domingo, 8 de maio de 2016

As falácias vão ficando pelo caminho

Alberto Aggio (*)

Mesmo antes de ser aprovada a admissibilidade do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, o caudal de argumentos contra o impeachment, na imprensa e na opinião pública, adensou-se de maneira impressionante, ganhando parâmetros discursivos que ultrapassavam a fábula do golpe, ainda que este tenha permanecido como o eixo principal da retórica esgrimida pelo petismo para obter apoio, dentro e fora do País, a uma presidente sub judice.


No mais paradoxal de todos os argumentos, afirmava-se que uma possível vitória do impeachment não mudaria em nada a situação do País; não aplacaria a crise econômica e não possibilitaria a retomada do crescimento; não se conseguiria sustar a crise social que bate às portas dos lares brasileiros e, portanto, o desemprego seguiria crescendo. E que o impeachment tampouco daria fim à corrupção, muito ao contrário: a presença do presidente da Câmara na condução do processo era o sinal de que um futuro governo Michel Temer exterminaria por completo as operações da Lava Jato.

O curioso é que, ao se negar qualquer positividade ao impeachment, também se espera tudo dele. No fundo, retoricamente, cobra-se o restabelecimento in acto de um País novamente republicano, próspero e democrático. É um argumento de pés de barro. Como se sabe que, do ponto de vista do realismo político, se trata de uma expectativa inalcançável, pelo menos na dimensão imediata, denota-se que o impeachment, mesmo sendo bem-sucedido, apenas causaria aos brasileiros uma “frustração coletiva”, já que não solucionaria as profundas crises que assolam o Brasil.

Essa narrativa está centrada na interpretação de que o País entrou num beco sem saída, mas governo Dilma Rousseff estaria eximido de qualquer responsabilidade, tendo sido a oposição a causadora de toda a crise. Supostamente, a crise política teria sido iniciada no pedido de recontagem de votos e, em seguida, na cândida ideia de que a oposição não deu trégua à presidente reeleita, apostando no caos e prejudicando a Nação, especialmente os mais pobres. Esse argumento, por demais conhecido, oculta o fato de que o PT nunca admitiu sofrer oposição, mas especializou-se em fazê-la de forma contundente, já que se julga o único portador de uma política social digna do nome, o que é flagrantemente contestado por qualquer pesquisa séria a respeito da realidade nacional recente, desde a redemocratização.

Quando a admissibilidade do impeachment foi aprovada na Câmara, a falácia do golpe ganhou a companhia de discursos laterais: a vitória da “vingança” de um político corrupto, em referência ao deputado Eduardo Cunha, presidente daquela Casa, e a imposição à Nação de uma “eleição indireta” para presidente, representado no embate Dilma versus Temer.

Essas avaliações falaciosas se combinaram com ameaças de violência e a busca de “alternativas” políticas à débâcle do governo petista. O ponto nevrálgico dessas alternativas emergiu na proposta, primeiro, de “eleições gerais” e, depois, de “novas eleições” para presidente, expressa na consigna “nem Dilma, nem Temer”. Duas alternativas inviáveis do ponto de vista constitucional, sem levar em conta a oposição que teriam nas duas Casas do Congresso e, ao que parece, entre as lideranças das bases sociais do PT. Vê-se claramente que não se trata mais de defender o governo Dilma. O que sustenta a inflação de falácias do petismo é a perspectiva de garantir algum futuro ao PT como ator político, levando a conjuntura a um grau extremo de polarização por meio de discursos que afrontam as instituições de representação da cidadania e visam à radicalização das ruas.

Derrotado, o PT passou a adotar todo e qualquer casuísmo a fim de evitar que o impeachment devolva normalidade ao País e credibilidade ao novo governo. Daí as artimanhas, as ameaças e, por fim, a negativa de um processo de transição administrativa, sonegando informações aos futuros governantes. O PT tanto falou em golpe que agora pretende aplicá-lo, com requintes de vingança, em relação ao futuro governo.

Já se tornou exaustivo explicar que o processo de impeachment está plenamente justificado em termos legais e que sua legitimidade é indiscutível. Dilma violou a Lei de Responsabilidade Fiscal por meio de mecanismos fraudulentos para esconder, no período eleitoral e depois dele, que não tinha sustentação financeira para manter a economia em bom curso e evitar a crise. Uma política econômica desastrosa se somou a níveis de corrupção jamais vistos, jogando o Brasil numa crise inaudita e de grande profundidade.

