Temer para agir agora é pequeno.

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segunda-feira, 9 de maio de 2016

O sonho de uma Universidade de Brasília democrática e de excelência

Carlos Alberto Torres

O sonho da UnB não tem proprietários. Ele vem encantando sucessivas gerações de docentes, técnico-administrativos e alunos, que a buscam e se orgulham de fazer parte de seus quadros, e de nela estudar.
A UnB é vocacionada para ser uma instituição da democracia brasileira. Foi concebida como um projeto engajado, pois a visão dos seus fundadores foi de que essa democracia, além de politica, deveria ser, também, social e econômica. Por isso o compromisso com a solução dos problemas nacionais foi registrado em seus documentos de fundação.
A ADUnB, quando surgiu, em 1978, enfrentávamos a ditadura militar. Tive a honra de junto com outros bravos colegas ser seu sócio fundador, e de fazer parte de sua primeira diretoria. A entidade, naturalmente, com o código genético da UnB, adotou, desde o primeiro dia, o mais vigoroso compromisso com o valor fundamental da democracia. Foram muitas lutas. Chegamos aos nossos dias.
Nos próximos dias 10 e 11 de maio os docentes irão eleger uma nova diretoria da ADUnB. Que entidade precisamos e queremos? Possuímos, como docentes, nossa pauta reivindicatória. Ela é intrínseca ao exercício de condições dignas de trabalho para que a instituição atinja os seus objetivos. Neste momento da campanha as pautas programáticas das diversas chapas já são conhecidas por todos.
Quero tomar a liberdade de inserir esta eleição da ADUnB no cenário da crise ética e política que o nosso país atravessa. Exatamente no segundo dia da votação, dia 11, estará, provavelmente, sendo aprovada no plenário do Senado a admissibilidade para o julgamento do impeachment da presidente Dilma Rousseff. E a previsão é que no prazo máximo de 180 dias esse julgamento estará concluído. Supõe-se que serão dias tensos e difíceis para todos os brasileiros! E isso nos afetará a todos, e à UnB em particular.
Gostaria de fazer as seguintes considerações, que conduzem à minha opção pela Chapa 1 (*):
1.   Defendo que o nosso valor mais fundamental é manter a UnB funcionando. O sonho de uma instituição acadêmica de excelência é uma responsabilidade e construção coletiva. Não devemos abandonar este objetivo mesmo neste momento de crise.
Sempre estive convencido de que as visões corporativistas atentam contra esse objetivo, pois adotam como estratégia de luta as greves prolongadas, que não conseguem esconder objetivos políticos alheios aos interesses da comunidade acadêmica. Julgo que a orientação política seguida pela Chapa 2 se alinha com esta concepção equivocada. Acho que esta perspectiva não serve à UnB neste momento histórico.
Penso que, nas condições específicas que serão enfrentadas nos próximos dois anos, devemos defender os nossos empregos e salários, buscar formas inovadoras de luta, e tomar decisões coletivas democráticas com a consulta à maioria dos docentes.
Penso que o que nos protegerá será, exatamente, a excelência no cumprimento de nossa função social, em aliança com os técnico-administrativos, com os alunos e com a sociedade.
2.   Defendo que têm caráter essencialmente democrático as mudanças institucionais que se avizinham para superar a crise, e que o impeachment, caso ocorra, se dará dentro do mais estrito respeito às normas constitucionais.
A corrupção pune a sociedade, diminuindo, principalmente, os recursos para os gastos sociais; e a educação pública é uma das mais prejudicadas; exatamente, por isso, acabar com a impunidade dos crimes de colarinho branco, doa a quem doer, é essencial para aperfeiçoar a democracia brasileira nesta etapa de nossa história.
Ao mesmo tempo, defendo que a Operação Lava-Jato[1] vem sendo exemplar ao desnudar o papel da corrupção no financiamento da conquista e da manutenção do poder político. Esta é a razão da baixa qualidade de nossa representação parlamentar!
Julgo ser esse o pensamento da Chapa 1 sobre esta questão. Estou, mais ainda, convencido de que a UnB, majoritariamente, pensa assim, coerentemente com suas tradições democráticas.
3.    Defendo o desaparelhamento partidário das instituições públicas.
Desde 2014, durante as eleições presidenciais[2], passei a criticar o que se passava na ANDIFES (Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), formada pelos reitores em exercício das universidades federais, quando organizou manifesto em apoio à candidatura de Dilma Rousseff, constrangendo os próprios reitores. Pessoalmente, eu gostaria de um MEC libertado do aparelhamento!
Por essa razão, a Chapa 3, vinculada à ANDIFES, não poderia receber o meu apoio.
Ao polemizar com essas questões de caráter político não coloco em dúvida a honorabilidade de quaisquer dos membros das Chapas 2 e 3. Todos são colegas respeitáveis e merecem o nosso apreço. A eles dedico a minha frontal e leal divergência!
Finalmente, chamo a todos para não deixarem de comparecer às urnas! O voto de todos, e o de cada um é indispensável! Basta que cada um pense que sua ausência poderá ser exatamente o voto que faltará para a vitória da chapa de sua preferência!



