quinta-feira, 22 de março de 2018

Como funciona a justiça

Postei em minha Linha do Tempo no Facebook, no dia 21/03/18, esse banner conceitualmente e politicamente correto do MBL, denominado "COMO FUNCIONA A JUSTIÇA PELO MUNDO". Surpreendeu-me o grande número de compartilhamentos. No momento em que estou terminando essa edição já totalizam 3300, superando em muito o número de 380 curtições e reações ao próprio post.


A ele agreguei o texto:
"Nos EUA e na França o criminoso vai pra cadeia imediatamente se a sentença do tribunal de 1ª instância condena-lo à prisão. No Brasil, siga a seta. É o sonho de consumo de todos os criminosos de colarinho branco do mundo. Alguns ministros do STF pretendem manter esse status quo.
#ResistaCármenLúcia!".
Tratou-se da campanha em defesa de que fosse mantida a jurisprudência estabelecida em 2016 pelo STF, de que os réus já devessem cumprir suas penas - inclusive a de prisão - imediatamente após suas condenações em tribunais de 2ª instância. Coerente a isso, posicionei-me, também, contrário a que fosse concedido casuisticamente habeas corpus ao ex-presidente Lula para que ele escapasse da regra. 

Para caracterizar a postura da presidente do STF, ministra da Cármen Lúcia, que resistiu bravamente aos seus pares que queriam promover o retrocesso na legislação penal, escrevi, no mesmo dia:
"A ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, converteu-se nestes dias na heróica resistente, dentro da suprema corte, à tentativa de alguns de seus pares de livrar Lula da cadeia. 
Hoje, quarta-feira, dia 21/03/18, no plenário da Corte, Cármen Lúcia travará uma batalha decisiva. Alguns de seus pares partirão com tudo sobre ela para tentar reverter a determinação legal de que os criminosos condenados em um tribunal de 2ª instância passem a cumprir suas penas! 
Seus oponentes são os mesmos que se converteram, via habeas corpus, em libertadores de criminosos poderosos de colarinho branco. Os mais notórios são Gilmar Mendes, Lewandowiski e Toffoli. Mas eles não estão sozinhos. 
Aparentemente, o ministro Celso de Melo, o decano da corte, converteu-se no líder desses cavaleiros do atraso dedicados a promover essa regressão casuística na legislação penal. Sarney, convertido em comandante de honra da operação “salva-Lula-da-cadeia”, lhe cobra uma atitude de gratidão, por ter sido o presidente que o indicou para o STF. 
Mas Cármen Lúcia não está sozinha! Ela colou-se à consciência democrática e republicana da esmagadora maioria dos brasileiros que não quer mais viver em um país onde os poderosos fiquem impunes e acima da lei. 
Ela representa a esperança de um Brasil mais ético, democrático e justo!
#ResistaCármenLúcia!"






segunda-feira, 12 de março de 2018

Ontologia versus Epistemologia

Carlos Alberto Torres

Não há quem tenha se debruçado sobre a metodologia da ciência natural ou social que não tenha tido que dar tratos à bola para compreender os conceitos de ontologia (se a realidade existe independente do pensamento humano) ou de epistemologia (relativa à forma pela qual o conhecimento pode ser adquirido).

Todos, queiram ou não, em suas reflexões sobre a vida ou sobre o mundo que os cerca, já tiveram que debruçar-se sobre problemas de natureza ontológica ou epistemológica.


O quadro acima é um recurso mnemônico para quem frequentemente precisa refletir sobre questões ontológicas e epistemológicas em sua produção intelectual. Aos que desejarem aprofundar-se encontrarão referências excelentes espalhadas em milhares de textos filosóficos ou que abordem a metodologia da ciência.

Para usar o quadro, uma breve descrição:

I. Em primeiro lugar, você deve observar as cores:


  • No eixo vertical (em verde escuro): ontologia, com suas duas posições polares; acima, o objetivismo; abaixo, o subjetivismo.
  • verde claro (nas colunas mais internas): os nomes mais comuns das posições filosóficas ontológicas.
  • No eixo horizontal (azul escuro): epistemologia, com suas posições polares; à esquerda, o empiricismo; à direita, o racionalismo.
  • azul claro (nas colunas externas): os nomes mais comuns das posições epistemológicas na metodologia da ciência; uma sucinta lista de alguns dos pensadores referenciais dessas posições e o quanto se aproximam dos polos ontológicos e epistemológicos.
II. Em segundo lugar, observar os quadrantes da figura, no sentido dos ponteiros do relógio:
  1. objetivismo-racionalismo: um espaço vazio, pois não se compatibilizam a visão ontológica, de uma realidade existente objetivamente, portanto acessável pelos sentidos, observável e mensurável, com uma posição epistemológica de aquisição de conhecimento baseada inteiramente na razão.
  2. subjetivismo-racionalismo: as posições ontológico-epistemológica se compatibilizam colocando a metodologia da pesquisa científica como tributária inteiramente da razão.
  3. subjetivismo-empiricismo: um espaço vazio, pois não se compatibilizam uma realidade meramente subjetiva com as observações, fatos e dados observacionais que caracterizam o empiricismo.
  4. objetivismo-empiricismo: as posições ontológico-epistemológica se compatibilizam; ou seja, o de uma realidade objetivamente existente, acessável pelos sentidos e observável com medidas empíricas.
III. A ciência moderna, livre de visões meramente polares, não prescinde nem da razão, nem da subjetividade, e nem, sobretudo, dos dados observacionais empíricos sobre a realidade objetiva que nos cerca. A pesquisa científica vale-se tanto da indução, a partir dos dados observacionais em busca de generalizações teóricas, quanto da dedução para testar hipóteses empiricamente a partir de prévias construções teóricas. Por isso, em uma de suas configurações mais prestigiadas denomina-se de método hipotético-dedutivo, como ilustrado na figura abaixo.

quinta-feira, 8 de março de 2018

O drama é maior do que 2018

Convido-os a ler o excelente artigo do professor Alberto Aggio. Ele mostra-nos porque um "Cenário pós-Lula deverá requisitar o concurso do conjunto da sociedade na reconstrução do País".



O Brasil, para sair da crise, não pode retroceder nas conquistas democráticas e civilizatórias que já alcançou. Os brasileiros sabem que nossa crise não é apenas econômica. Se o fosse, Temer poderia converter-se em candidato a presidente da república com alguma chance de vitória. Sobretudo, os brasileiros sabem que a saída da crise vai além da questão econômica, e está sendo conseguida como fruto do seu trabalho, da sua luta cotidiana e da sua esperança inesgotável!

O Brasil quer reconstruir-se, como uma democracia moderna e inclusiva do seu povo, com toda a sua diversidade étnica, cultural, comportamental e regional. Quer coisas básicas, como comer e morar com dignidade. Mas quer educação e saúde de qualidade, e sentir-se, em liberdade, seguro dentro de suas casas e nas ruas! Para isso, sabe que precisa estar longe do populismo e do autoritarismo, pois estes se alimentam de ilusões e de velhas concepções, que nos manterão prisioneiros de um Estado patrimonialista e corrupto.

Os brasileiros, mais do que nunca, sabem que precisam ver-se livres da impunidade dos poderosos como condição para que voltem a acreditar em seus politicos, governantes e juízes. A ética, simplesmente, converteu-se em matéria prima comportamental para a reconstrução do país!


"O drama é maior do que 2018
Alberto Aggio (*)


O Brasil vive um momento dramático. Os brasileiros vão às urnas em outubro esperando que o País encontre saídas reais para a crise e um novo sentido de futuro. As últimas escolhas e a composição dos últimos governos deixaram sequelas profundas que comprometeram a credibilidade da política. Hoje a crise ética é uma fratura aberta; a segurança pública, um descalabro, acossada pelo crime organizado. Parcas melhoras na economia e no emprego não alteraram esse cenário de desesperança.

Diante da confirmação da condenação de Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), que deve ceifar sua candidatura presidencial, o País tem diante de si o desafio de superar o lulismo. A corrupção sistemática que arrasou o País nos anos do lulismo abalou todo o edifício político que havia sido montado nos anos de democratização. O cenário pós-Lula deverá requisitar o concurso do conjunto da sociedade, da opinião pública, dos intelectuais, dos partidos políticos e de todos os que se possam mobilizar pela reconstrução do País.

Lula e o PT nasceram no outono do autoritarismo como peças do “sindicalismo de resultados”, com roupagem e retórica de esquerda. No governo, o lulopetismo foi uma “esquerda de resultados”, nefasta para a sociedade brasileira, em especial para os mais pobres pois os subalternizou, fixando-os em seus interesses individuais e impedindo qualquer perspectiva de elevação cultural e política que os convocasse a formular e compartilhar um projeto nacional e civilizatório. O lulopetismo foi tóxico para a democracia e a esquerda. Como escreveu Demétrio Magnoli em artigo recente, “a ‘esquerda’ lulista escolheu o capitalismo selvagem do consumo privado, do crédito popular, do cartão magnético, das Casas Bahia e do Magazine Luiza” como horizonte de satisfação hedonista das massas. A pragmática petista contou, das origens até agora, com a anuência da “esquerda maximalista” que soldava apoios ao “grande líder” quando julgava necessário e conveniente. Papel desempenhado também pelos intelectuais das universidades públicas. Foi assim que o lulopetismo condenou o Brasil a não ver realizada a social-democracia ou o reformismo que poderiam instaurar um novo cenário histórico no País. Em nome do mito e servindo-se dele, o PT bloqueou a afirmação de uma esquerda democrática, defensora das reformas e aberta ao novo.

No Brasil de hoje, as ruas, que foram essenciais em 2013 e no impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, esmoreceram, mas não se despreocuparam. Como se sabia, seria ilusão esperar delas uma saída clara para a crise em que o País mergulhou. Sem conseguir estancar a crise ética, o governo Temer não produziu a expectativa positiva que se esperava, mesmo com uma oposição fraca e prisioneira do lulismo. A política, que havia revivescido, acabou por não se consolidar. Resultado: o drama se instalou, com uma sociedade órfã sem poder confiar no governo ou na oposição.

A expectativa voltou-se para as dimensões externas à política, notadamente para a Operação Lava Jato, que cumpria exemplarmente seu papel republicano e constitucional. Desorientada, a opinião pública passou a admitir saídas ilusórias e despropositadas. Alguns continuaram a ver nas ruas, via democracia direta, a alternativa a esse estado de desorientação. Outros concluíram que decisivo seria “dar o poder” aos “homens de toga”, como substitutos da má política. Embalados pela ânsia de poder, outros ainda viram nas eleições presidenciais de 2018 a salvação mediante apoio a algum outsider, uma sedução pelo transformismo que não faria mais que prolongar nossa agonia; por sorte, parece que essa febre está cedendo.

Mesmo nesse cenário parece haver alguma oxigenação no protagonismo dos chamados “movimentos cívicos” que clamam por renovação da política. Indiscutivelmente positivos, seu exclusivismo e seu finalismo eleitoral merecem, contudo, preocupação, bem como requerem uma checagem do seu real tamanho e sua incidência. Se é preciso evitar o “populismo” como alternativa, também é justo preocupar-se com o que os italianos chamam de qualunquismo, isto é, uma política sem organicidade, que se esgota na identidade do homem comum e das coisas simples, pois sabemos que a política é complexa e exige muito mais do que isso.

Fará bem ao País uma coalizão de forças que se expresse em ideias claras, equipando a sociedade e o Estado para enfrentarem os problemas que derivam da grande transformação advinda da revolução tecnológica em curso. O Brasil tem todas as credenciais para proporcionar a seus cidadãos uma vida digna no momento em que vai completar 200 anos de existência como país independente.

É, certamente, uma batalha dramática e exigente, considerando todos os desafios que temos pela frente, cujo inimigo maior são as promessas, imprudentes e perigosas, que comprometem os horizontes fiscais da República, além de escamotearem, com políticas econômicas dignas de desenhos autárquicos do passado, os equívocos trágicos que a História, mesmo a mais recente, nos tem ensinado.

Não há razão para desejar partir do zero e tampouco há razão para descrer dos brasileiros de bem que construíram, mesmo contraditoriamente, um País cheio de vitalidade e que, transformado, será um excelente lugar para viver. É preciso extrair do esforço democrático de luta dos brasileiros um amplo programa de reformas que deverá, sem as falsas promessas e ilusões da demagogia e da antipolítica, pôr o País para andar. Não surgirá nada de novo nesta quadra se nossos propósitos não visarem uma atualização verdadeira e realista. As ideias-chave para tanto são a valorização do trabalho, da ética e da República, estímulo à inovação e ao crescimento econômico, visão social consonante com o mundo em transformação, democracia e novo reformismo. Com as pessoas no centro das nossas preocupações e dos nossos horizontes."

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(*) PROFESSOR TITULAR DA UNESP