Dilma é, portanto, o nome do “retrocesso” que o País está vivendo, em termos econômicos, políticos e até mesmo de convivência democrática. Assim como não há espaço vazio em política, também não há a possibilidade de deixarmos de atribuir a responsabilidade por todo este estado de coisas. Os verdadeiros culpados são mais do que evidentes.

Um novo governo pós-impeachment, legítimo em termos constitucionais e necessariamente de transição até 2018, terá como missão primeira tentar paralisar o desastre e de nenhuma forma poderá ser inculpado pela situação do País.

As encruzilhadas da História brasileira invariavelmente encontraram soluções sustentadas pela “via autoritária”. Pode ser que esta seja a primeira vez que estejamos enfrentando um impasse condicionado e determinado pela democracia, que já é, entre nós, uma experiência concreta em termos constitucionais e institucionais, embora nos falte um lastro maior de cultura política democrática.

A insistência na falácia do golpe, com o seu vitimismo, sua artificialidade e suas ameaças, atua no sentido de enfraquecer e virtualmente bloquear a democracia. Desmistificar as falácias do petismo e superar a “herança maldita” do governo Dilma assumem hoje o mesmo significado.

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(*) Alberto Aggio é historiador e professor titular da Unesp. Artigo publicado no Estadão, dia 07/05/2016:

sábado, 23 de abril de 2016

STF: o novo Poder Moderador

As forças armadas, na história da república, representaram o papel de "poder moderador". Mas, de forma estranha, sempre à margem das Constituições democráticas!


O processo de redemocratização, demarcado pela Constituição de 1988, inaugurou um novo momento histórico. A promulgação da nova carta magna simbolizou o compromisso firme do povo brasileiro de viver sob a democracia.

Fatores diversos, nacionais e internacionais, favoreceram isso. Internamente, a sociedade brasileira estava cansada da ditadura, e de ser tutelada; queria proclamar, a plenos pulmões, o direito soberano de escolher o seu destino em liberdade! Externamente, vivíamos os extertores da guerra fria; agora, o restabelecimento das relações diplomáticas entre Cuba e os EUA significou a pá de cal, na América Latina, da velha polarização, que está conduzindo ao devido túmulo político, rapidamente, certas concepções golpistas tanto de direita quanto de esquerda. Estes velhos radicais nada têm a contribuir com uma saída democrática para a crise brasileira!

Surge, assim, o STF, como o novo poder moderador (*) de uma nova radicalidade democrática e republicana. Entretanto, ele é diferente, pois é um poder desarmado, com a missão constitucional de ser o supremo defensor e intérprete da Constituição! Ele é formado por doutos cidadãos, é verdade; mas, são apenas onze, frágeis, e fortes, como todo ser humano, e expostos à nação, diariamente, com suas faces, comportamentos e convicções!

Eles estão tomando decisões fundamentais para o país, à luz do dia, e sob os nossos olhos! Bastou que três deles dissessem que o país vive sob a plena normalidade democrática para impedir o falso discurso da presidente Dilma, na ONU, de que estaria sendo derrubada por um golpe de estado!

Poderosa a Constituição de 1988, que gestou esse poderoso poder moderador desarmado, o STF,  para ajudar a tirar o Brasil da crise! Sobre ele estão depositadas grandes responsabilidades; mas, é necessário que compreendamos, a sua ação se dará nos limites do seu poder institucional, e com os rituais que lhe são próprios!

O STF já regulou o processo do impeachment; agora, a nação espera que ele encontre os mecanismos institucionais e legais para proceder à necessária limpeza da vida política brasileira, indispensável para restaurar a confiança, com imparcialidade e impessoalidade, para acabar com a impunidade dos crimes de colarinho branco.

E, a sociedade aclamará se o STF agir, celeremente, para que seja cassado (**) o mandato de Eduardo Cunha. Isso, apenas para começar!

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(*) O artigo do advogado constitucionalista Marcelo Cerqueira, de 14/04/2016, defende esta visão do STF como Poder Moderador:
http://m.oglobo.globo.com/opiniao/o-protocolo-vargas-19080004.