[1] "A santa aliança contra a Lava-Jato". Artigo publicado no Correio Braziliense em 12/01/2016:
[2] "Teriam as universidades federais candidato a presidente?". Artigo publicado no Correio Braziliense em 22/10/2014:
https://dl.dropboxusercontent.com/u/16402719/Teriam%20Candidato%20a%20Presidente%3F-CB-22-10-14.tiff

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(*) Para registro histórico: a Chapa 1 venceu as eleições.

Resultados finais da eleição da ADUnB:
Chapa 1: 502 votos (43%)
Chapa 2: 419 votos (36%)
Chapa 3: 235 votos (20%)
Total: 1.156 votos
Obs.: Os percentuais foram calculados sobre os totais, considerados os votos brancos e nulos.

domingo, 8 de maio de 2016

As falácias vão ficando pelo caminho

Alberto Aggio (*)

Mesmo antes de ser aprovada a admissibilidade do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, o caudal de argumentos contra o impeachment, na imprensa e na opinião pública, adensou-se de maneira impressionante, ganhando parâmetros discursivos que ultrapassavam a fábula do golpe, ainda que este tenha permanecido como o eixo principal da retórica esgrimida pelo petismo para obter apoio, dentro e fora do País, a uma presidente sub judice.


No mais paradoxal de todos os argumentos, afirmava-se que uma possível vitória do impeachment não mudaria em nada a situação do País; não aplacaria a crise econômica e não possibilitaria a retomada do crescimento; não se conseguiria sustar a crise social que bate às portas dos lares brasileiros e, portanto, o desemprego seguiria crescendo. E que o impeachment tampouco daria fim à corrupção, muito ao contrário: a presença do presidente da Câmara na condução do processo era o sinal de que um futuro governo Michel Temer exterminaria por completo as operações da Lava Jato.

O curioso é que, ao se negar qualquer positividade ao impeachment, também se espera tudo dele. No fundo, retoricamente, cobra-se o restabelecimento in acto de um País novamente republicano, próspero e democrático. É um argumento de pés de barro. Como se sabe que, do ponto de vista do realismo político, se trata de uma expectativa inalcançável, pelo menos na dimensão imediata, denota-se que o impeachment, mesmo sendo bem-sucedido, apenas causaria aos brasileiros uma “frustração coletiva”, já que não solucionaria as profundas crises que assolam o Brasil.

