sexta-feira, 25 de agosto de 2017

O dilema fundamental da democracia bloqueada

O Existem duas formas de olhar para a atual conjuntura política; essas duas formas compõem dois aspectos de uma única realidade inseparável. Mas essas formas de olhar correspondem a interesses diferentes; logo, dependendo do seu ponto de vista, você pode chegar a conclusões e a posições políticas diferentes.

Esses dois olhares deveriam representar os mesmos interesses sociais, mas isso não está acontecendo neste momento da história brasileira. Esta a razão central do bloqueio do desenvolvimento de nossa democracia.


Esses dois olhares, entretanto, não estão escondidos nos subterrâneos de nossas consciências. Eles são conscientes, e cada um deles conhece, claramente, um ao outro. Eles formam o dilema fundamental da democracia bloqueada (1). 

O primeiro olhar corresponde ao interesse da sociedade. Naturalmente, a sociedade não está satisfeita com o seu sistema político-partidário-eleitoral, pois a representação política eleita, tanto para o poder executivo como para o legislativo, via de regra, não parece fazer da política a arte de zelar pelo bem comum. Algumas razões da insatisfação com este sistema: ao longo do tempo, ele foi sendo moldado para favorecer eleitoralmente aos que controlam as máquinas partidárias; as regras eleitorais dificultam ao máximo a eleição de lideranças políticas cujos atributos fundamentais sejam a sua representatividade social, compromissos públicos e padrões éticos; o poder legislativo ficou extremamente caro, nos níveis federal, estadual e municipal; as eleições ficaram extremamente caras, tanto para o poder legislativo quanto para o poder executivo; como foi desnudado pela Lava-Jato, a corrupção tornou-se o meio fundamental para financiar a conquista e a manutenção do poder político.

Em consequência, este sistema apresenta resultados pífios em termos de eficiência e eficácia sociais, pois os partidos, como em um botim, dividem entre si o orçamento público, os cargos públicos e as empresas estatais; frequentemente, agem como quadrilhas; por isso, a corrupção, hoje, está associada à falência, ineficiência e desmoralização dos serviços públicos, particularmente nas áreas de saúde, educação e segurança.

O segundo olhar corresponde ao interesse da maioria dos políticos com mandato nos poderes executivo e legislativo federal, e ao de suas respectivas máquinas partidárias. Este olhar deveria corresponder ao primeiro, pois os políticos nestes poderes foram eleitos como representantes do povo. Mas não é isso o que acontece: a maioria atua no exercício de seus mandatos como se fosse apenas para tentar viabilizar as suas reeleições. Surpreendidos pelas apurações da Lava-Jato, denunciados e tornados réus, os principais caciques partidários tentam, agora, da "reforma política", torná-la um instrumento de sua sobrevivência. Agem contra a sociedade. Conceberam, dentre outras coisas, tornar o sistema ainda mais caro com o "Fundo de Financiamento da Democracia", que, somado ao "Distritão", tem como objetivo favorecer eleitoralmente aos caciques e "donos" de partidos, às oligarquias regionais e aos candidatos sustentados por recursos ilícitos. O que intentam, simplesmente, é piorar em várias vezes um sistema político-partidário-eleitoral que já é muito ruim, e que já elegeu essa lamentável representação dos Dilma's, Temer's, Renan's e Cunha's! E, agora, dos Fufuca's. Uma triste representação, uma regressão inaceitável para um país que já teve políticos como Ulisses Guimarães!

Se esses olhares das partes são conscientes e compõem realidades que podem ser descritas com dados, fatos, provas e evidências, por que persistem e resistem? É que, a justificar esse segundo olhar, "rodam" por trás, como programas ou algoritmos (*) automáticos, arraigadas concepções e comportamentos sociais, e se propagam como "memes (**)", de caráter cultural, histórico, filosófico, político, sociológico, econômico, etc., sobre como funciona - ou devem funcionar - as instituições políticas da sociedade. Mas é preciso que se diga, a sociedade nesta disputa é a parte mais fraca, pois eles têm o poder de decisão, que lhes foi atribuído pela Constituição.

É no Congresso Nacional que se encontram e reproduzem essas práticas ao nível da República. Alguns justificam, embora por trás dos panos, a corrupção, o patrimonialismo, o fisiologismo e o corporativismo, porque "sempre foi assim", isentando-se; outros, porque a política perderia qualquer interesse se não fosse um "negócio" onde pudessem enriquecer com ela, alegando, pragmaticamente, que o "ser humano é assim mesmo - egoísta"; outros, ainda, implicitamente aceitando as concepções acima, a justificam como a expressão da "luta de classes", como defendida por uma certa esquerda autoritária e conservadora, alegando que, se os que defendem os interesses dos trabalhadores não roubarem, como o fazem os representantes das "elites" - ou das classes dominantes -, não conseguirão ter recursos para financiar as campanhas eleitorais, que estão cada vez mais caras.

Por isso, não importa o matiz ideológico e político que digam ter, neste momento histórico a maioria dos partidos atua, conservadoramente, contra o desenvolvimento da democracia. Querem vê-la estagnada nos limites dos seus interesses. Isto é bem ilustrado quando se constata que, por temerem a Lava-Jato, unem-se e agem, em "santa aliança", para combate-la e se manterem impunes; ou, ainda, na proposta da reforma política, cujo relator é o deputado federal Vicente Cândido (PT-SP), quando o PMDB, o PT e o PSDB, junto com os partidos do chamado "centrão", defendem a criação do acintoso fundo de financiamento da democracia para aumentarem os seus privilégios. Louve-se os parlamentares e partidos que, embora minoritários, travam uma verdadeira batalha contra a impunidade, e são contra essa reforma política regressiva.

Mas as reações sociais estão sendo imensas, pois existe um divórcio entre o interesse da sociedade e o do sistema político! Esta é uma contradição fundamental que precisa ser resolvida no interesse da sociedade. Ou melhor, no interesse da democracia. Em síntese, é uma tarefa para os democratas. Ela não é fácil, pois onde esteja um democrata indignado, seja como um simples cidadão, ou como um futuro candidato nas eleições de 2018, terá que discutir, propor e agir para realizar essa tarefa histórica: a de desbloquear o desenvolvimento da democracia brasileira.

Existe em meio à grave crise algo que nos consola! Podemos ousar resistir: primeiro, porque não estamos sozinhos, pois milhões de brasileiros estão tão indignados quanto nós; segundo, porque não se extinguiu a força do movimento democrático, que culminou com a Constituição de 1988; terceiro, porque a democracia conquistada nos conduziu a um Estado Democrático de Direito com estabilidade institucional. Isto nos favorece. Portanto, não devemos desanimar, pois a hora é agora. E é hora de luta!


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