(**) Fato histórico: no dia 05/05/2016 o plenário do STF afastou Eduardo Cunha da Presidência da Câmara dos deputados, em uma ação sem precedentes, votando, por unanimidade com o relatório do ministro Teori Zavascki. Nesta decisão, determinaram, também, o afastamento, por tempo indeterminado, de Cunha do exercício do mandato de deputado federal.

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Os editoriais do Correio Braziliense e do Diario de Pernambuco, da cadeia dos Diários Associados, dia 07/05/16, dizem que o STF "...tem sido mais do que poder moderador...": http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/opiniao/46,97,43,74/2016/05/07/interna_opiniao,144362/a-intervencao-do-supremo-tribunal-federal.shtml.

Em seu artigo do dia 07/05/16, o professor Demétrio Magnoli soma-se à tese de que o STF exerce o papel de poder moderador:
http://m.folha.uol.com.br/colunas/demetriomagnoli/2016/05/1768774-sob-a-egide-do-poder-moderador.shtml.

O jornalista André Gustavo Stumpf, em artigo de opinião no Correio Braziliense, dia 07/05/16, soma-se a esta tese:
https://www.dropbox.com/s/4beljv1lbryjg6l/O%20Poder%20Moderador%20-%20Stumpf.jpg?dl=0

sábado, 16 de abril de 2016

O impeachment e o pacto político para sair da crise

O pacto político, necessário para superar a crise, emerge, já formado, da natureza e das premissas do rito do impeachment; isto fica demonstrado pelo número necessário de votos para aprovar a admissibilidade do impeachment na Câmara dos Deputados.


Se a admissibilidade do impeachment for aprovada na Câmara, mais de dois terços dos deputados (2/3), ou seja, pelo menos 342, estarão proclamando política e constitucionalmente que perderam a confiança no presidente!

Prosseguindo para o Senado, se o impeachment for julgado procedente, e aprovado, pelo menos 2/3 dos senadores estarão declarando a sua perda de confiança no presidente!

Se o impeachment for aprovado, ao final de todo esse exigente rito, duas coisas ficam evidenciadas: (1) ele resulta do respeito ao processo democrático e constitucional (não há como se falar de golpe); (2) dele emerge, de suas próprias premissas rituais, na Câmara e no Senado, formada por pelo menos (2/3) dos parlamentares, a base para o pacto político necessário para superar a crise de confiança, a razão do próprio impeachment!

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Para registro histórico. Resultados da votação do processo de admissibilidade do impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados no dia 17/04/2016:


Observações:

(1) a admissibilidade exigia apenas 342 votos (2/3, ou 66,66%). O resultado de 367 votos a favor (71,5%) demonstrou uma maioria muito representativa declarando a perda de confiança na presidente Dilma Rousseff.

(2) o número de deputados que se manifestou contra o impeachment, se absteve, ou faltou à votação, igualou 146 votos (28,5%). Este número precisaria ter sido igual a pelo menos 172 votos para que o impeachment fosse rejeitado.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

O golpe do parlamentarismo de fato

Os amigos da onça (AO) são o grupo de ministros e membros da direção do PT que um dia entraram na sala da presidenta Dilma (D), entre novembro de 2015 e fevereiro de 2016, e tiveram um diálogo que passará para a história como "o golpe do parlamentarismo de fato".

Dilma apresenta o decreto de nomeação de Lula ministro da casa civil 

Esse diálogo pode ter transcorrido da seguinte forma (essa história um dia será contada com detalhes reais e precisos, com datas, locais, participantes, etc.): 

AO: - Presidenta, estamos aqui em uma difícil e constrangedora missão partidária. 
D: - Falem logo, parece que vocês não estão me trazendo boa notícia! 
AO: - Temos que ser francos. Estamos convencidos que a senhora não conseguirá dar conta da complexidade e da gravidade da crise nos seus diversos aspectos políticos, econômicos, sociais e jurídico-policiais (com a Lava-Jato na nossa cola). 
D: - (já dando um ataque). Vocês vieram aqui para pedir que eu renuncie? 
AO: - Não presidenta. Concluímos que isso não interessa ao PT. Achamos que devemos resistir, a todo custo, até 2018. Se a senhora cair, qualquer que seja a forma, isso prejudicará todas a expectativas eleitorais do partido, inclusive agora em 2016! 
D: - (aliviada). Então o que vocês estão propondo? 
AO: - Trazer o Lula para o palácio como ministro da casa civil. Isto a ajudará e ainda dará prerrogativa de foro privilegiado ao presidente, desculpe, ex-presidente, para que ele não seja preso pelo Moro. 
D: - (entre consternada e enfurecida, percebendo, naquele momento, que estava sendo deposta pelo seu próprio partido). Vocês estão querendo me transformar em rainha da Inglaterra? Não foi para isso que eu fui eleita! Isto é um golpe! 
AO: (constrangidos). Não pensamos assim, presidenta! Seria como um “parlamentarismo de fato"; já pensamos nos prós e contras, e concluímos não existir melhor saída para a senhora e para todos nós! A situação está muito difícil, e precisamos trazer para o poder executivo a autoridade, o respeito e a habilidade do Lula para sairmos da enrascada em que estamos. Achamos que o risco do seu impeachment ou da sua cassação no TSE ficaram muito altos e a situação ficou imprevisível! Lula será uma espécie de primeiro ministro, e isso neste momento nos parece a única alternativa de salvação! (Consternada, percebeu que perdera a confiança de seu partido e de seus ministros mais próximos, e que acabara de ser deposta; mas, de uma coisa já sabia claramente, que sem eles não teria força e credibilidade social para prosseguir. Estava em um momento de decisão. Suas alternativas estavam agora reduzidas à renúncia, a enfrentar o risco de ser deposta (*), ou a aceitar a humilhante proposta que lhe traziam! Pelo menos não estavam pedindo que renunciasse!). 
D: - (disse, então, contendo a emoção, com vontade de quebrar tudo). Obrigada, vocês estão dispensados. Esta reunião está terminada! 
* Naturalmente, teve a pior noite de sono desde que assumira a presidência. Mas, não demorou a convencer-se de que essa era a sua melhor alternativa! No dia seguinte, convocou-os à sua sala. 
D: - Está bem, eu topo, mas daqui para diante, o Palácio do Planalto será destinado apenas ao Chefe de Estado, e eu o transformarei no território dessa missão, e de defesa de minha imagem e dignidade. Lula irá "governar" em outro espaço, depois discutiremos sobre isso. Transformarei este palácio no palanque para defender-me perante a história, e inaugurarei uma série de encontros com apoiadores para denunciar o golpe que a direita está tentando dar neste país, o que, em consequência, levou vocês a me darem esse golpe. Não guardo mágoa (todos concordaram). 
* Essa pareceu uma decisão sábia, pois a Presidenta, nos dias que se seguiram parecia ter tirado um peso de suas costas. Parecia até mais feliz e intensificou seus exercícios e giros ciclísticos. 

Embora os fatos possam ser diferentes em seus detalhes, essas reuniões realmente existiram. O que importa, neste diálogo, construído com a lógica e a imaginação, é que essas reuniões ocorreram com essa essência e conteúdo. A história revelará as datas e locais, os diálogos reais e quem foram, além da presidenta, os seus reais interlocutores! 

Muitos defenderão essa solução como legítima e necessária. Outros, embora reconheçam que esses eventos inevitavelmente tenham ocorrido, acham esse fato de somenos importância, e inerente à natureza da realpolitik! 

Mas, creio, a maioria dos brasileiros considera isso um escárnio, um golpe contra a democracia, e uma imoralidade, demonstrando o grau de desrespeito ao Estado Democrático de Direito a que chegamos na política brasileira!

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(*) No dia 31/08/2016 Dilma Rousseff sofreu o impeachment em sessão do Senado convocada para esse fim. A sessão foi presidida pelo então presidente do STF, Ricardo Lewandowisk e a votação foi de 61 votos favoráveis ao impeachment contra 20. Foi um longo processo, tendo sido respeitadas todas as suas prerrogativas constitucionais e legais.

domingo, 10 de abril de 2016

Pra inglês ver (*)

Texto de Ferreira Gullar: 

O país está assistindo, nestes últimos meses, a uma inacreditável farsa, cujos personagens principais são o ex-presidente Lula, a presidente Dilma Rousseff, os dirigentes do PT e seus representantes no Congresso Nacional.


Em face da revelação do uso que fizeram da Petrobras e da máquina estatal, saqueando-as para se manterem no poder; em face das delações premiadas feitas pelos participantes desses crimes contra a nação brasileira; em face das comprovadas propinas que encheram os bolsos dos sócios de Lula e subvencionaram as campanhas eleitorais e os cofres do PT e dos partidos aliados; em face de tudo isso, não resta ao Lula, à Dilma e a seus sócios, senão inventar uma falsa versão dos fatos para assim passarem de vilões a vítimas.

E foi então que surgiu a versão do golpe que estaria sendo tramado contra o governo de Dilma Rousseff. Mas tramado por quem? Pela Procuradoria da República? Pela Justiça? Pelo Supremo Tribunal Federal?

Ou seja, trata-se de um golpe que seria consumado pelas instituições legais do país? Noutras palavras, um golpe que segue o que as leis determinam?

Então será esta a primeira vez na História que se chama de golpe, não a violação dos princípios constitucionais, mas sua aplicação!

Quer dizer, nesta nova e surpreendente concepção petista, segundo a qual golpe é cumprir a lei, respeitar a democracia seria não punir os corruptos que a Operação Lava Jato identificou e que levaram a Petrobras à beira da falência. Prender os donos das empreiteiras que, através de contratos fraudulentos, roubaram bilhões de reais à empresa estatal, seria antidemocrático, conforme a nova concepção petista de democracia, defendida por Lula, Dilma e seus comparsas. Democrático é deixá-los livres e felizes, já que, generosamente, doaram milhões ao Instituto Lula e financiaram a campanha eleitoral de Dilma Rousseff.

Quem viveu no Brasil dos anos de 1960 aos 80 sabe muito bem o que é golpe e o que não é democracia.

Os militares golpistas de 1964 não propuseram que o Congresso votasse o impeachment do então presidente João Goulart. Simplesmente puseram os tanques na rua, fecharam o Congresso e entregaram o governo a um general.

Os que teimaram em defender a democracia foram simplesmente encarcerados e muitos deles assassinados. Os meios de comunicação foram censurados, de modo que nenhuma palavra contra o golpe podia ser veiculada.

Aliás, a presidente Dilma Rousseff conhece muito bem essa história, pois participou dela, integrando o movimento da luta armada, o que a levou à prisão por parte dos militares.

Que o ex-presidente Lula –que, como sempre, jogou com um pau de dois bicos, já que se entendia muito bem com o general Golbery do Couto e Silva, homem-chave do governo militar– queira se fazer de desentendido, já era de se esperar.

Mas Dilma, não, ela experimentou na carne o que é golpe e o que é ditadura. Não obstante, está agora representando um papel que lamentavelmente não condiz com seu passado.

Alguma coisa parecida com 1964 está ocorrendo no Brasil de hoje? Muito pelo contrário. O que estamos assistindo é a uma sucessão de medidas da presidente de República para comprar, com ministérios e cargos, os votos do partido que rompeu com ele –o PMDB– e de partidos menores que se vendem por qualquer cargo.

O suposto golpe de hoje, a que Dilma se refere, portanto, é diferente, tanto que ela mesma afirmou estar disposta a "lançar mão de todos os recursos legais" para defender-se e evitar que o impeachment se concretize. É bom lembrar à "presidenta" que, quando se trata de golpe, os recursos legais não funcionam. Não é, portanto, o caso.

Pois bem, mas se há uma coisa que me surpreende em tudo isso é alguns artistas e intelectuais acreditarem nesse golpe inexistente, inventado pelos petistas.

Por que acreditam em tão deslavada mentira? Por ignorância não é, pois são todos muito bem informados. E, se não é por ignorância, só pode ser porque têm necessidade de se enganarem. Preferem a mentira à verdade.

E por falar nisso, que constrangedora a defesa que fez o advogado-geral da União também repetindo que o impeachment é golpe. E diz isso com a ênfase de quem fala a verdade! Haja saco!

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(*) Ferreira Gullar. Folha de São Paulo, 10/04/2016

sábado, 9 de abril de 2016

Onde estão os golpistas? (*)

A esquerda, sempre fora do poder, não tivera a oportunidade de ser corrupta. Quando teve essa oportunidade "se lambuzou", inclusive com criatividade, transformando a corrupção em estratégia para financiar seu projeto de poder.


Isso não pode ser dito, não é? Mas, é um fato, e é necessário dize-lo, embora me desagrade reconhecê-lo.

A direita sempre foi corrupta, e muito corrupta. Os auto-proclamados liberais são, historicamente, os pais da corrupção e do patrimonialismo no Brasil, exatamente porque quase sempre governaram o país no período republicano.

Mas, se continuarmos a ver as apurações contra a corrupção, que atingem principalmente o PT, o partido efetivamente no poder nos últimos 13 anos, como uma artimanha da direita, estaremos errando tragicamente, e entregando à direita o monopólio dessa bandeira.

Quero dizer, a luta contra a corrupção é uma bandeira da democracia! E é preciso que se diga: existe uma direita golpista, sim; mas, também, uma direita democrática, contra a corrupção e não golpista; bem como, existe uma esquerda autoritária, corrupta e golpista!

E nós, da esquerda democrática, com uma cultura política diferenciada, que empenhamos nossas vidas para a conquista do Estado Democrático de Direito, não podemos nos deixar confundir.

Em síntese, o ativismo da justiça na luta contra a impunidade dos crimes de colarinho branco, doa a quem doer, é uma demanda da democracia, e não da direita! E, muito menos, apenas da esquerda!

Muito barulho esse ativismo da justiça, com a Lava-Jato, tem causado, não é? Biografias, como a de Lula, e mesmo a de FHC, e de outros ícones políticos, estão sendo expostas; mas, este é o preço a pagar, se queremos transformar essa crise em oportunidade para acabar com a impunidade dos crimes de colarinho branco e promover as reformas político-eleitorais capazes de modelar uma nova representação política que não seja fundamentada na corrupção.

Comecemos acabando com a hipocrisia e superficialidade existente neste debate: agora, Lula é de esquerda e FHC é de direita, não é? Não te parece existir algo de errado? Enquanto isso, Fernando Henrique Cardoso nunca deixou de auto-proclamar-se um social-democrata, e Lula, recentemente, somente não decepcionou a alguns de seus apoiadores mais cínicos, ao auto definir-se como um liberal!

Não percamos a oportunidade histórica que se nos oferece! Precisamos ir muito além do impeachment, para promover as reformas institucionais que aperfeiçoem a democracia, que acabem com a impunidade, e que nos permitam eleger cidadãos que estejam a serviço do bem comum!

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(*) Editado em 13/04/2016.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Por que Dilma não renuncia?

Dilma simboliza a crise, e muitos dizem, até entre seus pares, que ela é a própria crise. Muitos argumentam que, para a felicidade de todos, tudo poderia ser resolvido com a sua renúncia! Mas, isso não é entendido assim pelo PT!


Mais provável é que o PT, contemplando os seus interesses, não a deixe renunciar! Já fizeram as contas: acham que perdem mais se Dilma sair por qualquer forma, seja impeachment, ou renúncia, ou cassação de seu mandato pelo TSE.

Vejamos os sinais disso: (1) o PT Mobilizou todos os seus recursos e capilaridade para levar o máximo de militantes às ruas no dia 18/03; (2) o PT convocou Lula para ser o "primeiro ministro" e reduzir Dilma à condição de "rainha da Inglaterra" (esse foi o único golpe dado até agora); (3) o PT ficou aprisionado pela lógica, transformada em estratégia, de tomar de assalto a máquina do estado para financiar o seu projeto político, exatamente como já se acostumara a fazer nos sindicatos; em consequência, não consegue mais viver sem controlar o orçamento "trilionário" do Brasil, ministérios, empresas públicas e cargos, pois sabe que, sem esse poder, não conseguirá sustentar as campanhas eleitorais deste ano e a de 2018. Todos os seus movimentos trazem essa informação evidente!

Foram exatamente as manifestações de massa, nas ruas, particularmente a última de 13/03/16, que criaram a perspectiva de mudança, e de interrupção desse desgoverno como condição para a própria superação da crise. E, em pleno respeito ao Estado Democrático de Direito, esse movimento deu à cidadania a compreensão da importância histórica de acabar com a impunidade dos crimes de colarinho branco, doa a quem doer, como uma questão central para aperfeiçoar a própria democracia brasileira.

Sem esse oxigênio democrático, vindo das ruas, Dilma, ajudada por Lula, já teria recomposto a base parlamentar fisiológica de apoio no Congresso voltada exclusivamente para a sua sobrevivência! Mas, os brasileiros querem mais! Anseiam por mudanças, que restituam à política a sua missão generosa, que é cuidar do bem comum!