Essa narrativa está centrada na interpretação de que o País entrou num beco sem saída, mas governo Dilma Rousseff estaria eximido de qualquer responsabilidade, tendo sido a oposição a causadora de toda a crise. Supostamente, a crise política teria sido iniciada no pedido de recontagem de votos e, em seguida, na cândida ideia de que a oposição não deu trégua à presidente reeleita, apostando no caos e prejudicando a Nação, especialmente os mais pobres. Esse argumento, por demais conhecido, oculta o fato de que o PT nunca admitiu sofrer oposição, mas especializou-se em fazê-la de forma contundente, já que se julga o único portador de uma política social digna do nome, o que é flagrantemente contestado por qualquer pesquisa séria a respeito da realidade nacional recente, desde a redemocratização.

Quando a admissibilidade do impeachment foi aprovada na Câmara, a falácia do golpe ganhou a companhia de discursos laterais: a vitória da “vingança” de um político corrupto, em referência ao deputado Eduardo Cunha, presidente daquela Casa, e a imposição à Nação de uma “eleição indireta” para presidente, representado no embate Dilma versus Temer.

Essas avaliações falaciosas se combinaram com ameaças de violência e a busca de “alternativas” políticas à débâcle do governo petista. O ponto nevrálgico dessas alternativas emergiu na proposta, primeiro, de “eleições gerais” e, depois, de “novas eleições” para presidente, expressa na consigna “nem Dilma, nem Temer”. Duas alternativas inviáveis do ponto de vista constitucional, sem levar em conta a oposição que teriam nas duas Casas do Congresso e, ao que parece, entre as lideranças das bases sociais do PT. Vê-se claramente que não se trata mais de defender o governo Dilma. O que sustenta a inflação de falácias do petismo é a perspectiva de garantir algum futuro ao PT como ator político, levando a conjuntura a um grau extremo de polarização por meio de discursos que afrontam as instituições de representação da cidadania e visam à radicalização das ruas.

Derrotado, o PT passou a adotar todo e qualquer casuísmo a fim de evitar que o impeachment devolva normalidade ao País e credibilidade ao novo governo. Daí as artimanhas, as ameaças e, por fim, a negativa de um processo de transição administrativa, sonegando informações aos futuros governantes. O PT tanto falou em golpe que agora pretende aplicá-lo, com requintes de vingança, em relação ao futuro governo.

Já se tornou exaustivo explicar que o processo de impeachment está plenamente justificado em termos legais e que sua legitimidade é indiscutível. Dilma violou a Lei de Responsabilidade Fiscal por meio de mecanismos fraudulentos para esconder, no período eleitoral e depois dele, que não tinha sustentação financeira para manter a economia em bom curso e evitar a crise. Uma política econômica desastrosa se somou a níveis de corrupção jamais vistos, jogando o Brasil numa crise inaudita e de grande profundidade.

Dilma é, portanto, o nome do “retrocesso” que o País está vivendo, em termos econômicos, políticos e até mesmo de convivência democrática. Assim como não há espaço vazio em política, também não há a possibilidade de deixarmos de atribuir a responsabilidade por todo este estado de coisas. Os verdadeiros culpados são mais do que evidentes.

Um novo governo pós-impeachment, legítimo em termos constitucionais e necessariamente de transição até 2018, terá como missão primeira tentar paralisar o desastre e de nenhuma forma poderá ser inculpado pela situação do País.

As encruzilhadas da História brasileira invariavelmente encontraram soluções sustentadas pela “via autoritária”. Pode ser que esta seja a primeira vez que estejamos enfrentando um impasse condicionado e determinado pela democracia, que já é, entre nós, uma experiência concreta em termos constitucionais e institucionais, embora nos falte um lastro maior de cultura política democrática.

A insistência na falácia do golpe, com o seu vitimismo, sua artificialidade e suas ameaças, atua no sentido de enfraquecer e virtualmente bloquear a democracia. Desmistificar as falácias do petismo e superar a “herança maldita” do governo Dilma assumem hoje o mesmo significado.

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(*) Alberto Aggio é historiador e professor titular da Unesp. Artigo publicado no Estadão, dia 07/05/2016: